Guia prático de Nárnia: Vida e obra de C.S. Lewis
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Guia prático de Nárnia - Novo Século
Guia Prático de Nárnia – Vida e Obra de C. S. Lewis
Copyright © 2022 by Novo Século Ltda.
Editor:
Luiz Vasconcelos
Assistente editorial:
Lucas Luan Durães
Preparação:
Paola Sabbag Caputo e Fernanda Felix
Revisão:
Manoela Alves e Amanda Moura
Diagramação:
Manu Dourado
Capa:
Agência Punto
Conversão para ePub:
Linea Editora
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009.
GRUPO NOVO SÉCULO
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CAPÍTULO 1
O SOBRINHO DE WILLIAM LIMPOPO
LEWIS
"O que aqui se conta aconteceu há muitos anos [....]
É uma história da maior importância, pois explica como começaram as idas e vindas entre o nosso mundo e a terra de Nárnia."
LEWIS, C. S. – O Sobrinho do Mago
As frequentes chuvas da Irlanda do Norte marcaram boa parte da infância de Jack Lewis – por volta dos 4 anos, Clive Staples Lewis rejeitou seu nome de batismo e adotou outro, Jack, em homenagem ao seu cachorro Jacksie, atropelado nas agitadas ruas de Belfast, cidade natal do menino. A prudência dos pais da época, aguçada pelo temor da tuberculose, recomendava que as crianças permanecessem dentro de casa durante rajadas de vento e chuvaradas.
Lewis e seu irmão mais velho, Warren, aproveitaram bem esses confinamentos em Little Lea, em uma casa no subúrbio arborizado da cidade – no começo do século XX, Belfast era um dos principais centros comerciais e industriais do mundo –, para onde a família se mudou em 1905, quando Jack estava com 7 anos. O local em que construíram Little Lea foi escolhido por Albert e Flora, pais de Lewis, por causa da vista – a face norte da propriedade divisava ao longe com a extensa e paradisíaca cadeia de montanhas da costa de Antrim, região hoje designada pelo governo do Reino Unido como uma área de beleza natural excepcional.
A casa era abarrotada de livros em todos os cômodos, até mesmo no sótão. O jovem Lewis, assim que aprendeu a ler, tornou-se fiel aos livros em que encontramos trombetas dos elfos
– histórias e poesias que carregam visões tentadoras de outros mundos. Durante essa época feliz de sua vida, da qual a babá Lizzie Endicott também fez parte, Lewis começou a escrever e ilustrar um ciclo de histórias juvenis sobre camundongos e coelhos fidalgos trajados com roupas da Idade Média que matavam gatos e não gigantes
. Essas narrativas representavam sua tentativa de reunir dois prazeres literários: os cavaleiros com armaduras e os animais vestidos
. Daí surgiram um mundo chamado Terra Animal
– habitado por animais falantes – e o reino mágico de Boxen – criado em colaboração com Warren, rico de detalhes sobre seus habitantes, política, geografia e história.
Durantes os verões de 1901, 1904 e 1906, a família se hospedou em uma estação de veraneio denominada Castlerock, considerada mais tarde por C. S. Lewis um dos lugares mais bonitos que ele conhecera em sua vida. Essas regiões costeiras, Castlerock e Antrim, contribuíram para despertar no jovem uma adoração pelas terras do norte.
A religião também o moldou. Sua família era anglicana. O pai de Flora Lewis, Thomas Hamilton, era ministro da igreja, e lágrimas escorriam facilmente de seus olhos enquanto pregava. Ao frequentar os cultos, o futuro C. S. Lewis familiarizou-se com a liturgia de O Livro de Oração Comum, livro oficial de preces da Igreja Anglicana. Mais tarde, com sua mãe gravemente doente, sofrendo de câncer, o menino achou natural rezar pela recuperação dela. Mesmo após a sua morte, em 1908, o garoto de apenas 10 anos ansiava por um milagre, mas o cadáver que o jovem fora forçado a ver acabou com suas esperanças.
O gradual declínio da saúde de sua mãe e a morte dela o amedrontaram, e ele não foi confortado pelo seu pai, que estava com as emoções descontroladas. O advogado Albert Lewis não percebia que, durante o problema de saúde de Flora, estava não apenas perdendo a esposa, mas também seus filhos. Em sua autobiografia, Surpreendido pela Alegria, Lewis observou: eu e meu irmão estávamos cada vez mais confiando um no outro, o que deixava a vida suportável; ter confiança unicamente um no outro... Tudo que transformara aquela casa num lar tinha nos deixado; tudo exceto nós dois. Nós ficamos cada vez mais unidos (esse foi o bom resultado): dois rapazes amedrontados juntos em busca de carinho num mundo sombrio
.
Com a morte da mãe, restaram apenas o mar e as ilhas, a Atlântida tinha submergido: Toda aquela felicidade, tudo que era tranquilo e confiável desapareceu de minha vida
.
Foto de 1905 – família de Lewis em Little Lea. Na parte de trás da fileira, da esquerda para a direita, sua tia Agnes, duas empregadas domésticas e sua mãe, jornalista, Flora Lewis. Na parte de frente da fileira, da esquerda para a direita, Warnie, C. S. Lewis, o seu primo Leonard Lewis, sua prima Eileen Lewis e Albert Lewis segurando um cão chamado Nero.
Belsen e as trincheiras
Algumas semanas depois do falecimento de sua mãe, Lewis foi enviado para o internato inglês Wynyard School, onde Warren já havia estudado, e o apelidou de Belsen (um dos campos de concentração nazista da Alemanha na guerra). O diretor, Robert Oldie
Capron, punia os internos fisicamente, não ensinava quase nada a eles e acabou internado num hospital psiquiátrico – essa experiência escolar o atormentaria durante toda a vida, tanto quanto as trincheiras em que se escondeu nos tempos da Primeira Guerra Mundial.
Em 1910, quando a escola foi fechada por falta de alunos, Lewis se mudou para a Campbell College, próximo a Little Lea, onde permaneceu por apenas seis meses e foi afastado por problemas de saúde. Em seguida, voltou para a Inglaterra, para junto de seu irmão. Na escola preparatória de Cherbourg House, em Malvern, Worcestershire, Lewis abandonou a fé cristã da infância em favor de um materialismo filosófico – uma perspectiva que se baseia na racionalidade, deixando de lado os conceitos do mundo espiritual e a alma, contrapondo-se ao idealismo e ao espiritualismo, cuja ideia principal é a compreensão da realidade por meio dos sentidos. Depois disso, durante muitos anos, ele buscou conforto em sua vida imaginária. Suas recordações, experiências e descobertas literárias tornaram-se substitutos da religião. Era como se o seu materialismo trouxesse um período turbulento para sua expressiva vida intelectual.
Em setembro de 1913, Lewis ganhou uma bolsa de estudos na Malvern School, de onde seu irmão havia saído para ser cadete militar. Durante esse curto tempo – Lewis se retiraria da odiada escola no ano seguinte –, ele escreveu avidamente, compondo, entre outros trabalhos, uma tragédia poética sobre seus favoritos deuses nórdicos, intitulada Loki Bound.
Quando retornou para casa, em abril, ele conheceu um vizinho que se tornaria um amigo muito próximo, Arthur Greeves, com quem Lewis manteve extensa correspondência pelo restante de sua vida. As cartas dirigidas a Arthur promoveram ricas introspecções na vida de Lewis e no desenvolvimento de seu raciocínio e sua imaginação. Sob certo sentido, elas formam uma autobiografia mais completa do que qualquer outro trabalho. A amizade entre os dois representou reflexões comuns sobre a alegria e a aspiração dela, tema principal e constante dos trabalhos de Lewis.
Lewis nunca havia sido feliz até ser enviado para Great Bookham para estudar com um preceptor, William T. Kirkpatrick, a quem apelidou de The Great Knock
(o Grande Crítico) devido ao seu rigor intelectual. Não apenas Lewis amadureceu rapidamente sob a racionalidade severa do preceptor, mas também descobriu a beleza da região rural inglesa. Até esse ponto, em sua opinião, a Inglaterra sempre tinha sofrido desvantagem em comparação com o Condado de Down.
Em 1917, Lewis foi admitido no University College, em Oxford, e, apesar de o recrutamento não ser obrigatório para irlandeses, alistou-se no exército britânico. Chegou à linha de frente no Vale do Somme no dia 29 de novembro, seu 19º aniversário – essa região no nordeste da França tinha sido palco do que mais tarde seria conhecida como Ofensiva do Somme, uma das batalhas mais sangrentas da Primeira Guerra Mundial, entre os exércitos dos Aliados (Império Britânico e França) e as forças alemãs. Em 1918, Lewis foi ferido em ação e dispensaram-no do serviço militar após certo tempo no hospital. Durante todo esse período, ele escreveu poesias e preparou um livro de poemas para publicação, Spirits in Bondage.
No front de guerra, Lewis prometeu ao seu amigo Paddy
Moore que tomaria conta da mãe e da irmã dele caso algo lhe acontecesse. Em contrapartida, Paddy prometeu a mesma coisa a Lewis – cuidaria de Albert Lewis – caso Lewis e Warren não sobrevivessem à guerra. Porém, Paddy não resistiu e faleceu. Assim, Lewis tomou conta da Sra. Janie Minto
Moore até sua morte, em 1951, como prometido. É possível que tenha tido um relacionamento íntimo com a mãe do amigo antes de se converter à fé cristã. Na verdade, a Sra. Janie se esforçou muito para tratar da perda da mãe de Lewis e da alienação interior que ele sentia em relação ao pai. A personalidade complicada dela incomodava mais Warren; Lewis, de bom grado, eliminava e resolvia crises domésticas ou executava pequenas tarefas, mesmo quando tinha preocupações urgentes, como escrever e ler.
De janeiro de 1919 até junho de 1924, Lewis estudou na Faculdade da Universidade de Oxford, na qual se formou com mérito em literatura grega e latina, em 1920, com alta distinção em filosofia e história antiga, em 1922, e em língua inglesa, em 1923.
Tolkien
Apesar dos fantásticos sucessos acadêmicos, Lewis sentia-se inseguro sobre seu futuro, preocupado em encontrar um emprego que não fosse no exército. Ele obteve um cargo de preletor em filosofia na universidade com duração de um ano. Durante esse período, a Magdalen College, uma das faculdades de Oxford, indicou-o provisoriamente, por cinco anos, como professor e tutor em literatura inglesa. Na realidade, ele se manteve no cargo de membro permanente dessa instituição por cerca de 30 anos.
No primeiro ano na Magdalen, ele conheceu o professor J. R. R. Tolkien e logo se tornaram grandes amigos. Os dois trocavam críticas sobre suas poesias, aprofundavam-se em discussões sobre teologia e filosofia e analisavam e debatiam sobre a política educacional inglesa. Em pouco tempo, Tolkien compartilharia seu mundo privado: contos e poemas antigos