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Jénifer, ou a Princesa da França - os Açores ignorados
Jénifer, ou a Princesa da França - os Açores ignorados
Jénifer, ou a Princesa da França - os Açores ignorados
E-book94 páginas1 hora

Jénifer, ou a Princesa da França - os Açores ignorados

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Sobre este e-book

Jénifer é uma criança em busca de uma saída e Joel um homem em busca de uma história. O encontro entre os dois dá-se num bairro social dos Açores, a região mais pobre de Portugal, terreno fértil para o abuso sexual e o incesto, o alcoolismo e a violência doméstica, a exclusão social, o tráfico de droga, o insucesso escolar, a pobreza persistente ou o suicídio jovem, entre tantos outros sinais de subdesenvolvimento humano. Em fundo, uma pergunta: como poderá Jénifer transcender a miserável condição dos pais? Ela tem um plano. Este é um retrato dos Açores ignorados, uma paisagem humana ausente das fotografias turísticas. É também uma tentativa de intervenção cívica de um homem só, pregando no deserto da escassez, da exclusão e do conformismo – e clamando por mudança.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento15 de fev. de 2023
ISBN9789899118775
Jénifer, ou a Princesa da França - os Açores ignorados
Autor

Joel Neto

Joel Neto (n. 1974) é autor, entre outros, dos romances Arquipélago e Meridiano 28, bem como dos diários A Vida no Campo, que lhe valeram o Grande Prémio APE. Nasceu e cresceu na ilha Terceira, passou 20 anos em Lisboa, onde escreveu para quase todos os grandes jornais nacionais, e regressou aos Açores em 2012. Vive desde então no lugar dos Dois Caminhos, freguesia da Terra Chã, onde cuida de um jardim, um pomar, dois cães e um bebé. Publica semanalmente, na Notícias Magazine, a coluna «Pai aos 50»

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    Jénifer, ou a Princesa da França - os Açores ignorados - Joel Neto

    Jénifer, ou a princesa da França: As ilhas (realmente) desconhecidas

    Jénifer é uma criança em busca de uma saída e Joel um homem em busca de uma história. O encontro entre os dois dá-se num bairro social dos Açores, a região mais pobre de Portugal, terreno fértil para o abuso sexual e o incesto, o alcoolismo e a violência doméstica, a exclusão social, o tráfico de droga, o insucesso escolar, a pobreza persistente ou o suicídio jovem, entre tantos outros sinais de subdesenvolvimento humano. Em fundo, uma pergunta: como poderá Jénifer transcender a miserável condição dos pais? Ela tem um plano.

    Este é um retrato dos Açores ignorados, uma paisagem humana ausente das fotografias turísticas. É também uma tentativa de intervenção cívica de um homem só, pregando no deserto da escassez, da exclusão e do conformismo – e clamando por mudança.

    Joel Neto

    Joel Neto (n. 1974) é autor, entre outros, dos romances Arquipélago e Meridiano 28, bem como dos diários A Vida no Campo, que lhe valeram o Grande Prémio APE. Nasceu e cresceu na ilha Terceira, passou 20 anos em Lisboa, onde escreveu para quase todos os grandes jornais nacionais, e regressou aos Açores em 2012. Vive desde então no lugar dos Dois Caminhos, freguesia da Terra Chã, onde cuida de um jardim, um pomar, dois cães e um bebé. Publica semanalmente, na Notícias Magazine, a coluna «Pai aos 50».

    Retratos*

    * A coleção Retratos da Fundação traz aos leitores um olhar próximo sobre a realidade do país. Portugal contado e vivido, narrado por quem o viu — e vê — de perto.

    Jénifer, ou a Princesa da França

    As ilhas (realmente) desconhecidas

    Joel Neto

    logo.jpglogo.jpg

    Largo Monterroio Mascarenhas, n.º 1, 7.º piso

    1099-081 Lisboa,

    Portugal

    Correio electrónico: ffms@ffms.pt

    Telefone: 210 015 800

    Título: Jénifer, ou a Princesa da França: As ilhas (realmente) desconhecidas

    Autor: Joel Neto

    Director de publicações: António Araújo

    Revisão de texto: Mariana Matias

    Validação de conteúdos e suportes digitais: Regateles Consultoria Lda

    Design: Inês Sena

    Paginação: Guidesign

    Fotografia da capa: Luís Godinho

    © Fundação Francisco Manuel dos Santos e Joel Neto, Fevereiro de 2023

    Livro redigido com o Acordo Ortográfico de 1990.

    As opiniões expressas nesta edição são da exclusiva responsabilidade do autor e não vinculam a Fundação Francisco Manuel dos Santos.

    A autorização para reprodução total ou parcial dos conteúdos desta obra deve ser solicitada ao autor e ao editor.

    Edição eBook: Guidesign

    ISBN 978-989-9118-77-5

    Conheça todos os projectos da Fundação em www.ffms.pt

    Capa

    Jenifer

    À memória de Camila, uma rapariga que eu via passar

    Nas autobiografias e nas biografias, tal como na história, há situações em que os factos não dizem a verdade.

    J. MITCHELL, O Segredo de Joe Gould

    Ninguém guarda melhor um segredo do que uma criança.

    V. HUGO, Os Miseráveis

    Jénifer Armelim é uma garotinha aloirada e melancólica que costuma passar as tardes, depois da escola, sentada no muro de cimento frente à casa onde vive. Por vezes, convence um dos lavradores da freguesia a levá-la com ele até às pastagens, onde passam ambos umas horas a tratar dos animais ou a enxotá-los na direção do pasto vizinho. Dizem os homens que é frequente irem dar com ela debruçada sobre a parede de algum cerrado, a olhar o mar ao fundo e a assobiar. Mas nunca perde a noção dos movimentos dos bichos, e, acaso um deles ameace tresmalhar-se, desperta das suas contemplações e acorre a corrigir-lhe o rumo.

    Alguns desses lavradores preferem não ser vistos a sós com a menina, cuidando de fazer-se acompanhar de um filho ou mesmo da mulher nesses dias em que Jénifer lhes pede um lugar no trator. Têm estima por ela e creio que até uma certa gratidão pelos serviços que lhes presta, embora nem sempre as cestas de fruta e as postas de carne fresca que a mandam levar aos pais, quando há colheitas ou matanças, constituam um pagamento. Esta é a ilha do Espírito Santo, como tradição e como fé, e num ano assim, em que uma pandemia impede a celebração do Bodo, a partilha pode depender ainda mais da compaixão de cada um.

    «Fica por alma dos meus», costumam dizer esses homens, ao distribuir as suas oferendas. Chamam-lhes «esmolas».

    Jénifer não se dá propriamente mal na escola, embora haja evidente assimetria entre as notas que obtém. Distrai-se bastante durante as aulas de certas matérias e, às vezes, fica semanas inteiras em casa. Em circunstâncias assim, não é incomum aparecer no lugar dela a mãe, munida de um atestado médico a que tanto torcem o nariz os funcionários como a diretora. Mas os atestados forjados são uma prática tão frequente nas escolas locais como as próprias faltas, e quase sempre os burocratas dão por si a validar o seguinte mesmo antes de acabarem de torcer o nariz ao anterior.

    Sobretudo — dizem-me —, é uma criança solitária, a Jénifer. Traz a mochila muito limpa e a roupa imaculada também. Mesmo assim, os colegas acham-na esquisita, ali sentada, pelas soleiras das portas altas, a olhar em silêncio as folias do recreio, e não raro chegam aos professores denúncias de pequenas crueldades sobre ela, que no entanto a própria nunca confirma. O mais que costuma fazer, quando algum adulto se preocupa em esclarecer o assunto entre ela e outro miúdo, é fechar os olhos à espera de que passe. Depois ambos são libertados no pátio — e, pelo menos durante algum tempo, não há notícia de novos problemas.

    «É inteligente», disse-me a professora, num dia em que vim a visitar a escola, incerto ainda sobre o que poderia sair daquela demanda. Isso eu já sabia — procurava antes uma pista, penso, para entender o seu ânimo peculiar. «Depois, há dias em que é como se não estivesse cá. Deve haver ali algum grau de autismo. Asperger, talvez.»

    Irritou-me um pouco essa suposição, porque eu já me dera conta dos expedientes com que as escolas e as próprias famílias justificavam o desinteresse de cada vez mais alunos e filhos na aprendizagem e na vida: começavam por ser disléxicos, depois passavam a hiperativos, a seguir tinham Asperger, após algum tempo sofriam de autismo por inteiro, em breve eram bipolares e, enfim, era-lhes diagnosticada esquizofrenia — ou «um certo grau de esquizofrenia» —, podendo portanto ser entregues

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