Memórias Do Pirambu
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Memórias Do Pirambu - Nonato Nogueira
Memórias do Pirambu
Nonato Nogueira
Copyright © 2020
Impresso no Brasil / Printed in Brazil Memórias do Pirambu / Nonato Nogueira.
Fortaleza: Resistência Mandacaru Edições, 2020. 96 p.
1. Memórias do Pirambu
2. História
3. Religião
SUMÁRIO
Introdução…………………………………………………..…05 Pirambu: um bairro estigmatizado; uma paróquia atuante……11 O povoamento do Pirambu …………………………………...17 A Igreja Católica e a organização dos moradores do Pirambu..25 A Marcha do Pirambu…………………………………………46 Padre Gaetan Minette de Tillesse e a RCC no Pirambu………58 Padre Haroldo Coelho e a TL no Pirambu…………………….79 Referências bibliográficas…………………………………......91
INTRODUÇÃO
Quem vinha a Pirambu, perdia o bom nome diante do povo. Era nome feio. Os próprios habitantes, quando fora, evitavam dizer onde moravam. Seria uma desmoralização1 .
A epígrafe acima foi retirada do livro Pirambu: Uma Paróquia em Renovação
, de autoria do Padre José Marins, que em 1965 veio de São Paulo participar de um curso na Arquidiocese de Fortaleza, e aproveitou a oportunidade para concluir suas anotações sobre o bairro do Pirambu. Foi a partir das conversas com Padre Hélio, Aldaci Barbosa e moradores do Pirambu que nasceu esse livro, o qual conta a história do bairro que acabou se transformando numa Paróquia viva e atuante.
O emprego da epígrafe demonstra o quanto os moradores desse bairro de Fortaleza carregam em seus corpos o estigma da violência e da miséria. Assim como nos revela Foucault:
(...) sobre o corpo se encontra o estigma dos acontecimentos passados do mesmo modo que dele nascem os desejos, os desfalecimentos e os erros; nele também se atam e de repente se exprimem, mas nele também eles se desatam, entram em luta, se apagam uns aos outros e continuam seu insuperável conflito. 2
1 MARINS, Pe. José. Pirambu: uma Paróquia em
Renovação. São Paulo: Movimento por um Mundo Melhor/Melhoramentos, 1965, p.14.
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MEMÓRIAS DO P IRAMBU
O retrato estigmatizado do povo marginalizado pelo olhar do outro fez com que o Pirambu se tornasse um bairro esquecido durante muito tempo pelas autoridades locais, sendo o mesmo lembrado apenas nos discursos dos jornais que se reportavam a ele, como sendo reduto de bandidos, prostitutas e tuberculosos.
Como vimos, o estigma carregado pelo bairro do Pirambu é percebido principalmente nos comentários pessoais e destaques midiáticos (jornais, rádio e televisão), que é apenas parte da realidade e não a sua totalidade, como é retratada em maior parte das alusões a esse bairro da periferia de Fortaleza. Não podemos esquecer que (...) a ideia de estigmatizado como marginal, perigoso, está ainda presente no imaginário de parte da população, por fazer parte da cultura abstrata, aquela que está em nosso inconsciente. 3
O estigma da violência e da miséria é carregado pelo bairro do Pirambu desde a sua formação na década de 1930. De acordo com Pádua Santiago (2002)4, antes do boom das favelas
2 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Tradução de
Roberto Machado. 12.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1996, p.22.
3 ANDRADE, Marisa de. O Estigma da Periferia. Porto
Alegre: Da Casa Editora, 2010, p.137.
4 SANTIAGO, Pádua. A cidade como utopia e a favela
como espaço estratégico de inserção na cultura urbana (1856-1930). In: Trajetos: revista de história da UFC. Fortaleza: Departamento de História da UFC, 2002. - vol. 1, n. 2, p.127.
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NONATO N OGUEIRA
esse atributo que torna o Pirambu diferente de outros bairros recaía sobre os subúrbios de Alto Alegre, Barro Vermelho e, sobretudo, do Arraial Moura Brasil, que eram considerados pela imprensa e pela polícia como os mais perigosos da cidade. Conforme assinala Goffman (1988)5, o estigma é uma ideologia criada para explicar a inferioridade de um grupo social, contudo é preciso dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada na diferença de classe social.
Assim, o estranho que passou a ocupar os terrenos da Prefeitura ou da União, no caso do Pirambu, passou a receber por parte da classe média e alta o atributo que o torna diferente de outros, os quais se encontram numa categoria que pudesse ser incluído, sendo, portanto, considerado indesejável, recebendo o estereótipo de pessoa má e perigosa.
Contudo, esse atributo de indesejável é resultado do estereótipo que um grupo de status social
elevado cria para classificar um determinado tipo de indivíduo desacreditado. De acordo com Goffman, o termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo.6 No caso do bairro do Pirambu, o estigma da violência e da miséria estará
5 GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação
da identidade deteriorada. 4.ed. Rio de Janeiro, RJ: LTC, 1988, p.15.
6 IBIDEM, p.13.
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MEMÓRIAS DO P IRAMBU
presente desde a sua formação. Esse logradouro se formou na década de 1930, no contexto em que as favelas se proliferaram em nossa cidade devido ao aumento do fluxo migratório, conforme relata Silva (1992). 7
De acordo com dados do Governo do Estado,8 a formação do Pirambu, considerado o maior bairro popular de Fortaleza, data de 1932. Seu povoamento se deu em decorrência das migrações provocadas pelas secas e também pelo avanço do mar sobre a Praia de Iracema, que desalojou muitas famílias que buscaram outras paragens. Pádua Santiago (2002) relata que os pescadores que viviam no Arraial Moura Brasil começaram a migrar em direção ao Pirambu, conhecido na época por Arpoadores, núcleo de pescadores. Esses migrantes experimentaram dois estigmas, dois tempos, dois universos de compreensão e experimentação da vida e da morte. 9
Contudo, o estigma da violência e da miséria não conseguiu apagar a importância desse bairro para a história da cidade, pois o Pirambu, o bairro mais populoso de Fortaleza,
7 SILVA, José Borzacchiello da. Quando os incomodados
não se retiram: uma análise dos movimentos sociais em Fortaleza.- Fortaleza: Multigraf Editora, 1992, p. 29.
8 GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ – SECRETARIA
DE ADMINISTRAÇÃO. As Migrações para Fortaleza. Fortaleza: Departamento de Imprensa Oficial, 1967, p. 52.
9
SANTIAGO. Op. Cit., p. 129.
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NONATO N OGUEIRA
não pode ser lembrado apenas como espaço