Terra Dos Anjos
De Felipe Reino
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Terra Dos Anjos - Felipe Reino
Prefácio
Eu estaria mentindo se dissesse que me lembro com perfeição de quando tive a ideia para este livro. Tenho no máximo flashes ou coisas do tipo. Mas uma lembrança mesmo, algo sólido e claro, isto eu não tenho. O que eu sei com certeza é que eu sempre gostei de escrever. Aprendi e nunca mais parei. E o que eu também sei com certeza é que eu sempre quis contar histórias de fantasia. E este desejo veio antes mesmo de eu aprender a escrever. Então eu não sei dizer em qual momento surgiu a ideia de Terra dos Anjos. Pode ter sido em qualquer uma das vezes em que eu escrevia sem saber o que estava escrevendo. Mas, como eu já disse, eu tenho flashes.
O primeiro flash que me vem à mente é Crepúsculo. Sim, ele mesmo. A tão amada e odiada saga de vampiros criada pela Stephenie Meyer. O filme do primeiro livro tinha acabado de sair nos cinemas e todos só falavam naquilo. Quem viveu a época sabe o fenômeno que foi. Como a maioria dos meninos, eu torci um pouco o nariz para a saga, até ganhar de presente o livro Lua Nova. Provavelmente ali foi o início. Por mais que eu não soubesse ainda. Resolvi assistir ao filme e logo em seguida li o livro. E dali não teve mais volta. Estava na hora de escrever algo assim. Meu romance adolescente tinha que ganhar vida.
Já estava tudo decidido. Seria uma trilogia. E tinha que ser épica. O novo livro do momento. O próximo best-seller. Teria que ser tão bom que viraria filme. De Hollywood de preferência. E em minha defesa eu posso dizer que eu ainda tinha 16 anos e um senso de realidade meio megalomaníaco e muito fantasioso. Repito: Muito fantasioso. Mas como eu faria isso? Eu sabia que não poderia usar vampiros ou lobisomens – e nem bruxos ou deuses gregos. Mas o que poderia ser tão místico e misterioso quanto vampiros?
Demorou um pouco até eu me lembrar de uma antiga série americana chamada Angel. Apesar de eu nunca ter assistido um episódio sequer da série e de não fazer a menor ideia do que se tratava, eu tinha uma imagem bem nítida do logo do programa e de seu protagonista. E aquilo parecia bom o suficiente. Eu finalmente tinha achado o que precisava. Meu livro seria sobre anjos. Eu fiquei em choque quando descobri sobre o que aquele seriado se tratava de verdade, mas isto é história para outro momento.
Os quatro primeiros capítulos foram concebidos no mesmo dia. Eu estava inspirado. Estava amando cada detalhe do que eu estava criando e assim que ficou pronto eu corri para mostrar para minhas amigas na época: Yasmin e Mikaela.
A aprovação das duas foi imediata. E, de repente, a leitura dos próximos capítulos se tornaram quase um evento. Íamos para casa de Mikaela e passávamos a tarde lendo e comentando. Eram momentos mágicos. Pelo menos para mim. Ouvir as duas lendo os capítulos ou mesmo ler para elas fazia eu sentir que esta história era importante e que tinha potencial. Agora que o livro tinha a aprovação das duas, passei para o próximo passo da minha missão: postar os capítulos na internet.
Inicialmente a minha intenção era lançar dez dos trinta capítulos planejados na internet antes de tentar uma editora. Sim, eu sei, isto é meio mercenário. E eu tinha tanta certeza que o livro daria certo, que eu achei que poderia mesmo ser fácil assim. Que Terra dos Anjos seria lido por vários adolescentes que se apaixonariam tanto pelo livro que iriam desesperadamente compra-lo. Eu já disse que eu era muito fantasioso nesta época?
Mas a vida não é feita de flores e nem de arco-íris com potes de ouro no final. A vida às vezes parece mais um chá de boldo, difícil de engolir, mas necessário de beber. E nesta história a vida não me serviu uma xícara de chá de boldo, ela me serviu foi o bule inteiro. E não demorou muito para eu perceber que o meu plano perfeito não era tão perfeito.
Os capítulos na internet não estavam sendo o sucesso que eu esperava, o boca-a-boca não estava acontecendo e nem todo mundo que estava lendo estava gostando. E para piorar a situação, começaram a surgir comparações com outras obras. E não estavam falando de Crepúsculo. As obras eram Fallen e Hush, Hush (esta última foi batizada aqui no Brasil como Sussurro). Duas histórias que tratavam sobre qual tema? Anjos! E eu achando que iria iniciar uma nova tendência.
Olhando hoje, dez anos depois, parece uma bobagem. Mas na época eu tinha ficado sem chão. E fiz a única coisa que consegui pensar no momento: cancelei o projeto. Tudo bem que não foi exatamente um cancelamento. Eu acabei resumindo toda a história dos três livros da Saga dos Anjos (como eu já estava chamando) nos últimos capítulos de TDA (como já tinha abreviado o livro) e fingi que este projeto frustrado nunca existiu. Eu até quis recomeçar e prometi lançar um novo projeto com o mesmo tema, o livro Eterno, que iria servir de reboot para a Saga dos Anjos, mas eu já estava cansado demais para me envolver com uma história de anjos de novo. Já não me reconhecia no livro e isso era péssimo. E de fato eu estava apenas tentando ser uma cópia fajuta de algo que estava no auge. A verdade é que meu amor pelo livro tinha murchado. Assim como tudo o que estava relacionado a ele.
Eis então que eu termino 2010 com um sentimento de fracasso no peito. Mas, ao contrário do que muitos possam estar imaginando, eu não fiquei curtindo a foça do fracasso
. Eu queria um novo começo. Eu queria uma nova chance de ser o autor de livros de sucesso que eu tanto sonhava. E não demorou muito para um novo amor avassalador aparecer em meu coração.
Recomecei com uma nova trilogia de fantasia completamente fora do universo obscuro de Terra dos Anjos. Me encontrei como autor, mudei minha escrita e comecei a me sentir mais Felipe Reino do que nunca.
Continuei renegando Terra dos Anjos por muitos anos (e confesso que ainda hoje o livro não é exatamente o meu maior orgulho), mas ele existia. E eu tinha que encarar isto. O fantasma começava a me assombrar.
Já iria fazer quase dez anos que não nos falávamos. Achei que estava na hora de perdoar e esquecer. E por isto ele está aqui. Tendo a sua segunda chance. Sendo publicado com um pouco mais de pompa que na primeira vez. E agora com todos os pés no chão.
Eu comecei falando que não me lembrava de como tudo começou, mas parece que eu estava enganado. Eu lembro de cada detalhe. E foi bom contar toda a trajetória dessa parte tão importante da minha vida. Acho que eu estava devendo isto para mim mesmo. Um acerto de contas.
Agora que a história por trás da história já foi contada, tudo o que me resta a dizer é: Aproveitem a jornada!
– Felipe Reino
1. Mudança de rotina
Eu sempre precisei de mais tempo para qualquer coisa do que os meus irmãos. Aqueles dois patetas! Banho, cabelo, me arrumar, comer… até para escrever eu era mais lerda do que eles. E eu detestava o fato de sempre ser a última. Já não bastava ser a última a nascer? Mas graças aos céus os dois estavam se mudando naquela tarde. Não que isso fosse mudar muita coisa, mas já era algo.
Antônio Montês Filho, o Toni, era o mais velho dos três filhos da dona Michele Montês e sempre foi o queridinho da casa. Seu rosto beirando a perfeição era uma cópia masculina do rosto da mamãe, além do talento para esportes que também foi herança da dona Michele. Porém seus belos olhos verdes, cabelos castanhos dourados e o físico sempre em forma eram 100% made in papai, Senhor Antônio Montês.
Já meu outro irmão, Patrick Montês, era exatamente oposto. Olhos cor de mel e cabelos pretos bem escuros, como os da mamãe e os meus, um sorriso avassalador e um tamanho tido como pouco favorável
para um homem. Mas tocava guitarra como ninguém.
Os dois estavam se mudando no mesmo dia, mas por motivos opostos. Toni estava prestes a abrir um escritório de advocacia fora do estado com um colega de faculdade. Já Patrick iria sair em turnê com a sua banda de heavy metal, a Alta Voltagem. E eu estava comemorando como nunca. A casa finalmente seria só minha.
– Patrick, Alice e Michele! – berrou meu pai da escada – Querem fazer o favor de se apressarem.
– Já estou pronto, papai – ouvi Patrick gritando, enquanto descia as escadas correndo. Toni, como sempre, já estava na porta.
– Alice e Michele, vocês ainda não estão prontas? – papai continuava.
– Já estou pronta, amor. – desta vez minha mãe quem descia as escadas. Droga, eu era a única que ainda não estava pronta.
Fui obrigada a descer de qualquer jeito. Mal consegui arrumar meu cabelo. Tive que prendê-lo em um rabo de cavalo comum que fazia minha testa ficar maior do que já era.
Minha pele branca estava rosada devido à maquiagem feita às pressas. Meu um metro e sessenta e cinco de altura estava devidamente tapado com meu jeans básico, minha blusa amarela e meu tênis preto surrado. Resultado de tudo: estava me achando feia e não podia fazer nada para modificar isto.
Entramos no carro. Eu, como sempre, tive que ficar no meio. No maldito meio. Todos que me conhecem sabem que eu gosto de ficar na janela, imersa em meus pensamentos, mas quando os dois estão juntos sempre sobra para minha pessoa ter que ficar na porcaria do meio. Ainda bem que aquela era a última vez.
Nós não tínhamos nem saído do carro ainda quando minha mãe abriu o berreiro. Apenas revirei os olhos e evitei fazer qualquer comentário. Não queria estragar o momento. A choradeira foi assim até o portão de embarque.
– Mamãe, não precisa chorar! – Toni passava a mão no cabelo dela – Eu vou aparecer sempre para te ver e você também pode ir para lá quando quiser.
– Mas não vai ser a mesma coisa! – mamãe enxugava as lágrimas.
– Meninos, já está na hora de vocês. – papai cortou o clima.
– Eu desejo muita sorte para os dois! – dizia, ou melhor, choramingava a mamãe.
– Juízo na cabeça de vocês. Principalmente você, Patrick! – completava o papai enquanto entregava uma das malas ao Toni.
– Você não vai dizer nada para seus irmãos, Alice? – mamãe perguntou fingindo que tinha parado de chorar.
– Já vão tarde! – respondi.
– Alice! – berrou minha mãe.
– Deixa, mamãe. Sabemos que ela sentirá muita falta da gente, não é Patrick? – Toni deu uma piscadela nada discreta para Patrick.
– Ela só não quer é dar o braço a torcer! – Patrick completou cutucando o irmão com o cotovelo.
Não respondi, apenas mostrei a língua para os dois e virei de costas. Eu sabia que estava agindo feito uma garota de 6 anos de idade ao invés de agir feito uma de 16 que sou. Mas sabia também que o que eles diziam era a mais pura verdade. Apesar de ter aquela implicância natural que todos os irmãos têm uns pelos outros, eu sentiria muita falta daqueles dois patetas dentro de casa.
No carro o silêncio foi predominante e estava quase certa de que continuaria assim até que chegássemos em casa.
Durante toda a silenciosa viajem de volta eu fiquei distraída em meus pensamentos. Encostei a cabeça no vidro da janela e fiquei observando cada árvore passando por mim e sumindo em questão de segundos. O sol estava bem forte e por alguns momentos o reflexo dele no vidro me cegava, mas – ainda assim – eu continuava olhando. A rua em movimento me hipnotizava. Era como se o mundo estivesse acelerando, correndo mais rápido do que deveria.
De repente as árvores e postes começaram a diminuir a velocidade. A rua começava a ser bem familiar. Estávamos chegando. Voltávamos para aquela velha casa de sempre, agora com dois moradores a menos.
– Esta casa já parece mais parada sem os dois aqui! – mamãe continuava choramingando.
– Acho que continua a mesma coisa! – ainda estava agindo feito uma criança.
– Bem, meninas, eu vou subir e tomar um banho. Vou aproveitar que tirei o dia de folga hoje e descansar.
Papai sempre foi um homem de negócios. Engenheiro formado, estava sempre em sua firma trabalhando. Hoje ele tinha tirado o dia de folga especialmente para levar meus irmãos ao aeroporto. Não era todo dia que ele fazia isso, por tanto, me senti um pouco enciumada de não ter tido esse tipo de consideração até hoje.
Depois que se passaram algumas horas comecei a sentir falta da bagunça que era a casa quando os dois estavam aqui. Comecei a sentir falta da mamãe gritando com Patrick por ter deixado o prato sujo em cima da mesa, do Toni reclamando da barulheira que o Patrick fazia enquanto ensaiava com a banda na garagem. Sentia falta até da reclamação dos dois com o papai sobre minhas demoras no banheiro. A saudade estava batendo mais rápido do que eu esperava.
Liguei a TV do meu quarto, mas a programação não tinha nada de interessante. Nenhuma notícia nova sobre nenhum dos meus artistas favoritos, nenhum filme interessante, nenhum episódio novo de nenhuma série. Parecia até uma conspiração para me prender junto ao tédio que aquele dia estava se tornando. Eram as minhas férias e estavam sendo bem chatas.
Por alguns minutos fiquei observando o meu quarto. Não que tivesse algo de novo para observar, mas eu não