Lisa: Maior que o Amor
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Lisa - Silveira Neto
Prefácio
Ah Lisa, Lisa...
Neste prefácio, que não tem nada de fácil, tenho que tentar antecipar um pouco das emoções que cada leitor sentirá ao ler este romance? conto? ou simplesmente a mais pura realidade das almas masculinas de todo planeta terra. A maior verdade é que nós, homens, viemos de Júpiter e as mulheres de Plutão ou vice versa, raras são as almas que vieram de um mesmo planeta azul como Lisa e Stan.
Como sempre a intuição partiu da alma feminina, porque no nosso planeta existe muito pouco disso, somos muito mais pé no chão, ou nas nuvens. Elas percebem muito mais essas sutilezas que pra nós são mais difíceis de serem notadas, daí a sorte do Stan encontrar, ou ser encontrado pela sua parceira astral, a Lisa.
Conheço pessoas que têm essa telepatia forte e que passam a vida sabendo o que o outro está pensando, não com a força de Lisa e Stan, mas muito mais forte que as pessoas normais
.
Quisera eu.
Esse mundo criado por meu irmão, com referências da nossa vida real, valores, conceitos, alegria, relacionamento com outras pessoas, são de forte impacto na alma principalmente para quem viveu dos anos cinquenta em diante.
Chega-se a sentir o cheiro do ar daqueles anos, a vida despreocupada, os pais, a casa, até o gosto do pirulito zorro na saída da escola. Como isso é latente na alma da gente!
A vida passando, como num conto, rápida e cheia de meandros felizes. É disso que se deve lembrar.
Por isso todos temos a esperança, quase impossível, de ter uma Lisa em nossas vidas, esperança iluminada de todos os homens, que como o Stan, jamais pensou, por um só momento, em outra mulher, pra quê?
Se vê a vida indo como um rio de águas claras e calmas que acaba nos levando para uma mudança de plano suave e feliz. Tudo livre dos mesquinhos sentimentos.
Fechamos o livro e caímos na real
Paradoxo.
Kleber Silveira
Nuvens Brancas
Cheguei na cidadezinha do interior pra onde meu pai, gerente do Banco do Brasil, foi transferido. Minha mãe, uma bonita e bem humorada portuguesa, que era professora de Português no Colégio Estadual, estava feliz com sua nova vida. Minha irmã 5 anos mais velha, já com 19 e poucos anos na época, ficava emburrada e chorava muito por ter deixado seus amigos e namorado. O que mais me chateava era o clima frio dessa nova cidade e a lembrança da minha namoradinha, minha primeira namoradinha por quem eu era apaixonado e vivia criando situações imaginárias pensando no seu jeitinho doce. Durante o primeiro ano, em alguns domingos, meu pai nos levava pra nossa cidade, pra visitarmos nossos parentes e amigos, isso me trazia uma grande alegria, porque podia me encontrar com Maria Rita, meu grande amor Hollywoodiano. Ela usava um cabelo alto, todo enrolado, como se fosse um tubo, coisa dos anos 50 e fixado com laquê. Tinha uns vestidinhos de cores bem suaves todos enfeitados com um tipo de rendinha na gola e na barra, usava sapatinhos de boneca, meu Deus!!! Que coisinha mais linda, o coração ficava tão cheio de amor que chegava a umedecer os olhos.
Quando íamos ao cinema nas tardes de domingo assistir aos filmes do Jerry Lewis, eu pegava na sua mãozinha e minha alma era transportada para outras galáxias, que sensação maravilhosa!! Eu sentia um leve tremor no seu bracinho e imaginava que ela também estava me acompanhando nessa viagem ao interior do nosso universo, que ela era minha cúmplice e companheira, nossa!!! como os domingos eram cheios de emoções.
Mares nunca dantes navegados dentro das minhas emoções viraram minha especialidade. Um domingo de navegação era o suficiente para ficar a semana toda fora do ar, vivendo literalmente em um universo paralelo. Nas tardes quentes, deitava no alpendre de casa, no ladrilho fresquinho e ficava olhando as nuvens brancas no céu, imaginando um passeio de mãos dadas com minha amada, brincando de pular, escorregar no tobogã de algodão e no final, como nos filmes, terminar a brincadeira com um abraço e um beijo teatral, meu coração disparava.
Como nossas famílias eram amigas e praticamente fomos criados juntos, nada impedia que eu fosse almoçar aos domingos com ela e ser bem recebido pelos seus pais e pela sua irmã mais velha que era muito carinhosa comigo, acho que se divertia com nosso namoro escondido
. Quando tocava no nome de Maria Rita em reuniões familiares, os semblantes mudavam e um sorriso disfarçado brotava no rosto de todos. Eu me fazia de desentendido, mas ficava furioso, esse amor era a coisa mais importante do universo.
O tempo foi passando e o primeiro ano foi-se embora levando uma parte bem grande da minha paixão por Maria Rita, esfriando algumas amizades, fortalecendo outras e minha vontade de ficar na minha nova cidade foi tomando conta da alma. As nuvens brancas estavam levando Maria Rita pra longe de mim.
Eu estava superando os problemas da minha chegada pois o povo da nova cidade era muito diferente. Na escola eu tive que ser artista, para evitar grandes contendas e conquistar a simpatia daquele pessoal tão esquisito. Graças a 2 maravilhosos e pouco ajuizados tios, tive toda sorte de aula de Sobrevivência na Selva
, briga com caras maiores, chaveco nas meninas, dirigir caminhão, fumar, beber, desculpas inimagináveis e toda sorte de safadeza possível e conhecida da época. Ensinaram eletricidade, mecânica, pintura e outras coisas tremendamente úteis que me servem até hoje.
O Tio
Um tio, fala como um amigo e como se fosse coisa proibida, com isso chama a atenção de qualquer guri. Um pedido é uma ordem, pois aquele vínculo de confiança de uma pessoa que o protege e só quer seu bem é algo muito forte. Tudo que é ensinado é absorvido e fortalece seu ser. Um bom tio, ensina a ser homem de verdade, duro o suficiente para enfrentar a vida sem mimimi, prático, honesto e além de tudo, que é o mais importante, não acreditar em muitas regras que só foram criadas para roubar a sua paz e liberdade.
Um bom tio como tive 2, ensina a determinação, a honestidade e sobretudo, a coragem. Coragem para vencer o medo que o sistema nos impinge, para enfrentar o pavor que as religiões e a política nos impõem e nos cega. Só tios como eram os meus, ensinam que todos nascemos ateus e que o restante é uma mentira que nos enfiaram goela abaixo tornando nossas vidas um tormento, recheada de medos e inseguranças.
Tios como os meus, também me ensinaram o respeito, a admiração e a chorar. O valor de um abraço apertado, a mão estendida, o carinho e a solidariedade. Mas até então, não conseguiram um jeito de me ensinar a esquecer totalmente Maria Rita e suas nuvens brancas que teimavam em viver dentro de mim. Ainda no final das tardes, depois da escola eu fazia um sanduiche com tudo que tinha na geladeira, misturando alface, abobrinha, carne de geladeira no molho vinagrete, manteiga e picles, sentava-me na frente da janela da sala de jantar, abria uma Coca-Cola, ligava o rádio Hitachi da minha mãe, na Rádio Panamericana para ouvir o programa do Maestro Erlon Chaves e ficava viajando, brincando com Maria Rita nas nuvens brancas. Percebia que estava começando uma desconexão entre nós e ficava triste.
Férias No Rio De Janeiro
Terminou mais um ano e meu pai resolveu passar as férias de verão na casa de uns parentes no Rio de Janeiro. Eu e minha irmã Aline ficamos muito felizes pois já conhecíamos esses parentes que eram muito divertidos e festeiros. Janeiro de 1965, 4º Centenário da Cidade Maravilhosa. Imagina só o tamanho da festa que iríamos assistir e participar. A Bossa-Nova explodia nas Rádios, a boemia carioca ditava moda para o mundo e eu vendo tudo aquilo ao vivo, imagina a minha alegria, pena que estava só com 16 anos e meio de idade. Minha irmã já com 21 e poucos, precisava de um álibi para sair sozinha na noite carioca e esse álibi era eu, pois era profundo conhecedor e colecionador de discos de Bossa-Nova. Ela nunca deu muita confiança pra mim, mas sempre teve muito carinho. Ela me tratava com delicadeza, pois sempre fui muito magro, pequeno e Inspirava Cuidados
segundo a família e junto com os seus cuidados veio o apelido de Tico, (de Roberto, Robertico, ou Tico de gente, segundo suas explicações) Agora com meus 16 anos e meio, já tinha encorpado um pouco, ficando com jeito de Mocinho
, cresci bastante passando dos 1,70 m, tinha deixado de ser chato e começamos a nos entender muito bem, sempre fazendo companhia um para o outro e conversando bastante. Ela me ensinou a dançar, a como me portar com as meninas, ser gentil, atencioso e deu todas as dicas de uma irmã mais velha e inteligente. Ela era muito bonita, ruiva de cabelos lisos e longos, seus 1,70 m cheios de charme, falava 3 línguas e tocava piano, estava fazendo cursinho pra medicina e já morava sozinha em São Paulo numa república de meninas de nossa cidade. Namorava com um estudante de medicina, cara muito legal o Ivan, cunhadão mesmo, que gostava de mim e me levava pra passear pela Rua Augusta no seu Simca Chambord vermelho com bancos de couro separados, motor Ford V 8 importado, 2 escapamentos abertos e cambio de 5 marchas, era a glória pra mim.
Beco das Garrafas
Então, voltando ao Rio, com a desculpa de me levar para as boates e bares da época, eu e minha irmã Aline, saímos da Urca, onde moravam nossos parentes e fomos pra Copacabana-Ipanema – Leblon onde rolava a moda mundial da Bossa-Nova. Eu sabia de todos os lugares que tinham os melhores shows (Lia tudo, na Revista Manchete) e fomos para a noite carioca. Levei minha irmã no Bolero, gafieira chic, no Veloso e acabamos no Beco das Garrafas.
Show do lançamento do disco Cariocas de Quatrocentas Bossas, em homenagem ao 4º Centenário do Rio.
Uma coisa fantástica, eu estava em nuvens, pois sempre fui fã desse grupo maravilhoso e estava vendo os caras ao vivo. Minha irmã chorou quando eles cantaram Preciso Aprender a ser Só, com saudade do meu cunhado e eu chorei lembrando de Maria Rita e sua nuvem branca. Muita emoção, bebemos Whisky até o dia clarear e vimos os melhores trios de Bossa-Nova e cantores da noite carioca. Minha irmã, muito esperta como sempre, lá pelas 2 da manhã, ligou para a casa dos parentes e avisou que iríamos chegar de manhã cedo pois estávamos no Beco das Garrafas, o que foi perfeitamente compreendido por todos e voltamos pra casa no Aero Willys