Luminologia e(m) Humanidades, (à)pós-loucura: uma proposta sinest-analítica: Corpo, Educação, Arte, Literatura e Filosofia em foco
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Luminologia e(m) Humanidades, (à)pós-loucura - William Scheidegger Moreira
1. INTRODUÇÃO
Desde as últimas décadas do século passado, o significado da linguagem para a constituição do mundo e da autorreferência foi redescoberto e vinculado nas décadas seguintes às viradas icônica e performativa. Durante este processo, o significado de imagem e imaginação, bem como os corpos e sua encenação e performance, ocuparam o centro das atenções (WULF, 2013, p. 13).
Figura 1 - (In)certos credos
C:\Users\william scheidegger\Desktop\arte mestrado PRONTAS\Desenhos ofício\algumas verdades verdadeiras (08-19).jpgFonte: William Scheidegger, 2019
Atualmente, nos campos de produções de conhecimentos sobre Educação e Humanidades, dispomos de significativas pesquisas e teorias pós
(ST. PIERRE, 2018) dedicadas, também, aos estudos sobre imagens (ALLOA org., 2017) e imaginário(s) (WULF, 2013).
Sob ópticas propostas por estas teorias, as potências imaginárias encontraram condições para serem assumidas como espécies de energias criativas
, capazes de conectar-nos
aos contextos e(m) enredos daquilo que consentimos e denominamos como mundo real
. Sob estas perspectivas teóricas, através de nossas potências imaginárias, transformamos o que há no mundo exterior a nós - o dito real - em imagens, e as transportamos aos nossos próprios pensamentos - nossos mundos internos -, (re)criando, assim, diversas condições necessárias para que, enquanto espécie, dotemo-nos de humanidade (WULF, 2013); no sentido de produção deste mesmo fator
, como criação de si
, compreendida enquanto alguém.
Nossas dinâmicas imaginárias, neste sentido, encontram margens ampliadas para que possam ser compreendidas como espécies de movimentações dinâmico-operativas, propulsoras tanto das (re)criações de nossas próprias práticas, pensamentos e crenças - socioculturais, político-históricas, educacionais, sistêmico-econômicas, relacionais, etc. -, quanto como platôs, geradores das energias e(m) combustões que tornaram/tornam possíveis, à nós, os desenvolvimentos do que performamos como linguagens complexas.
Desenvolvendo pesquisas relativas a estas interfaces teóricas, Christopher Wulf (2013) propõe as seguintes reflexões:
[...] podemos descrever a imaginação como uma potência que faz o mundo aparecer ao homem, no sentido do grego phainestai. Duas facetas dessa conceitualização precisam ser distinguidas. Por um lado, fazer aparecer
implica que o mundo aparece ao homem e é percebido de maneira circunscrita pelas condições do ser humano. Por outro lado, fazer aparecer
significa conceber o mundo através de imagens mentais e criá-lo em conformidade formal. Imaginação, portanto, é a energia que liga o homem ao mundo e vice-versa. Ela age como uma ponte entre interior e exterior, é de caráter quiástico e desdobra seu significado exercitando sua função (p. 22 – 23).
Tensionado, também, pelas reflexões citadas, amplio minha visão sobre os tratados, e passo a perceber que os movimentos imaginários dispõem de condições para serem considerados, simbolicamente, como as lentes
pelas quais eu
e o Outro (ser humano) enxergamos, percebemos, interpretamos e compreendemos os inúmeros contextos, cenas e cenários pelos quais (con)vividos através dos espaços da consentida realidade.
Passo a considerar também que, talvez, por conta de nossa própria condição de humanidade, a imaginação se apresenta (con)figurativa-mente
como espécie de destino inescapável
a todo e qualquer sujeito. Sob tais perspectivas teóricas, praticamos e pensamos (n)os contextos, espaços e tempos do dito mundo real
, - este, que compartilhamos na condição de sociedade - aos modos como o re-fazemos, torna-se possível, a qualquer de nós, por conta destas mesmas condições dinâmico-operativas - imaginativas.
O imaginário, se re/visto sob estas perspectivas, encontra brechas para que seja considerado como o gatilho
que nos disparam aos delírios do que vivemos e nomeamos como realidade, (re)criando-a como contextos socioculturais - por vezes, verdadeiramente acreditados, por nós mesmos, como incontestavelmente naturais
.
Nestas direções, considera-se que seriam através de nossos processos e(m) dinâmicas delirantes e fantasiosas da imaginação –, caracteristicamente dinâmico-representativos e operativo-simbólicos, que ensinamos e aprendemos a (re)produzir, a praticarmos e a pensarmos (sobre) os contextos de nossas consentidas realidades cotidianas – que, sob tais considerações, expressam-se como tipicamente
artificiais.
O conceito de imaginação, se compreendido como processos, re/produzidos por nós, geradores de potenciais divagações por/através de pensamentos, práticas e/ou reflexões, de matrizes sempre simbólicas e representativas, que podem ser lançadas ao mundo
de maneiras, também, rebeldes, criativas, subversivas, inovadoras e/ou distintas daquelas assumidas pelo conjunto mais amplo de sujeitos que compõem nosso tecido social, se aproxima dos consentidos conceitos intitulados como delírios, fantasias e devaneios. Conceitos estes, geral, consensual, característica e sócio-culturalmente, compreendidos como atributos inerentes ao (re)inventado posicionamento sociocultural de vida/sujeito sob condição de insanidade
.
Figura 2 - Condição de qualquer (r)existência humana
(10-19) produção de sujeitos - destinos da loucura.jpgFonte: William Scheidegger, 2020
Assim, seria através de nossas potências imaginarias que materializamos os enredos e os teatros político-educacionais e socioculturais que, como sujeitos pertencentes a determinado coletivo social, praticamos e pensamos cotidianamente – muitas vezes, por suas significativas recorrências cotidianas, sem (nos) questionarmos.
A imaginação, aqui, então, é assumida como aquilo
capaz de nos propiciar as condições necessárias para (re)produzirmo-nos enquanto os próprios sujeitos e(m) sociedades que nos tornamos, aos modos tais como, hoje, (nos) (re)fazemos. Considero ao dizer que, de acordo com estudos relativos à teoria do imaginário, defende-se a hipótese de que, por dotarmo-nos de humanidade através destes processos, a imaginação é o que nos torna humanizados
– seres dotados de cultura.
Seja na condição de sujeito ou de sociedade, (re)imaginamos, ao longo do que denominamos história, diversos contextos e múltiplos (re)arranjos conceptivo-interpretativos, sobre o mundo e(m) suas tramas, tendendo a crê-los, em muitos casos, como espécies de verdades/certezas verdadeiras
, recorrentemente (re)vestindo-os de/por crenças aparentemente capazes de (re)posicioná-los
como supostamente naturais
.
Fatores frequentemente acreditados, socio-culturalmente, como verdades e certezas
, ainda que, neste sentido, tipicamente
(re)produzidos como ideias e/ou pensamentos de matrizes caracteristicamente imaginárias que, geral e hegemonicamente, através das linguagens complexas, transmitimos e distribuímos pelos espaços e contextos, através dos tempos, pelo dito mundo real
. Distribuições estas, todavia, sempre atracadas a certos acordos, e submissas à determinadas normas, regras, leis e normatividade socioculturais histórico-econômicas e político-educacionais (BUTLER, 2017). Atravessamentos que, frequentemente, nos exigem adequações
à princípios de sentido e de razão – princípios que, sociocultural, imperativa e hegemonicamente, tendem a ser assumidos, por considerável parcela de nossa sociedade, como espécie de legítimas Ordens das coisas
de/em nossos tempos.
Atualmente, os processos cientificistas parecem ser assumidos como a divindade pós-moderna mais venerada e devotada
de nossos tempos – ainda que, por vezes, determinados discursos teóricos busquem/tendam a alegar situações distintas
das quais, cotidiana e contextualmente, enquanto sujeitos e(m) sociedades, testemunhamos, experimentamos e vivemos, tanto nos/pelos campos e(m) espaços de produções de conhecimentos acadêmicos sobre Humanidades, quanto em outros espaços de com/vivências – públicos e/ou privados. Como teorias pós
, Elizabeth St. Pierre (2018) compreende o conjunto de teorias acadêmicas, desenvolvidas e propostas pelos campos de produções conhecimentos sobre Humanidades, todas aquelas marcadas pelo prefixo pós
– pós-estruturalistas, pós-humanistas, pós-modernistas, pós-ontológicas, etc.
E, sob considerações às perspectivas e(m) pesquisas e estudos desenvolvidos sob tais propostas investigativo-teorias, defende-se a ideia de que muitas das (socio-culturalmente) ditas e acreditadas verdades verdadeiras
relativas ao consentido mundo real
e(m) seus contextos, se expressam como flexíveis, dispondo de condições para que sejam submetidas a movimentos investigativos norteados por princípios de suspeitas, desestabilidades, críticas e/ou tensionamentos. Estas supostas verdades
, se a-caso (re)posicionadas e compreendidas como regimes de verdades – (re)produzidos, distribuídos e assumidos, em dados momentos e(m) recortes históricos, como fatos verdadeiros
sobre determinadas questões -, tendem a ampliar suas próprias margens em modos de serem compreendidas, alargando seus próprios possíveis enquanto contextualidades e(m) pontos de re/vista.
Sob tais ópticas, as ideias e crenças socio-culturalmente assumidas como verdades verdadeiras
, podem ser representativamente consideradas como proles
de pensamentos/ideias sempre imaginadas por determinados povos que, a partir de dados momentos e(m) recortes históricos, passaram a ser hegemonicamente acreditadas como fatídicas
por grande parte do mesmo coletivo social que, desta forma, as assume.
Neste sentido, sob considerações às propostas levantadas pelas teorias pós
, as (supostas) verdades verdadeiras
relativas a culturas, histórias, educações, políticas e/ou sociedades são posicionadas como regimes de verdades, imaginariamente (re)produzidos, distribuídos, consentidos e assumidos, pelas próprias sociedades que as sintetizam como verdades natutal-mente verdadeiras
– processos estes compreendidos como arquitetados/estruturados ao longo dos tempos.
Desenvolvendo estudos sobre o assunto, Marcos Ferreira-Santos e por Rogério de Almeida (2012) propõem os seguintes pensamentos:
O imaginário pode ser definido como "o conjunto das imagens e relações de imagens que constitui o capital pensado do homo sapiens – aparece-nos como o grande denominador fundamental onde se vêm encontrar todas as criações do pensamento humano. A abrangência do conceito é expressa tanto por
conjunto de imagens e
todas as criações do pensamento humano" – que engloba a produção poética, artística, mas também a científica filosófica, ideológica etc. – que desloca a questão dos produtos da imaginação para o caráter processual do imaginário. Com efeito, o imaginário se define mais por seu aspecto dinâmico, figurativo, que por sua base estrutural. Dito de outra forma, a classificação das imagens só faz sentido se compreendermos que é a gesticulação cultural, o processo dinâmico de criação, transmissão, apropriação e interpretação dos bens simbólicos [...], que empresta sentido aos símbolos (p. 38).
Refletindo sobre, percebo que a imaginação também pode ser compreendida como espécie de dinamismo/princípio norteador
que abarca toda e qualquer prática, pensamento e (e)feito humano, sejam estes movimentos produzidos por poéticas artísticas, por racionalidades científicas, por reflexões filosóficas, por correntes
ideológicas, por doutrinas religiosas etc.
Se aqui posicionamos a imaginação como atributo indivisível das condições necessárias para que desenvolvamos, em nós mesmos, nossos próprios processos de humanização, então, cabe a ideia de que, enquanto sujeitos e(m) sociedades, estamos submetidos/destinados a (con)viver (n)o mundo, dito real, praticando e pensando em/sobre seus espaços, tempos e enredos, simbólica-mente (enfatizando o jogo de palavras), aos modos como ocorrem
no País das maravilhas
– cenário criativamente (re)inventado por Lewis Carroll, em sua história Alice no país das maravilhas (1989). Assumir essa hipótese, no entanto, pode ser difícil, pois nos demandaria considerar que, por conta de nossas próprias condições imaginárias, as energias/dinâmicas de delírios, fantasias e alucinações – coletivas e individuais – seriam condições de existência inescapáveis a todos nós.
O mundo artificial-mente real
que (re)criamos sociocultural e imaginariamente, hoje, aparentemente, tornou-se nosso único mundo possível
. Mundo (e)feito de/por artifícios, (re)arranjos, (re)produções e (con)figurações socioculturais que o remontam como cenários e(m) palcos quânticos
, pelos quais performamos nossos próprios teatros e personagens, e através dos quais, também, desempenhamos nossos diversos papeis socioculturais.
Papéis e(m) posições de sujeitos, geralmente, ensinados, aprendidos e acreditados, vezes também por nós mesmos, como natural-mente cabíveis e/ou necessários a serem praticados/encenados, tanto por nós mesmos, quanto pelos demais sujeitos que praticam determinados contextos. Palcos e cenários socioculturais que, se repensados sob considerações às perspectivas teóricas aqui levantadas, encontram margens para que possam ser revistos como compostos por dimensões/extensões configurativa-mente
epitéticas.
Penso que, se as concepções hipotéticas - sobre Humanidades - acreditadas como verdades verdadeiras
são tomadas como produções/regimes, passíveis, portanto, a movimentos investigativos conduzidos por práticas que incitem suspeitas, dúvidas, críticas e/ou tensionamentos teóricos, então, cabe-se considerar a ideia de que mesmo as verdades
sobre o que denominamos como plano real
também assim podem ser. Por estas encruzilhadas, pergunto-lhes: onde estaria verdadeira-mente
a dita realidade que anunciamos e cremos (con)viver, senão em nossos próprios pensamentos, ideais e(m) ideias imaginadas e acreditadas – e, por isso, logo, através de nossas próprias práticas cotidianas, materializadas como contextos?
Figura 3 - Amor fati
(5-20) insana liberdade.jpgFonte: William Scheidegger, 2019
Por estas breves discussões, dou seguimento aos processos desta pesquisa, posicionando-a como investigação desenvolvida sob aproximações às perspectivas, ideias,