Suplemento Pernambuco #204
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Suplemento Pernambuco #204 - Jânio Santos
CARTA DOS EDITORES
Nesta edição do Pernambuco , um especial mostra como o ilustrador e quadrinista Marcelo D’Salete usa as HQ’s como plataforma (linguagem) para fazer circularem imaginários expandidos para pessoas diaspóricas. Isso é trabalhado a partir do seu mais recente lançamento, Mukanda Tiodora , mostrando como ele lê o passado para poder construir futuros e lembrando que isso marca seus outros livros. Enquanto Carol Almeida abre uma roda de intelectuais negras/os para situar de forma mais geral o trabalho de D’Salete – o de configurar espaços de liberdade para as subjetividades diaspóricas a partir da busca por aquilo que os registros oficiais não trazem –, Anne Quiangala vai a aspectos formais de Mukanda Tiodora para discutir a inflexão estética do autor na criação de suas narrativas, mostrando como as subjetividades dos personagens negros precedem os cenários de violência (o escravagismo) em que estão inseridos.
A matéria de capa dialoga de maneira próxima com o perfil da artista, professora e escritora Denise Ferreira da Silva, feito a partir do livro que ela lançou recentemente, Homo modernus. Criadora de um projeto denso e potente, ela indaga como o arsenal do conhecimento que hoje governa a configuração global institui a subjugação racial e justifica o assassinato de pessoas não brancas. Para responder esta e outras questões, Ferreira da Silva ataca as dinâmicas de transparência a que precisam se submeter pessoas não brancas para encampar seus projetos emancipatórios.
Três textos inventariam contribuições de autorias aniversariantes ou que voltam a circular depois de muito tempo. O segundo caso é o de Ecléa Bosi, cujo Memória e sociedade volta em nova edição após quase 30 anos da última – por meio da escuta de idosos, Bosi investigou a memória e o papel dos velhos na cultura brasileira. Quanto ao primeiro caso, referimo-nos a Augusto de Campos, que completa 92 anos neste mês, e sua atuação política; e a Yoko Ono, que também faz 90 anos em fevereiro, figura cultural que trabalha ambiguidades e dissensos, tensionando essencialismos nas artes.
Além de resenhas, nesta edição você confere entrevista com Sergio Miceli sobre a circulação das ideias de Pierre Bourdieu no Brasil.
Uma boa leitura!
COLABORAM NESTA EDIÇÃO
Gabriela Ramos de Almeida, professora (ESPM), autora de O ensaio fílmico ou o cinema à deriva; José Landim, mestrando em Literatura (PUC-Rio); Laura Erber, poeta e artista visual, autora de A retornada; Leonardo Nascimento, jornalista e doutorando em Antropologia Social (UFRJ); Luís Henrique Pellanda, escritor, autor de Detetive à deriva; Marília Rothier Cardoso, professora (PUC-Rio), coautora de Modernidade toda prosa; Raquel Campos, doutora em Literatura (UnB), co-organizadora de HC21; Renata do Amaral, jornalista e doutora em Comunicação (UFPE); Renato Contente, jornalista e doutorando em Sociologia (UFPE), autor de Não se assuste, pessoa!
EXPEDIENTE
Governo do Estado de Pernambuco
Governadora
Raquel Teixeira Lyra Lucena
Vice-governadora
Priscila Krause Branco
Secretário de Comunicação
Rodolfo Costa Pinto
Companhia editora de Pernambuco – CEPE
Presidente
Ricardo Leitão
Diretor de Produção e Edição
Ricardo Melo
Diretor Administrativo e Financeiro
Bráulio Meneses
Superintendente de produção editorial
Luiz Arrais
EDITOR
Schneider Carpeggiani
EDITOR ASSISTENTE
Carol Almeida e Igor Gomes
DIAGRAMAÇÃO E ARTE
Vitor Fugita e Janio Santos (Diagramação e Arte)
Matheus Melo (Webdesign)
ESTAGIÁRIOS
Luis E. Jordán e Rafael Olinto
TRATAMENTO DE IMAGEM
Carlos Júlio e Sebastião Corrêa
REVISÃO
Dudley Barbosa e Maria Helena Pôrto
colunistas
Diogo Guedes, Everardo Norões e José Castello
Supervisão de mídias digitais e UI/UX design
Rodolfo Galvão
UI/UX design
Edlamar Soares e Renato Costa
Produção gráfica
Júlio Gonçalves, Eliseu Souza, Márcio Roberto, Joselma Firmino e Sóstenes Fernandes
marketing E vendas
Bárbara Lima, Giselle Melo e Rafael Chagas
E-mail: marketing@cepe.com.br
Telefone: (81) 3183.2756
Assine a ContinenteCRÔNICA
O sequestro do calendário e a espera do fim
Poesia em luto, tempo torrencial suspenso, uma crônica errante
Laura Erber
VITOR FUGITA
Minha intenção é meu destinatário. Mais ninguém.
Escreveu o poeta Emmanuel Hocquard. Outros antes dele já haviam percebido que o poema está sempre a caminho, rumando em direção a alguém, algo, ao tudo ou ao nada onde a poesia aposta todas as suas fichas. A poesia é um ritual de lançamento, lance de dados, de dardos, de flechas de indóceis carregando doçura ou desespero.
Dito de outro modo: a lírica é uma cena que se arma sobre o deslizamento dos papéis discursivos em que o eu e o tu compelem um em direção ao outro, incessantemente.
Por isso, no poema quem fala através das palavras erra, mas nunca inteiramente, mesmo quando se perde do destino ou avança cegamente sobre ele. A poesia é esse destino incerto da palavra escrita, mirante extremo onde se goza
como escreveu Ana Cristina Cesar. A poesia lírica – que está sempre em vias de acabar, feito o Brasil, sempre morrendo e ressuscitando – é um tipo de pesquisa atenta às formas desse empuxo, não é discurso de especialista, é uma fala especial, onde tudo importa, e não importa o que seja, a importância é um valor que o poema define ao dar as cartas.
A poesia lírica convoca a pessoa desejada como se convocasse um cometa quente e veloz cruzando os céus, acreditando que ele possa atender a um tal chamado. Esse chamado que é sempre efetivo e é sempre insuficiente. Eis o estranho mirante onde se goza, jardim trifurcado, barco movido à brisa.
A poesia e o luto têm algo em comum, são assombrados pelo silêncio. Aqui por exemplo, escrevo uma crônica feita de retalhos, ideias sobre o que pode a poesia – bem diferentes são os poderes da crônica. No luto tudo arde de frio, essa labareda gélida é o sopro de claridade dos mortos. Essa população confusa que não habita lugar algum quando apenas na terra é Carnaval.
Volto à poesia toda vez que a morte vem de frente. Ela virá e terá os teus olhos, dizia Cesare Pavese. Um verso assustador. Ele também falava da morte que nos acompanha, surda como um remorso muito velho, ou um como vício louco e incorrigível.
Ela vem e come as roupas do seu amor, carrega os tecidos do corpo, todos os suspiros, as perguntas sem resposta, os cheiros, o calor. Porque o corpo, dizem os sábios Náuatle do México, é uma flor muito fresca e mortal.
O luto e o poema podem suspender o tempo torrencial, e não é pouco. O tempo dividido em 12 meses é tão recente afinal, pisamos ainda sobre a sepultura do tempo astrológico, teológico e de todos os tempos poéticos que os antecederam. Entre outubro e dezembro de 1582 o calendário deu um salto louco na maior parte das regiões onde o catolicismo predominava. Para adotar o calendário promovido por Gregório XIII a Itália passou do dia 4 ao 15 de outubro, enquanto onde hoje é a França, o dia 9 de dezembro foi sucedido pelo dia 20. Adotar o calendário gregoriano significou engolir vários dias.
De vez em quando esses tempos sequestrados reemergem. O poema é a máquina fotográfica desses momentos. Por isso o fim do mundo é o seu tema, e também os começos, e os começos do fim, o que não acaba e o que nunca termina de acontecer. O poema é o quieto animal à espreita, sempre à espera desses momentos extremos onde ninguém mais pergunta que horas são.
Um poema de Yehuda Amichai fala sobre esse lugar onde esperamos o fim do tempo, salas onde esperamos o fim se consumar, abrindo portas ou falando baixinho:
Salas de espera. A sala de espera de Jó
onde ele espera a má notícia
e seus amigos sentados conversam baixinho.
A sala de espera de Moisés no deserto
onde ele anda pra lá e pra cá e não sossega
[por um só instante.
A