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Meus dias com os Kopp
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Meus dias com os Kopp
E-book113 páginas1 hora

Meus dias com os Kopp

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Sobre este e-book

Neste romance de estreia, a espanhola Xita Rubert narra uma viagem de uma jovem de dezessete anos com o pai e amigos deste – os intelectuais endinheirados Andrew e Sonya Kopp. Nesta breve e caótica jornada, a protagonista Virginia encontra um mundo adulto repleto de hipocrisias e ambivalências, cuja fachada parece sempre perto de desmoronar graças à presença perturbadora do filho dos Kopp, um artista que pode – ou não – sofrer de uma doença mental severa.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de fev. de 2023
ISBN9786558260523
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    Meus dias com os Kopp - Xita Rubert

    Xita Rubert

    Meus dias com os Kopp

    Tradução

    Elisa Menezes

    SUMÁRIO

    Capa

    Folha de Rosto

    I

    II

    III

    IV

    V

    VI

    Autora

    Créditos

    Guide

    Capa

    Página de título

    Página de Título

    Página de Direitos Autorais.

    Contribuidores

    I

    Tínhamos chegado um pouco tarde, mas lá estavam eles nos esperando, Sonya e Andrew Kopp, plantados na porta do hotel. Pareciam mortos de frio, ela envolvia a barriga com os dois braços, aquecendo-se sob o casaco, tendo presumido, penso eu, que mesmo no norte a península seria caribenha, e não azul, roxa, britânica como ela mesma, como Sonya Kopp, digo.

    O sol tinha se posto havia pouco, eu o vira desaparecer da janela do avião. Não era muito tarde, mas era fevereiro, a escuridão e a neblina cúmplices, dissuasivas, e os postes não iluminavam os rostos dos Kopp. Apenas a careca ovalada dele. Os cabelos pálidos e curtos dela. A luz se refletia no branco, em nada mais.

    Ainda assim, eu vi. Vi o jeito como Sonya registrou a minha presença quando descemos do táxi e andamos até eles. Ela me olhou sem me reconhecer completamente, como se o contorno da minha figura não estivesse bem definido, ou meu corpo fosse translúcido e fantasmal, ou talvez eu inteira fosse dispensável à sua seleta atenção naquele momento, àquela hora, as nuvens já baixas, as luzes enfocando apenas o branco. Andrew atravessou o cinza e avançou sobre mim. Me abraçou. Enquanto isso Sonya recebeu dois beijos de meu pai, meio por obrigação: aquela era uma saudação tátil demais para ela. Durante aqueles dias ela pareceu se sentir obrigada a tudo, até mesmo a pousar os olhos em alguém quando falava com a pessoa, a tolerar a mera presença de outros seres. Eu me pergunto o que ela teria feito por si mesma, à vontade, sem cara de cerimônia ou de desconforto supremo. O que ela fazia quando estava sozinha, sem Andrew, ou em dias claros de verão, quando a vida de uma pessoa está à vista de todos. Nunca a vi sozinha, ou em outra estação que não fosse o inverno, e isso foi parte do problema.

    Essas primeiras lembranças não devem dar a impressão errada: eu não sentia hostilidade em relação a Sonya. Pelo contrário, sua atitude blasé me fazia admirá-la, porque meu pai havia me educado — adestrado — para ser sempre gentil: com os desconhecidos, com os seres estranhos e fantasmagóricos que me não causavam boa impressão, com os valentões. Além disso, Sonya estava certa em não se dignar a abraçar meu pai, em mal tocar suas bochechas ao beijá-lo: eu não conseguia me lembrar da última vez que ele tinha tomado banho. Ele se recusara a fazer isso antes de irmos para o aeroporto, alegando, como sempre, que o banho não era bom para a camada protetora da epiderme.

    Eu disse a ele que a epiderme era a camada protetora, externa, da pele. Não recebi resposta. Vi em seus olhos que ele sentia pena de mim por ter esse hábito: tomar banho. De Madri, limpa e sujo, tínhamos viajado para o norte da Espanha — até a cidade que não nomearei — para encontrarmos os Kopp.

    — Sonya, querida, esta é Virginia. Filha de Juan. Finalmente vocês estão se conhecendo.

    — Virginia — repetiu Sonya, com a cadência de Andrew, recusando-se a incluir meu nome em seu repertório de palavras espanholas. — Que alegria, olá.

    Sonya não me olhava nos olhos porque estava examinando meu cabelo, minha camisa levemente decotada, o jeans boca de sino que apertava a minha cintura, meus quadris tinham crescido visivelmente, embora eu continuasse enfiando-os em roupas que não eram mais do meu tamanho. Eu tinha dezessete anos, e todas as minhas amigas do colégio faziam o mesmo, continuavam vestindo as roupas de quando tínhamos quinze. Mais tarde, naquela mesma noite, fiquei pensando no significado daquela investigação indiscriminada da minha roupa, se minutos antes Sonya havia alegremente ignorado a minha presença. Quando ela me observou, o fez como se eu toda fosse um erro, não apenas uma adolescente vestida de forma inadequada e desconfortável para viajar. Como se eu pudesse provocar uma catástrofe, ou como se minha própria existência — da qual sem dúvida ela já tinha conhecimento, embora fingisse o contrário — fosse um grande perigo.

    Um perigo para quem? Sonya, às vezes acho que escrevo só para você, em vez de sobre você ou a respeito do que aconteceu durante meus dias com vocês, os Kopp. Até modifiquei seu sobrenome, não para que ninguém os encontre, mas para me livrar, e em vão, de imagens contraditórias e sentimentos conflitantes. Vou lembrar — modificar — para sempre o que aconteceu. Em parte para me punir, e em parte porque não tenho interesse na verdade: desejar a verdade seria assumir a derrota, lembrar que lutei, perdi e fingi não notar. Nem a verdade nem a lembrança. Gostaria apenas de encontrar você. E, como faria seu filho escultor, cobri-la de gesso. O resto se moverá e avançará como personagens em vez de esculturas, mas eu preferirei você: branca, imóvel e hostil.

    Até então, eu só havia notado a hostilidade de Sonya — hostilidade disfarçada de seriedade madura, de impassibilidade senil — em alguns homens. Homens para quem uma palavra minha, um movimento ou uma decisão teriam consequências irreversíveis, agonias e sofrimentos que eu, adolescente e escorregadia, não conseguiria ver, apesar de os ter provocado. Como se cada homem não fosse responsável por onde deposita suas esperanças, a que ser frívolo e infantil entrega seu coração, que projeções e imagens abriga, esconde, e então, quando o acontecimento ou a amante imaginada acaba por não existir, tivesse o direito de culpar — de punir — alguém além de si mesmo. Como se os sonhos, e as crianças, fossem culpados por nos abraçar por um segundo e sair correndo.

    Talvez o próprio Andrew Kopp fosse um desses homens. Com apenas dezessete anos, como disse, eu já me via obrigada a classificar os homens adultos em subtipos genéticos, espécie mais digna de investigar do que de tocar; manipulá-los, sim, era possível, porque é possível fazer isso de longe, com a mente, com o olhar que finge ser inocente, finge não saber, finge ser branco. Quase todos os amigos do meu pai, para falar a verdade, eram desses homens. Com seus olhos minúsculos, afundados entre dobras e pálpebras, escondidos atrás de óculos ainda mais microscópicos, Andrew me olhava genuinamente maravilhado, como se eu fosse o espécime, ou esperasse dar de cara com a criança de dez anos que ele tinha visto pela última vez em Madri, ou como se o desenvolvimento físico da espécie humana — da mulher humana — fosse algo inusitado: milagroso e, como todo milagre, insuportável. Ele fez algum comentário sobre a minha aparência surpreendente, embora eu não lembre qual, devo ter sentido tanta vergonha que bloqueei o significado. Sonya deu uns tapinhas nervosos nas costas dele, rindo, e pediu que soltasse a pobre menina.

    — Estou dizendo que ela não é mais uma menina! Olha para ela!

    A insistência de Andrew era um pouco ridícula e papai, como eu, ria do ridículo. Além disso, senti alegria. Uma recepção efusiva no meio do beco deserto, frio: os contrastes inesperados também nos faziam rir. E embora seja verdade que meu pai tinha vários amigos pervertidos — sobretudo os acadêmicos humanistas e os médicos em missões humanitárias —, Andrew não era exatamente um deles, e seria injusto sugerir isso. Andrew era uma mistura de várias coisas e, como tal, seu comportamento era estranho e imprevisível, mas também inofensivo. Ele era descendente de austríacos, nascido e criado por algum motivo — seu pai era diplomata, pelo que eu me lembro, mas talvez seja uma lembrança inventada — no Egito. Ele era um cavalheiro extravagante e, radicado há anos na Inglaterra, mais inglês do que os próprios ingleses. Ou melhor, Andrew tinha todas as qualidades dos britânicos mas sem os modos vitorianos que os tornam seres convencionais, reprimidos. Sonya, obviamente, era inglesa, embora não confirmasse nenhum desses preconceitos. Ela era, também obviamente, judia.

    Depois de uma rápida conversa no saguão do hotel, tanto os Kopp quanto nós nos retiramos. O encontro com Sonya tinha me deixado desconfortável, e não conseguia expulsar de mim seus cabelos curtos, seus olhos igualmente pálidos. Uma vez instalados no quarto, perguntei a meu pai sobre os Kopp, esperando que ele falasse dela. Mas ele falou de Andrew, e eu não quis insistir.

    — Nós nos conhecemos quando eu trabalhava em Viena, você ainda não era nascida, e eu nem conhecia a sua mãe. O fato é que na época Andrew também dava aulas na universidade. Estou falando do final dos anos oitenta ou início

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