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Educação e sociedade: o potencial ético do estado de natureza em Jean-Jacques Rousseau
Educação e sociedade: o potencial ético do estado de natureza em Jean-Jacques Rousseau
Educação e sociedade: o potencial ético do estado de natureza em Jean-Jacques Rousseau
E-book164 páginas2 horas

Educação e sociedade: o potencial ético do estado de natureza em Jean-Jacques Rousseau

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Sobre este e-book

Este trabalho representa a aposta na existência de um eixo ontológico (o ser humano) inspirador para as ideias de Rousseau, e que unificou seu pensamento por uma causa ética: a premência de um processo de resgate da dignidade individual e coletiva do ser humano. Em cada elemento da investigação enseja-se a centralidade do estado de natureza funcionando como inspiração, método e critério. Ao ser designado por Rousseau como uma condição quiçá inexistente, mas necessária para os nossos juízos morais, o estado de natureza fortificou-se em sua dimensão hipotética, granjeando um caráter motivacional pleno de possibilidades interpretativas. A atualidade desta apreciação comprova-se pela inextinguível tensão do binômio natureza/sociedade, mas sobretudo pela voz interior da consciência subsidiando, reiteradamente, o ideal normativo de uma sociedade pautada por princípios éticos. Afirmar e tentar justificar a unidade do estado de natureza comporta a exigência específica de concentrar, com mais ou menos prudência, algumas ideias constantes na obra rousseauniana. O grau de abstração sobre estas dá-se conforme a adequação da afirmação do primado humano adequado à bondade inata. Neste sentido, a evocação de realidades casuais quer concorrer para uma reflexão direcionada para um maior conhecimento da verdade humana mais substancial. A partir desta configuração, tanto a política como a educação são cruzadas pela ideia de uma bondade inata, atual e pejada de possibilidades éticas.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de nov. de 2021
ISBN9786525212159
Educação e sociedade: o potencial ético do estado de natureza em Jean-Jacques Rousseau

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    Educação e sociedade - Celso Juca Castro

    1) ESTADO DE NATUREZA

    Trazer à tona princípios éticos pertinentes à obra de Rousseau exige que se investigue nela um conceito elementar que a perfaz e a maximiza: o conceito de estado de natureza. Trabalhando com ele, acreditamos já estar dando um passo importante na corroboração da hipótese da existência de um eixo ético unificador, constante na perspectiva rousseauniana. É dessa pré-compreensão que derivamos o estado de natureza como um critério diretivo, revelador da tessitura e esforço de um genebrino preocupado em apreender a gênese e o sentido do processo de decadência, e esgotamento da cultura ocidental do seu tempo.

    Assim como Casini estamos cientes de que natureza É um termo polissêmico, sugestivo e vago. Só a consciência ingênua ou as necessidades do uso linguístico podem atribuir-lhe um conteúdo rigorosamente definido.⁶ Nosso estudo supõe o mesmo caminho inspiracional de Casini em seu olhar retrospectivo para as sucessivas estratificações filosóficas do conceito de natureza. O estado de natureza é uma destas estratificações que, em Rousseau, assume o tom de denúncia ao caráter elitista e ideológico do jusnaturalismo. Rousseau ao se perguntar sobre a verdadeira natureza do ser humano, segundo Casini,

    desmascarou ousadamente as relações de desigualdade moral, social e econômica que a ideologia contratualista justificava em nome da ‘natureza humana’, transferindo para um passado pré-histórico remoto as ‘ideias tomadas pela sociedade’.

    1.1 A primazia do estado de natureza

    Estado de natureza, estado natural, bondade original, bondade natural, bom selvagem etc., são expressões com as quais frequentemente nos deparamos em/ou sobre Rousseau. Todas essas expressões têm certa similaridade⁸ e denotam uma unidade de inspiração que mobilizou nosso autor, constituindo a espinha dorsal de seu pensamento, cuja expressão mais acabada podemos notar nos seus últimos escritos. Mesmo as noções de vontade geral, soberania, ação coletiva, comumente consideradas de ordem oposta ao estado de natureza, articulam-se numa dialética estruturadora que, passo a passo, contribui para a elaboração e justificação do estado de natureza como uma matriz conceptual. Para o nosso caso, as expressões acima direcionam-se para uma orientação ética que se universaliza progressivamente. Assim, o estado de natureza – ou seus similares – potencializa a reflexão sobre princípios éticos capazes de conduzir, isto é, educar para a autonomia.

    Problematizador da lógica vigente em sua época, Rousseau quer ir além da classificação e ordenação do saber adquirido; acredita que, intrínseco à realidade, há reais possibilidades de se ultrapassar as determinações da lei em si. Não lhe é suficiente a identificação das características estáveis das coisas que, uma vez categorizadas, tornam-se necessitárias de princípios que eduquem para uma vida com mais sentido. É o que vemos no prefácio do Discurso sobre a Origem da Desigualdade, onde Rousseau deixa nítido seu método de pesquisa. Sua descrição generaliza o teor ético-filosófico do estado de natureza: Trata-se de um estado que não mais existe, que talvez nunca tenha existido, que provavelmente jamais existirá, e sobre o qual se tem, contudo, a necessidade de alcançar noções exatas para bem julgar de nosso estado presente.⁹ Esta transcendentalidade filosófica nos instiga. Embora o estado de natureza jamais consiga esgotar a busca pela edificação do indivíduo e da sociedade, este conceito estabelece validamente o que de Rousseau pode ser direcionado para a ética. As referências ao estado de natureza, sejam diretas ou indiretas, não possuem uma normatividade fechada. Seu conteúdo é descritivo-hipotético e isto lhe dota de excelência argumentativa. Mas, apesar de ser um mero artifício interpretativo, este funciona como uma hipótese de trabalho que permite julgar, do ponto de vista moral, a degradação do ser humano. Através do estado de natureza Rousseau denota seu método de investigação, que é o método do raciocínio, com rigor lógico, mas com conclusões hipotéticas.

    Rousseau está imbuído do clássico antagonismo cultura-natureza, mas, para nós é a sua crença no ser humano bom e dinâmico que subsidia, reiteradamente, o ideal normativo de uma sociedade ética. Apesar do processo histórico da civilização o ser humano pode recuperar sua integridade primordial no seio da civilização. Para tal é preciso recorrer ao estado de natureza como princípio diretivo. Rousseau assevera que o ser humano natural é um ser inteiro absoluto¹⁰. Podemos deduzir que a tensão natureza e sociedade articula-se para a formação humana integral. É neste sentido que Olgária Matos diz que, A distinção entre homem natural e homem social faz aparecer a ‘natureza’ como um absoluto – o homem natural não poderia ser destruído no interior do homem social – de outra maneira a educação do Emílio seria impossível.¹¹ É esta permanência, ou transparência, do humano não corrompido que Rousseau quer fazer aparecer. Por isso o ser humano natural não pode ser o selvagem primitivo, nem o estado de natureza ser causa do estado civil. Rousseau pode não o encontrar, mas está ciente que não o encontrará jamais só pelas implicações acidentais dos fatos históricos, ou determinações particulares dos indivíduos. Ele até se vale destas contingências, mas sabe que elas não podem oferecer um conhecimento objetivo e substancial da verdade humana que procura.

    Inspirando-se em Descartes, Rousseau afirma que é preciso afastar os fatos, pois eles não interessam à questão.¹² Trata-se de uma investigação apoiada somente na razão autorreflexiva, isto é, independente das verdades da fé e das induções científicas; esclarecedoras, mas inconvenientes para um estudo sintético do ser humano original. Para se encontrar o ser humano em sua forma original urge que se tome a devida distância das narrativas históricas, e dos sistemas metafísicos que, em suas conclusões apressadas, dissimulam as características autênticas do ser humano.

    A religião nos ordena a crer que, tendo o próprio Deus tirado os homens do estado de natureza logo depois da criação, são eles desiguais por que assim o desejou; ela não nos proíbe, no entanto, de formar conjeturas extraídas unicamente da natureza do homem e dos seres que o circundam.¹³

    Este caráter conjetural das investigações é o modo novo que Rousseau encontra em seu século para a apreensão da verdade humana sem aparências ou maquinações ideológicas: para se compreender a condição do ser humano em sua veracidade intrínseca é preciso resguardar-se das opiniões em voga. Por outras palavras, trata-se de um projeto de busca do verdadeiro significado do estado de natureza, ou do ser humano tal qual saído das mãos da natureza que nunca mente. Rousseau declara-se confiante nas hipóteses que oferecer, e cuja validade será comprovada pela maior ou menor capacidade de explicar o porquê e o como das transformações sociais; trata-se de uma hipótese e isto lhe basta.

    O apelo à razão não significa racionalismo estrito, afinal Rousseau quer superar os domínios da razão enciclopédica vigente. A razão que ele defende prima pelo resgate de um sentido antropológico mais profundo, e desvencilhado dos vícios argumentativos do intelectualismo do séc. XVIII. Para uma nova ordem ética anuncia uma nova razão, que também tematizará o sentimento como força moral. Com efeito, sobre esse assunto assim se manifesta Buchhammer:

    É só a razão prática a única fonte de nossas motivações morais? [...] Não é o ser humano um ser aberto à universalidade da lei, mas enraizado ao mesmo tempo numa coletividade por laços afetivos e sensíveis? Em plena Ilustração Rousseau intenta propor o sentimento e a razão como duas dimensões irredutíveis, e igualmente necessárias e complementares, ao espírito humano para o gozo de uma vida moral plena e, sobretudo, para a construção de uma sociedade política legítima.¹⁴

    Através dos fatos históricos pode-se justificar a ordem estabelecida: a desigualdade moral e política, mas Rousseau pretende marcar, no progresso das coisas, o momento em que, o direito sucedendo à violência, a natureza foi submetida à lei.¹⁵ Em que situação se encontraria o gênero humano hoje se o estado de natureza não tivesse sido aviltado pela necessidade, pelo desejo, pela opressão...? Por outras palavras, esta é a questão que a academia de Dijon propõe e da qual se originará a obra Discurso sobre a Origem e o Fundamento da Desigualdade entre os Homens.

    O conteúdo humano mais substancial foi corrompido no seu âmago e, ao longo do progresso do conhecimento, tornou-se irreconhecível; distanciamo-nos progressivamente da simplicidade que nos motivava a agirmos sempre por princípios certos e invariáveis.¹⁶ É preciso resgatar e fortificar a bondade original do ser humano abstraindo a vida social dos moldes em que se encontra. O passo primordial para esse resgate é o conhecimento do próprio ser humano na sua constituição original, daí a opção epistemológica pelo ser humano antes dos acréscimos artificiosos da evolução social, isto é, a partir das primeiras e mais simples operações da alma.¹⁷ Muitos filósofos haviam se devotado a esta tarefa, mas falando incessantemente do ser humano selvagem em verdade descreviam o ser humano civil; incorreram no erro de transpor para o estado de natureza ideias que haviam adquirido em sociedade, na vida civil. As sucessivas subtrações do homem do homem ofuscaram a possibilidade de encontrar um fundamento natural primitivo para o Direito Natural. Na tentativa de explicar as bases da sociedade enganaram-se, segundo Rousseau, por uma ilusão retrospectiva: linguagem, família, sociedade, trabalho, propriedade, regras, são circunstâncias posteriores ao ser humano natural e, portanto, não constituem o melhor caminho para encontrá-lo. Este teria sido o mal de Hobbes: ao falar da lei natural considerara tão somente a sociedade desenvolvida. Pelo realismo de Hobbes olhamos para o que o ser humano se transformou, e a partir disso tiramos conclusões, sem chegar a um fidedigno conhecimento da verdade humana. Pelo utopismo de Rousseau o ser humano deveria ligar-se à bondade original do estado de natureza e não aos aspectos visíveis ou imediatos provocados pela evolução social. Rousseau quer encontrar essa autêntica dignidade humana primitiva constrangida e alterada pelos grilhões. Para nós ele o faz pela aprioridade do estado de natureza hipotético.

    Edgar José Jorge Filho,¹⁸ argumenta em torno de uma ética própria do estado de natureza original, defendendo exatamente o estado de natureza primitivo de Rousseau como um estado moral. Para comprovar sua tese Jorge Filho retoma uma problemática que Rousseau usa para ilustrar seu ideal do estado de natureza. Trata-se do problema da fundamentação do Direito Natural.

    Jorge Filho desenvolve a ideia da existência, no Discurso sobre a Desigualdade, de um tríplice fundamento para o Direito Natural: O sentimento do amor de si, o sentimento da piedade natural e a consciência da liberdade. Ele deriva do Discurso sobre a Desigualdade o esforço de Rousseau para a superação das concepções antiga e moderna do Direito Natural. Interpreta essa superação como um movimento dialético: a negação conservadora das concepções antiga e moderna, em que subsistem, numa formulação mais unívoca, aspectos de ambas.¹⁹ Perguntamo-nos como se dá essa negação conservadora. Parece que esta questão se liga ao problema do conteúdo do Direito Natural. Rousseau critica os homens sábios de seu tempo por pensarem que a compreensão da lei da natureza estaria reservada exclusivamente a um grande pensador e profundo metafísico.²⁰ Convictos de assim se portarem estes outorgam-se o direito de estabelecer leis para o convívio comum, mas o conteúdo de suas regras fundamenta-se nas facetas viciosas e degeneradas da sociedade em que vivem. Não entendem que para o estabelecimento das leis antecipa-se

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