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Motivos pelos quais eu saí do grupo de louvor
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Motivos pelos quais eu saí do grupo de louvor
E-book348 páginas11 horas

Motivos pelos quais eu saí do grupo de louvor

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Sobre este e-book

Enquanto a maioria dos livros sobre louvor e adoração trata de um ambiente idealizado e utópico, numa realidade que beira a fantasiosa, em Motivos pelos quais eu saí do grupo de louvor a narrativa autobiográfica mostra a realidade dos fatos que, ao mesmo tempo que conta com pessoas comprometidas com o ideal, também se depara com pessoas egoístas, interesseiras ou que simplesmente cometem erros na ânsia de acertar. Como um mero guitarrista canhoto de uma igrejinha pequena poderia mudar o modo de pensar de sua congregação? Será que ele conseguiria? O que aconteceu nessa sua jornada? Seria ele bandido ou herói? Essas e outras perguntas podem ser respondidas (ou não) nessa quase odisseia musical, permeada de sucessos e fracassos, através do ponto de vista inusitado de alguém que pensa fora da caixa, uma engrenagem menor nesse grande mecanismo, apenas um peão nesse jogo de xadrez da vida real.
IdiomaPortuguês
EditoraViseu
Data de lançamento25 de jul. de 2022
ISBN9786525420288
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    Pré-visualização do livro

    Motivos pelos quais eu saí do grupo de louvor - Rick Gonçalves

    Introdução

    Eu não sou o maior entendido do pensamento humano, mas se você está com esse livro em mãos eu posso levantar algumas hipóteses sobre o tipo de pessoa que você é: pode ser uma pessoa sem medo de assumir a sua curiosidade e não julga um livro pela capa e pelo título forte que esta obra tem; ou você é aquele tipo de sujeito que se convencionou chamar de desigrejado, que mantém a fé evangélica apesar de não frequentar nenhum templo e nenhuma denominação, e acredita que o conteúdo aqui escrito é um libelo ou um manifesto contra o grupo de louvor e que aqui poderia encontrar uma voz a seguir ou alguém com quem se identificar; ou ainda pode ser daqueles que querem um motivo para arrumar discussão, querela ou ainda desconstruir a minha história com contra-argumentos baseados na própria experiência de vida.

    Eu sinto muito, mas eu provavelmente vou decepcionar todos vocês. É evidente que os leitores deste livro não se resumem apenas a esses três estereótipos, mas eu não consigo pensar em quem mais poderia adquirir isto de livre e espontânea vontade. Talvez este livro sirva mais como presente (de grego) do que uma leitura pessoal.

    Piadas ruins de autocomiseração à parte, de fato eu não tenho a menor intenção de apresentar uma solução definitiva para o grupo de louvor de todas as igrejas, tampouco oferecer uma bússola para todos os desajustados do sistema gospel que, via de regra, são ejetados do sistema religioso, muito menos ser motivo de debates acadêmicos de escolas bíblicas dominicais. Parafraseando nosso senhor Jesus Cristo, eu não vim trazer a paz, eu vim trazer a espada (Mateus 10:34).

    Eu sei que muitos vão acabar se identificando com este relato autobiográfico, assim como eu sei que outros tantos irão se indignar — ambos pelos mesmos motivos, ouso dizer. O fato é que, sem medo de dar spoiler logo de cara, este livro é uma história de fracasso e derrota, um tipo bem raro de se ver de literatura, ainda mais na literatura do meio religioso, onde se exaltam tanto os testemunhos de vitória que se glorificam de pé em todos os cantos do mundo.

    Existem muitos livros abordando os temas de louvor e adoração, e em sua grande maioria lemos um retrato utópico e idealizado de como é um grupo de louvor, beirando o irreal, com arco-íris e unicórnios saltitantes sobre um céu de algodão doce cor-de-rosa; quando não um estudo longo, demorado e maçante cujo título extrapola os limites da vergonha alheia, algo do tipo Como é doce e suave o louvor quando chega nas narinas de Deus, ou também Deixe de lado o fogo estranho e ofereça ofertas pacíficas no altar.

    Tal qual o realismo de Machado de Assis veio para quebrar com o senso de estética do romantismo de José de Alencar, dadas as devidas proporções, este livro veio para quebrar os paradigmas constituídos no imaginário popular, para narrar uma história como ela é: com pessoas defeituosas, orgulhosas, teimosas, soberbas, com pouco ou nenhum compromisso; ainda assim, contrastando com pessoas de coração honesto e sincero, líderes bons e ruins, pessoas que erram na ânsia de acertar, entre outros personagens da vida real.

    Por questões de ética, a maioria (quase a totalidade) é apresentada aqui por pseudônimos, para que eu possa aqui criticar as ideias e as atitudes, não a pessoa que as cometeu. O mesmo vale para os elogios de quem fez o certo. Mas aí o que é certo e o que é errado pode variar de pessoa para pessoa, apesar de os princípios de Deus serem imutáveis. Mas tem muita coisa que não se enquadra nesses princípios, como vocês verão no decorrer destas páginas, é uma área cinzenta muito grande e muito nebulosa.

    Também não quero que este livro sirva como um manual prático de vivência a se seguir, não gostaria de ver ninguém passando pelas mesmas experiências, quer sejam boas, quer sejam más. O ideal é viver as suas próprias. Mas, como eu disse antes, eu não vim para explicar, eu vim para confundir, para gerar debate. Se eu conseguir fazer com que pelo menos uma pessoa reflita sobre a sua vida e sobre tudo o que fez e faz no grupo de louvor, minha missão estará cumprida. E aqui fica o aviso final: leia por sua conta e risco! Como eu gosto de dizer, não dá para desler depois de ter lido. Dito isso, eu só posso desejar uma boa sorte e uma boa leitura.

    Onde tudo começou

    O ano era 1998, eu tinha catorze anos e, como todo adolescente, tinha que arrumar algum hobby para ocupar a minha cabeça com alguma coisa. Calhou de vir uma ONG à associação de moradores do condomínio da Cohab onde eu morava com aulas de violão a um preço simbólico. Pronto, eis aí um prato cheio! Eu, que me apaixonei pelo som do violão quando ouvia um vinil duplo do meu pai, a arte de Paco de Lucía, tive a oportunidade de ingressar no caminho das seis cordas e aprender sobre música. Não demorou muito para eu acabar me destacando dos demais alunos, ou pelo menos ser acima da média, o que na verdade era uma coisa ruim, pois vieram tantos alunos para ter aula que não havia outro jeito a não ser as aulas coletivas. Turmas com seis ou sete alunos para poder ajeitar nos horários de sábado à tarde, que era o único período da semana disponível para o professor da ONG.

    Não demorou muito para que viessem os primeiros acordes (para falar a verdade, foi mais do que deveria, já que com aulas em grupo não havia meios físicos de dar a atenção devida a todos, e naturalmente sempre uns vão se destacar e outros vão acabar tendo mais dificuldade para o aprendizado). Logo após isso, como todo adolescente que quer tocar música, eu queria ter uma banda, sem nem ter ideia de como é formada ou como funciona o esquema de banda. Coisas de adolescente. Compreensível.

    E é aí que a igreja evangélica entrou na minha vida...

    Não lembro se eu fui o primeiro jovem aprendiz de músico naquela igreja do lado da loja de vinhos ou se outros vieram junto comigo, certo que foi mais ou menos na mesma época, mas tinha outros jovens músicos que também estavam na igreja. Dois deles eram irmãos e moravam na quadra abaixo da minha casa e a gente já se conhecia do tempo de colégio: o Iolau e o Atreio. Este era o irmão mais novo e aquele, o irmão do meio. Mais uns outros foram se juntando ao longo dos anos. Aliás, foi com essa dupla que eu arranjei um violão Di Giorgio todo detonado que eu e meu pai reformamos para que eu pudesse ter as primeiras aulas. Bons tempos aqueles...

    Haverá espaço para nostalgia mais tarde, aliás, o livro inteiro é sobre nostalgia. Mas eu sei que levei um bocado de tempo para realmente começar a tocar na igreja. Primeiro, porque o pastor exigia que qualquer um que fosse exercer um cargo na igreja fosse batizado nas águas. Beleza, tudo normal até aí, dia 12 de setembro, sábado, numa piscina gelada que me fazia bater o queixo de tão fria, eu me batizei. Ainda assim, eu ainda não tinha o mínimo de destreza técnica para executar as músicas na igreja. E ainda assim também, o pastor exigia que todo mundo que tivesse cargo na igreja fosse discipulado. Primeiro, por um livro de base sobre o evangelho de João, depois era conduzido para uma classe de acordo com sua faixa etária. Tudo bem também. Quem aprende fórmula de Bhaskara e movimento retilíneo uniformemente variado não teria problema em aprender uns versículos bíblicos. E de fato foi um grande avanço para minha inicial compreensão do evangelho. Como é que se diz no jargão gospel? Leite espiritual para meninos na fé.

    Enfim...

    Nesse período, a igreja tinha um tecladista que era o principal músico da época e um guitarrista que era uns oito anos mais velho que eu, autodidata, o Costello. Guarde bem esse nome, ele terá muitos momentos antagônicos ao longo da minha história (é sim, já chego mandando esse spoiler na lata). Eu não me envolvia tão de perto com o grupo de louvor na época, então eu não sei narrar com detalhes o que ocorreu. Eu nutria um amor platônico pelo espetáculo de sensações que a música causava dentro de mim, diga-se de passagem, era o único tipo de amor que eu sabia nutrir. Lembro que o tecladista era uma mistura de rock progressivo com músico de churrascaria, porque ele fazia todos os sons de instrumentos mais psicodélicos, assim como ligava o som da bateria e acompanhamento do baixo. O único que cantava (dirigia ou ministrava o louvor, como preferir) era o pastor titular, e ele ficou assim por muito tempo...

    A igreja tinha um retiro de carnaval todo ano. Ou iria começar a ter. Era cobrado um preço módico que pagava o alimento e um ou outro gasto que se tinha, pois tinha um irmãozinho da igreja que gentilmente cedia sua chácara por três ou quatro dias para a gente congregar. Quem tinha barraca levava a sua, tinha um alojamento para as moças e eles estendiam uma barraca de lona num descampado para os rapazes. Adivinha em qual lugar eu sempre ficava? Enfim...

    Foi num desses retiros que eu, com um violãozinho Di Giorgio, com aqueles captadores que causam uma microfonia incessante se você ficar na frente da caixa de som, com umas cordas de nylon gastas, tive a oportunidade de tocar pela primeira vez num culto. Lembro pouca coisa da ocasião. Eu sei que na época a igreja tinha poucos músicos e, a fim de não desfalcar o louvor de domingo, o pastor levava consigo os músicos que estivessem no retiro. Como eu não era membro oficial do grupo de louvor, ele nem cogitou a minha ida, e sim a do Costello e a do baterista da ocasião (que eu nem me recordo quem era). Eu, vendo a oportunidade se apresentando à minha porta, perguntei se alguém iria tocar, e meio sem querer, meio indiretamente, na onda do joão sem braço, eu acabei ganhando essa chance. Eu sei que meu repertório era incrivelmente limitado por conta dos poucos acordes que eu sabia, mesmo que eles tivessem a cifra para me dar, ainda era muito complexo para o meu nível. Evidentemente, não foi o pastor titular que cantou na ocasião, e sim uma mulher que se tornaria pastora auxiliar não muito depois junto com seu marido, uns dos poucos pastores que eu tenho em mais alta estima até hoje, vamos chamá-los de Anjulieta e Serafim...

    E foi assim, da maneira mais atabalhoada possível (essa palavra existe?), que eu comecei a tocar no grupo de louvor. Eu queria mesmo me lembrar do que eu toquei naquela tarde/noite nesse retiro de carnaval, ou com quem mais eu toquei, mas o nervosismo era tanto que o frio na barriga é tudo o que ocupa a minha memória daquele dia.

    Naquela época, eu cursava o que hoje se chama de ensino médio (era 2º grau para quem é nascido na década de 80, como eu), então minha vida era mais ou menos ir para a escola e praticar violão. Não tinha dificuldade nenhuma em aprender, poucas vezes eu tive que realmente me debruçar nos livros para entender uma matéria além daquilo que me era explicado em aula, então o violão, a música em si, era um desafio, porque exigia de mim algo que eu não era acostumado a fazer: sentar e praticar. Até hoje, é um desafio. Tem coisas que não entram nessa minha cabeça dura e tampouco consigo transferir para os meus dedos.

    Não levou muito tempo para que o pastor titular se interessasse pela minha capacidade e pelo meu potencial, além de estar vendo que eu estava seguindo todos os requisitos do seu manual de segurança para exercer qualquer cargo na igreja. E, como eu disse antes, eu não era o único nem o primeiro, mas estava entre os jovens pioneiros. Havia um nicho de mercado ali, por assim dizer. Anos mais tarde, eu fui percebendo que a música tem um forte poder na alma dos mais jovens, a gente sempre tem uma música que nos encanta e nos leva a lugares...

    E foi mais ou menos assim, com o entusiasmo e a paixão da adolescência, com a curiosidade felina de quem não sabia onde estava se metendo, que a minha história no grupo de louvor começou. E eu não sabia o que me aguardaria no futuro não muito distante...

    Minha família

    no grupo de louvor

    Eu sei, eu disse que o grupo de louvor tinha muitos jovens, mas não era um território exclusivo deles. Posso até dizer que a divisão era meio a meio entre jovens e adultos. É claro que essa proporção caía muito quando se olhava apenas para os instrumentistas (quase falei músicos, como se cantores e backing vocals não fossem músicos, o que nesse caso em particular era muito verdade), mas como a igreja estava alocada numa zona central do bairro e era um espaço amplo, ela experimentou um crescimento inicial muito rápido. Isso aumentaria a demanda de gente no grupo de louvor, pois a quantidade de cultos foi aumentando, principalmente no meio da semana. Eram às terças e sextas à noite e quartas à tarde; posteriormente, os jovens e adolescentes ganharam um culto no sábado à noite também e o culto de domingo à noite. A princípio, não havia gente para tocar e cantar em todos esses cultos.

    O pastor titular ainda detinha a liderança de muitos ministérios dentro da igreja, e o de louvor não era exceção. Na época, eu ficava em dúvida se ele fazia isso porque não tinha gente na igreja para fazê-lo ou se ele tinha predileção por manter tudo o que ele conseguisse sob seu controle. Os anos me tiraram essa dúvida, mas esse ainda não é o foco deste capítulo...

    O foco aqui é relembrar, discutir e confessar razões pelas quais eu me vi cercado pelo meu pai, minha mãe e meu irmão no grupo de louvor. Bem, eu sabia os motivos pelos quais eu tocava na igreja (o máximo que um adolescente de seus quinze, dezesseis anos pode saber), mas não estava claro para mim os motivos pelos quais eles o fizeram. Eu sempre fui discretamente curioso e sempre quis entender o motivo e o porquê das coisas. Entender a motivação das pessoas estava um pouco além da minha compreensão na época. Revendo a situação com anos (ou melhor, décadas) de distância, o que a minha memória consegue assimilar tem muito a ver com a memória que eu tenho da parábola do semeador, que plantava a semente em diferentes tipos de solo.

    Meu irmão mais novo era baterista, quer dizer, ele se encantou pelo barulho que a bateria fazia. Acho que era isso. Sei lá. Acho que por ser mais exibicionista, escolheu para si algum instrumento que aparecesse mais, fizesse mais barulho. Eu entendo e respeito isso. Tocar bateria exige uma coordenação motora que este guitarrista que vos escreve nunca conseguiu desenvolver. No entanto, por ser muito exibicionista e muito sem noção, acabou se tornando malquisto entre todos ali na igreja. Somando-se a isso o fato de existirem uns outros três ou quatro bateristas na igreja, sua carreira como músico não se estendeu muito além disso. Foi o primeiro a sair da igreja e, sinceramente, não sei como anda a fé desse rapaz. Também não me interessa muito saber, nunca fomos muito apegados mesmo. Só lamento que as coisas tenham seguido por esse caminho...

    Minha mãe, como toda senhora de sua idade, não desenvolveu uma tardia aptidão por algum instrumento em particular. Mas seu talento se desenvolveu em cantar. Eu sei que meu relato é suspeito, uma vez que eu fui ninado por aquela voz desde neném, mas é fato que ela era muito afinada. Não tinha um timbre angelical ou uma voz potente, mas afinação era uma coisa rara de se ver naqueles dias (só naqueles dias?), principalmente entre os backing vocals. A trajetória dela no grupo de louvor foi um pouco mais extensa se comparada à do meu irmão, porém, ainda assim, foi curta. Acho que teve a ver com algum lance de fofocas ou porque o pastor preferia outras e outros backing vocals que eram mais afeitos aos seus caprichos (cara, eu vou ter que me segurar para não repetir isso umas seiscentas vezes neste livro, porque é a coisa que eu mais vi ao longo dos anos na igreja). O fato é que ela saiu do grupo de louvor e ficou os demais anos dela na igreja como diaconisa, o que parecia satisfazê-la no serviço e na obra de Deus. Infelizmente, quando ela começou a trabalhar à noite na cozinha de restaurantes, ela teve que deixar o diaconato de lado.

    Meu pai foi o que mais se envolveu na obra de Deus ou, pelo menos, dentro da denominação. Quando aquele primeiro tecladista da igreja foi embora (não lembro o porquê), meu pai viu um espaço vago que ele poderia preencher. Achou um professor de teclado de uma outra igreja, aprendeu o básico para poder tocar e foi com a cara e com a coragem para os cultos. Sua habilidade no instrumento nunca passou do básico, mas seu grande ponto nem era a sua habilidade, e sim a sua disponibilidade. Naquela igreja, ele era o cara que não dizia não. Tocava e cantava no louvor, era diácono, tornou-se pastor auxiliar e até trabalhou em período integral na igreja por um tempo.

    Houve outros tecladistas e outros backings, mas o pastor sempre preferia tocar com meu pai, por causa da simplicidade do seu tocar. O fato é que ele ficou mais tempo naquela primeira igreja que a gente frequentou, mesmo anos depois que eu saí dela, ele permaneceu lá. Eu sei que houve um período em que ele e o pastor titular lá começaram a não se acertar e ele acabou saindo de lá e indo para outra igreja, mas nunca mais tocou teclado. Sei também que, por conta da imensa burocracia institucional que é para renovar a carteirinha de pastor (me cansa a beleza só de imaginar em tentar escrever isso), ele também não tem mais o título institucional de pastor (o que não significa grande coisa).

    O fato é que, na época eu não sabia, mas eu tinha uma espécie de sexto sentido para música, ou melhor, para músicos. Só de ouvir e ver o sujeito tocar (ao vivo) eu sentia se ele fazia aquilo de coração, se fazia aquilo com alegria, se estava se esforçando, se estava no seu limite, se estava com raiva ou triste... Era meio que uma relação empática com a música que era difícil de explicar naquele tempo. Eu tratava isso meio que como no Dragon Ball Z ou no Cavaleiros do Zodíaco, quando eles sentiam o ki ou o cosmo do adversário ou do companheiro de luta. Ou até a força dos cavaleiros Jedi, no universo de Star Wars. Por falta de nome melhor, eu chamava de musicalidade. Eu sentia a musicalidade dos outros.

    Tem um truque básico para descobrir se alguém leva jeito para música: é só reparar quando ele ou ela estiver tocando ou cantando, se alguma parte do corpo dele ou dela que não é responsável pelo instrumento estiver manifestando um movimento ritmado, significa que ele ou ela estão possuídos pelo espírito que habita na música. Quanto à musicalidade, eu não a sentia forte em nenhum dos membros da minha família que entraram para o louvor. Aliás, não conheço nenhum músico na minha família, quer seja por parte de mãe, quer seja por parte de pai. Se eu não soubesse que sou filho adotivo desde os meus oito anos de idade, eu iria desconfiar. Eu gostaria muito de dizer que eu sou a semente da música que germinou em terra boa, e eu até achava isso por muito tempo, mas o desfecho da minha história poderia mostrar outra coisa...

    Aguarde pelos próximos episódios.

    Banda o que mesmo?

    Era essa a pergunta que a maioria das pessoas fazia quando ouvia o nome da banda. Também pudera, isso era final dos anos 90, início dos anos 2000. Para quem não está familiarizado com o contexto gospel da época, era o tempo em que todo e qualquer grupo de louvor e banda queria ter um nome do hebraico antigo que significasse alguma coisa que ninguém entendia só para poder ter um ar de santidade a mais e também ter uma oportunidade para explicar o significado e o porquê do nome só para parecer mais instruído e versado em alguma coisa perto de teologia. Enfim... Soma-se a isso o fato de seis adolescentes com idades de catorze a dezessete anos que não entendiam nada da vida e de nada em geral que queriam parecer antenados e conectados com a igreja e pediram a uma pastora que parecia ser mais a cara dos jovens na igreja até então. Ênfase no parecia... Tá feita a cagada (sinto muito, não tinha outra palavra).

    A história dessa nossa primeira banda começou como muitas e muitas histórias de outras bandas: com adolescentes que ganham seus primeiros instrumentos e já acham que sabem alguma coisa em menos de um mês de prática. Tinha eu, que a princípio só tocava violão, três irmãos (os mesmos que me deram o violão meses antes), Iolau era baixista e o irmão do meio, Atreio, era o baterista e o mais novo, enquanto a Joy era a irmã mais velha e vocalista principal. Tinha o meu melhor amigo na época como tecladista, o Tristan e a Toffy, a mocinha mais nova do grupo como backing vocal.

    O pastor Tyranus foi muito solícito e muito entusiasta da nossa banda no início, a ponto de nos permitir ensaiar todo sábado de manhã enquanto a zeladora limpava a igreja. Nós não tínhamos repertório nem muita habilidade técnica para tocar (apesar de que todos ali faziam aula ou tinham algum tipo de instrução prévia da sua parte), além de muito pouco conhecimento de repertório gospel pra termos diversidade de opção além daquilo que era tocado na igreja. Não sabíamos mais do que as músicas tocavam na rádio Melodia (acho que esse era o nome): Marcos Góes, Aline Barros, Cassiane... Ainda não tínhamos sido introduzidos ao rock gospel. Por conta disso, não demorou muito para que partíssemos para músicas autorais, mais simples e mais fáceis de tocar. Eram canções mais simples porque nós tínhamos mais liberdade de fazer nossos arranjos dentro dos limites de nossa capacidade, sem nos frustrarmos em não conseguir tocar igual ao CD. São músicas pelas quais eu tenho imenso carinho e nostalgia e ainda guardo no mesmo caderno onde, anos mais tarde, eu fui escrever as minhas músicas solo. A maioria das letras eram da Joy, enquanto a gente se matava para colocar uma harmonia em cima da melodia que ela tinha em mente. Não demorou muito para que pudéssemos ousar um passo à frente e começarmos a compor nossas músicas sozinhos e apresentá-las nos ensaios.

    Até onde eu lembro, a banda permaneceu ensaiando com essa formação por mais ou menos um ano praticamente todo sábado das oito da manhã até às onze, onze e meia às vezes. De um início patético e nada promissor, nos tornamos um grupo coeso e que tocava redondinho tudo o que se propunha a tocar. Eles até me convenceram a largar a exclusividade do violão e experimentar a guitarra. Mal sabiam eles... Apesar de não ter sido uma troca suave, com o tempo a guitarra tornou-se meu instrumento principal.

    Tínhamos até uma fã: a filhinha da zeladora volta e meia ia nos nossos ensaios e gostava do que ouvia. Certa feita, ela pediu para que a gente assinasse uma folha de sulfite que ela levou, foi nosso primeiro autógrafo (e, por Deus, eu acho que eu nem autografei como Rick Gonçalves).

    Muito embora nosso grupo até então era o que mais ensaiava na igreja em questão de louvor, o pastor não nos deu muita oportunidade de nos apresentarmos. Olhando em retrospecto, ele não dava muita oportunidade para ninguém naquele tempo, então não era uma questão de pegar no nosso pé por qualquer motivo que fosse. Tivemos uma ou duas oportunidades de tocar no final do culto de terça-feira, aquele momento em que todo mundo está indo embora e não está nem aí para o que está rolando. Sabe esse momento? Era o momento em que a banda tocava. Teve um culto onde a gente dirigiu o louvor. Foi um sábado em maio de 2000, que era meio que uma comemoração de um ano de banda. A gente até tentou gravar em áudio esse culto para a posteridade, o nosso tecladista tinha um computador de última geração, mas os instrumentos ficaram todos desregulados e infelizmente (ou felizmente, porque eu nem lembro o que eu toquei no dia) essa joia rara da música gospel perdeu-se na memória daqueles que testemunharam o momento.

    Houve uma situação engraçada que me ocorreu agora. Certa feita, outro grupo muito melhor que a gente foi se apresentar na igreja. Mas muito melhor mesmo, pelo menos eles tinham um estúdio próprio e gravavam cantores de outras igrejas. Nós quatro (os quatro garotos), ingênuos e impetuosos como qualquer adolescente, ficamos extremamente eufóricos com a possibilidade de poder registrar as nossas músicas em Compact disc. Eles nos deram um cartão e nos disseram para passar lá no estúdio deles. Quão grande não foi minha decepção e desalento quando, chegando lá, eles nos disseram que eles gravariam todos os instrumentos, mas nossos nomes iam aparecer no encarte como se a gente tivesse tocado tudo, as meninas só colocariam as vozes nas canções. Foi um balde de água fria no meu ego (e Deus sabe que ego era uma questão com que eu não sabia lidar muito bem). Era como se estivessem dizendo: vocês não são bons o bastante para tocar aqui. Tá certo que não éramos bons pra tocar em lugar algum, mas um adolescente não quer isso sendo esfregado na cara dele de forma tão direta.

    Ainda assim, tenho ótimas lembranças daqueles dias. Lembro que eu dei meus primeiros passos como compositor com essa banda, aprendi a ter amigos, lembro que, sempre que eu tenho uma banda (e começou com essa), meu desenvolvimento como músico e como ser humano se aprimora. Devo muito aprendizado a esses meus amigos e colegas de banda que tão cedo se tornaram mais do que irmãos para mim. Porém, ainda lembro com um certo grau de tristeza que essa apresentação de um ano foi o princípio do fim dessa formação da banda...

    Não lembro quem era nominalmente o líder do grupo de louvor nesses dias, só lembro que era basicamente uma fachada para servir de instrumento para o pastor Tyranus e sua digníssima esposa, a pastora Siclana, um mais autoritário que o outro. E eles inventaram, não sei de onde, que para tocar na banda todos tinham que fazer parte do grupo de louvor. Deve ter mais motivos do que eu suponho (ou do que eu consiga lembrar), mas ouso dizer que o principal alvo era pegar as duas meninas que faziam vocal com a gente. A mais velha, a Joy, vocalista principal, não tinha o menor interesse de fazer parte do grupo de louvor e acabou saindo da banda infelizmente. Ela tinha um namorado que era de outra igreja e acabou indo com ele para lá. A mais nova, Toffy, até topou ficar no grupo de louvor, mas como ela seria a única menina na banda, a mãe linha dura a proibiu de cantar conosco.

    Restamos nós quatro. E eu, que sempre gostei de cantar, tentei assumir a bronca e matar a responsabilidade no peito (apesar de hoje admitir que minhas habilidades vocais são muito limitadas e eu não sou o sujeito mais cativante de todos). Não demorou muito para a gente arrumar mais um brother nosso na percussão, o Costelinha, irmão do Costello. Todo mundo conhece um músico que toca de tudo, mas não toca nada. Esse era o nosso Costelinha. Ao longo dos anos, ele foi tocar na banda do irmão dele. Tocou baixo, batera... Ironicamente, por conta de tocar com a banda do irmão mais velho, esse nosso percussionista foi o mais bem-sucedido na música. A gente precisava de mais apoio. Tentamos outra menina no vocal, mas foi a mesma situação que com a nossa primeira vocalista: os líderes de louvor achavam que a banda era só um braço estatal do grupo de louvor da igreja e se ela queria fazer parte da banda tinha que se sujeitar a entrar para o grupo de louvor. Ela também mandou o grupo de louvor e a banda às favas.

    Você pode achar que o que elas duas fizeram é errado, que é orgulho, falta de humildade, o que você preferir chamar. Mas peço agora que você ponha seu pensamento crítico natural de lado e tente ver o outro ângulo: você está numa banda em que todos que estão ali querem estar ali e têm disposição para melhorar e fazer aquilo crescer; do outro lado, você tem um grupo de louvor em que todo mundo é colocado à sombra de um pastor que acha que consegue dirigir

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