Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Náufragos da esperança
Náufragos da esperança
Náufragos da esperança
E-book188 páginas2 horas

Náufragos da esperança

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Náufragos da esperança tem como projeto viajar por uma determinada faixa da literatura para pensar o trajeto não linear da série romanesca que se foi organizando como um paradigma baseado na repetição diferencial da metáfora do naufrágio. O objetivo do livro é descrito pela própria autora, a escritora e professora Lucia Helena, uma das intelectuais brasileiras mais respeitadas da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Dividido em três capítulos: "Estilhaços do naufrágio", "Por mares nunca dantes navegados" e "Naufrágio: metáfora da existência", o ensaio examina a metáfora que o norteia a partir da solidão dos homens em uma época marcada pela incerteza. A introdução do livro, iniciada com o fragmento de Um falcão no punho, da escritora portuguesa Maria Gabriela Llansol, evidencia, segundo a própria Lucia Helena, o que outros escritores do século XX e XXI perceberam: a crise como um elemento que conduz o homem à sua intimidade. Além do romance de Robinson Crusoe, são retomados também textos de autores contemporâneos e muitos críticos e pensadores, como Friedrich Nietzsche, Giorgio Agamben e Zygmunt Bauman.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento17 de mar. de 2020
ISBN9786586280067
Náufragos da esperança

Relacionado a Náufragos da esperança

Ebooks relacionados

Crítica Literária para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Náufragos da esperança

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Náufragos da esperança - Lucia Helena

    © Lucia Helena, 2016

    © Oficina Raquel, 2016

    Revisão:

    Anelia Pietrani

    Capa:

    Camila Mamede

    Foto da capa:

    Mariana Vilhena

    Diagramação:

    Julio Cesar Baptista

    Produção de ebook:

    S2 Books

    HELENA, Lucia. Náufragos da esperança: a literatura na época da in­certeza. Prefácio de Maria da Gloria Bordini, posfácio de Paulo César Oliveira. Rio de Janeiro: Oficina ­Raquel, 2016.

    160 págs.                                                 ISBN 978-65-86280-06-7

    1. Teoria da literatura

    2. Literatura comparada

    3. Literatura Brasileira

    4. Filosofia

    CDD 869.91

    Este livro foi publicado com o apoio do

    Av. Presidente Vargas, 542 • Sala 1610

    Rio de Janeiro • RJ • Tel.: 2253-8921

    www.oficinaraquel.com

    oficina@oficinaraquel.com

    facebook.com/Editora-Oficina-Raquel

    Na clínica da arte de ler, nem sempre o que tem melhor visão lê melhor.

    Ricardo Piglia

    A

    Milton Rabinowits

    Roberto Perecmanis

    André Perecmanis

    Lêo Pedrosa

                          pela generosidade

    Sumário

    Capa

    Folha de rosto

    Créditos

    Citação

    Agradecimentos

    Nota introdutória ao leitor da segunda edição de Náufragos da esperança: a literatura na época da incerteza

    Prefácio: A literatura como passagem na incerteza

    Introdução

    Capítulo 1

    Uma ilha se fia e se desfia

    O casulo rasga a seda

    Capítulo 2

    Um leitor mapeia a cidade

    Aportando no cais dos textos

    Expectativas de cabeça para baixo

    Abalo na casa de máquinas

    Capítulo 3

    A dor e a delícia de sofrer

    Foe reescreve Crusoe

    Navegar é preciso viver

    Bibliografia

    Posfácio: A alegoria náutica de Lucia Helena

    Nota introdutória ao leitor da segunda edição de Náufragos da esperança: a literatura na época da incerteza

    Lucia Helena

    Graças ao incentivo de meu querido amigo Paulo César Oliveira, decidi reeditar Náufragos da esperança. Confesso que pensava nisto antes de conversar com Paulo, pois sempre me pareceu, nascida sob o signo de Gêmeos e não de Caranguejo, que na vida seria melhor olhar para frente do que olhar para trás. Ledo engano. Ao reler a obra que ora lhes entrego, percebi que o assunto que a norteia permanece extremamente atual: continuamos à mercê de forças aleatórias que nos conduzem, com a rapidez dos ventos, a mares nunca dantes navegados. E o mérito desta contemporaneidade, caro leitor, não é exatamente meu. É dos problemas de que trato na escrita do livro que tanto proveito me ofereceu. Afinal, nele assinalo os homens e mulheres de que falam as narrativas, desde o seu surgimento moderno, no século XVIII, até o hoje. Busco o homem comum, a mulher comum, os seres precários e as vidas desperdiçadas de cada um de nós no torvelinho que se chama existência. Eles todos estão lá, nos romances que me tocaram a ponto de mobilizarem o impulso e o êxtase da escrita.

    Mas o crítico não deveria ser imparcial, manter recato e distanciamento de seu objeto de trabalho? E quem disse que o êxtase não tem recato? Pois o meu tem. Reparei que as minhas dedicatórias são verdadeiros esconderijos do amor que sinto pelas pessoas. Sempre repeti, sem a maior criatividade, ao meu muito querido pai, ao meu muito querido irmão, à minha muito querida mãe em dedicatórias de três livros meus. Mesmo procurando alterar essas expressões vulgares, jamais o consegui. Analisando este impedimento, descobri que quando o meu amor é muito grande, tenho vergonha de exibi-lo ao público, fora dos limites da intimidade. Do mesmo modo lido com a minha atividade como crítica da literatura. Ainda que ame profundamente os livros e as personagens de Coetzee, Lispector, Defoe, Laub, dentre outros sobre os quais reflito em Náufragos da esperança, este é um amor resguardado, que se preocupa em não sufocar o objeto amado, mantendo escrupulosamente seu tanto de objetividade.

    A edição que lhes entrego é quase fiel (afinal, também falamos de amor) à primeira. Nesta, transformei em Prefácio o que era Posfácio na primeira edição, dando maior destaque ao maravilhoso texto de outra não menos querida amiga, Maria da Glória Bordini. E acrescento, como Posfácio, a belíssima resenha de Paulo César Oliveira, que não constava da edição anterior. Assim, cerco-me duplamente do amor e da amizade, protegendo ideias, outros amores e celebrações.

    Agradeço a Raquel Menezes e Luís Maffei, meus editores queridos, a chance de trabalharmos juntos novamente e aos leitores que receberam com apetite a primeira edição a ponto de esgotá-la. Embarcados como sempre, após Pascal nos ter ensinado que viver é estar embarcado, ofereço esta edição a Milton Robinowits, Roberto Perecmanis, André Perecmanis e Lêo Pedrosa, capazes, como poucos, de me dedicarem gestos inesquecíveis de generosidade. A eles e a você leitor, a minha amizade e o meu muito obrigada.

    Rio de Janeiro, Leblon, 8 de agosto de 2016

    Prefácio: A literatura como passagem na incerteza

    por Maria da Gloria Bordini (UFRGS)

    O ensaio de Lucia Helena prima por manter uma coerência cerrada com sua atividade crítico-teórica anterior. Estabelecendo constantemente vínculos com seu pensamento em livros como A solidão tropical, de 2006, e Ficções do desassossego, de 2010, ela aqui desenvolve uma hipótese seminal para a compreensão da literatura contemporânea, a do retorno da tragicidade, destituída, porém, de forças transcendentes, como ocorria na tragédia grega na Antiguidade. Lucia Helena concebe o destino como orquestrado, não por deuses, para suprimir a hybris desordenadora do cosmos, mas por uma humanidade que, entregue ao solipsismo mais radical, ignora o outro.

    O individualismo exacerbado acarretaria o autoesvaziamento do sujeito, preenchido por imagens num mundo em que o espetáculo se naturaliza associado ao poder da economia capitalista em seu estágio tardio, segundo Jameson, ou avançado, para quem não acredita que ela esteja em seu processo final de autodevoração, como parece pensar o sociólogo norte-americano.

    O texto de Lucia Helena resulta de um ponderado e insistente projeto de pesquisa da condição moderna/pós-moderna da experiência do mundo na contemporaneidade. Incentivado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), cada momento desse projeto de longo alcance tem se traduzido em livro. Assim aconteceu com outras investigações da autora voltadas para a obra de Clarice Lispector e de Augusto dos Anjos, e para a indagação do que significaram o modernismo e suas vanguardas na literatura brasileira. Paralelamente, Lucia Helena tem se dedicado com especial cuidado à produtividade de seu grupo de pesquisa Nação-Narração, também reconhecido pelo CNPq, trabalhando as questões da comunidade imaginária (Anderson) e da disseminação (Bhabha), bem como o papel dos intelectuais (Said), em livros coletivos como Nação-Invenção, sobre o lugar do nacionalismo na globalização, Literatura e poder, sobre a obra literária como artefato formador de cultura, e Literatura, intelectuais e a crise da cultura, sobre a função do intelectual num mundo voltado para o mercado.

    Este livro representa uma etapa altamente significativa e talvez culminante desse projeto, em que a aventura da viagem, tema inaugural, de certo modo, da épica e do romance burguês, é focalizada não pelo aspecto heroico, mas pelo fracasso do naufrágio. Aos olhos perspicazes de Lucia Helena, o náufrago empreendedor de Defoe, assim como os náufragos da vida de Roth, Bernhard, Coetzee, Tournier e Laub interligam-se não apenas no diálogo intertextual, mas dão corpo e existência à débâcle da sociedade burguesa capitalista e suas promessas de emancipação e vida boa.

    As análises literárias que sustentam a tese da solidão dos homens em convivência com a economia de mercado e a dependência do Estado ao poder da cultura do dinheiro que desvaloriza a ética se produzem não a partir de fórmulas, mas do recurso a concepções filosóficas, que vão do romantismo à modernidade, momentos-chave no pensamento da autora também em outros estágios de suas investigações. Ela convoca, com exemplar poder de síntese, ideias de Rousseau, com seu homem natural e seu contrato social, de Pascal, com sua angústia ante a insignificância humana, de Montaigne, o cético meditativo, a um tempo confessional e universal, e de Nietzsche, com sua relativização das verdades e valores, atravessando um campo filosófico que pensa a melancolia neste século.

    Nessa trama de ideias, as obras de Defoe, Roth, Coetzee, Bernhard e Tournier abrem-se ao leitor iluminadas por argumentação coesa, que evidencia seus processos romanescos – vistos principalmente segundo Derrida e Deleuze e suas teses sobre a diffèrence e o rizoma – lado a lado com os efeitos de sentido destes, interpretados no esquadro filosófico privilegiado.

    Um dos aspectos mais desafiadores do livro de Lucia Helena está na noção de passagem, extraída de Walter Benjamin, de seu Passagen-Werk. As passagens, segundo Benjamin, são as galerias surgidas na Paris do século XIX para expor num ambiente de luxo e conforto a infinidade de mercadorias da sociedade industrial e colonial. Para ele, as passagens seriam o campo de estudos de uma história materialista, em que o caminhante, conectando as iluminadas vitrines e a multidão de frequentadores, poderia apreender a variabilidade e errância da nova sociedade burguesa na sua materialidade. Entretanto, poderiam ser, conforme sugere Lucia Helena, uma metáfora-conceito do modo como a literatura contemporânea articula o bricabraque de objetos, imagens, sensações e desejos da economia globalizada operando sobre o indivíduo e acentuando sua inércia em termos sociais e éticos.

    A metáfora é produtiva e seu emprego heurístico se reflete na acuidade das interpretações, que, se partem de noções filosóficas sobre a formação da (pós) modernidade, desvelam seu estado presente e não esquecem o contexto que as acompanha, inclusive suas repercussões na cultura literária brasileira. Estas a autora relembra não só revisitando seus próprios estudos sobre Alencar e Clarice, mas reconstituindo o movimento estruturalista e pós-estruturalista no seu Rio de Janeiro nos anos 1960 e 70 e trazendo testemunhos do tempo de agora extraídos dos noticiários nacionais.

    A articulação que Lucia Helena efetua dessa tríade de referências, mobilizando filosofia, teoria literária e história social, para captar o veloz e errático mundo da modernidade líquida, no dizer de Bauman, em sua expressão literária mais elevada, implica a discussão sobre a irrepresentabilidade do real, tal como ele hoje se oferece ao sujeito cognoscente. Se ela aceita a tese do esvaziamento do sujeito, em virtude das forças apessoais que a onipresença do capitalismo multinacional aciona, ao mesmo tempo contempla o refúgio no individualismo que delas decorre como a falha trágica que o texto literário, paradoxalmente, representa, como ela bem demonstra.

    Ante um mundo de mercadorias que encanta, como Circe, os que dele se aproximam, transmutando a fraternidade em narcisismo dos mais exasperados, o sujeito se perde e cabe à grande literatura fazê-lo consciente daquilo em que se transformou, mesmo submetendo o leitor ao incômodo e à inquietação. Os romances analisados indiciam que, na falência do sujeito, fragmentado em identidades instáveis, conforme o lugar social ou cultural que provisoriamente ocupa, e desprovido de utopias que lhe garantam um núcleo de substancialidade, reside a tragicidade da condição humana contemporânea. Para o homem da modernidade líquida, não adianta a ação, como na épica antiga. Apenas sua resistência, em silêncio e desgarramento, o torna heroico. Esse homem, que persiste como sombra indistinta no jogo de reflexos ilusórios da vida de hoje, é o que Lucia Helena chama de náufrago da esperança, aquele que insiste em sua humilde humanidade numa sociedade que o destroça. É este o herói que ainda espera e que a literatura percebe sob os escombros da (pós) modernidade.

    Introdução

    Eu queria desatar os nós que ligam na literatura portuguesa as águas aos seus maiores textos. Mas esse nó é muito forte, um paradigma frontalmente inatacável.

    Maria Gabriela Llansol

    , Um falcão no punho.

    Este é um livro de viagem. Parte de uma figura: a do homem solitário na ilha deserta. E de uma obra: o Robinson Crusoe (1719). Ao surgir, esse texto simbolizou o espírito de aventura de um indivíduo que abandona o lar paterno em busca de novas experiências. Embarca, naufraga, promete a si mesmo voltar ao lar, esquece a promessa, reembarca, conhece outras terras, compra uma propriedade no Brasil e, impetuoso, viaja novamente. Naufraga outra vez em uma ilha deserta, onde fica por muitos e muitos anos, enfrentando terrível solidão. Isolado, recria um mundo para si, ainda que precário.

    Robinson consegue sobreviver pela boa sorte, pelo caráter persistente, por não se desesperar pela falta de companhia e porque, antes que o navio afundasse de todo, dele retirou instrumentos, sementes, enfim, coisas que lhe permitiram construir um teto, plantar e proteger-se, aliando a tudo isso iniciativa incomum e capacidade para multiplicar os parcos recursos de que dispunha, suportando a solidão completa por décadas, até encontrar Sexta-Feira, um índio de quem se assenhoreia. Esse nome curioso indica o dia do encontro do futuro servo e, na atualidade, lembra também a dita semana inglesa de cinco dias de trabalho e dois dias de descanso. Pode-se supor que, se houvesse a semana inglesa naquele tempo, a folga obtida teria ficado para Robinson.

    Para Ian Watt, que lê e interpreta o livro de Daniel Defoe no século XX, esse autor teria criado, no século XVIII, um personagem que se enfileira na galeria dos mitos do homem moderno e que, acompanhado pelas figuras de Dom Quixote, Dom Juan e Fausto, é competentemente examinado em Mitos do individualismo moderno.

    Na senda aberta pelo crítico inglês, pode-se dizer que a nova mitologia traduzida por Robinson Crusoe cria uma torção ufanista na ideia da instabilidade do viver no mar e em face aos perigos, trazida desde a Antiguidade e enfeixada pelo ceticismo de Pascal, no século XVII, na metáfora náutica que representa o ato de existir como estar embarcado, desde o nascimento, em um percurso de dúvidas e de insegurança.

    Blaise Pascal (1623-1662), com esse aforismo, anuncia que o sentido da vida é imprevisível, sugerindo que estar no mar parece mais perigoso do que encontrar-se em terra firme, uma vez que, ao enfrentarem a imensidão dos oceanos, tentados por um percurso de aventuras, muitos se sentem também ameaçados pela incerteza. Pascal atribui cunho existencial, mais do que apenas de circunstância, à situação de se estar embarcado, insinuando que o viver é um processo ao mesmo tempo venturoso e desventurado. Segundo esse filósofo, ninguém escolhe embarcar no curso do viver. Viver é, sempre e definitivamente, estar no barco da vida, querendo-se ou não, sem que

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1