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Tratado sobre Tempestades e outros fenômenos extraordinários
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Tratado sobre Tempestades e outros fenômenos extraordinários
E-book212 páginas2 horas

Tratado sobre Tempestades e outros fenômenos extraordinários

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Sobre este e-book

Magia, amor, sacrifício e ação em uma mistura perfeita para quem ama fantasia com uma pitada de romance.
Quando a oportunidade para se graduar como Alquimista Extraordinária antes do esperado aparece, Morena e Aleksey a agarram sem pensar duas vezes. É o que sempre quiseram, o título que lhes dará o poder que precisam para se impor na Corte e serem respeitados… ou temidos. 
Mas Aleksey ainda não se recuperou totalmente do tiro que levou do próprio tio e não há garantia nenhuma de que ele será capaz de chegar até o final da prova, principalmente ao perceber uma presença desagradável nas arquibancadas. Morena começa a prova disposta a fazer o que for necessário para ter o poder que precisa — mas nada vem de graça, o preço a pagar pelo que se quer pode ser caro demais. 
Assistindo ao drama das arquibancadas, Ivan percebe que não pode aceitar que manipulem as pessoas que ele ama daquele jeito, que não pode perder a oportunidade de fazer com que aquela seja a última vez que algo daquele tipo acontece, mesmo que lhe custe algo que ama muito. 
O que a magia dá, a magia tira, é o que dizem as babushki enquanto contam histórias ao redor da fogueira. Ivan, Morena e Aleksey estão prestes a descobrir o quão verdadeiro é esse ditado. 

Tratado sobre Tempestades e outros fenômenos extraordinários é o primeiro volume de uma trilogia de romantasia centrada em um trisal, e mistura de ação, magia e muitos sentimentos. Essa edição inclui o extra Notas sobre Felicidade e outras coisas efêmeras, que se passa no dia de Reis logo antes da prova.
IdiomaPortuguês
EditoraNoveletter
Data de lançamento30 de set. de 2022
ISBN9786599788239
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    Tratado sobre Tempestades e outros fenômenos extraordinários - Isabelle Morais

    Capítulo Um

    Ivan sem­pre acha­ra tudo re­la­ci­o­na­do às En­tro­pi­as exa­ge­ra­do: do prin­cí­pio ci­en­tí­fi­co ao trei­na­men­to, in­clu­in­do o cor­po do­cen­te e par­te do cor­po dis­cen­te. Era al­gum tipo de cas­ti­go di­vi­no que não só sua es­po­sa fos­se uma, mas tam­bém seu me­lhor ami­go — se é que po­dia cha­mar Alek­sey de me­lhor ami­go. Os dois eram o úni­co mo­ti­vo para ele se su­jei­tar a se sen­tar na­que­la ar­qui­ban­ca­da de ma­dei­ra pre­cá­ria, en­ro­la­do em sua capa mais pe­sa­da, so­fren­do no ven­to cor­tan­te que pa­re­cia ge­lar até os os­sos. No res­to do mun­do, po­dia ser pri­ma­ve­ra, mas na Azo­te era sem­pre in­ver­no, e o es­pe­tá­cu­lo ri­dí­cu­lo que as En­tro­pi­as cha­ma­vam de pro­va de ti­tu­la­ção pre­ci­sa­va ser ao ar li­vre.

    Não era a pri­mei­ra pro­va a que as­sis­tia: quan­do Alek­sey e Mo­re­na se gra­du­a­ram como Al­qui­mis­tas, dois anos an­tes, ele ha­via atu­ra­do qua­se seis ho­ras en­quan­to os cin­co alu­nos as­pi­ran­tes ao tí­tu­lo atra­ves­sa­vam um la­bi­rin­to ab­sur­do e des­ne­ces­sá­rio, sen­do obri­ga­dos a usar cada um dos cin­co ele­men­tos para re­sol­ver pro­ble­mas de ló­gi­ca. Fora ain­da pior do que o pre­sen­te. As pro­vas nor­mal­men­te acon­te­ci­am no meio do ano, no auge do in­ver­no, na se­ma­na que era mais noi­te do que dia. O frio já era o iní­cio dos tes­tes: uma En­tro­pia que não con­se­gue se man­ter aque­ci­da sem o au­xí­lio de rou­pas não me­re­ce o tí­tu­lo de Al­qui­mis­ta, qui­çá o de Al­qui­mis­ta Ex­tra­or­di­ná­ria. Se os alu­nos e pro­fes­so­res que de­ci­di­am as­sis­tir à pro­va não con­se­gui­am se es­quen­tar so­zi­nhos, o pro­ble­ma era in­tei­ra­men­te de­les. Ivan sem­pre de­tes­ta­ra a ideia, mas qua­se mor­rer con­ge­la­do para as­sis­tir a uma pro­vi­nha não era nada com­pa­ra­do ao que ele po­de­ria fa­zer por quem ama­va.

    Nada dis­so o im­pe­diu de agra­de­cer a to­das as san­tas e acen­der ve­las de­di­ca­das a to­dos os seus an­ces­trais quan­do Mo­re­na lhe con­tou que, des­sa vez, ha­ve­ria uma pro­va ex­tra du­ran­te a pri­ma­ve­ra, per­to do en­cer­ra­men­to do ano le­ti­vo. Isso re­sol­ve­ria vá­rios pro­ble­mas de uma vez: Mo­re­na e Alek­sey se gra­du­a­ri­am qua­se um ano an­tes do tem­po cer­to, ele não se­ria obri­ga­do a pas­sar tan­to frio, e da­ria mo­ti­vos para os ou­tros no­bres os res­pei­ta­rem. Per­fei­to.

    Ago­ra, já não pa­re­cia uma ideia tão boa. Ivan sen­tia a pon­ta dos seus de­dos for­mi­gan­do e, pela pri­mei­ra vez, es­ta­va tão an­si­o­so quan­to as pes­so­as que en­chi­am as ar­qui­ban­ca­das, tão cu­ri­o­so quan­to elas para sa­ber o que acon­te­ce­ria na pro­va. Os mi­nu­tos pa­re­ci­am se ar­ras­tar e a an­si­e­da­de se acu­mu­la­va em sua gar­gan­ta, os mi­lha­res de ce­ná­rios que ha­via ima­gi­na­do com Alek­sey se mis­tu­ran­do em sua ca­be­ça.

    Era sem­pre um mis­té­rio o que os pro­fes­so­res in­ven­ta­ri­am como tes­te. A pro­va de gra­du­a­ção de Al­qui­mis­ta Ex­tra­or­di­ná­ria nun­ca se re­pe­tia, mas sem­pre acon­te­cia no mes­mo an­fi­te­a­tro: era uma cons­tru­ção qua­se tão an­ti­ga quan­to o krem­lin que abri­ga­va a Azo­te, a es­co­la das Al­qui­mis­tas, com uma are­na cir­cu­lar enor­me que po­dia ser trans­for­ma­da em qual­quer ex­tra­va­gân­cia que qui­ses­sem. As ar­qui­ban­ca­das se es­ten­di­am pela par­te les­te da are­na e Ivan co­lo­cou seus ócu­los, fran­zin­do a tes­ta no es­for­ço de ten­tar dis­tin­guir algo na né­voa que es­con­dia o es­pa­ço à fren­te. Vol­tou o olhar para a base da ar­qui­ban­ca­da, onde as qua­tro En­tro­pi­as que ten­ta­ri­am o tí­tu­lo se aglo­me­ra­vam. Alek­sey, o úni­co que es­ta­va sen­ta­do. Ivan ob­ser­vou en­quan­to o ra­paz pas­sa­va uma mão na coxa es­quer­da, num ges­to qua­se au­to­má­ti­co, e sen­tiu seu co­ra­ção se aper­tar.

    Será que ti­nha fei­to os cál­cu­los cor­re­ta­men­te? Se ti­ves­se cos­tu­ra­do um pon­to fora do lu­gar, Alek­sey po­dia não aguen­tar se­quer co­me­çar a pro­va.

    Le­vou um sus­to quan­do Ta­ma­ra sen­tou-se ao seu lado sem avi­so, se jo­gan­do na ar­qui­ban­ca­da. Sua cu­nha­da ace­nou para os ami­gos que es­ta­vam sen­ta­dos mais aci­ma nos as­sen­tos e es­fre­gou as mãos uma na ou­tra, as­so­pran­do para es­quen­tá-las, en­quan­to es­ti­ca­va suas per­nas com­pri­das o má­xi­mo que po­dia no es­pa­ço es­trei­to en­tre os ban­cos.

    — Sabe o que se­ria óti­mo? — fa­lou ela, sem nem se dar ao tra­ba­lho de cum­pri­men­tar Ivan. — Se a pro­va de­les fos­se man­ter to­dos nós aque­ci­dos en­quan­to as­sis­ti­mos.

    — Você acha que eles iri­am gas­tar a pre­ci­o­sa ener­gia que po­de­ri­am uti­li­zar para con­vo­car tem­pes­ta­des com algo tão mun­da­no? — res­pon­deu ele em tom sar­cás­ti­co. Ti­rou um par de lu­vas do bol­so e en­tre­gou a Ta­ma­ra. — Aqui, trou­xe para você. Cos­tu­rei um fei­ti­ço tér­mi­co ne­las.

    — Eu já te dis­se que você é meu cu­nha­do fa­vo­ri­to?! — Ta­ma­ra ex­cla­mou en­quan­to ves­tia as lu­vas.

    — Eu sou seu úni­co cu­nha­do, li­sit­sa — res­pon­deu, com um de­se­nho de sor­ri­so no ros­to.

    — Não se ape­gue aos de­ta­lhes, Vanya. — Ta­ma­ra deu de om­bros, apoi­an­do os co­to­ve­los no jo­e­lho e se in­cli­nan­do para a fren­te. — O que você acha que vai ter des­sa vez? A do meio do ano foi com­ple­ta­men­te bi­zar­ra, eu não sei como nin­guém nun­ca mor­reu num ne­gó­cio des­ses.

    Ivan se sen­tiu en­jo­a­do e olhou para a are­na no­va­men­te, apreen­si­vo. Ele nun­ca ha­via pen­sa­do que al­guém po­de­ria mor­rer an­tes, mas ago­ra pa­re­cia ex­tre­ma­men­te plau­sí­vel e cada vez mais pro­vá­vel.

    — Você já veio as­sis­tir a al­gu­ma aula de­les? — Ivan vol­tou os olhos para a are­na, me­xen­do em sua ali­an­ça, ten­tan­do dis­trair seus pen­sa­men­tos. — As pro­vas não são tão di­fe­ren­tes as­sim, e em ge­ral tes­tam a re­sis­tên­cia ou a ha­bi­li­da­de. Como eles tra­ba­lham com ma­gia bru­ta, as duas coi­sas são im­por­tan­tís­si­mas e os pro­fes­so­res ten­tam le­var to­dos ao mais pró­xi­mo do li­mi­te para ver até onde os alu­nos con­se­guem ir sem per­der o con­tro­le.

    — Pa­re­ce mui­to es­per­to co­lo­car a es­co­la qua­se toda para as­sis­tir algo que ten­ta le­var a es­pe­ci­a­li­za­ção mais vo­lá­til ao li­mi­te –– zom­bou Ta­ma­ra, es­fre­gan­do as mãos mais uma vez e le­van­do às bo­che­chas.

    Ivan com­par­ti­lha­va da opi­ni­ão da cu­nha­da, prin­ci­pal­men­te de­pois das ho­ras que pas­sou es­tu­dan­do as atas de exa­mes an­te­ri­o­res com Alek­sey, bus­can­do pa­drões nas pro­vas e cal­cu­lan­do pro­ba­bi­li­da­des. Tudo pa­re­cia ex­tre­ma­men­te des­ne­ces­sá­rio. Pa­rou de me­xer em seus anéis e ti­rou o re­ló­gio do bol­so pela mi­lé­si­ma vez, in­ca­paz de se li­vrar do ner­vo­sis­mo. Ain­da fal­ta­vam cer­ca de trin­ta mi­nu­tos para o iní­cio da pro­va e ele xin­gou bai­xi­nho. Não ha­via sido tão in­te­li­gen­te as­sim che­gar mais cedo para pe­gar o lu­gar mais pró­xi­mo pos­sí­vel da are­na, por­que ago­ra Ivan ti­nha cer­te­za de que iria mor­rer do co­ra­ção.

    — Eu pre­ci­so fu­mar — dis­se, se le­van­tan­do de for­ma brus­ca en­quan­to bus­ca­va seu is­quei­ro den­tro de um dos bol­sos. — Você guar­da meu lu­gar?

    — Não sei, não, você sabe que não sei di­zer não para me­ni­nas bo­ni­tas — co­men­tou Ta­ma­ra e Ivan re­vi­rou os olhos de for­ma dra­má­ti­ca. — O quê? É ver­da­de. Mas pos­so pen­sar no seu caso se você me ar­ru­mar qual­quer ou­tra coi­sa que me im­pe­ça de con­ge­lar quan­do vol­tar.

    — Mais uma? Eu já te trou­xe as lu­vas. Você não era abu­sa­da as­sim, sua irmã está sen­do uma pés­si­ma in­flu­ên­cia para você — brin­cou Ivan, mas ti­rou o pró­prio ca­che­col, es­ten­den­do para a ga­ro­ta.

    — Tal­vez a cul­pa seja sua, que faz tudo o que a gen­te quer. — Ta­ma­ra pe­gou o ca­che­col com um sor­ri­so, en­ro­lan­do-o ao re­dor da ca­be­ça para co­brir suas ore­lhas. Com um ges­to de mão, dis­se: — Vai logo, se­não vai per­der o co­me­ço.

    Ape­sar do flu­xo de alu­nos su­bin­do a ar­qui­ban­ca­da, to­dos abri­ram ca­mi­nho com fa­ci­li­da­de uma das van­ta­gens de es­tu­dar para ga­nhar o tí­tu­lo de Ex­tra­or­di­ná­rio era que, ao pre­ci­sar le­ci­o­nar para os alu­nos mais no­vos, não ha­via di­fe­ren­ça al­gu­ma en­tre ele e os pro­fes­so­res ti­tu­la­res na ca­be­ci­nha de­les. Ter­mi­nou o ci­gar­ro às pres­sas e vol­tou para seu lu­gar se en­co­lhen­do com o ven­to cor­tan­te. Ta­ma­ra es­ta­va no mes­mo lu­gar, es­con­di­da em­bai­xo do ca­puz de sua capa, com o ca­che­col en­ro­la­do na ca­be­ça. Ivan abriu sua capa e ela se ani­nhou con­tra ele, numa ten­ta­ti­va de es­quen­tá-los me­lhor.

    — Quem você acha que vai pas­sar? — a me­ni­na per­gun­tou, de­pois de al­gum tem­po em si­lên­cio.

    — Mo­re­na e Alek­sey, com cer­te­za. Ha­das­sa e Nara? Du­vi­do. — Ivan vol­tou os olhos para a fren­te, onde os qua­tro alu­nos ha­vi­am se po­si­ci­o­na­do na bei­ra­da da are­na.

    Fal­ta­va pou­co ago­ra.

    — Você só diz isso por­que é sua es­po­sa e seu ami­go — Ta­ma­ra pro­vo­cou, e ele qua­se riu.

    — Eu es­tu­do com to­dos eles há dez anos. — Ivan nem pre­ci­sa­va se de­fen­der. — Eu acho que a essa al­tu­ra eu já te­nho uma boa ava­li­a­ção da ca­pa­ci­da­de de cada um dos meus co­le­gas.

    — Você tem um ca­der­ni­nho? Me diz que tem. Eu ima­gi­no você ano­tan­do. — Ela po­si­ci­o­nou os bra­ços como se es­ti­ves­se es­cre­ven­do no ar, mo­vi­men­tan­do as mãos de for­ma dra­má­ti­ca. — Iri­na Iri­nov­na, fra­co do­mí­nio da arte, pés­si­ma no de­se­nho de cír­cu­los al­quí­mi­cos, não con­se­gue re­sol­ver uma equa­ção nem sob tor­tu­ra. Nota: dez de cem.

    — Uau, você re­al­men­te odeia Iri­na Iri­nov­na. Ela é tão in­com­pe­ten­te as­sim? — ele se di­ver­tiu.

    — Você co­nhe­ce o tipo. — Ta­ma­ra ges­ti­cu­lou va­ga­men­te. –– Não tem um pin­go de ap­ti­dão má­gi­ca, tem um lu­gar ga­ran­ti­do no exér­ci­to se ti­ver a es­pe­ci­a­li­za­ção cer­ta, e ain­da se acha no di­rei­to de tor­cer o na­riz pra gen­te que pode dar uma sur­ra nela com ma­gia de olho fe­cha­do.

    — Gen­te tipo você.

    –– Ah, eu ain­da es­tou em um ní­vel acei­tá­vel na es­ca­la ima­gi­ná­ria dela. A po­bre da Kisa que so­fre, coi­ta­da. Iri­na vive in­ven­tan­do his­tó­ria so­bre ela para a Guar­da Pla­ti­na.

    Ivan sus­pi­rou, can­sa­do. Ar­gon era um país mui­to pe­cu­li­ar. Ao mes­mo tem­po em que ha­via sido cons­tru­í­do com a in­va­são e ane­xa­ção de inú­me­ras re­gi­ões como Mièdz, a re­gi­ão na­tal de Mo­re­na e Ta­ma­ra, e o lu­gar onde Ivan e a mãe mo­ra­vam ago­ra, ain­da do­mi­na­va esta ob­ses­são por su­pe­ri­o­ri­da­de en­tre a no­bre­za an­ti­ga, como se pre­ci­sas­sem hu­mi­lhar os ou­tros para man­ter al­gum tipo de po­der em um Im­pé­rio que se ex­pan­dia. Era algo que o ir­ri­ta­va pro­fun­da­men­te. No en­tan­to, de­pois de vin­te e dois anos de vida, Ivan ha­via con­clu­í­do que se não fos­se hi­pó­cri­ta, não se­ria ar­go­ni. A Azo­te es­ta­va lo­ta­da de no­bres de fa­mí­lias cada vez me­nos re­le­van­tes que se­quer ti­nham ta­len­to o su­fi­ci­en­te para vi­ra­rem al­qui­mis­tas e mal con­se­gui­am pas­sar do trei­na­men­to bá­si­co, mas que se agar­ra­vam a qual­quer ves­tí­gio ima­gi­ná­rio de po­der e pri­vi­lé­gio que ain­da pu­des­se exis­tir.

    En­quan­to isso, Kh­ris­ti­na, a ami­ga de Ta­ma­ra que nas­ce­ra numa vila mi­nús­cu­la no oes­te de Ar­gon, era fi­lha de uma pa­dei­ra, sem uma gota de san­gue no­bre nas vei­as, e uma das mais há­beis do ano de Ta­ma­ra. E ain­da as­sim, algo na fa­mí­lia de Iri­na Iri­nov­na e na li­nha­gem ri­dí­cu­la da qual ela vi­e­ra a con­ven­ce­ra de que era tão me­lhor do que Kisa que po­de­ria in­ven­tar his­tó­rias so­bre ela para a guar­ni­ção do exér­ci­to que sem­pre vi­gi­a­va a Azo­te.

    Ivan não ti­nha pa­ciên­cia para nada dis­so. Não su­por­ta­va quan­do co­me­ça­vam a fa­lar so­bre como Ar­gon era um Gran­de Im­pé­rio e uma Gran­de Mãe, que aco­lhia a to­dos, quan­do se ga­ba­vam de to­dos os fru­tos das con­quis­tas, mas pre­fe­ri­ri­am que o povo que vi­nha com o ter­ri­tó­rio de­sa­pa­re­ces­se ma­gi­ca­men­te. Era evi­den­te no des­pre­zo que ti­nham por to­dos eles – por Mo­re­na e Ta­ma­ra e seus pais es­tran­gei­ros; por Ivan e a mãe, só por­que ela ou­sou que­brar a li­nha­gem ima­cu­la­da da fa­mí­lia e fu­gir para se ca­sar com um ho­mem xi­a­ni. Era um hor­ror que pes­so­as da no­bre­za se pa­re­ces­sem com o povo que go­ver­na­vam. Mas a no­bre­za an­ti­ga se es­que­cia de que Ar­gon só era Gran­de gra­ças às pes­so­as que tan­to me­nos­pre­za­vam. Es­que­ci­am que todo esse po­der fora cons­tru­í­do com a aju­da de Al­qui­mis­tas, e re­tri­bu­í­am o fa­vor co­lo­can­do-os sob a vi­gi­lân­cia do exér­ci­to. Eles não que­ri­am ou con­se­gui­am se gra­du­ar como Al­qui­mis­tas ao mes­mo tem­po em que se re­cu­sa­vam a acei­tar que não no­bres apren­des­sem ma­gia, mes­mo de­pois de tan­to tem­po da que­da da proi­bi­ção. Que­ri­am tudo só para eles, sem­pre. Era ri­dí­cu­lo, ri­dí­cu­lo, ri­dí­cu­lo.

    Con­tu­do, an­tes de con­se­guir ar­ti­cu­lar to­dos os seus sen­ti­men­tos para Ta­ma­ra, al­guém se sen­tou ao seu lado, sem pe­dir li­cen­ça nem nada. A cu­nha­da fran­ziu a tes­ta, e se es­con­deu para não ser vis­ta, dei­xan­do-o con­fu­so. Quan­do olhou para o lado, Ivan qua­se gar­ga­lhou quan­do per­ce­beu quem era. É cla­ro. Era ób­vio que ele pen­sar so­bre li­nha­gens e es­sas bes­tei­ras au­to­ma­ti­ca­men­te in­vo­ca­ria nin­guém me­nos do que Yakov Yu­li­e­vi­ch, o tio ba­ba­ca de Alek­sey. Ele era como um de­mô­nio, um es­pí­ri­to ma­lig­no que per­se­guia seu so­bri­nho e só apa­re­cia nos mo­men­tos mais in­con­ve­ni­en­tes. Era evi­den­te que es­ta­ria ali para ver a pro­va.

    — Ivan Iri­nin — ele o cum­pri­men­tou com um ace­no de ca­be­ça, cru­zan­do as per­nas e olhan­do para a are­na.

    — Yakov Yu­li­e­vi­ch — Ivan re­tri­buiu, fi­can­do ten­so e pe­din­do in­ter­na­men­te que Alek­sey não ten­tas­se en­con­trá-lo na ar­qui­ban­ca­da. Ele não pre­ci­sa­va de mais um fa­tor de es­tres­se. — Es­tou sur­pre­so em vê-lo por aqui.

    — Eu não po­dia per­der a chan­ce de ver meu so­bri­nho se hu­mi­lhar pu­bli­ca­men­te. — Yakov deu um sor­ri­so mal­do­so. — E eu já es­ta­va por per­to.

    — Você não pode ter tan­ta cer­te­za de que ele vai se hu­mi­lhar — fa­lou Ta­ma­ra, fran­zin­do a tes­ta numa ex­pres­são qua­se fe­roz, e de­so­be­de­cen­do com­ple­ta­men­te a re­gra que ele e Mo­re­na ha­vi­am lhe im­pos­to de acon­te­ça o que acon­te­cer, não dei­xe o tio de Alek­sey sa­ber que você exis­te.

    — Ah, vejo que te­mos com­pa­nhia — res­pon­deu Yakov com tran­qui­li­da­de, se in­cli­nan­do na di­re­ção de Ivan e Ta­ma­ra como um gato pre­gui­ço­so. — Meu bem, você é nova de­mais para sa­ber des­sas coi­sas. Alek­sey não sai­rá des­ta are­na com o tí­tu­lo de Al­qui­mis­ta Ex­tra­or­di­ná­ria.

    — Bem, você tam­bém não tem o tí­tu­lo — re­tru­cou Ta­ma­ra e Ivan le­vou uma mão ao bra­ço dela. Ela o en­ca­rou, pra­ti­ca­men­te im­plo­ran­do para ele dei­xá-la con­ti­nu­ar.

    — Não vale a pena — ele sus­sur­rou para ela en­quan­to Yakov ria.

    — Um ho­mem sá­bio co­nhe­ce o seu li­mi­te. Meu so­bri­nho não é um ho­mem sá­bio — res­pon­deu Yakov por fim. — O que é bom para mim, cla­ro, por­que é fon­te ines­go­tá­vel de en­tre­te­ni­men­to.

    — Bem, não po­de­mos sa­ber de nada an­tes do tes­te — Ivan pro­cu­rou apa­zi­guar, seu co­ra­ção fi­can­do ain­da mais aper­ta­do ao pen­sar em Alek­sey.

    Yakov ali mu­da­va tudo: Alek­sey não ti­nha es­co­lha a não ser ven­cer a pro­va. Ivan ha­via pas­sa­do duas ma­dru­ga­das in­tei­ras cos­tu­ran­do o fei­ti­ço anal­gé­si­co nas cal­ças tér­mi­cas que eles usa­ri­am em­bai­xo do uni­for­me du­ran­te a ava­li­a­ção, para ten­tar ali­vi­ar a dor que Alek­sey sen­tia des­de que seu tio ati­rou em sua per­na, no ano an­te­ri­or. Ain­da se lem­bra­va de como Alek­sey es­ta­va quan­do ele e Mo­re­na pra­ti­ca­men­te in­va­di­ram a casa de in­ver­no dos Ba­ra­bash para tirá-lo de lá, das noi­tes que ele pas­sa­ra sen­tin­do dor e da hu­mi­lha­ção que so­fre­ra. Ivan gas­ta­ra todo o seu tem­po e toda a sua ha­bi­li­da­de nas úl­ti­mas noi­tes para aju­dar Alek­sey a pas­sar por

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