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Reflexões sobre a Psicologia na Saúde: Revisões históricas, experiências e propostas
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E-book400 páginas4 horas

Reflexões sobre a Psicologia na Saúde: Revisões históricas, experiências e propostas

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REFLEXÕES SOBRE A PSICOLOGIA NA SAÚDE REVISÕES HISTÓRICAS, EXPERIÊNCIAS E PROPOSTAS, apresenta relatos críticos a respeito das práticas dos profissionais da área da psicologia ao longo da história, considerando a complexidade do Sistema de Saúde, ressaltando a importância da reflexão sobre toda a fundamentação da prática da psicologia nos diferentes níveis de atenção à saúde.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de dez. de 2022
ISBN9786558407669
Reflexões sobre a Psicologia na Saúde: Revisões históricas, experiências e propostas

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    Reflexões sobre a Psicologia na Saúde - Eduardo Fraga Almeida Prado

    PREFÁCIO

    Everardo Duarte Nunes

    Para uma Psicologia Social sobre a Saúde

    Agradeço o convite para prefaciar esta coletânea e inicio apontando que não constitui uma tarefa fácil. A complexidade de prefaciar envolve os mais diferentes campos do conhecimento: da linguística, à sociologia do conhecimento, atravessando diversos subcampos: sociologia, antropologia, psicologia, estética, ética, etc. Há alguns anos (2015), nas comemorações dos 35 anos da Abrasco, escrevi um prefácio no qual recorro a vários autores que haviam analisado o que é um prefácio. Retomo essas anotações e abordo uma dissertação que analisou, provavelmente, o autor que mais prefácios escreveu – o renomado e internacional Gilberto Freyre.

    No caso da obra e autor trabalhado por nós, os prefácios e notas de rodapés puderam nos revelar o constante desejo de Gilberto Freyre em legitimar Casa Grande & Senzala, buscando, portanto, uma defesa contínua de suas ideias ali esboçadas. Não seria por menos que tantos prefácios – seis novos até a décima edição em 1963 – e tantas notas de pés de página – novecentos e vinte e cinco, contando com os acréscimos – pudessem despertar o interesse em alguma pesquisa que realizasse uma tentativa de análise dos conteúdos e discussões ali apresentados (Carnielo, 2013, p. 144).

    Sem dúvida, o texto clássico sobre prefácios é da autoria do austríaco, naturalizado brasileiro, Otto Maria Carpeaux (1900-1978) – afrancesou seu sobrenome alemão Karpfen – intitulado O artigo sobre os prefácios (Carpeuax, [1959] 2008).

    Verifiquei que se trata de assunto totalmente inédito. Verifiquei que não existe no mundo livro nenhum sobre esse tema. Não há fontes nem referências. Os prefácios nem sequer têm verbete nas enciclopédias de termos literários. Como vou escrever sobre isso? (p. 37-38).

    Segundo Carpeuax existem prefácios-justificativas, prefácios-pedidos de desculpa, prefácios-desafios, prefácios-manifestos, prefácios-críticas, prefácios-sentenças. O prefácio é prólogo e pode ser epílogo e, como no caso de Cervantes, epitáfio (o prefácio de Persiles y Segismunda, que Cervantes, já doente, redigiu quatro dias antes de morrer). Também é epílogo esta longa frase precedente, pois estou percebendo que o artigo sobre os prefácios está pronto (2008, p. 63).

    Em 2000, Franco, em sua dissertação de mestrado, cita Pfromm Netto: no século XIX estudos de interesse psicológico são apresentados como teses nas faculdades de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro (de 1840-1900, 42 teses na Bahia e de 1836-1900, 21 teses no Rio). Embora haja precedentes, Samuel Pfromm Netto, ao escrever sobre a Psicologia no Brasil, como parte do amplo estudo sobre a História das Ciências no Brasil, publicado em 1981, não situa a Psicologia da Saúde como um campo no Brasil. Constata, até aquela época, a existência de pesquisas nas Faculdades de Medicina, especialmente em psicobiologia.

    Dentre as dezessete áreas de pesquisa que aparecem no Psychological Abstracts de 1975-1980 nenhuma específica a saúde, embora algumas delas incluam temas que, seguramente, pertencem ao campo, como: distúrbios físicos e psicológicos, tratamento e prevenção (Pfromm Netto, 1981, p. 271-272. A pesquisa foi realizada a partir da análise temática (classificação e quantificação) de uma amostragem de artigos referentes ao período de 1987 a 1996, provenientes de quatro periódicos: Health Psychology, Social Science and Medicine, Psychology and Health e Journal of Health and Social Behavior, totalizando 438 documentos (resumos).

    Assim, cumpre ressaltar a importância e oportunidade da elaboração de uma coletânea que destaca os principais temas das relações psicologia social e saúde. São vinte autores, em sua maioria pertencentes aos quadros de docentes da Universidade Mackenzie. Há algumas exceções: uma autora e um autor fazem parte do Laboratório de Práticas Alternativas Complementares e Integrativas em Saúde (Lapacis) da FCM/Unicamp; um da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri; uma pesquisadora que atua junto a várias instituições (Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, Universidade Mackenzie. Faculdade se Saúde Pública/USP).

    O Capítulo 1, de Franco, Carvalho e Bissoli, pontua: quando empreendemos uma reflexão sobre as relações entre psicologia e saúde somos obrigados a direcionar nosso foco à modernidade, pois essa disciplina obtém seu reconhecimento dentro do século XIX. Destacam, citando alguns autores, que a Psicologia da Saúde problematiza(m) as práticas discursivas, a subjetivação e as relações de poder e citam como um eixo importante quando o interesse se desloca do indivíduo para as populações.

    Acrescentam que a história da aproximação das práticas psicológicas com os serviços de saúde ocorreu por meio de uma difícil e gradual aproximação com o campo biomédico e as práticas hospitalares, sempre assumindo um papel auxiliar.

    Acentuam a importância do estudo realizado por Averasturi (1986) que analisou 1.345 resumos na década de 1972-1982, sem dúvida, a pesquisa mais completa desse período, sendo que Cuba, México e Brasil foram os países que mais produziram nesse período. Citam, para o Brasil, o distante estudo de Spink (2003) para quem a denominação Psicologia Social ocorreu tardiamente quando relacionada a outras áreas do conhecimento, como a Sociologia da Saúde.

    No Capítulo 2, Delfini e Durand trabalham o tema da atuação do psicólogo com o sofrimento psíquico na atenção primária à saúde. Ressaltam a instituição, em 2011, da Rede de Atenção Psicossocial e situam a influência que a França, EUA e Itália tiveram na adoção do termo psicossocial.

    O Capítulo 3 aborda de forma detalhada o estado da arte da atenção secundária em saúde, autoria de Almeida Prado e Rusche. Tem como objetivo refletir de forma crítica a respeito das práticas psicossociais nos Centros de Atenção Psicossocial [...] possíveis conflitos, impasses e desafios [..]. Analisaram 209 artigos, sendo que as Universidades Federais publicaram 346%, as Estaduais -17% e a Universidade de São Paulo -10%. As áreas de concentração foram as seguintes: Psicologia (25%), Enfermagem (22%), Medicina (16%), Saúde Coletiva (12%) e Terapia Ocupacional (7%). Chamam a atenção para a questão da família e sua inclusão no tratamento. Paradoxalmente expressam a existência tanto da presença das ações políticas na perspectiva psicossocial, como também, de elementos constituintes do paradigma biologizante e hospitalocêntrico.

    O Capítulo 4 analisa a Psicologia na Atenção Terciária assinado por Pandini, Amorim e Almeida Lopes. Acentuam que desde o início a atenção concentrou-se majoritariamente em enfermarias hospitalares [...] que o trabalho do psicólogo não poderia ser dissociado da atuação das demais equipes multiprofissionais, aspecto que também se apresenta como um diferencial em nossa atuação em hospitais.

    O Capítulo 5 analisa o Serviço de Atendimento Especializado "DST/Aids – SAE DST/Aids de Dráusio Vicente Camarnado Júnior. Trata-se de um longo e detalhado estudo, bem contextualizado e historicizando os serviços que foram criados, como por exemplo, os Centros de Referência nas regiões de saúde do município de São Paulo. Inclui o trabalho do psicólogo em um serviço público (Campos Elíseos) e a criação de uma equipe multiprofissional. Relata que o papel da escuta qualificada", do aconselhamento (ressalta não ser exclusividade do psicólogo, mas também de outras categorias profissionais). Quanto à formação, reflete que a graduação em Psicologia é um momento oportuno para essa experiência de atenção à saúde.

    O Capítulo 6 analisa as Residências terapêuticas – a ‘condição precária’ de corpos que retornam à cidade, de José Alberto Roza Júnior. Tomando a definição de Dimenstein (2006) anota: as residências terapêuticas estão inseridas na modalidade de cuidado às pessoas com história de longa internação em hospital psiquiátrico, visto terem perdido vínculos, familiares e sociais, mas

    oferecendo a oportunidade de construir vida na cidade, habitar uma casa [...] circular livremente nos espaços públicos [...] de receber assistência com acompanhamento nos Centros de Atenção Psicossocial.

    O Capítulo 7 analisa a Formação do psicólogo: reflexões a partir da perspectiva da saúde coletiva de Paulo Afranio Sant’Anna. Na avaliação do autor, O pluralismo teórico em psicologia poderia, a nosso ver, ser mais bem explorado durante a formação. Outro ponto: descompasso entre as demandas estabelecidas pelas políticas públicas e os projetos de formação profissional [...].

    O Capítulo 8 analisa a Saúde do trabalhador: implicações para a escuta psicológica para a produção do cuidado de Andréia de Conto Garbin, Eliana Aparecida da Silva Pintor e Liliane de Paula Toledo. O tema central é a reflexão visando: a escuta psicológica e o reconhecimento do trabalho como atividade humana. Não menos importante é a análise disruptiva dos acidentes e doenças do trabalho e o papel do psicoterapeuta. Oportunamente, lembram que, pela escuta as pessoas que buscam atendimento, podem expor as suas necessidades, centralizando intervenções e práticas.

    Capítulo 9 analisa Adolescentes e serviços de saúde mental no sistema único de saúde: recursos (im)possíveis de Natália Areias Gomes e Alina Zoqui de Freitas Cayres. Segundo as autoras:

    Lidamos aqui com três temas importantes no contexto brasileiro: a política dos serviços de saúde pública, marcada pela construção de um sistema único e democrático, o SUS; o campo da saúde mental como teoria e prática psicossocial dentro desse sistema de saúde; a adolescência como invenção da modernidade que nomeia uma etapa da vida entre a infância e o mundo adulto, marcada por uma transição em vários níveis.

    Acrescentam, citando alguns autores que, na atualidade,

    há uma produção teórica intensa sobre os sofrimentos psíquicos infantis e juvenis e suas possibilidades de tratamento. Existe uma vertente mais organicista e classificatória, que propõe uma série de diagnósticos e tratamentos predominantemente medicamentosos associados à psicoterapia quando necessário (principalmente de base comportamental); e uma vertente psicodinâmica e psicossocial ainda influenciadas pelas áreas e características acima referidas, que costumam adotar uma estratégia interdisciplinar, com a prática psicoterapêutica como principal ferramenta e com intervenção médica somente nos casos de extrema necessidade ou urgência.

    Relatam que o campo da saúde mental de crianças e adolescentes é complexo e tem suas raízes atreladas aos movimentos políticos e sociais do país.

    Percebemos ainda que outros fatores estão implicados no processo de trabalho, como os tensionamentos políticos no exercício do governo e as consequentes mudanças nas propostas de funcionamento dos serviços de saúde que alteram as prioridades de atenção e as condições de trabalho, gerando diferentes posicionamentos por parte dos trabalhadores.

    O Capítulo 10, de Siegel e Barros analisa a Psicologia e práticas integrativas e complementares: experiências/práticas na atenção primária. Para os autores:

    O papel do psicólogo na aplicação destas [práticas] ainda é bastante indefinido. Isso se deve, em parte, à falta de reconhecimento, por parte do Conselho de Federal de Psicologia, destas práticas como sendo atribuições profissionais do psicólogo.

    Utilizam como metodologia o estudo de caso, narrando as experiências de dois profissionais da região de Campinas: uma psicóloga branca, divorciada e espiritualista e um psicólogo, negro, divorciado, afinado com o candomblé. A psicóloga trabalha com Liang Gong e Movimento Vital Expressivo, o mesmo acontecendo com o psicólogo. Acreditam existir uma certa ambiguidade, por um lado, apoio intermitente da Secretaria Municipal de Saúde e dos gestores à oferta das PIC. Por outro lado, revelam que o psicólogo tem que adaptar sua agenda à demanda, tanto dos pacientes que buscam atendimento psicológico convencional, como daqueles que buscam as PIC.

    Uma questão sempre presente quando se analisa a nomenclatura de um campo do conhecimento é a sua aproximação ou distanciamento da área central e das interfaces com outros campos. Refletir sobre o tema não é mero academicismo. Nesse sentido, tornou-se clássica a distinção proposta por Robert Strauss (1957) de uma sociologia na medicina (Sociology in Medicine) e sociologia da medicina (Sociology of Medicine). Em artigo publicado em 2007 (Nunes, 2007) apresentei algumas considerações sobre o tema que são parcialmente aqui reproduzidas.

    Straus estendeu-se em considerações sobre os desafios do engajamento do sociólogo como indivíduo e profissional ao participar do ensino junto com outros membros de outras disciplinas, dizendo que:

    Isto fornece o principal teste para a aplicabilidade do conteúdo e conceitos sociológicos para os processos e problemas da medicina e exige grande flexibilidade e adaptabilidade da parte do sociólogo. (Straus, 1957, p. 203)

    Afirmou, ainda, que esta adaptabilidade (assemelhar-se a um camaleão) de conservar a sua estrutura básica e integridade básica, pode depender de uma habilidade para alterar certas manifestações exteriores de acordo com seu ambiente. Como assevera Straus, isso não significa que o sociólogo sacrifique a sua identidade, pois sua principal contribuição decorre do fato de não se identificar como um médico. Porém, ao aferrar-se à pura sociologia (não que isso não seja necessário), deve-se fazê-lo no tempo e lugar certos, ou corre o risco de ser mal interpretado, ignorado e rejeitado.

    O texto de Straus não tem apenas valor histórico, mas demarcou, nos anos 50 a preocupação com uma forma de pensar a sociologia médica e construí-la a partir das estreitas relações entre profissionais com diferentes visões da medicina, suas práticas e seus objetos. Straus, ao revisitar o seu trabalho muitos anos depois, disse:

    Minha visão pessoal é que a distinção entre da e na tem tanto validade histórica como contemporânea, mas que hoje é inteiramente possível para os sociólogos-médicos ensinar ou pesquisar dentro da medicina ao mesmo tempo que eles estudam aspectos da medicina. O sociólogo pode mesmo desempenhar o papel de advogado do diabo, particularmente se o papel crítico é percebido como construtivo, objetivo, e não ruidosamente antagonista. (Straus 1999, p. 109)

    Para Carnielo (2013, p. 144) as funções principais do prefácio são preparar o leitor para a escrita que está por vir, retê-lo por um processo tipicamente retórico de persuasão, além de esclarecer futuros equívocos de interpretação e garantir uma boa leitura do texto. Cada função dessa varia com o tipo de prefácio utilizado pelo autor. Cita Jacques Leenhardt, as tarefas de um prefácio variam em

    afirmar a novidade do projeto, inserir a obra na discussão intelectual [...] e legitimá-la através de citações [...], ou ainda descrever os momentos essenciais da argumentação exposta no texto, bem como explicar a documentação utilizada.

    Considero que no caso da Psicologia Social e suas interfaces, os artigos analisados podem ser tanto situados no interior do campo do biopsiquismo (in), como das práticas sociais (of), mas ressalto a categoria on (sobre) presente em diversos capítulos da coletânea.

    Agradecimento

    Ao CNPq. Bolsa Produtividade IA, Proc.303924/2019-5

    ⃰⃰ Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPQ – Nível 1A. Professor colaborador – Departamento de Saúde Coletiva/ FCM – Unicamp. Participa do Conselho Editorial das seguintes revistas: Physis, Revista de Saúde Coletiva, Ciência & Saúde Coletiva; RECIIS-Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde (CICT/ Fiocruz).

    Referências

    ARANTES, José Tadeu. Carpeaux antes de Carpeaux. Fapesp. 01/11/2016. Disponível em https://bit.ly/3uZWmKN. Acesso em 9 jul. 2021.

    CARNIELO, Vanessa Ramos. À margem do texto: estudo dos prefácios e notas de rodapé de Casa Grande & Senzala. 2013. 165f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana.

    CARPEAUX, Otto Maria. História da literatura ocidental / Otto Maria Carpeaux. 3. ed. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2008.4 v. (Edições do Senado Federal; v. 107. Disponível em: https://bit.ly/3FyiIb0. Acesso em: 9 jun. 2021.

    FRANCO, Erich Montanar. Desvendando o campo da psicologia da saúde: revisão de artigos selecionados. 2000. 196f. Dissertação (Mestrado em Ciências Médicas) – Faculdade de Ciências Médicas, Unicamp.

    NUNES, Everardo Duarte. Straus: as duas sociologias. Rev. Saúde Pública, v. 41, n. 3, 2007, p. 467-471.

    PFROMM NETTO, Samuel. A psicologia no Brasil. In: FERRI, Mário Guimarães; MOTOYAMA, Shozo. História das Ciências no Brasil. São Paulo: EPU, EDUSP, 1979-1981, p. 235-276.

    SPINK, Mary Jane P. Da psicologia aplicada à saúde à psicologia da saúde, 1998 (mimeo).

    STRAUS, Robert. The nature and status of medical sociology. Amer Soc Rev., v. 22, n. 2, 1957, p. 200-204.

    STRAUS, Robert. Medical sociology: a personal fifty year perspective. J Health Soc Behav., v. 40, n. 2, 1999, p. 103-110.

    VILHENA, Guilherme Mazzafera S. Perspectivas da interpretação: Carpeaux e sua fortuna crítica. Teresa, v. 1, n. 20, 2020, p. 348-375. Disponível em: https://bit.ly/32Ulit8. Acesso em: 1 nov. 2021.

    VILHENA, Guilherme Mazzafera S. Situação e presença de um crítico austríaco-brasileiro. Teresa, v. 1, n. 20, 2020, p. 264-308. Disponível em: https://bit.ly/3Gd6CUn. Acesso em: 1 nov. 2021.

    1. Um olhar histórico para as regionalidades da inserção da psicologia no campo da saúde

    Erich Montanar Franco

    Alex Moreira Carvalho

    Enzo Banti Bissoli

    Apresentação

    Neste capítulo, apresentaremos uma rápida descrição das histórias de aproximação e inserção da psicologia no campo da saúde. Como veremos, há particularidades regionais, mas há muito mais semelhanças que diferenças entre a realidade brasileira e demais regiões do planeta. Os modos de organização da vida produtiva/econômica e os ideais civilizatórios da modernidade atuam de forma determinante. Nosso enfoque sobre o processo será crítico, o objetivo é refletir sobre elementos que constituem a história da sociedade ocidental moderna e sobre as práticas psicológicas como partes indissociáveis, dialeticamente entrelaçadas. Além disso, deixamos claro nosso alinhamento com a proposta de que a saúde seja reconhecida como um direito e, por isso, é tarefa da Psicologia da Saúde buscar formas diretas ou indiretas de garanti-lo.

    Saúde, sociedade e política

    As concepções sobre saúde e as práticas nesse campo sempre refletem uma determinada ordem: o que se faz e o que pensa sobre a saúde e a doença depende de fatores políticos, econômicos, sociais e culturais vigentes em certas épocas, sendo a própria psicologia parte da cultura, afetando-a e sendo afetada por ela. Portanto, ao longo da história são produzidas distintas representações sobre o processo saúde- doença. Por exemplo, em 1851, no estado da Louisiana (EUA), o desejo de fuga dos escravos foi diagnosticado como uma doença mental pelo médico Samuel A. Cartwright (Scliar, 2007). Ao longo da história transitamos de modelos mágico-religiosos para o modelo biomédico. De acordo com o primeiro modelo, a doença indicava inconformidade com entidades divinas; estava, portanto, associada à desobediência, a preceitos religiosos. Na Grécia Antiga, apesar da forte presença divina na organização da vida cotidiana, Hipócrates de Cós (460-377 a.C.) já afirmava causas naturais para as doenças e a ignorância daqueles que atribuíam sua ocorrência às divindades (Scliar, 2007).

    Ainda seguindo o percurso histórico do Ocidente, na Idade Média observamos o predomínio de um modelo religioso que concebia o adoecimento como consequência do pecado. No século XVII, sob forte influência da física mecânica, René Descartes postulou o dualismo mente-corpo, concebendo o corpo como uma máquina. E, ao final do século XIX, o avanço do conhecimento científico impulsionou a revolução realizada por Louis Pasteur em seu laboratório equipado com o microscópio. A partir de então, os microrganismos passaram a ser reconhecidos como causa das doenças e, uma vez identificados os agentes etiológicos, as doenças poderiam ser prevenidas e curadas (Scliar, 2007).

    Esse período também foi marcado pela Revolução Industrial, os impactos da proletarização e da urbanização sobre a saúde eram evidentes. O médico William Farr (1807-1883) foi pioneiro no uso de dados estatísticos no campo da saúde e, no cargo de diretor-geral do General Register Office da Inglaterra, reportou os números de mortalidade que evidenciavam os efeitos da desigualdade socioeconômica que geravam distritos sadios e não sadios no país (Scliar, 2007).

    Nesse período marcado por movimentos revolucionários, a medicina social já estava apresentando suas explicações sobre as relações entre o adoecimento e as condições sociais resultantes das transformações nos modos de produção ao final do século XVIII (Nunes, 1999). No entanto, é o modelo unicausal que se estabelece juntamente com o paradigma biomédico. Dessa forma, a medicina se distancia de uma perspectiva social, e se fixa em um olhar biológico focado no indivíduo e na cura. Na época, predominavam as doenças infectocontagiosas e importantes eventos técnicos e científicos, como a vacinação em massa contra a varíola (1800), a descoberta do agente etiológico da cólera por Koch (1883) e a teoria de Pasteur, contribuíram para essas transformações no campo médico. Assim, se estabeleceram a noção de saúde enquanto ausência de doença e as práticas em saúde focadas na clínica e na cura localizadas no hospital (Santos; Westphal, 1999).

    No transcorrer do século XX, a situação de morbimortalidade se altera, e as doenças degenerativas passam a ganhar maior atenção em função da melhoria das condições de vida. Por isso, houve um deslocamento da cura para a prevenção, gerando uma crise conceitual em relação ao curativismo, o que fez com que o ato médico perdesse sua hegemonia no ideário dos pensadores no campo da saúde (Santos; Westphal, 1999). No entanto, a sociedade contemporânea permanece medicalizada e dependente da oferta de serviços biomédicos organizados dentro de uma lógica de mercado e consumo, havendo uma intromissão da tecnologia médica em quase todos os espaços, inclusive aqueles que não eram associados ao adoecimento (Barros, 2002).

    Foi apenas no Pós-Guerra, em 7 de abril de 1948, que a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou a carta e princípios que reconheciam o direito à saúde e a responsabilidade do Estado na promoção e proteção da saúde. A saúde deixava de ser entendida como ausência da doença e passava a ser definida como […] o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade (Scliar, 2007, p. 37). Essas reformulações refletiam as aspirações dos movimentos sociais, o fim do colonialismo e a ascensão do socialismo. A saúde passava a ser concebida como resultado de uma vida plena. Quarenta anos depois, inspirada na Conferência Nacional de Saúde de 1986 e impulsionada pelo processo de redemocratização, nossa Carta Magna incorporou esses preceitos (artigo 196), os quais são norteadores do Sistema Único de Saúde (SUS) (Scliar, 2007).

    Cabe destacar o avanço representado pelo SUS; nesse sistema a saúde passa a ser concebida como um direito e

    […] deve significar também a possibilidade de atuar, de produzir a sua própria saúde, quer mediante cuidados tradicionalmente conhecidos, quer por ações que influenciem o seu meio – ações políticas para a redução de desigualdades, educação, cooperação intersetorial, participação da sociedade civil nas decisões que afetam sua existência – para usar uma expressão bem conhecida, o exercício da cidadania. (Santos; Westphal, 1999, p. 76)

    A implementação do SUS e seus princípios de universalidade, integralidade e equidade evidenciam as tensões entre interesses públicos e privados no campo da saúde pública, pois se chocam os ideais e princípios dos modelos liberal-privatista com os dos sistemas nacionais e públicos de saúde (Campos, 2007). Atualmente, denuncia-se um processo de privatização dos serviços com recursos públicos gerenciados por setores empresariais que acenam com soluções particularizadas para problemas que são coletivos (Bahia; Scheffer, 2018).

    Nos anos 1970, as críticas ao modelo biomédico, organizador dos sistemas de saúde, se ampliaram nos países mais ricos; os focos de insatisfação eram a medicalização excessiva e os custos elevados que não eram acompanhados de eficiência proporcional aos valores dispensados. Uma das referências resultantes desses questionamentos é o Informe Lalonde, publicado no Canadá em 1974, cujas conclusões apontam para o fato de que as causas de morbimortalidade também estavam relacionadas ao ambiente e ao estilo de vida. No entanto, os esforços em saúde estavam concentrados na organização de serviços. Resulta dessa reflexão o consenso sobre a importância das ações de promoção de saúde coletiva (Silva, 2012). Esse processo deu início a um novo período no qual se retoma o enfoque político e social na saúde pública, o que inspirou a conferência da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1977, cujo lema era Saúde para todos no ano 2000. Durante as décadas seguintes, essa perspectiva influenciou a produção de relatórios e conferências sobre as relações entre sociedade e saúde (Santos; Westphal, 1999).

    Há que se considerar a grande contribuição promovida pela OMS quando essa entidade apresenta uma definição de saúde que engloba elementos biopsicossociais, incluindo o bem-estar como elemento fundamental. Contudo, surgiram questionamentos quanto à noção de perfeição e a unilateralidade dessa concepção. Segre e Ferraz (1997) adotam posicionamento crítico antipositivista e assinalam como essa definição separa as dimensões física, mental e social, além de afirmarem que as noções de bem-estar, felicidade e perfeição só podem fazer sentido dentro de um sistema de valores e crenças que legitimam a condição de um determinado sujeito. Eles colocam em pauta o debate bioético, e apontam para a autonomia e a liberdade como elementos intrínsecos à qualidade de vida.

    Os autores destacam a expectativa de adaptação presente na ideia de perfeição, e nos alertam para a síndrome dos normopatas, já classificada no Código Internacional de Doença. Nesses casos, constata-se um estado de hiperadaptação mental que se caracteriza por um grande empobrecimento psíquico no que diz respeito à capacidade criativa, reduzindo significativamente as possibilidades de transformar sua realidade. Segre e Ferraz (1997) retomam a perspectiva freudiana sobre o mal-estar, e reforçam o fato de que ele é constituído e constituinte pela/da própria organização social de nosso projeto civilizatório. Nesse sentido, a ênfase na autonomia, e não na mera adaptação, implica na suposição de que no humano existe uma vontade, componente essencial de uma psyche, posto que é produtora de novos sentidos para a existência.

    Nesse sentido, fica clara a importância da psicologia no debate sobre as concepções de saúde. Contudo, um olhar crítico sobre a história das relações da psicologia com o campo da saúde nos mostra que essa disciplina esteve muito envolvida no controle das vontades e com o objetivo de adaptar e ajustar os sujeitos.

    Quando empreendemos uma reflexão sobre as relações entre psicologia e saúde, somos obrigados a direcionar nosso foco à modernidade, pois a primeira obtém seu reconhecimento dentro do campo científico no século XIX. Em outros termos, a psicologia não é apenas um fruto da sociedade moderna, é elemento fundamental para constituição da sociedade moderna por meio das formulações científicas sobre o que é o indivíduo, um dos elementos fundamentais desse projeto civilizatório (Figueiredo; Santi, 2003).

    Medeiros, Bernardes e Guareschi (2005) problematizam as articulações entre a psicologia e saúde, abordando as

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