Um jogo chamado música: Escuta, experiência, criação, educação
4.5/5
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Sobre este e-book
Livro publicado com o Instituto Arte na Escola.
Autores convidados Adriana Rodrigues Didier/ Berenice de Almeida e Magda Pucci/ Fátima Carneiro dos Santos / Fernando Barba e Núcleo Barbatuques / Fernando Sardo / Gabriel Levy / Janete El Haouli / Lisbeth Soares / Stênio Biazon
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Um jogo chamado música - Teca Alencar de Brito
1.
SOBRE O
FAZER
MUSICAL
DA MÚSICA COMO JOGO
SOBRE A MÚSICA, SOBRE O MUSICAL
(Alguém pode afirmar ou confirmar — com certeza — alguma hipótese?)
Em sintonia com o compositor Silvio Ferraz (1994, p.18), o fazer musical é entendido, no contexto deste livro, como "o contato entre a realização acústica de um enunciado musical e seu receptor, seja este alguém que cante, componha, dance ou simplesmente ouça". Tal conceito cria alianças com a concepção do compositor norte-americano John Cage (1912-1992) que, em resposta à pergunta do compositor e educador musical canadense R. Murray Schafer (1932-), afirmou: Música é sons, sons à nossa volta, quer estejamos dentro ou fora das salas de concerto!
(CAGE apud SCHAFER, 1991, p.120 ). A proposição evoca a escuta como agenciadora do acontecimento musical, já que, ainda segundo Cage, é o ouvido que transforma em música aquilo que, a princípio, pode não ser música!
.
As capacidades de ouvir e de escutar remetem a eras muito remotas e considera-se que a escuta teve grande e significativa importância na constituição do ser humano, tal qual o conhecemos. As relações com o sonoro e o musical, por essa via, também remontam a tempos muito distantes, sendo que, informações recentes afirmam que foram encontradas flautas feitas com ossos de pássaros com idades avaliadas em 35 mil anos. Outros informes, no entanto, dizem que tais flautas existem há mais de 70 mil anos!
Discorrendo sobre a emergência do acontecimento musical na cultura humana, o engenheiro e compositor francês Pierre Schaeffer (1910-1995), criador da música concreta junto com o compositor francês Pierre Henry (1927-2017), ponderou que seria melhor confessar, em resumo, que não sabemos grande coisa sobre a Música
(SCHAEFFER, 1988, p.50). Segundo ele,
[…] tendo em vista que não estivemos lá para presenciar e que o nosso homem não deixou outro testemunho de sua vida e da sua obra a não ser os seus ossos, ficamos reduzidos às suposições. Teria ele encontrado a sua musa ouvindo o bramar do cervo ou o mugir do bisão? Pouco provável. Pode-se imaginá-lo, antes, atento: calculando a distância, a direção, as probabilidades de uma caça generosa. Nem por um instante ele se detém nem se interessa pelo som em si mesmo, absorto de imediato em proveito do evento que acaba de assinalar e dos projetos que esse evento suscita. Mas a par de um conjunto de atividades diretamente voltadas para a sua própria sobrevivência, ele conhece outras: o prazer de gritar a plenos pulmões, o prazer de dar pancadas sobre objetos, sem que fiquem necessariamente dissociados o gesto e o seu efeito, a satisfação de exercitar os seus músculos e a de fazer barulho
.
Seria o caso de procurar em tais exercícios — que, em seguida, ter-se-iam aperfeiçoado (ao mesmo tempo em que se desenvolviam os seus significados) — a origem simultânea da dança, do canto e da música?
(SCHAEFFER, 1988, p.50)
Ainda que não seja possível comprovar a hipótese de Schaeffer, parece-me interessante considerá-la. Por essa via, as relações funcionais mantidas com o ambiente sonoro no decorrer do tempo dispararam outros modos de perceber, de escutar, de criar e se expressar com sons e silêncios, resultando no acontecimento que nós chamamos Música. Da apreensão dos sons do entorno, da natureza (avisando que viria chuva, escutando o rugido de uma fera, entre tantas possibilidades), a escuta e a produção sonora se transformaram, transcendendo a funcionalidade (essencial à evolução da espécie, vale lembrar!), desaguando nos territórios que chamamos de expressivos, musicais, em planos temporais que não é possível precisar
Para François Delalande (1984), se quisermos pensar em uma gênese da música talvez possamos considerar o gesto de cada bebê que, aleatoriamente, agita o chocalho que tem em mãos, encantando-se com o som produzido. E que, a partir de então, dedica-se a repeti-lo, inserindo diferenças e transformando, assim, o gesto produtor dos sons, a escuta e a consequente produção sonora. Tal perspectiva, ainda que em outra escala e dimensão, conecta-se com as proposições de Schaeffer acerca dos percursos que transitam do acaso à intenção.
Sem a possibilidade de confirmar nenhuma hipótese, importa o fato de que o acontecimento musical se atrela aos contínuos processos de reorganização do ser humano, abarcando os ganhos de complexidade que emergiram ao longo do tempo; que seguem se atualizando continuamente, afetando, também, as relações com o sonoro e o musical.
É interessante destacar algumas convergências entre a proposição schaefferiana apresentada acima e a abordagem deleuziana acerca do surgimento da arte na cultura humana. Para Gilles Deleuze, a arte emerge quando algo da esfera direcional torna-se dimensional, dando uma espécie de salto qualitativo que funda um território. Em outras palavras: quando as relações funcionais com a escuta (ouvir para se orientar e se proteger de possíveis perigos; entender sinais do tempo; reconhecer a aproximação de uma fera ou de uma possível caça; se comunicar, dentre outros exemplos) passaram a focar o ato de escutar, em si mesmo, agregaram-se forças oriundas dos territórios simbólicos, nos quais o fato musical se atualiza, onde emerge o musical. Do mesmo modo, a produção de sonoridades sem intenções objetivas (como comunicar; chamar a atenção, sinalizar algo…) transporta a escuta e a produção sonora para os territórios da Música. Segundo