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Partidos políticos e disputa eleitoral no Brasil
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E-book339 páginas4 horas

Partidos políticos e disputa eleitoral no Brasil

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Sobre este e-book

O livro Partidos políticos e disputa eleitoral no Brasil é o resultado de uma pesquisa que tem como objetivo reconstruir criticamente os acontecimentos políticos cruciais do final dos governos de caráter bonapartista. Para tal, refaz o percurso do coup de main da burguesia, diante das possibilidades de aprofundar um projeto de governo fundado sobre uma perspectiva nacional-desenvolvimentista com ampla participação popular. Abre a possibilidade para reflexões que vão muito além do tema da transição democrática dos governos ditatoriais para os da legalidade democrático-burguesa. Proporciona-nos refletir sobre a situação atual do movimento operário e popular, nos impasses em que vive o projeto do socialismo e nas tarefas que têm pela frente os que desejam que a transição democrática se complete na perspectiva do socialismo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de mai. de 2022
ISBN9788528305609
Partidos políticos e disputa eleitoral no Brasil

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    Partidos políticos e disputa eleitoral no Brasil - Pedro Fassoni Arruda

    Capa do livro

    PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

    Reitora: Maria Amalia Pie Abib Andery

    EDITORA DA PUC-SP

    Direção: José Luiz Goldfarb

    Conselho Editorial

    Maria Amalia Pie Abib Andery (Presidente)

    José Luiz Goldfarb

    José Rodolpho Perazzolo

    Ladislau Dowbor

    Karen Ambra

    Lucia Maria Machado Bógus

    Mary Jane Paris Spink

    Matthias Grenzer

    Norval Baitello Junior

    Oswaldo Henrique Duek Marques

    © Pedro Fassoni Arruda. Foi feito o depósito legal.

    Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP

    Partidos políticos e disputa eleitoral no Brasil [recurso eletrônico] / Pedro Fassoni Arruda. - São Paulo : EDUC, 2016.

        1. Recurso on-line: ePub

    Disponível no formato impresso: Arruda, Pedro Fassoni. Partidos políticos e disputa eleitoral no Brasil. São Paulo : EDUC, 2016. ISBN 978-85-283-0539-5

    Disponível para ler em: todas as mídias eletrônicas.

    Acesso restrito: http://pucsp.br/educ

        ISBN 978-85-283-0560-9

       1. Partidos políticos - Brasil - História. 2. Eleições - Brasil - 1984-1985. 3. Brasil - Política e governo - 1961-1964. 4. Brasil - Política e governo - 1964-1985. 5. Brasil - História - Revolução, 1964. I. Título.

    CDD 324.281

    324.981

    320.981

    981.062

    EDUC – Editora da PUC-SP

    Direção

    José Luiz Goldfarb

    Produção Editorial

    Sonia Montone

    Preparação e Revisão

    Siméia Mello

    Editoração Eletrônica

    Gabriel Moraes

    Waldir Alves

    Capa

    Rodrigo Ohtake

    Secretário

    Ronaldo Decicino

    Produção do ebook

    Waldir Alves

    Rua Monte Alegre, 984 – sala S16

    CEP 05014-901 – São Paulo – SP

    Tel./Fax: (11) 3670-8085 e 3670-8558

    E-mail: educ@pucsp.br – Site: www.pucsp.br/educ

    Apresentação

    Antonio Carlos Mazzeo*

    O livro de Pedro Fassoni Arruda é o resultado de uma pesquisa cujo objetivo foi o de reconstruir criticamente os acontecimentos políticos cruciais do final dos governos de caráter bonapartista – que configuraram um largo período ditatorial no Brasil, entre 1964 e 1985, que o autor define como ditadura civil-militar – e, para tal, refaz o percurso do coup de main da burguesia, diante das possibilidades de aprofundar um projeto de governo fundado sobre uma perspectiva nacional-desenvolvimentista com ampla participação popular.

    A abordagem de Fassoni procura demonstrar exatamente esse momento histórico dramático em que estavam em jogo a possibilidade da maior presença dos setores populares e dos trabalhadores nos processos decisórios da vida política do País, que aparecia opostamente ao projeto delineado pela burguesia brasileira, e suas frações de classe, no contexto da Guerra Fria, no qual se alinhavam automaticamente às determinações geopolíticas estadunidenses.

    Mais do que um alinhamento ideológico e pragmático, no âmbito político, a burguesia brasileira, associada subalternamente ao imperialismo e tradicionalmente avessa à democracia, por seu vezo autocrático de extração escravista e colonial, constituía seu caminho de objetivação e de modernização capitalista, excluindo as massas populares dos processos decisórios nacionais, oscilando entre a legalidade burguesa ou democrático-burguesa e a autocracia sem véus.¹

    O avanço da organização das forças populares, compostas por sindicatos urbanos, dos trabalhadores rurais e de movimentos sociais, colocava, na ordem do dia, a possibilidade de ruptura com a autocracia burguesa e ameaçava objetivamente a modernização conservadora, inclusive a implantação da indústria automobilística que fortalecia a opção da burguesia do País em desenvolver uma economia baseada no Departamento II da produção.

    A incompetência e o isolamento político de Jânio Quadros findou por inviabilizar seu governo, levando o presidente a tramar o golpe da renúncia, uma desesperada tentativa de constituir um governo bonapartista carismático, que acabou não dando certo, já que o presidente Quadros não inspirava confiança nem à burguesia e tampouco aos militares golpistas. A mirabolante tentativa de golpe de Estado de Quadros possibilitou com que o vice-presidente João Goulart assumisse a presidência da República, em meio à uma grave crise inflacionária.

    Em 1963, João Goulart, o presidente Jango, implementa políticas desenvolvimentistas e nacionais, implantando o Plano Trienal através do ministro Celso Furtado, além das reformas de base, que tinham por objetivo desenvolver o mercado interno e, como pressupostos, a reforma agrária e a modernização da produção no campo.

    O desenvolvimentismo nacionalista de Jango assustava a burguesia porque punha em questão a proposta da modernização-associada de amplas e importantes frações de classe da burguesia brasileira. Esse é o escopo para o desencadeamento do golpe de Estado de 1º de abril de 1964 e para a vigência da autocracia burguesa por 21 anos. De modo que Fassoni demonstra que o golpe de Estado de 1964 expressou o direcionamento político e econômico pretendido pela burguesia brasileira.

    Assentado em robusta bibliografia e em fontes da época, o livro demonstra que o processo de transição, iniciado com a crise dos governos militar-bonapartistas, fundamentou-se na ação política conservadora para a consolidação de um processo em que fosse possível rearticular e modernizar a economia brasileira sem muitas surpresas, na mais clássica tradição brasileira das transições pelo alto.

    A chamada transição democrática teve em sua estruturação a presença de forças que acabaram alijando os setores populares e articulando mais um arranjo político, muito de acordo com a trajetória histórica da burguesia brasileira, o que nos permite afirmar que o processo de redemocratização se configurou em uma transição transada, para construir a passagem da autocracia burguesa escancarada para a legalidade democrático-burguesa.

    Fassoni põe em evidência a debilidade das forças populares para afrontar a proposta de transição prussianizada, em que as forças populares estariam subsumidas ao projeto de modernização do capitalismo brasileiro. E para que possamos entender esse processo de transição conservadora de Longue durée, é necessário que compreendamos que a derrota do projeto político de conciliação de classes implementado pelo PCB significou a derrota de todo um projeto socialista que abrangeu o conjunto das esquerdas revolucionárias.

    O Partido Comunista Brasileiro impulsionava uma linha tático-estratégica umbilicalmente vinculada à política externa da URSS, aplicando, na prática, a política de coexistência pacífica que dava o tom de ação reformista aos comunistas ocidentais. Excluindo-se a experiência do Manifesto de Agosto de 1950 – quando o PCB faz um giro à esquerda e, mesmo não rompendo com sua tradicional visão etapista da revolução brasileira, chega a uma compreensão mais realista em relação ao caráter do capitalismo brasileiro e sobre sua condição de associação subordinada ao imperialismo (Mazzeo, 1999, pp. 74 ss) –, o PCB vinha implementando uma linha política reformista e subalternizada à noção de uma revolução em etapas, na qual era necessário, para se chegar ao socialismo, uma revolução democrático-burguesa que ampliasse o desenvolvimento do capitalismo brasileiro e que possibilitasse o crescimento qualitativo do proletariado para impulsionar a revolução socialista.

    Para tal, no âmbito da concepção reformista hegemônica no comitê central do partido, era necessária uma aliança política com uma pretensa burguesia nacional e progressista, além de aprofundar as conquistas democráticas, em que estivessem presentes os setores legalistas das forças armadas. Essa linha política se aprofunda a partir de 1960, com a Declaração de Março, e será responsável por uma visão incorreta da realidade brasileira e por divisões internas de grande impacto político, organizativo e ideológico.

    O reformismo dos PCs ocidentais, incluindo-se aí os latino-americanos, acaba ressonando no Movimento Comunista Internacional (MCI), em um contexto mundial extremamente radicalizado. Na guerra no Vietnã, conhecida, então, como a guerra da Indochina, o exército revolucionário Viêt Minh vence a Batalha de Diên Bien Phu, sob comando dos líderes comunistas, o general Vo Nguyen Giap e Ho Chi Minh, em maio de 1954; a vitória da Revolução Cubana em 1959; as lutas de Libertação Nacional; as lutas dos negros estadunidenses contra o Apartheid; além da ruptura entre a URSS e a China de Mao Tsé-tung, que incidiria sobre o MCI.

    No Brasil, essa linha política reformista será responsável pela dissidência dos líderes comunistas João Amazonas, Pedro Pomar e Maurício Grabois, que serão expulsos do PCB e fundam, em fevereiro de 1962, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), como será conhecida essa nova organização comunista, que rompe com a URSS e se volta para a China, passando a considerar o Partido Comunista Chinês (PCC) o farol, a vanguarda e a força dirigente da revolução mundial, conforme a designação do dirigente comunista dissidente do PCB, Maurício Grabois.

    Assim, o maoísmo ganhava difusão institucionalizada no Brasil e atuava como força aglutinadora contra o velho Partidão (Gorender, 1987, pp. 34 ss). Mais adiante, em finais dos anos 1960, outras divisões irão atingir o PCB, como a ALN, liderada por outro dissidente, Carlos Marighella, além da Dissidência da Guabanara – a Di-Guanabara – que acaba fundando o MR8. Mas o projeto da luta armada no combate à ditadura acabou sendo destruído, com o desmantelamento das organizações armadas e o assassinato e o exílio de muitos de seus militantes por parte dos aparelhos repressivos da ditadura.²

    Analisando o processo macroscopicamente, o projeto de revolução, calcado na visão de Libertação Nacional, foi fragorosamente derrotado. A rigor, ainda que tenham rompido com o conceito de revolução em etapas, as organizações armadas de maior poder de ação, como a ALN, o MR8 e a Polop, não conseguiram se desvencilhar das velhas formulações do MCI, com raízes teóricas nas Teses Políticas da IIIª Internacional – o Komintern, somando a elas as teo­rias foquistas e espontaneístas dos anos 1960, o que afastou essas organizações dos movimentos de massas. Efetivamente, criou-se um hiato de lideranças revolucionárias, assassinadas e/ou banidas da vida nacional.

    Ao mesmo tempo, com o desenvolvimento de um projeto modernizador do capitalismo, ainda que atrelado ao Departamento II da produção, surge um novo e moderno proletariado, baseado principalmente na região do ABC paulista. Daquela nova classe trabalhadora nascem novas lideranças, mas sem a experiência e a formação política dos velhos sindicalistas socialistas e comunistas, agora mortos ou exilados. Essa nova liderança, que irá fundar o que ficou conhecido como o Novo Sindicalismo, irá organizar as memoráveis greves que colocarão o modelo econômico ditatorial, fundado no arrocho salarial, na berlinda. Mas,

    [...] por ter sido produto de ações espontâneas, apesar de seu potencial, o movimento grevista careceu de uma direção politicamente consciente e de um núcleo dirigente que realizasse a mediação entre as manifestações da consciência imediata com a ação mediada por uma política que permitisse o desenvolvimento das imensas potencialidades imanentes àquelas movimentações operárias. (Mazzeo, 1999, p. 159)

    Essa condição era tão evidente que, mesmo de modo difuso, a própria liderança operária espontaneísta e economicista³ percebeu a necessidade de um instrumento mais eficaz de intervenção política. Juntamente com outros grupos políticos que se aproximavam da liderança operária – militantes oriundos da luta armada, católicos de esquerda e a social-democracia-tardia, formando o Partido dos Trabalhadores, uma organização política que se estrutura como uma frente de esquerda, dentro de um caldo de cultura muito permeado por uma concepção espontaneísta e com um programa político genericamente socialista.

    Obviamente que esse espaço nos impede de aprofundar essa reflexão de modo apropriado, mas essa referência é fundamental para que possamos apreender o elemento essencial que estará presente no processo de transição da ditadura bonapartista para a legalidade democrático-burguesa, em que os setores proletários e populares não conseguiram romper com a autocracia burguesa.

    No processo de transição dos governos bonapartistas para os governos civis, a disputa foi ganha exatamente pela capacidade de reorganização do núcleo autocrático, que compunha a ditadura, e de hegemonizar e aglutinar os setores da burguesia e da pequena burguesia para o pacto da transição pelo alto, efetivada pela condução à presidência da república, através do Colégio Eleitoral, da chapa Tancredo e Sarney, alijando as massas populares e proletárias do processo decisório.

    A debilidade dos setores populares foi o elemento central para a vitória da transição transada. De um lado o PCB, com sua proposta de atrelar o pujante movimento grevista à Frente Democrática, situada nos marcos do MDB, já superada pela eclosão das greves operárias e pelas possibilidades que se abriam para a construção de uma Frente de Esquerda, e de outro, o PT, naquele momento muito sectarizado e preocupado em acomodar as diversas tendências que se digladiavam dentro dele e de se consolidar como um partido de oposição operária.

    No entanto, não podemos deixar de dizer que houve um mérito na formação do PT, justamente o de ter conseguido, de certo modo, apreender as necessidades do movimento dos trabalhadores, engendradas pelo novo momento histórico do País. Mas, por sua vez, essa apreensão da realidade era realizada através de abordagens empíricas e com pouca mediação analítica, ainda que tivesse em suas fileiras intelectuais oriundos da academia, naquele momento, ligados à crítica paulista (quer dizer, à USP), quase sempre de viés antimarxista e principalmente antileninista. Podemos dizer que o PT, partido com uma ampla base proletária, tinha em seu núcleo dirigente, o grupo de sindicalistas economicistas, composto por Lula e seus companheiros de sindicalismo, social-democratas, católicos de esquerda e comunistas dos mais diversos matizes, o que configurava um partido clássica e ideologicamente radical, de corte pequeno-burguês, nos moldes das interpretações lenineanas.

    Essa condição de precariedade política das esquerdas não somente propiciou a transição pelo alto, como expressou a incapacidade dos setores proletários e democrático-populares a realizar a ruptura com a autocracia burguesa. Ao contrário, o crescimento do PT e seu enraizamento nos movimentos operários e populares ocasionaram o enfraquecimento do movimento comunista brasileiro e consolidou a hegemonia, no movimento operário, de uma social-democracia-tardia, que gradativamente derrota os setores marxistas atuantes internamente no PT e solda o bloco político entre o sindicalismo economicista com o reformismo intrínseco da social-democracia, que irá configurar o perfil hodierno do PT.

    O livro de Fassoni abre a possibilidade para reflexões que vão muito além do tema da transição democrática dos governos ditatoriais para os da legalidade democrático-burguesa. Proporciona-nos refletir sobre a situação atual do movimento operário e popular, nos impasses em que vive o projeto do socialismo e nas tarefas que têm pela frente os que desejam que a transição democrática se complete na perspectiva do socialismo.

    Referências

    GODOY, M. (2014). A Casa da Vovó – uma biografia do Doi-Codi (1969 – 1991), o centro de sequestro e morte da ditadura militar. São Paulo, Alameda.

    GORENDER, J. (1987). Combate nas Trevas. São Paulo, Ática.

    LENIN, V. I. (1976). Que hacer? – Problemas Candentes de Nuestro Movimiento in Lenin – Obras Completas. Madri, Akal.

    MAZZEO, A. C. (1995). Burguesia e Capitalismo no Brasil. 2a. ed. São Paulo, Ática.

    ____(1999). Sinfonia Inacabada – a política dos comunistas no Brasil. São Paulo/Marília, Boitempo/Unesp.


    Notas

    * Professor do Departamento de História da FFLCH (USP) e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social (PUC-SP).

    1 A configuração de legalidade burguesa está determinada pela forma incompleta de relações democráticas institucionais. Em sua história, o Brasil viverá algo próximo de uma democracia formal somente após 1945, com o fim da ditadura de Getúlio Vargas, chamada de redemocratização. Vigia no Brasil uma legalidade em que a democracia se estruturava restritivamente, se levarmos em conta que as leis que regulavam as relações trabalhistas eram inspiradas nas leis fascistas italianas, o que de per si punha sob suspeita as intenções democráticas da burguesia brasileira. Como ressaltei em Burguesia e Capitalismo no Brasil: [...] A configuração da legalidade burguesa e não da democracia plena está no fato de que a própria ‘redemocratização’ não rompe com a autocracia burguesa. Articulada pela habilidade histórica dos políticos burgueses, a ‘redemocratização’ realizou-se ‘pelo alto’, cooptando os setores populares, que se organizavam em grupos políticos incipientes. Uma vez estruturada a transição e a legitimação desse processo, novamente as organizações populares seriam postas à margem, como ocorreu com a cassação do PCB e de sua bancada [...] essa legalidade burguesa nada mais é do que o próprio liberalismo amputado e às avessas, com origem na sociedade colonial, lógica e historicamente reelaborado sem, no entanto, perder o ranço autocrático, típico de uma burguesia débil que nasceu, cresceu e se multiplicou na esteira da contrarrevolução permanente (Mazzeo, 1995, p. 38).

    2 Veja-se, dentre outros, Gorender (1987) e Godoy (2014).

    3 Aqui, no sentido da definição lenineana, da consciência espontânea e econômico-imediata presente no movimento sindical. Veja-se Lenin (1976, pp. 380 ss).

    Sumário

    Apresentação

    Lista de abreviaturas e siglas

    1 Introdução: o golpe de 1964 e a ditadura no Brasil

    A reforma agrária

    A reforma política

    Reorientação da economia: planejamento, orientação dos investimentos sociais e mudanças no estatuto do capital estrangeiro

    Reforma tributária

    Reforma bancária

    Reforma cambial

    Reforma universitária

    Reforma urbana

    A reação das classes dominantes

    2 A derrota das Diretas e o jogo da sucessão presidencial

    3 A divisão do PDS e a candidatura de Paulo Maluf

    4 A Aliança Democrática e a chapa Tancredo Neves/José Sarney

    5 A Emenda Leitão, o movimento Só-Diretas e os críticos do Colégio Eleitoral

    6 O apoio das Forças Armadas a Tancredo Neves

    7 O Partido dos Trabalhadores e as críticas à Aliança Democrática

    8 A participação do PCB na Aliança Democrática

    9 Leonel Brizola e o Partido Democrático Trabalhista

    10 O caminho para a vitória de Tancredo

    11 Estrutura e funcionamento do Colégio Eleitoral

    Cronologia 1970-1985

    Referências

    Lista de abreviaturas e siglas

    ABI - Associação Brasileira de Imprensa

    Andes - Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior

    ANL - Aliança Nacional Libertadora

    Arena - Aliança Renovadora Nacional

    Bacen - Banco Central do Brasil

    BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

    BNH - Banco Nacional de Habitação

    Cecomsex - Centro de Comunicação Social do Exército

    Cenimar - Centro de Informações da Marinha

    CGT - Comando Geral dos Trabalhadores

    CIA - Central Intelligence Agency

    CIEx - Centro de Informações do Exército

    CISA - Centro de Informações da Aeronáutica

    CLT - Consolidação das Leis do Trabalho

    CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

    CNI - Confederação Nacional da Indústria

    Contag - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

    Copag - Comissão para o Plano de Ação do Governo

    CUT - Central Única dos Trabalhadores

    Dops - Departamento de Ordem Política e Social

    Emfa - Estado Maior das Forças Armadas

    Enind - Encontro Nacional da Indústria

    ESG - Escola Superior de Guerra

    Febraban - Federação Brasileira de Bancos

    Fenaban - Federação Nacional dos Bancos

    FGTS - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

    Fiesp - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

    FMI - Fundo Monetário Internacional

    FMP - Frente de Mobilização Popular

    FPN - Frente Parlamentar Nacionalista

    FSP - Folha de São Paulo

    Ibad - Instituto Brasileiro de Ação Democrática

    Ipes - Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais

    IPM - Inquérito Policial Militar

    Iseb - Instituto Superior de Estudos Brasileiros

    JB - Jornal do Brasil

    MDB - Movimento Democrático Brasileiro

    MEC - Ministério da Educação e Cultura

    MR-8 - Movimento Revolucionário 8 de Outubro

    MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

    OAB - Ordem dos Advogados do Brasil

    OIT - Organização Internacional do Trabalho

    Paeg - Programa de Ação Econômica do Governo

    PCB - Partido Comunista Brasileiro

    PCdoB - Partido Comunista do Brasil

    PCE - Partido Comunista de España

    PDS - Partido Democrático Social

    PDT - Partido Democrático Trabalhista

    PF - Polícia Federal

    PFL - Partido da Frente Liberal

    PIB - Produto Interno Bruto

    PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro

    Polop - Política Operária

    PP - Partido Popular

    PRC - Partido Revolucionário Comunista

    PRP - Partido de Representação Popular

    PSB - Partido Socialista Brasileiro

    PSD - Partido Social Democrático

    PSOE - Partido Socialista Obrero Español

    PSP - Partido Social Progressista

    PT - Partido dos Trabalhadores

    PTB - Partido Trabalhista Brasileiro

    SNI - Serviço Nacional de Informações

    STF - Supremo Tribunal Federal

    UDN - União Democrática Nacional

    UNE - União Nacional dos Estudantes

    Usaid - United States Agency for International Development

    1

    Introdução: o golpe de 1964 e a ditadura no Brasil

    Poucos dias antes do golpe de Estado que o destituiu, o presidente João Goulart pronunciou o famoso discurso pelas reformas de base, também conhecido como Discurso da Central do Brasil, em 13 de março de 1964. No comício, organizado pelos sindicatos de trabalhadores, Goulart fez uma exposição das contradições sociais do Brasil e apresentou suas propostas – as reformas de base ou de estrutura – para eliminar a pobreza, reduzir as desigualdades e retomar o crescimento econômico.

    As reformas de base contemplavam um conjunto de medidas que o governo pretendia adotar para corrigir as contradições econômicas e sociais que foram provocadas pelo desenvolvimento do capitalismo no Brasil (um desenvolvimento dependente e associado). De acordo com João Goulart e seus ministros, o processo de industrialização até aquele momento privilegiou um pequeno grupo de latifundiários, banqueiros e empresários industriais, não levando em consideração as necessidades dos trabalhadores da agropecuária, da indústria e do setor de serviços.

    O sistema tributário era considerado regressivo, discriminatório e injusto; a desigualdade entre classes sociais e regiões do País continuava imensa; a urbanização agravou ainda mais o problema do déficit habitacional; os pequenos produtores rurais e os trabalhadores urbanos sofriam com as consequências da ausência de democratização do crédito bancário, limitado a um punhado de pessoas privilegiadas; as reservas cambiais eram desperdiçadas no consumo de luxo, em vez de serem empregadas de maneira seletiva; e o sistema educacional continuava voltado às elites, sem questionar os problemas nacionais (Corbisier, 2006, pp. 147-148 e Bandeira, 1978, pp. 163-173).

    Goulart tentou mobilizar a população e pressionar o Congresso a aprovar as reformas (o comício da Central foi realizado dois dias antes do envio ao Congresso da Mensagem Presidencial daquele ano). Na Câmara e no Senado, uma maioria conservadora composta por comerciantes, industriais, latifundiários, banqueiros e barões da mídia tentava impedir a realização das mudanças propostas pelo presidente (entre elas a reforma política, a reforma tributária e a reforma agrária).

    A oposição conservadora, defensora de um liberalismo excludente e autoritário, era contrária até mesmo à realização daquele comício, por entender que a democracia não deveria ser confundida com participação popular, pois isso poderia conduzir o País – segundo o seu entendimento – ao caos e situação de desordem generalizada. Na ocasião, Goulart fez questão de expressar a sua própria visão de democracia, em contraposição ao elitismo da oposição conservadora:

    A democracia, trabalhadores, que eles desejam impingir-nos, é a democracia de antipovo, da antirreforma, do antissindicato, aquela que favorece os interesses dos grupos que representam. A democracia que eles pretendem é a dos privilégios, da intolerância, do ódio, para liquidar com a Petrobrás. A democracia dos monopólios nacionais e internacionais, a democracia que levou Getúlio Vargas ao extremo sacrifício [...]. Democracia, trabalhadores brasileiros, é o que o meu governo vem procurando realizar, como é do meu dever interpretar os anseios populares pelo caminho da paz. Não há ameaça mais séria à democracia do que tentar estrangular a voz do Povo, fazendo calar as justas reivindicações desta Nação e destes reclamos que, de norte a sul, de leste a oeste, levantam seu clamor pelas reformas de base, sobretudo pela reforma agrária que será o complemento da abolição do cativeiro de milhões de brasileiros que vegetam no interior, em condições miseráveis. (Goulart, 2006a, p. 37)

    Para entender um pouco mais detalhadamente o projeto de Goulart, as razões da oposição conservadora e os desdobramentos da escalada da luta de classes no Brasil – o golpe e a ditadura militar – é preciso explicar o escopo das reformas de base. Entre as medidas apresentadas, podemos destacar as seguintes:

    A reforma agrária

    Essa foi sem dúvida a proposta que despertou a mais forte reação das classes dominantes no Brasil, que acusavam Goulart de comunista, subversivo e inimigo da propriedade privada. No entanto, a proposta de reforma agrária era justificada com base em argumentos inspirados no cristianismo e sem qualquer referência ao marxismo-leninismo. De fato, o que o presidente propunha não era a coletivização das terras, e sim a distribuição visando aumentar o número de proprietários através dos meios pacíficos e legais. Segundo as palavras do próprio presidente: O inolvidável Papa João XXIII disse que a dignidade da pessoa humana exige normalmente, como fundamental, o direito do uso da terra, e a obrigação de conceder propriedade a todos (Goulart, 2006a, p. 38).

    No comício de 13 de março, Goulart anunciou que acabara de assinar o Decreto da Supra, a Superintendência da Reforma Agrária. O presidente reconhecia que a medida não representava a solução ideal, por conta de restrições legais que obrigavam o governo a indenizar os proprietários previamente em dinheiro, mas que esse seria um passo à frente no caminho das grandes reformas de estrutura. O decreto tornava possível desapropriar as propriedades rurais situadas nas margens das rodovias, das ferrovias e dos açudes federais – que eram justamente as terras com maior possibilidade de aproveitamento, por estarem mais próximas dos grandes centros urbanos, mas que permaneciam inexploradas porque serviam apenas à especulação. Todas essas propriedades passaram a ser consideradas de interesse social. O presidente afirmou que não era justo que o o benefício de uma estrada construída com dinheiro do povo venha a beneficiar apenas as minorias privilegiadas do País, e anunciou que a divisão dos latifúndios seria feita em menos de dois meses (ibid., p. 40).

    O presidente fez questão de ressaltar que a reforma agrária tinha como escopo estabelecer relações capitalistas mais justas, e não a destruição da propriedade privada e da economia de mercado.¹ Para se defender da acusação de que era um inimigo da propriedade e agitador das lutas de classes, Goulart argumentou que a multiplicação do número de proprietários seria uma medida que

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