MINHA VIDA VIRADA DO AVESSO: As aventuras de Aninha, uma adolescente que descobre um novo e fascinante mundo
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Sobre este e-book
Paulo Marreco
Marido da Letícia. Cristão. Escritor, autor dos livros Vagas Lembranças de Um Quase Atleta (crônicas esportivas) e À noite na Barra (contos de fantasia e suspense). Surfista, torcedor fanático do GALO.
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MINHA VIDA VIRADA DO AVESSO - Paulo Marreco
Prólogo
OI.
Meu nome é Ana Beatriz. Aninha, para os amigos. E, para a minha tia Lelê, eu ainda sou a Ninica. Quando eu era pequena, todo mundo me chamava de Anabê; mas esse apelido foi saindo de moda à medida que eu ia crescendo. Acho que ele não combina muito bem com uma adolescente. Então, hoje todo mundo sempre me chama de Aninha. Quer dizer: de vez em quando meus pais ainda me chamam de Ana Beatriz; mas, quando isso acontece, eu sei que estou em maus lençóis; é sinal de que eu aprontei alguma e estou prestes a levar uma bela bronca ou a ficar de castigo. Sim, porque, se os pais chamam os filhos pelo nome composto, tipo, Nuno Augusto
, Paulo Roberto
, Josefinne Maria
ou Silvester Stalone da Silva
, eles estão putos conosco. Se for o nome completo, então, você está completamente lascado! Mas disso você também já sabe: eu tenho certeza de que os seus pais fazem a mesma coisa. Aliás, todos os pais do mundo fazem exatamente igual. Tipo, eles devem aprender isso em algum curso, sei lá. Ou então, quando se casam, todos eles recebem um Manual Universal Sobre Como Criar e Irritar os Filhos. Neste manual, a Regra Universal Número Um deve estar escrita em letras maiúsculas, em negrito e italizado: OS PAIS DEVEM CHAMAR OS FILHOS PELOS SEUS NOMES COMPOSTOS QUANDO ESTIVEREM ZANGADOS.
Enfim: como eu ia dizendo, eu sou uma adolescente. Tenho quinze anos. Quer dizer: tecnicamente, eu ainda tenho quatorze, mas faço aniversário daqui a poucos meses. Você pode imaginar a minha ansiedade, certo? Então, para todos os efeitos, eu já me considero uma garota de quinze. E, é óbvio, eu me declaro uma garota de quinze. Você sabe que tem uma diferença enorme, certo? Tipo, uma garota de quatorze anos é uma pirralha que não sabe nada da vida (ou seja, quase como a Valentina, minha irmã de sete anos), enquanto uma jovem de quinze já é praticamente uma adulta, dona do próprio nariz, senhora absoluta de todos os conhecimentos e detentora de todas as manhas!
Estou no primeiro ano do Ensino Médio. Aliás, alguém poderia aproveitar a oportunidade e me explicar porque raios tinham que inventar um negócio tão penoso, tão incompreensível, tão irritante e tão inaceitável como a tal da escola? Tudo bem, eu sei, a gente precisa aprender certas coisas para se formar, vencer na vida, ganhar dinheiro, blá, blá, blá e tudo mais; só que, fala sério: Cinemática?! Eletrostática?! Ah, você está achando complicado? E que tal as ligações covalentes?! Espere um pouco: nós nem falamos ainda dos terríveis Hidróxidos de Arrhenius; o que é isso, alguma arma de algum supervilão da Marvel que pretende destruir o Universo?! MeuJesusCristinho, quem é que se importa com essas coisas?! Quem precisa saber destas coisas? E, como se não bastasse ser obrigada a suportar tudo isso, eu ainda preciso deixar o conforto e o calor da minha deliciosa e aconchegante cama todo santo dia às seis da madruga, faça chuva, sol, neve ou a cidade esteja inundada! Tudo bem, nunca neva em Vila Velha; mesmo assim, é ou não é uma verdadeira tortura? E ainda ter que tomar banho? De manhã cedo? Como alguém em sã consciência pode fazer tudo isso de boa vontade? Diante de tantas dificuldades, matérias esdrúxulas e sacrifícios matinais, como alguém pode realmente gostar de estudar?
Se bem que tem algumas coisas boas na escola -e eu não estou falando só dos meus amigos, da cantina, do professor Guto e do recreio. Eu adoro ler; consequentemente, adoro as aulas de Português -mais especificamente, Literatura. Atualmente, divido meu tempo entre A culpa é das estrelas, de John Green, meu livro preferido por enquanto (meu e de outros, sei lá, duzentos milhões de leitores ao redor do mundo), e Os Lusíadas, que estamos estudando na escola. Tudo bem que o Luís de Camões escrevia difícil pra caramba; mas o seu poema é uma coisa linda. Dá só uma olhada, por exemplo, nos primeiros versos do Canto I:
As armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
Muito bacana, não é mesmo? Claro que a gente ainda está estudando o significado de tudo isso, e o poema é enorme e tem muitas palavras que eu nunca tinha ouvido falar, mas, convenhamos: mares nunca dantes navegados é, tipo, super legal! Muito melhor do que estudar aqueles tais hidróxidos.
Então, como você já entendeu, as minhas preocupações são as mesmas que povoam a mente e o coração de todas as meninas de quinze anos, desde que inventaram esse lugar chamado mundo e colocaram nele esse bicho meio esquisito chamado gente: conseguir acordar cedo para não me atrasar (muito) para a escola, passar de ano sem ficar de prova final (tomara!) ou recuperação (Deus me livre!), ter um celular decente, o caderno da Katniss (a garota em chamas!), estar de acordo com a moda, fazer parte da galera descolada (quem gosta de ser nerd?), ver o meu Flamengo campeão (ajuda aí, Mengão!), me divertir nos finais de semana com os meus amigos, ir à praia, ao shopping, comprar aquela linda blusa nova, não engordar...
Sou uma garota normal; torço pelo Flamengo (valeu, Papis. Ótima influência! Há um tempão que o nosso Mengão não ganha nada, mas tá valendo mesmo assim), treino futebol, ando de skate, ouço One Direction, Adele, Selena Gomes, Demi Lovato, Katy Perry e Lady Gaga (divaaaa! Lindaaaa); a-do-ro cinema: Crepúsculo, Jogos Vorazes e Star Wars são meus filmes preferidos. Sou fã da Jennifer Lawrence; Katniss Everdeen, sua linda, quando eu crescer, quero ser um Rouxinol igual a você! Já fui apaixonada pelo Brad Pitt (mas quem não?), pelo Johnny Depp e pelo Leo (DiCaprio, lógico), mas atualmente meu coração balança entre dois novos amores: o guardião da galáxia Chris Pratt e o deus do trovão Chris Hemsworth. Decisão difícil. Ah! E, como eu já mencionei antes, o Guto, professor de Química, também é um gato (o Guto é um gato? Isso até rende um poema). E tem a vantagem de estar mais ao alcance...
Como você deve ter percebido, faço tudo o que uma adolescente de quinze (sim, quinze; você não vai começar também a pegar no meu pé por causa de alguns míseros meses como o meu pai faz, vai?) anos faz. Só que, infelizmente, eu faço ainda outra coisa que nem todas as garotas de quinze anos fazem: dieta. De segunda a sexta-feira eu me alimento praticamente só de folhas, legumes, raízes e carnes brancas; nada de pizza de calabresa ou pepperoni, churrasco, comida japonesa, sorvete de menta com chocolate, açaí com leite condensado e paçoca e castanha de caju e todos os complementos possíveis, Coca-Cola, torta de limão, brownies ou qualquer outra coisa deliciosa. Ou seja: durante a semana, eu não vivo, apenas vegeto. E até nos finais de semana eu tenho que me controlar. Isso quer dizer que eu vivo num estado de fome permanente. Ó, Deus dos altos céus, porque é que as coisas mais gostosas da vida transformam a gente numa baleia?! Tudo isso porque estou, tipo, um pouquinho acima do peso ideal. Tá bom, eu confesso: estou mais do que um pouquinho acima do peso ideal. E, você sabe: estar acima do peso é crime imperdoável entre adolescentes, punido com o exílio durante o período do recreio, além dos olhares debochados e os comentários sarcásticos das meninas. E, o pior: qualquer adolescente gordinha é presa fácil para os malditos bullies que infectam o mundo com o seu arzinho de superioridade, suas almas malignas (tá, eu reconheço, sou mesmo um pouco melodramática), sua absoluta falta de sensibilidade e respeito, e as suas piadinhas infames e impiedosas. E o pior é que os filhos da mãe costumam ser muito criativos na hora de sacanear os outros.
Moro em Vila Velha, Espírito Santo, Brasil, América do Sul, Terra, Via Láctea, Universo. Uma cidade com um pouco mais de 170 mil habitantes (taí o tipo de informação inútil: como é que alguém vai saber a diferença entre 170 mil e um milhão de pessoas?), quente pra burro, com belas praias, um antigo e famoso convento construído no alto de um morro lá pelos idos de 1660 (alguma coisa a gente tem que aprender na escola), três shoppings centers e quase nada para se fazer. Quer dizer: quase nada em termos de programas de adultos. Claro que, se você é um turista e está passeando, vai ser legal subir ao Convento da Penha, pegar um bronze na Praia da Costa, visitar o acanhado Museu da Vale na estação ferroviária ou se entupir de chocolate na lojinha da Fábrica de Chocolates Garoto; mas, para nós, moradores, repetir esses programas toda semana acaba sendo meio chato e, portanto, a cidade deixa muito a desejar em termos de opções de lazer -se bem que, se meus pais deixassem, eu iria à lojinha da Garoto todos os dias. Para você ter uma ideia, nós só temos um mísero teatro, unzinho só; e eu nem me lembro de quando aquele modesto palco recebeu a última peça! Então, resumindo, em Vila Velha você é praticamente obrigado a gostar de praia, ou então você precisará ser muito criativo se quiser se divertir por aqui. Mas, modéstia à parte, criatividade nunca foi um problema para mim e para os meus amigos. Meus pais e a professora de Artes que o digam.
Estou contando todas estas coisas para você entender que eu sou uma garota comum, normal, e a minha vida é uma vida completamente normal, como a de qualquer outro adolescente normal ao redor do mundo.
Quer dizer: era.
A minha vida era normal.
COMO EU IA DIZENDO, a minha vida era completamente normal até que tudo virou ao avesso da maneira mais radical e rápida e louca que você pode imaginar. E, como se não bastassem todas as coisas que ocorreram, você não vai acreditar: ainda por cima me apareceu um... Mas, espere um pouco; estou indo rápido demais. Antes de contar os fatos incríveis que aconteceram comigo nos últimos tempos, acho melhor você conhecer um pouco a minha turma. Até porque os meus amigos malucos estão nessa comigo até o pescoço. Então, respeitável público, prepare-se: Ana Beatriz Produções Artísticas orgulhosamente apresenta:
A GALERA DO FAROL!
Obrigada, obrigada, muito obrigada pelos aplausos; realmente, não é que eu esteja me gabando, mas a rapaziada do Farol merece! Só que, pensando bem, antes de apresentar a minha galera, eu preciso explicar uma coisinha ou outra sobre o Farol. Sabe aquele negócio de determinismo geográfico? Pois então: você precisa conhecer o meu pedaço, o meu bairro, para entender a minha turma.
Quando meus pais vieram morar em Vila Velha, na Pré-História (tipo, há uns trinta e tantos anos), a Praia da Costa era praticamente um enorme areal, distante, deserto e cheio de mosquitos e goiamuns[1] (que são uma espécie de caranguejo, grande, azul e ameaçador, muito abundante na nossa simpática cidade). E, como se isso não fosse longe o bastante, na parte mais longínqua da Praia, depois do Morro do Moreno, tem uma península (mais uma coisa que a gente aprende na escola), separada do resto da cidade por duas imensas propriedades, praticamente duas florestas: a Residência Oficial do Governo do Estado de um lado; e a residência de Mister John Hershey, um milionário americano meio recluso que veio para o Espírito Santo na década de 1950, do outro. Isto significa que, se no resto da cidade os moradores convivem com os mosquitos e caranguejos, aqui nas nossas bandas, além destes animais, nós temos como vizinhos uma fauna mais rica: convivemos harmoniosamente com bandos de pombas-rolas, pardais, anus, rabos-de-prata, bombeirinhos, saíras-sete-cores, melros, canários, sabiás, bem-te-vis, beija-flores, gaviões, corujas, algumas araras e mais um monte de outras aves (o meu pai é que sabe o nome de todos esses pássaros; ele até tem um binóculo para ficar observando eles); até um tucano que nós batizamos de Reinaldo aparece de vez em quando; pequenos macacos que frequentam as varandas das casas pela manhã e disputam com os passarinhos as frutas que as pessoas deixam ali para os bichos; gambás, aranhas caranguejeiras (argh!)... Até umas jiboias (credo!) dão as caras de vez em quando. Mas está tudo bem, não precisa se assustar: Não chega a ser como na Flórida, onde você acorda de manhã e se depara com um jacaré nadando na sua piscina ou desfilando no seu campo de golfe, ou no Colorado, onde os ursos invadem lojas de conveniência para roubar chocolates; mas aqui no Farol nós estamos acostumados com a presença de animais, e ninguém fica muito surpreso quando se depara com alguma serpente atravessando a rua à noite.
Visto de cima (nem preciso dizer que você pode olhar as fotos aéreas de qualquer lugar do planeta usando o poderoso Google Maps, certo? Tipo, fala sério: estamos em pleno Século XXI!), o meu bairro parece um boneco inflável com os braços jogados para o alto, daqueles que as pessoas colocam na frente de lojas e postos de gasolina, ou uma tartaruga meio desproporcional: um corpo comprido, formado pelas duas florestas que eu falei, além da Prainha do Ribeiro; uma cabeça e os braços (ou barbatanas, se você olhar para a foto e enxergar a tartaruga ao invés do boneco inflável) levantados. A cabeça e os braços (barbatanas?), praticamente do mesmo tamanho, são três montes; no monte do meio fica localizado o Farol de Santa Luzia; esse farol, uma torre de metal de 12 metros de altura, foi construído em 1870 para ajudar os navegadores a encontrarem o caminho para a Baía de Vitória, e nas noites mais chuvosas parece cenário de filmes de terror, tipo Sexta-Feira 13 ou qualquer coisa assim. Pois foi exatamente neste monte que meus pais vieram parar, sabe-Deus-por-quê. E é aqui que nós moramos.