Aprendizagem no cotidiano escolar
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Aprendizagem no cotidiano escolar - Débora Cecílio Fernandes
Apresentação
A aprendizagem humana é tema recorrente entre pesquisadores do mundo todo. A prevalência dessa temática, há décadas, sem se arrefecer, se justifica em parte pela relevância desse aspecto no processo de desenvolvimento. É impossível dissociar a ideia de humano da perspectiva da aprendizagem, pois ela é inerente a nós e ao nosso percurso evolutivo. Apesar dessa evidente associação não é raro verificar que, para muitas crianças, jovens e adultos, esse não é um trajeto natural e fácil. Embora em tempos mais remotos essa não tenha sido uma preocupação dominante entre os especialistas e profissionais da educação, à medida que essas condições ficaram mais presentes e evidentes, principalmente com a expansão do acesso à educação, essa questão ganhou ênfase.
A complexidade presente no processo de aprendizagem individual faz com que seja um assunto inesgotável e, por mais que sejam desenvolvidas pesquisas em todo mundo, com diferentes metodologias e técnicas, ainda restam situações a serem exploradas. Somando-se a isso, a educação no Brasil enfrenta desafios difíceis que precisam ser explorados, investigados e, finalmente, encaminhados. Um destes desafios se refere às crianças que apresentam dificuldades para aprender algum conteúdo escolar e que, na maioria das vezes, precisam de intervenções diferenciadas para poderem reencontrar o seu percurso de aprendizagem. Nesses casos, diversas áreas produzem conhecimento substancial que pode e deve ser incorporado à formação e atuação dos diferentes profissionais que trabalham com ensino, aprendizagem e desenvolvimento.
Como a aprendizagem é um fenômeno multideterminado, diferentes aspectos devem ser considerados quando se decide explorar tal temática. Aspectos sociais, familiares, contexto de ensino, disponibilidade de recursos materiais e tecnológicos, estratégias metodológicas utilizadas pelo professor, estudo dos processos cognitivos, características individuais dos alunos, são apenas alguns fatores que influenciam direta ou indiretamente a aprendizagem.
No entanto, pode-se dizer que foi a expansão, nos últimos anos, de estudos vinculados à neurociência, que fez com que este tema ganhasse um novo impulso e trouxesse novos olhares para essa temática. Ao complementar o conhecimento já construído, esses estudos trouxeram outras evidências sobre o funcionamento cerebral e, em alguns casos, sobre como facilitar a aprendizagem. Pensando nessas novas descobertas, sem deixar de considerar o conhecimento já acumulado, este livro se propôs como desafio apresentar temáticas que possam recolocar algumas questões, além de promover uma nova escuta e atenção às problemáticas da aprendizagem. Assim, além de priorizar e abordar novas evidências postas ao funcionamento cerebral, e com isso facilitar a aprendizagem, também se abriu espaço para abordar outros temas, que revisitados, permitem uma reflexão diferenciada sobre o aprender. Para tal, cada capítulo propõe ao seu final algumas questões que possam nortear os leitores em seu estudo. Pretende-se com isso também torná-lo mais didático e acessível aos profissionais de educação que se encontram em formação.
Dessa forma, este livro apresenta capítulos inéditos com novos enfoques sobre temas relacionados com a aprendizagem, que podem contribuir com os profissionais da área educacional, e que trabalham com crianças com desenvolvimento típico e atípico. Como eixo comum aos capítulos destaca-se a preocupação com a vivência em sala de aula e para que os leitores possam refletir sobre isso, os capítulos ora se debruçaram mais sobre o aprendiz, ora sobre o formador, embora a intersecção entre professor e aluno esteja presente em todos os textos.
No texto apresentado por Débora Cecílio Fernandes e intitulado "Leitura e escrita: uma ponte entre a neuroimagem funcional e a aprendizagem escolar", a autora resgata alguns resultados de pesquisa advindos da técnica de neuroimagem funcional importantes para a discussão da aprendizagem da leitura e escrita. O texto considera o efeito cerebral de diferentes formas de ensino das letras para crianças não alfabetizadas e discute quais maneiras são mais eficazes em função da atividade cerebral observada. A autora também contempla algumas orientações realizadas pelos autores James, Jao e Berninger (2015) acerca do ensino da leitura e escrita, no sentido de favorecer a aprendizagem dos alunos.
Betânia Alves Veiga Dell Agli e Luciana Maria Caetano abordam a temática "Desenvolvimento, aprendizagem e memória: contribuições da neurociência", propondo como objetivo deste capítulo apresentar o desenvolvimento cerebral, desde o período embrionário e fetal até a adolescência, enfocando como ocorre o processo de aprendizagem e memória. Os conteúdos abordados possibilitarão ao leitor conhecer as mudanças cerebrais ao longo do desenvolvimento e as implicações para a aprendizagem. Além disso, a autora destaca a importância dos fatores ambientais para o desenvolvimento cerebral saudável, notadamente o da primeira infância e algumas implicações educacionais que podem derivar desse assunto.
Considerando e destacando o papel essencial do professor, como condutor da aprendizagem dos alunos, alguns capítulos se dedicaram a abordar esse tema tanto do ponto de vista de suas representações e expectativas e o impacto de ambas no ensino, quanto aos aspectos relacionados a sua metodologia e estratégias utilizadas em sala de aula. A autora Selma de Cássia Martinelli trata das representações de professores e suas expectativas sobre os alunos, na sala de aula. No capítulo O papel das representações e expectativas no contexto escolar
, o estudo das representações se apresenta como relevante, pois são elas que orientam as condutas, os julgamentos sobre os fatos e pessoas, a maneira de interagir com os outros, entre outras situações. Ao se ter uma representação, por exemplo, do que é ser um bom aluno
, automaticamente se define algumas classes de comportamentos esperados, tais como o nível de desempenho em atividades escolares, desenvoltura, entre outras características. Todas essas questões impactam tanto o comportamento e o desempenho de professores quanto o dos alunos e, por isso, merecem atenção por parte dos profissionais envolvidos com a educação.
No capítulo "Formação docente e estratégias de ensino: reflexões sobre o processo formativo de educadores", escrito por Renata Mantovani de Faria e Selma de Cássia Martinelli, a proposta foi discutir sobre o papel fundamental e protagonista desempenhado pelo professor no processo educativo e discuti-lo a partir de uma reflexão em suas tomadas de decisões frente a esse processo. Para tanto, as autoras focam no papel das relações interpessoais e nas estratégias de ensino que podem ser adotadas pelos professores e como estas escolhas interferem na aprendizagem. Para pensar o processo formativo dos docentes, o texto também aborda uma série de estratégias de ensino que poderiam ser implementadas pelos professores em sala de aula como parte de seu planejamento educacional.
No capítulo A importância do uso de estratégias para a compreensão de leitura
, elaborado por Neide de Brito Cunha e Giselle Gomes Maia, as autoras trazem a temática da compreensão da leitura para a formação de cidadãos críticos e para a aprendizagem dos conteúdos escolares. Com base nos dados do PISA, que têm apontado as deficiências dos estudantes brasileiros nessa habilidade, os autores defendem a proposta de que é necessário que esteja proposto no programa de instrução docente o ensino de estratégias de leitura, por considerarem que isso pode ajudar os alunos no controle da compreensão leitora e, em decorrência, no seu desempenho acadêmico. Com fundamentação teórica na Psicologia Cognitiva e nas instruções da BNCC, apresentam-se conceitos e pesquisas que confirmam a necessidade de incluir nos cursos de formação de professores essas questões e instruí-los quanto às estratégias de leitura.
Para finalizar o livro, foi abordada a questão da criança com autismo e sua aprendizagem. A proposta é desafiadora e considera experiências interessantes de interação e aprendizagem da criança com autismo com seus pares. O capítulo foi elaborado por Julia Zanetti Rocca, Rauni Jandé Roama-Alves e Mariana Rodrigo do Vale Costa e Silva, com o título Aprendendo com os colegas: intervenção mediada por pares para ensino de habilidades acadêmicas a estudantes com transtorno do espectro autista
. O objetivo desse capítulo foi apresentar os conceitos de Transtorno do Espectro Autista (TEA), Intervenção Mediada por Pares (IMP) e estudos clássicos que demonstram a aplicação desse último conceito/método ao quadro diagnóstico em questão. Apresenta-se uma breve conceituação sobre o TEA e três exemplos de IMPs visando o ensino de habilidades acadêmicas para alunos com TEA. Todos advêm de estudos internacionais e representam bibliografia fundamental para a área. Observa-se que, de maneira geral, as IMPs têm se mostrado um método de ensino-aprendizagem que promove desenvolvimento integral do estudante, possibilitando melhores desempenhos acadêmicos, mas também melhores interações entre os alunos e para aqueles com TEA.
As organizadoras destacam que o livro apresenta um material rico e convida o leitor ao conhecimento e reflexão sobre temas relacionados à aprendizagem. Com uma fundamentação teórica importante, mas sem se distanciar de considerações práticas ou de atuação profissional, pode ser uma ferramenta valiosa aos profissionais em formação ou atuação, com destaque aos professores, psicólogos, psicopedagogos e pedagogos.
Sobre os Autores Colaboradores
Betânia Alves Veiga Dell’ Agli: Psicóloga pela PUC Campinas, Especialização em Educação Especial pela UFMS, Mestre e Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp, Pós-Doutora em Ciência Médicas de Faculdade de Ciência Médicas da Unicamp – Departamento de Neurologia Infantil; Treinamento em Serviço em Psiquiatria do Adolescente do Departamento de Psiquiatria da Unicamp. Neuropsicóloga (título de especialista pelo CFP). Docente do Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino Fae (UNIFAE). É docente colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da USP/SP. Coordenadora do Curso de Psicologia da UNIFAE.
Giselle Gomes Maia: Mestrado em Educação pela UNIVAS, especialização em Gestão Educacional, especialização em Informática na Educação, especialista em Psicopedagogia: institucional e clínica, Licenciatura em Letras e suas Literaturas, Licenciatura em Pedagogia. Professora alfabetizadora há 22 anos. Atua como supervisora na rede particular há 33 anos e como especialista em Educação na Secretaria Municipal de Ensino e Cultura de Pouso Alegre há 15 anos.
Julia Zanetti Rocca: professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Possui graduação em Psicologia, mestrado em Filosofia e doutorado em Psicologia, na Universidade Federal de São Carlos. Tem Pós-doutorado pela Universidade Federal de São Carlos, com estágio na North Carolina University at Wilmington (UNCW). É membro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino (INCT-ECCE). Tem experiência nas áreas de Psicologia Educacional, Letramento e ensino de pessoas com Transtorno do Espectro Autista.
Luciana Maria Caetano: Pedagoga pelo Centro Universitário Salesiano de Americana (UNISA), Tecnóloga Textil pelo Centro Paula Souza, Psicopedagoga e Especialista em Educação Infantil, Mestre e Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da USP, Livre Docente em Psicologia do Desenvolvimento pelo Instituto de Psicologia da USP. Atualmente é professora associada do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Coordenadora do grupo de pesquisas em psicologia do desenvolvimento moral (GPDM) e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da USP.
Mariana Rodrigo do Vale Costa e Silva: Mestra em Psicologia e psicóloga graduada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Doutoranda em Ciências da Saúde com enfoque em Psicologia da Saúde pela City, University of London (Reino Unido). Atualmente, realiza pesquisa sobre saúde mental e bem-estar de familiares de pessoas diagnosticadas com TEA. Possui experiência em pesquisa sobre condições do neurodesenvolvimento, avaliação psicológica, e desenvolvimento de intervenções psicológicas. Atuou como psicóloga clínica no Brasil realizando acompanhamento psicológico infantil para crianças com dificuldades relacionadas ao neurodesenvolvimento e avaliação neuropsicológica de crianças, adolescentes e adultos.
Neide de Brito Cunha: Doutora em Psicologia, na área Educacional e Mestre em Educação pela Universidade São Francisco (USF). Licenciada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e em Pedagogia pela USF. Docente do Mestrado Profissional em Gestão e Desenvolvimento da Educação Profissional do Centro Paula Souza e da Fatec de Bragança Paulista. Experiência nas áreas de Educação e Psicologia Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: dificuldades do processo de ensino e aprendizagem da leitura e escrita, avaliação psicoeducacional, formação de professores, autorregulação da aprendizagem.
Rauni Jandé Roama-Alves: Docente Adjunto do departamento de Psicologia e do programa de pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso, câmpus de Cuiabá. Doutor e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Possui especialização em Neuropsicologia Aplicada à Neurologia Infantil e aprimoramento em Psicopedagogia Aplicada à Neurologia Infantil, ambos pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Possui os títulos de especialista em Neuropsicologia e em Psicopedagogia pelo Conselho Federal de Psicologia. É graduado em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Renata Mantovani de Faria: Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Trabalha há onze anos