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E-book144 páginas1 hora

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Sobre este e-book

Continuamos a saber muito pouco sobre o sistema de valores e de representações dos artistas portugueses e sobre as suas condições materiais de existência. Como trabalham os artistas em Portugal? Como definem o seu «local de trabalho» e que relação se estabelece entre as características desses espaços e a natureza das suas obras? Que ritmos, hábitos, métodos e materiais usam habitualmente? Qual a relação entre os espaços onde surgem as ideias e os locais onde elas se materializam? Em suma, qual a importância do «ambiente de trabalho» nos modelos de vida, nos horizontes de expectativa e na identidade colectiva dos criadores portugueses? Este livro pretende antes de mais aproximar o grande público da experiência quotidiana de trabalho de um conjunto de artistas plásticos portugueses. Não é, por isso, nem um exercício de crítica de arte, nem um ensaio de teoria estética, mas antes uma reportagem que, ao olhar de perto para o espaços de produção dos artistas, quer oferecer ao leitor uma outra compreensão dos seus problemas e dificuldades, mas também das suas ideias e das preocupações, bem como do seu lugar e papel na sociedade actual.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de mar. de 2016
ISBN9789898838070
Atelier
Autor

Diogo Freitas Costa

Diogo Freitas da Costa n. 1972, Lisboa. Licenciado em Pintura na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, e actualmente a fazer um mestrado em Crítica, Curadoria e Teorias de Arte nessa mesma escola. Divide a sua atividade entre a pintura e a formação na área das artes plásticas, especificamente em instituições dedicadas a pessoas portadoras de deficiência (Fundação AFID Diferença) e doença mental (Associação Recomeço).

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    Atelier - Diogo Freitas Costa

    Introdução

    Atelier Entreaberto

    Deixe-me contar-lhe uma história que eu gosto de contar a propósito destas coisas. Eu pensava (para já, sou muito inculto em termos destas coisas) que o quadro do Guernica era uma coisa assim deste tamanho [abre os braços]; que o Picasso um dia se tinha levantado, mal disposto ou bem-disposto, e tinha resolvido fazer um quadro onde tentasse expressar o assalto pela Legião Condor a Guernica, portanto fez aquele quadro. E fiquei verdadeiramente espantado quando visitei o museu do Louvre [correcção] o Museu do Prado, e vi a extraordinária quantidade de desenhos que o Picasso teve que fazer para fazer o cavalo, para fazer o boi, para fazer a mulher… aquelas coisas todas. Pensava que ele tinha pegado no pincel: «Vou fazer este quadro em tons cinzento azulado…». E a partir desse momento passei a respeitar muito mais essas coisas, porque de facto dão um trabalho enorme.

    Manuel Mestre (Presidente da Câmara Municipal de Moura) em Fora da Água, de Catarina Mourão, 1997, Midas Filmes.

    A pequena narrativa do Presidente da Câmara de Moura, é reveladora de alguns dos mal-entendidos que se estabelecem no decurso do processo que vai desde que o artista cria um trabalho até que o espectador comum se confronta com ele num museu, galeria, ou praça da sua cidade. Na última década, graças ao influxo de obras de sociologia da cultura e de algumas políticas públicas (sobretudo a nível autárquico) que encaram as actividades culturais como factores de desenvolvimento económico e de requalificação urbana, sabemos hoje um pouco mais sobre a arte portuguesa, sobretudo sobre a morfologia do campo artístico e os consumos artísticos.

    Segundo os Censos do Instituto Nacional de Estatística (INE), dos 32.362 trabalhadores em diversas profissões culturais em 1991, passou-se para os 43.416 em 2001 (um aumento de 34 por cento). Os dados relativos ao número de infra-estruturas artísticas, eventos associados e número de visitantes, assinalam também um crescimento relativo. Segundo os últimos dados, em 2013 havia 1050 galerias de arte e outros espaços de exposições temporárias, onde decorreram 7149 exposições e nas quais foram expostas 268.065 obras, números superiores (excepto no que diz respeito ao número de obras expostas) aos registados nos dois anos anteriores, com 887 (2011) e 803 (2012) galerias de arte e outros espaços de exposições temporárias, em que se realizaram 7304 (2011) e 5854 (2012) e em que se expuseram 297.836 (2011) e 234.563 (2012) obras de arte.

    Um dado interessante é a inexistência de grandes estruturas de afiliação colectiva para defesa dos interesses da profissão de artista, e, quando existem, a sua escassa representatividade social. Não será, porém, que a expansão demográfica do sector forçou uma reconfiguração das formas de organização? Num mercado pequeno, como o português, com grandes carências institucionais, parecem ter um peso maior os espaços de produção e difusão criados à margem das instituições clássicas (os museus, as galerias, as fundações, as academias), sendo hoje possível encontrar grupos de artistas trabalhando e expondo colectivamente em associações sem fins lucrativos, armazéns, garagens, edifícios devolutos, fortalecendo os circuitos artísticos alternativos ou não consagrados, contribuindo assim para dinamizar, diversificar e amplificar a oferta cultural.

    Por um lado, os espaços de exposição, as oportunidades de trabalho e os apoios financeiros diversificaram-se (por exemplo, aumentou o número de coleccionadores de arte, quer privados, quer institucionais, como as grandes empresas, os bancos, as fundações, etc., permitindo a alguns artistas «viver» exclusivamente do seu trabalho); por outro lado, assistiu-se a alguma especialização, com o advento de profissões associadas à «curadoria», à organização e à montagem de exposições, bem como à institucionalização da figura do «assistente de artista» e do «técnico de serviço educativo».

    Apesar de toda esta informação, continuamos a saber muito pouco sobre o sistema de valores e de representações dos artistas portugueses e sobre as suas condições materiais de existência. Como trabalham os artistas em Portugal? Como definem o seu «local de trabalho» e que relação se estabelece entre as características desses espaços e a natureza das suas obras? Que ritmos, hábitos, métodos e materiais usam habitualmente? Qual a relação entre os espaços onde surgem as ideias e os locais onde elas se materializam? Em suma, qual a importância do «ambiente de trabalho» nos modelos de vida, nos horizontes de expectativa e na identidade colectiva dos criadores portugueses? Ou ainda: qual o ponto de vista dos artistas sobre as suas próprias carreiras? Um artista deve consagrar-se inteiramente à criação ou pode conciliar essa prática com outras actividades profissionais? A arte deve ser vivida como um trabalho remunerado que responde às exigências do mercado e da produtividade, ou como «criação autónoma», independente das solicitações externas? Quais os compromissos que se estabelecem entre o investimento na criação e a necessidade de «ganhar a vida»? Quais as práticas e as estratégias de afirmação/distinção, reconhecimento e divulgação dos artistas portugueses?

    Um dos objectivos deste livro é servir como fonte para futuros estudos que se dediquem a algumas destas questões e, simultaneamente, aproximar o grande público da experiência quotidiana de trabalho de alguns artistas plásticos portugueses. Este livro não é, por isso, nem um exercício de crítica de arte, nem um ensaio de teoria estética, mas antes uma reportagem que, ao olhar de perto para o ambiente de trabalho de alguns artistas portugueses, oferece ao leitor uma outra compreensão dos seus problemas e dificuldades, mas também das suas ideias e preocupações, bem como do seu lugar e papel na sociedade actual. Tendo por base o contacto directo com 12 artistas no seu local de trabalho, procurei revelar algumas facetas da produção artística, desde a gestão do tempo até à organização e aos métodos de trabalho, elementos que não podem ser dissociados das transformações técnicas, políticas, económicas e sociais que maiores repercussões tiveram na evolução das tendências artísticas em Portugal, razão pela qual se decidiu privilegiar a voz dos artistas plásticos que colaboram neste

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