Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Experiências visuais:: ecos temporais, ecos espaciais
Experiências visuais:: ecos temporais, ecos espaciais
Experiências visuais:: ecos temporais, ecos espaciais
E-book504 páginas6 horas

Experiências visuais:: ecos temporais, ecos espaciais

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Se Aby Warburg vivesse hoje se divertiria em testar buscas nos bancos de imagens, compondo mosaicos algorítmicos. A experiência contemporânea com imagens repercute os ecos de tempos passados numa dimensão háptica das imagens. Em busca de experiências históricas com imagens atravessamos as seções deste livro encontrando, em cada uma, um conjunto de reflexões instigantes. O cruzamento das categorias de tempo e espaço como ordenadores de vivencias com as imagens habilita a composição de cenários em que reverberam visualidades de natureza plural. Imagens impregnadas de memória voltam-se aos passados compostos em busca de futuros possíveis.
IdiomaPortuguês
EditoraEDUEL
Data de lançamento14 de jul. de 2022
ISBN9786589814450
Experiências visuais:: ecos temporais, ecos espaciais

Relacionado a Experiências visuais:

Ebooks relacionados

Arte para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Experiências visuais:

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Experiências visuais: - Ana Heloísa Molina

    Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos

    Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina

    Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)

    Bibliotecária: Eliane M. S. Jovanovich – CRB 9/1250

    P386e Pelegrinelli, André

    Experiências visuais: ecos temporais e ecos espaciais / Ana Heloísa Molina, André Pelegrinelli, .-- Londrina : Eduel, 2022.

    1 livro digital.

    ISBN 978-65-89814-45-0

    1. Imagem e memória. 2. Pintura e memória. 3. Fotografia – Etnologia. 4. Antropologia visual. I. Molina, Ana Heloísa. II. Pelegrinelli, André. III. Título.

    CDU 7.03:39

    Enviado em: Recebido em:

    Parecer 1 04/11/2019 12/03/2020

    Parecer 2 18/11/2019 05/03/2020

    Aprovação pelo Conselho Editorial em: 24/08/2020

    Direitos da tradução em Língua Portuguesa reservados à

    Editora da Universidade Estadual de Londrina

    Campus Universitário

    Caixa Postal 10.011

    86057-970 Londrina – PR

    Fone/Fax: 43 3371 4673

    e-mail: eduel@uel.br

    www.eduel.com.br

    Toda imagem é uma memória de memórias, um grande jardim de arquivos declaradamente vivos. Mais do que isso: uma sobrevivência, uma supervivência. Ver a menina coberta de napalm, gritando de dor numa estrada do Vietnã, significa cruzar milhares de outros olhares postos sobre seu corpo indefeso e penetrar numa memória coletiva: nossa história à qual ela pertence, da qual jamais sairá e da qual nunca poderemos sair sem ela, sem os outros que a verão renascer sob outras formas, em outros tempos, tempos futuros.

    (Etienne Samain, 2012)

    SUMÁRIO

    APRESENTAÇÃO

    1 PARTE – EXPERIÊNCIAS E(M) MEMÓRIAS E USOS DO PASSADO

    A PINTURA DO SÉCULO XVIII E A REPRESENTAÇÃO

    DO FEMININO NA ARTE POR MEIO DA ANÁLISE

    DE SANTA BRÍGIDA

    ESPAÇO, LUGAR E AFETO NAS NARRATIVAS

    DE FORMAÇÃO DO DOCENTE DE ARTES

    ILUSTRAÇÕES EDITORIAIS: UMA PERSPECTIVA

    SÓCIO-HISTÓRICA SOBRE A TRAGÉDIA

    NA ESCOLA ESTADUAL RAUL BRASIL

    INTERLOCUÇÕES SOBRE AS FOTOGRAFIAS E OS NEGATIVOS DO FOTO BIANCHI CATALOGADOS NO MUSEU CAMPOS GERAIS E NA CASA DA MEMÓRIA PARANÁ

    O LIVRO VERMELHO (LIBER NOVUS) DE C. G. JUNG: MEDIEVALISMO E IMAGENS EM UM PERÍODO DE ASCESE

    2 PARTE – EXPERIÊNCIAS E CIDADES

    A IMAGEM DA CIDADE TRANSFORMADA PELO

    VAREJO E A SUSTENTABILIDADE AFETIVA

    MUDANÇAS NO TEMPO E ESPAÇO: A MODERNIZAÇÃO DE UMA CIDADE NOVA E O ESQUECIMENTO DO PASSADO – APUCARANA/PR (1943-2019)

    3 PARTE – EXPERIÊNCIAS FÍLMICAS E CINEMA

    A IMAGEM-CRISTAL DANÇA COM O TEMPO

    DE ONDE VOCÊ ACHA QUE VEIO TODO ESSE OURO?:

    COMO SE FORMAM OS UNIVERSOS FANTÁSTICOS

    DO CINEMA DE SUPER-HERÓI

    O CORPO INDELÉVEL:

    MEMÓRIA E RESISTÊNCIA EM LÚCIA MURAT

    REFLEXÕES SOBRE OS (DES)LIMITES TERRITORIAIS

    EM O SOM AO REDOR (2012): A (DES)ORDEM DAS INTERIORIDADES SUBJETIVAS

    REPENSANDO 1968: O SUPER-8 BRASILEIRO E MEXICANO NOS ANOS 1970

    SEM MEDO DE SER PARCIAL:

    SANTIAGO, ITÁLIA (NANNI MORETTI, 2018)

    UMA HISTÓRIA SEM AUTORES: A CRIAÇÃO DE UMA

    NOVA NARRATIVA SOBRE A SHINDÔ RENMEI NO

    DOCUMENTÁRIO YAMI NO ICHINICHI

    4 PARTE – EXPERIÊNCIAS EM TV, WEBRÁDIO, JOGOS E TRANSCLIPCINE

    A BUSCA POR NOVAS NARRATIVAS IMAGÉTICAS DE PESSOAS TRANSEXUAIS E TRAVESTIS NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO COLETIVA DO BANNER DO PROGRAMA DE WEB RÁDIO É BABADO, KYRIDA!

    BJÖRK E A ESTÉTICA DA HIPERESTILIZAÇÃO:

    UMA ANÁLISE DOS VIDEOCLIPES DA ERA UTOPIA

    FICÇÃO E MEMÓRIA DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA: REFLEXÕES SOBRE A REPRESENTAÇÃO EM SÉRIES TELEVISUAIS

    IDENTIDADES HÍBRIDAS E IMAGENS COMPLEXAS: A AUTORREPRESENTAÇÃO INDÍGENA NA WEB

    O ENTRECRUZAMENTO ENTRE FICÇÃO E HISTÓRIA

    NO JOGO DEUS EX: HUMAN REVOLUTION

    APRESENTAÇÃO

    Londres. Em 1924, Aby Warburg (1866-1929) deu início ao seu Atlas Mnemosyne, (1924-1929) composição capital, em construção contínua até sua morte. Inacabado, ainda que não fosse a morte a interromper sua organização, seu atlas jamais terminaria, dada a sua pretensão. O historiador da arte alemão forrou com panos pretos grandes painéis de madeira (ao menos 63), de 17cm x140 cm, e neles afixou cerca de mil reproduções fotográficas, imagens e textos dos mais diferentes tipos e formas: cenas de Roma, afrescos renascentistas, xilogravuras modernas, impressos, imagens de atletas, imagens comerciais, entre outros suportes imagéticos, em um jogo livre de associações de dados. Warburg defendia a tese da existência de uma série de sobrevivências (nachleben) do passado na composição das formas, dos sentidos e das relações posteriores às suas próprias existências, fantasmas para adultos que aproximavam a imagem da menina no flyer comercial à ninfa decadente da Antiguidade. As imagens, em seus painéis pretos, estavam dispostas em relação, não falavam e não podiam falar sozinhas, mas seus ecos eram percebidos pela aproximação.

    El acto de interponer una distancia entre uno mismo y el mundo exterior puede calificarse de acto fundacional de la civilización humana; cuando este espacio interpuesto se convierte en sustrato de la creación artística, se cumplen las condiciones necesarias para que la conciencia de la distancia pueda devenir en una función social duradera [...] Al hombre que como artista se debate entre las concepciones religiosa y matemática del mundo viene a ayudarle de forma característica la memoria tanto de la personalidad colectiva como del individuo: no creando sin más un espacio para el pensamiento, pero sí fortaleciendo en los polos extremos del comportamiento psíquico la tendência a la contemplación serena o la entrega orgiástica (WARBURG, 2010, p. 3)¹.

    Viena. Final do século XIX, Sigmund Freud (1856-1939) propunha um novo modo de tratamento da histeria substituindo a hipnose, que consistia na recordação patogênica a partir da associação livre de palavras e de memórias do paciente trazidas à tona pelo inconsciente e manifestadas ao analista, que elaborava cadeias associativas entre as imagens, mesmo distantes, em seus temas, seus contextos e suas temporalidades.

    Cuando pido a un paciente que deponga toda reflexión y me cuente todo lo que se le pase por la cabeza, me atengo a la premisa de que no puede deponer las representaciones-meta relativas al tratamiento, y me considero con fundamento para inferir que eso que él me cuenta, en apariencia lo más inofensivo y arbitrario, tiene relación con su estado patológico (FREUD, 1991, p. 525)².

    Didi-Huberman (2002), para pensar o Atlas Mnemosyne de Warburg, propõe o conceito de montagem, uma configuração de elementos ordenados não em função de um princípio arbitrário (semelhança ou dessemelhança), mas das configurações criadas pelas diferenças que geram ordens desapercebidas de coerência. O princípio da montagem não está nas coisas colocadas em relação, mas na própria conexão estabelecida, no fio da História de Marc Bloch (2002), na capacidade de gerar proximidades.

    Imagens implicam relações sensíveis, intrínsecas na operação visual de que são tributárias. Se a noção de ekphrasis foi tão louvada entre os gregos, deve-se ao reconhecimento da dificuldade de transpor para a linguagem verbalizada a percepção experimental/sensível que é própria das imagens. O que propomos, portanto, é uma montagem, como Warburg e Freud, de imagens distantes que, associadas, revelam conexões: são ecos, sobrevivências, insistências.

    O eco só existe no tempo (duração) e no espaço (espaço de propagação). Reunir trabalhos tão distantes requer reconhecer neles algo em comum: a aproximação da imagem enquanto eco espacial e temporal, existente não em si mesma, mas em função das relações por ela instituída. Ecos carregam inter-relações, interferências, invasões, próprias do campo relacional.

    Passado um século de Freud e de Warburg, podemos dizer, com certa propriedade, que a imagem se tornou objeto comum e bem aceito no campo das ciências humanas. Historiadores há décadas têm desenvolvido trabalhos que valorizam as potências das imagens, e historiadores da arte, por sua vez, proprietários intelectuais do campo por muito tempo, têm percebido as práticas visuais como elementos sociais imbricados em articulações que delas se servem. Em comum, a agência das imagens, arquitetadas pelos homens e construtoras destes.

    Os ecos também se encontram também na experiência. Se pensarmos na etimologia dessa palavra, que vem do latim, experientia.ae, temos como sinônimos ensaio, tentativa, prova, além de, no outro lado de significados, prática e habilidade.

    Ora, mas quais os fios que constroem as experiências, senão o humano, o sensível, o indivíduo e o coletivo, constituídos e acumulados historicamente, em uma situação de ensaio, mas também de prova? Ou, como referenciado no campo da Filosofia, experiência é todo conhecimento adquirido por meio da utilização dos sentidos?

    Como as experiências visuais apresentadas nessa coletânea, de forma híbrida, colocam pesquisadores com diversas atuações institucionais em uma diversidade de diálogos e de formações (tanto jovens pesquisadores com resultados de investigações iniciais quanto pesquisadores com uma trajetória maior), elas se propõem a pensar o universo da imagem além dos temas canônicos e permitem proporcionar e apreender as complexas relações entre imagens, história e sociedade.

    Este livro nasceu do eco de um encontro entre diferentes pesquisadores em suas origens espaciais (instituições e áreas do conhecimento) e temporais (níveis de formação), que pensam diferentes categorias e funções das imagens, considerando-as objetos e agentes de ação.

    Os textos ora aqui apresentados foram selecionados pelos coordenadores dos simpósios temáticos entre os melhores expostos durante o VII Eneimagem / IV Eieimagem realizado entre os dias 14 e 17 de maio de 2019.

    O evento, apoiado pela CAPES/PAEP nº do auxílio/projeto 0198/2019 processo nº 88887.290730/2018, ao que agradecemos, possibilitou a organização dos anais disponíveis em http://www.uel.br/eventos/eneimagem/2019/index.php/anais/, as passagens e as estadias dos palestrantes convidados e, de forma indireta, a partir da qualidade dos textos selecionados, como produto adicional, este livro.

    A coletânea visa contribuir para pensar uma série de temas atuais, ligados à cibercultura ou à violência urbana do século XXI, por exemplo; aprofundar debates em temas hoje já bem consolidados, vinculados à conservação de acervos públicos ou às relações entre imagem e texto desde a sua materialidade, para uma discussão teórico-metodológica amplo sobre o lugar das imagens nas pesquisas em Humanidades.

    A obra está dividida em quatro campos de experiências cujo protagonismo é da imagem. Na primeira parte, Experiências e(m) memórias e usos do passado, as imagens são analisadas enquanto portadoras de temporalidades exploradas em sua agência.

    Marina dos Santos Galli analisa o caso de Santa Brígida para pensar a construção da imagem feminina no barroco, que considerou um eco anterior, como a autora demonstra desde a obra de Jacopo Bellini, em 1640. Já Letícia Koga parte de mapas (cartografias poéticas) produzidos como narrativas por docentes de artes para investigar a função afetuosa do espaço na conformação de suas próprias memórias e histórias de vida.

    Em Ilustrações editoriais: uma perspectiva sócio-histórica sobre a tragédia na Escola Estadual Raul Brasil, Maria Isabel Borges examina ilustrações editoriais em torno da tragédia em uma escola na cidade de Suzano em 2019, refletindo como as imagens editoriais criadas em torno da situação reforçaram características das personagens que ganharam a mídia. Avaliando as imagens como portadoras de temporalidades, mas também de materialidade, Patrícia Camera, Rafael Schoenherr e Niltonci Batista Chaves estudam as interlocuções entre as fotografias e os negativos do Foto Bianchi em dois espaços de Memória: o Museu Campos Gerais e a Casa da Memória Paraná, destacando como a diferença de materialidade influenciou na catalogação e no reconhecimento de atribuição dessas imagens. Por fim, André Pelegrinelli e Fernanda Dayara Salamon se dedicam à análise do Livro Vermelho, do médico suíço Carl Gustav Jung, como experiência visual performática, fazendo uso de neomedievalismos como construção da própria história.

    Na segunda parte, Experiências e cidades, exploramos como a cidade, compreendida como imagens em trânsito, age e é transformada pelos seus. Desire Blum Menezes Torres e Marcelo Koyassu Nakasse observam como uma grande rede de supermercados precisou vender uma autoimagem de sustentabilidade afetiva demonstrando como a imagem pode ser utilizada pela lógica de mercado. Guilherme Alves Bomba, por sua vez, estuda a transformação de uma cidade nova, Apucarana, no Norte do Paraná, a partir da mudança da própria imagem da cidade que é divulgada em diversos meios.

    A terceira parte dessa obra é dedicada aos estudos de cinema, Experiências fílmicas e cinema, que começa com uma importante aproximação teórica realizada por Ana Cristina Teodoro da Silva entre Deleuze e o cinema. Em seguida, Maristela Carneiro e Vilson André Moreira Gonçalves investigam filmes de super-heróis e o uso que essas produções fazem de imagens. Daniela Ramos de Lima percorre a produção da cineasta Lúcia Murat, que se revela como imagem (atriz), mas também como montadora de imagens (diretora), enquanto vetor de uma narrativa de memória e de resistência.

    Cristiane Wosniak vasculha o cinema de Kléber Mendonça Filho e, em especial, seu filme O Som ao Redor (2012), considerando o usos e as funções da sensibilidade na obra. Marina da Costa Campos realiza um valioso estudo sobre a implicância da materialidade no cinema ao pensar o super-8, conduzindo uma comparação sobre seu uso no Brasil e no México. A memória volta a ser analisada por meio da obra Santiago, Itália (2018), no estudo de Gabriela Kvacek Betella, em uma criteriosa análise de quadros. Outro documentário, Yami no Ichinichi, é apurado por Leonardo Henrique Luiz e Luana Martina Magalhães Ueno, que retomam a construção da narrativa a respeito da Shindô Renmei em outro suporte, agora imagético.

    Enfim, o livro encerra com uma proposta de estudos de ecos temporais e espaciais em imagens contemporâneas em Experiências em TV, web rádio, jogos e transclipcine. Agora, Reginaldo Moreira traz um estudo de caso sobre o processo de construção de banner do programa de web rádio É Babado, Kyrida! e a construção de narrativas visuais de transexuais e de travestis. Rodrigo Oliva e Thiago Henrique Ramari analisam transclipcines da cantora Björk e sua proposta de hiperestilização. Elisa Fonseca discorre sobre representações da Ditadura Militar brasileira em séries televisivas por intermédio da semiótica discursiva, enquanto Mônica Kaseker examina a conformação de uma identidade híbrida, autorrepresentacional, na web, em vídeos produzidos por grupos indígenas, bem como sua mudança no tempo. Fechando o bloco, Rosana Schulze explora a composição de imagens e de produção de imagens em um jogo eletrônico, Deus ex: Human Revolution, e o entrecruzamento entre História e ficção.

    Ao leitor, desejamos uma boa leitura e reforçamos o convite para perceber os ecos e as inter-relações na obra: nas seleções de imagens de cada estudo, no conjunto de imagens colocadas em paralelo em uma série escolhida pelos pesquisadores, em seus autores, em suas posições teórico-metodológicas e nas aproximações com o universo das imagens.

    Dessa forma, a coletânea aqui apresentada incita-nos diversas reflexões na complexa sociedade contemporânea e cibernética que se transmuta a cada dia e retoma uma ponderação de Samain (2012, p. 21), ao afirmar: "Assim sendo, não procurarei saber a que servem as imagens e por que existem, e sim como vivem, como nos fazem viver. Ou ainda, quais são sua maneiras de nos fazer pensar?"

    Ana Heloísa Molina

    André Pelegrinelli

    Referências

    BLOCH, M. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.

    DIDI-HUBERMAN, G. L’imagen survivante: histoire de l’art et temps des fantômes selon Aby Warburg. Paris: Minuit, 2002.

    FREUD, S. La Interpretación de los sueños. Segunda parte – sobre el sueño. Buenos Aires: Amorrotu editores, 1991.

    SAMAIN, E. As imagens não são bolas de sinuca. Como pensam as imagens. In: SAMAIN, E. (org.). Como pensam as imagens. Campinas: Editora Unicamp, 2012. p. 21-36.

    WARBURG, A. Atlas mnemosyne. Madrid: Akal, 2010.


    1 Tradução nossa: A ação de interpor uma distância entre si e o mundo exterior pode ser entendida como um ato fundacional da civilização humana; quando este espaço interposto se transforma em substrato da criação artística, se cumprem as condições necessárias para que a consciência da distância possa se tornar uma função social duradora […] Ao homem que, como artista, se divide entre as concepções religiosa e matemática do mundo vem em ajuda de forma característica a memória tanto da personalidade coletiva como do individuo: não simplesmente criando um espaço para o pensamento, mas fortalecendo nos polos extremos do comportamento psíquico a tendência à contemplação ou a entrega orgiástica.

    ² Tradução nossa: Quando peço a um paciente que deixe toda reflexão e me conte tudo o que vier à mente, me atenho à premissa de que ele não pode deixar de lado as meta representações relativas ao tratamento, e me considero fundamentado para inferir que isso que ele me conta, por mais que pareça inofensivo e arbitrário, tem relação com seu estado patológico.

    A PINTURA DO SÉCULO XVIII E A REPRESENTAÇÃO

    DO FEMININO NA ARTE POR MEIO DA ANÁLISE

    DE SANTA BRÍGIDA

    Marina dos Santos Galli³

    Introdução

    A obra de arte é geradora de conhecimento. Mesmo que, no seu princípio, este não tivesse sido seu objetivo, a obra sempre invocará um passado específico, e assim pode-se ter uma visão da historicidade ligada ao fazer artístico.

    Dentre os períodos mais marcantes da história da arte, o Barroco buscou estabelecer uma relação entre arte e sociedade. A arte como documento passa, então, a ser utilizada como registro da ligação do homem com sua cultura. Além disso, o Barroco também está associado a nova fase no ambiente feminino. Agora, a mulher não é mais considerada apenas como uma extensão do masculino, mas se torna geradora de conhecimento, instaurando, assim, uma relação restrita com a leitura, a escrita e a função educadora. Desse modo, a mulher, aos poucos, vai ganhando sua independência intelectual, tornando-se símbolo para a arte da época.

    Tendo sido o caminho para a intelectualidade feminina uma construção ao longo dos anos, no decorrer da história é possível encontrar exemplos de mulheres que entraram em contato com a leitura e a escrita e assim se transformaram em modelos a serem seguidos. Um exemplo foi Santa Brígida (1303-1373), que, além de sua influência no universo intelectual, por ter sido responsável por diversos registros históricos, possivelmente teve sua história contada por fiéis e por seguidores dentro das instituições religiosas.

    Santa Brígida foi dama de companhia e casou-se cedo, exercendo, dessa maneira, a função destinada cultural e tradicionalmente às mulheres. Porém ela foi muito mais do que apenas esposa. Tendo o dom da revelação, Santa Brígida registrou suas epifanias, que são usadas até hoje como documento histórico de estudo por historiadores, por teólogos e por fiéis. Consequentemente, Santa Brígida foi sempre evocada a partir de suas virtudes, mostrando a importância da mulher que registra sua vida, transformando esses registros em documentos passíveis de análise histórica.

    Sendo a arte um reflexo da vida social, não poderia ser diferente que com as mudanças no ambiente feminino do século XVIII as obras de arte também começassem a registrar essa renovação. A mulher, que sempre foi representada nas obras de arte em caráter secundário ao homem ou a partir de qualidades como sua beleza e suas riquezas, agora se mostra nos quadros graças à sua intelectualidade, que pode ser vista a partir das pinturas em que é inserida no universo intelectual, revelando seu contato com os livros.

    Sendo assim, pode-se definir uma relação direta entre a mudança da forma como as mulheres são retratadas nos quadros, a partir do século XVIII, com o novo conceito de feminilidade ligado ao universo cultural do mesmo século, usando como base as características aplicadas à Santa Brígida e sua história como mulher geradora de conhecimento.

    Teoria da estética e análise de obras de arte

    A arte é um ato de comunicação do pensamento, e em vista disso, é possível entender a arte como um meio de se passar uma mensagem, uma vez que ela mostra as caracteristícas de uma época, tornando possível o entendimento das particularidades de determinado período.

    Nesse sentido, a estética é o campo dentro do qual os problemas levantados pela subjetivação do mundo são observados em seu estado puro (FERRY, 1994, p. 17). Além disso, Ferry ainda afirma que a linguagem contemporânea é a linguagem das experiências vividas (p. 17).

    Pareyson (1993, p. 17) atesta que a estética não é parte da filosofia, mas a filosofia inteira concentrada sobre os problemas da beleza e da arte. Desse modo, pode-se livremente dizer que estética é filosofia, logo essa filosofia justifica a própria pesquisa e mantém sua autonomia.

    Toda operação humana é sempre formativa. Em toda operação existe especificação de uma atividade e concentração de todas as atividades. Para Pareyson (1993), toda operação humana é sempre ou especulativa ou prática ou formativa, mas seja qual for a sua especificação, é sempre ao mesmo tempo tanto pensamento como moralidade e formatividade (p. 24).

    A formatividade⁴ se devincula das leis e dos fins das atividades especificadas. Ela se torna arte quando, não tendo nada de específico pra formar, adota uma matéria. O artista inventa novas leis e ritmos que surgem a partir de um complexo de sugestões que a tradição cultural e o mundo físico propuseram ao artista sob forma inicial de resistência e passividade codificada (ECO, 2016, p. 17).

    Na obra de arte, ainda, o formar é intencional e predominante, de maneira que ocasiona que toda a operação artística seja destinada a essa formação. Toda obra de arte é um resultado.

    A obra de arte também é aberta para inúmeras possibilidades de interpretação, já que o conhecimento humano, em geral, tem caráter interpretativo. A interpretação é conhecimento e é, ao mesmo tempo, de alguém e de algo. Eco (2016) mostra como o conceito de interpretação é central na estética da formatividade, por unir a forma autônoma e a atividade humana de interpretar.

    Conforme Argan (2004), foi a arte dos séculos XVII e XVIII que inventou a modernidade como atributo de qualquer produto cultural. Isso porque o período foi marcado por uma arte com fins práticos, políticos e religiosos, portanto o interpretante poderia facilmente dar um caráter pessoal para a obra a ser interpretada. Sendo, então, a arte aberta para diversas possibilidades de análise, e sendo esta baseada nas vivências do observador, a obra afetaria cada interpretante de maneira diferente.

    Como assevera Wolfflin (2012, p. 12), para o historiador da arte, os principais núcleos de análise filológica⁵ foram as próprias obras de arte, estudadas segundo sua iconografia (conteúdo expressivo), técnica (no sentido tradicional: construtiva, escultórica e pictórica) e estilo (convenção figurativa).

    Por conseguinte, a interpretação das obras de arte mostra-se essencial para a avaliação das transformações históricas, já que os artistas, influenciados pelos acontecimentos que os cercam, mostram em seus quadros o resultado dessa interferência, que posteriormente pode ser utilizada como fonte para se contar a história de determinada fase. Em se tratando do século XVIII, após um período conhecido como Renascimento, a cultura experimentou uma nova mudança, tanto no âmbito social como no artístico: a chegada do período Barroco.

    Barroco

    No Barroco, a arte é produto da imaginação. O nome Barroco⁶ vem dos termos irregular, bizarro, desigual, tendo sido aplicado à arte dos séculos XVII e XVIII por teóricos e críticos da era seguinte, em que se predominou o racionalismo iluminista e o neoclassicismo. O Barroco⁷, então, é considerado disforme, já que vem seguido de uma época em que o belo era considerado a verdade.

    O conceito de belo, que até o classicismo mostrava-se como a representação do verdadeiro, como a imitação pura da natureza ou como um aspecto racional da arte, transformou-se totalmente. Como relembra Wolfflin (2012, p. 39-42), o que marca a arte barroca é seu caráter pictórico, fundamentado na impressão de movimento e dos volumes exagerados.

    O Barroco possui um dinamismo e um sentimento preciso de direção: ele busca sempre subir, enfatizando o sentido vertical, dando a impressão de que tudo está em movimento ascendente. Essa intensa e constante impressão de movimento oferece ao estilo uma certa tensão e instabilidade. Starobinski (1994) consolida a função psicológica do Barroco, relembrando o predomínio da emoção e da intensidade, definindo a obra por seu efeito subjetivo.

    Sendo a arte do século XVIII extremamente simbólica, ela se mostra também extremamente religiosa, e não poderia ser diferente, já que para atender tanto às necessidades da Igreja como às necessidades do público, a arte barroca mostra um especial contato do fiel com Deus. Enquanto a Igreja utilizava da arte como propaganda da religião, os pintores, que agora faziam quadros livres, que não haviam sido encomendados, deviam adaptar suas obras aos gostos e aos quereres de seu público, que procurava a arte como mais um meio de entrar em contato com a vida religiosa.

    O artista do Barroco era um técnico, e a nova classe estava bastante interessada em todas as possibilidades da técnica, sobretudo na técnica da imaginação (ARGAN, 2004). Assim, o artista do Barroco queria dominar quem via sua obra pelo poder da emoção, exaltando os movimentos e desaparecendo com as linhas.

    Agora, os sentimentos eram expressos pelo movimento dos corpos. Almejava-se comunicar um estado emocional e provocar no espectador uma reação sentimental. O artista devia conhecer os movimentos do corpo humano e, dessa maneira, interpretar seus sentimentos e refleti-los nesses movimentos.

    É ainda no Barroco que o conceito de mulher muda para a história, já que ela começa a contribuir intelectualmente no âmbito social. Sendo o século XVIII, como mencionado, intensamente religioso, é preciso determinar uma ligação direta entre essa ascensão religiosa e a ressignificação do papel da mulher na sociedade, dado que essa ressignificação pode ser vista especialmente nos conventos do período, lugares que tradicionalmente eram conhecidos como prisões, mas que para algumas mulheres apresentam-se como verdadeiros centros educacionais, nos quais elas poderiam entrar em contato com o universo intelectual.

    Assim, considerando a obra de arte um reflexo dos acontecimentos sociais do período, mostrando suas particularidades e suas mudanças, observa-se que os artistas também estão preocupados em retratar em seus quadros a nova face da mulher.

    Santa Brígida

    Nasce em Uplândia, em 1303, Brígida Birgersdotter, filha de Birger Persson, governador de Uplândia. Já com 7 anos de idade, teve uma visão em que a Virgem Maria colocava uma coroa em sua cabeça. Com 10 anos, viu a crucificação de Cristo pela primeira vez. Queria seguir a vida religiosa, mas com 13 anos casou-se – diz-se que contrariada – com Ulf Gudmarsson, com quem teve 4 filhos e 4 filhas. Ambos viveram uma vida dedicada a Deus, mas depois de 28 anos de união seu marido morreu (ENCYCLOPAEDIA..., 2019b).

    Logo, Brígida se fez irmã da Ordem Terceira de São Francisco, devotando-se intensamente à vida conventual, e embora suas revelações fossem relacionadas principalmente a questões espirituais, algumas mensagens eram de caráter prático e político. Suas mais de 600 revelações foram anotadas por ela em sueco e posteriormente foram traduzidas para o latim por um de seus confessores, depois, foram traduzidas para vários idiomas europeus.

    Ela também fundou um mosteiro de ordem religiosa chamado Santíssimo Salvador, que se espalhou por toda a Europa por meio de 78 casas. Brígida foi proclamada santa pela Igreja Católica em 1391 (SOUSA, 2004). Em sua vida, fez inúmeras peregrinações e dedicou-se aos cuidados dos pobres e dos doentes, fundando, inclusive, um hospital. Além disso, sempre praticou penitências para demonstrar sua fé, derivadas do inesgotável desejo de participar do sofrimento de Cristo, vivendo, desse modo, por amor à Ele e com Ele redimindo sua alma.

    Em Jerusalém, contraiu uma doença, e sua filha Catarina, que também foi canonizada mais tarde, ficou a seu lado até o momento de sua morte. Antes de morrer, recebeu o véu da freira da Ordem que fundou, e em 23 de julho de 1373 encerrou sua vida terrena.

    Devido a perseguições, as instituições religiosas se espalharam pela Europa, e os conventos originados com Santa Brígida contaram sua história por diversos países, relatando aos fiéis suas virtudes e sua trajetória como geradora de documentos históricos.

    A ida para Portugal e o Convento das Inglesinhas

    Em 1415-1416, o rei católico Henrique V (1386-1422) fundou dois conventos na Inglaterra: o convento masculino pertencia aos Cartuxos e o feminino chamava-se Mosteiro de Sião, graças à súplica de Santo Salvador, que teria se revelado à Santa Brígida.

    As instituições religiosas e os conventos de origem estrangeira que se moveram para Lisboa foram criados em decorrência das perseguições religiosas nos países de origem, devido à necessidade de serem instituídos na cidade pontos de acolhimento e de apoio temporário para os religiosos de certas ordens (FONSECA, 2015).

    O convento da ordem de Santa Brígida ficou ligado, logo em sua origem, ao gênero feminino. Ele se originou por conta do abandono da Inglaterra por essa comunidade, em virtude da perseguição anticatólica inicida por Henrique VIII com a reforma protestante. Inicialmente, as religiosas se estabeleceram em vários locais de Flanders, mas, como as dificuldades continuaram, acabaram indo para Lisboa em 1594.

    Em 17 de agosto de 1651, o convento destinado às brigidas pegou fogo, e durante 7 meses as brigidas foram acolhidas no Convento da Esperança. O novo convento ficou conhecido como Convento das Inglesinhas, pois as suas fundadoras tinham sido religiosas inglesas, já reduzidas, como apontam pesquisas, a 15 irmãs e 3 sacerdotes.

    De início, as inglesinhas foram refugiadas no Convento da Esperança, porém, depois, uma senhora nobre chamada Isabel de Azevedo lhes cedeu terrenos e algumas casas, que se estendiam desde o Convento da Esperança até o Convento do Senhor Jesus da Boa Morte, contíguo à Basílica da Estrela. Posteriormente, o convento se tornaria uma instituição de ensino.

    Em 1672, puderam contar com um edíficio próprio, na rua do Quelhas, e somente em 1861 o último grupo regressou à sua pátria. Por 3 séculos as ordens religiosas perduraram em Portugal. Em 1834, por força das lutas liberais, um decreto régio suprimiu todas as ordens religiosas, tendo algumas delas abandonado o país. Apenas em 1902 o Convento das Inglesinhas deixou de ser considerado um convento estrangeiro.

    Apresentando uma nova perpectiva acerca dos conventos, mostrando-os como centros educacionais que possibilitavam às mulheres o contato com o universo intelectual, começou-se a entender o princípio da conexão do ser feminino com a cultura, conquistando aos poucos sua independência e mostrando-se ativamente na sociedade.

    A Ressignificação da Mulher no Século XVIII

    Quando se fala sobre o passado feminino, muito se diz sobre o papel que a mulher desempenhou na família e na vida doméstica: ela sempre foi lembrada como mãe e esposa, fato que pode ser confirmado nas obras de arte, que sempre procuraram retratar a mulher por suas qualidades dentro da família ou por suas riquezas materiais. Até mesmo nos momentos em que a mulher ganhava destaque, como nas pinturas religiosas (Figura 1), ela era apenas a extensão de algo maior, assumindo, assim, seu papel secundário dentro da história.

    Figura 1: Madona com menino, Jacopo Bellini, 1460, Galleria degli Uffizi, Florença, Itália

    Fonte: Bellini (2019)

    Todavia, essa visão da mulher-acessório é demasiadamente estreita, pois ela, especialmente com o ínicio do Barroco, não mais exerce esse papel na sociedade: a mulher, agora, consegue demonstrar sua capacidade de administração pessoal, iniciando, em vista disso, o feminismo moderno (HATHERLY, 1996).

    A mulher, que antes era considerada a culpada pelo pecado do homem, começa a ter o status elevado em razão do culto de veneração à Virgem Mãe de Deus: Maria foi apresentada como a Nova Eva, escolhida por Deus para ser a mãe do seu Filho. A mulher deixou de ser vista como encarnação do mal para ser reputada como um ser capaz de adquirir grandes virtudes.

    Entre os séculos XVII e XVIII, a mulher não era mais conhecida como somente uma extensão do homem, mas ganhou sua autonomia e, como consequência de sua aproximação com a leitura e a escrita, tornou-se um ser produtor de conhecimento. No Barroco, ela passou a ser vista como ser cultural, não só produzindo documentos, como encontrando seu espaço na sociedade. A mulher no Barroco toma a palavra, e suas contribuições se tornam importantes para a sociedade. No entanto, em que momento a mulher entrou em contato com o universo cultural? E houve um elemento facilitador para esse contato?

    Como se sabe, nos séculos XVII e XVIII o número de religiosos e de religiosas era extremamente alto. Somente em Lisboa, havia 26 conventos masculinos e 15 femininos, ademais, Tirso de Molina, em El Burlador de Sevilla, de 1630, diz que no Mosteiro de Odivelas havia mais de 1200 freiras e beatas (HATHERLY, 1996).

    Os conventos, que tradicionalmente serviam como solução para mulheres que, de certa forma, não correspondiam às expectativas da sociedade (ALGRANTI, 1993), apareciam, agora, sob uma nova perspectiva. A instituição religiosa se tornava alternativa para a liberdade da mulher que não queria aprisionar-se ao matrimônio e que buscava oportunidades de entrar

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1