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Conversas Sobre o Amor
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E-book336 páginas6 horas

Conversas Sobre o Amor

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Sobre este e-book

Depois de anos a sentir que o amor estava sempre fora do seu alcance, a jornalista Natasha Lunn quis entender como os relacionamentos funcionam e como evoluem ao longo das nossas vidas. Lunn recorreu a autores e especialistas para aprender mais sobre as experiências de cada um, além de fazer uma avaliação própria, perguntando: «Como encontramos o amor?», «Como o sustentamos?» e «Como sobrevivemos quando o perdemos?»

Em Conversas Sobre o Amor vai encontrar respostas para:
se apaixonar lentamente, com Philippa Perry
a vulnerabilidade, com Dolly Alderton
aceitar a mudança, com Stephen Grosz
a amizade, com Candice Carty-Williams
a solidão da perda, com Lisa Taddeo
a paternidade, com Diana Evans
a ciência do sexo, com Emily Nagoski
a psicologia de estar sozinho, com Alain de Botton
as expetativas irreais, com Esther Perel
redefinir o romance, com Roxane Gay
e muitos mais...

IdiomaPortuguês
EditoraCultura
Data de lançamento16 de jun. de 2023
ISBN9789899096806
Conversas Sobre o Amor

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    Pré-visualização do livro

    Conversas Sobre o Amor - Natasha Lunn

    Introdução

    Durante anos vi-me refém do desejo. Desejava uma resposta a uma mensagem, um «amo-te», ou que um homem olhasse para mim de uma determinada maneira. Se estivesse numa relação, desejava que durasse e, se não estivesse, desejava estar. O meu desejo era um desassossego que se propagava pela minha vida como um nevoeiro. Impedindo-me de ver com clareza.

    Costumava pensar que era o amor que desejava, mas estava errada. Eu estava obcecada com a ideia do amor; não o amor de verdade. Todos aqueles anos, todas aquelas noites que passei acordada a perguntar: «Quando é que irei encontrar o amor?» Nunca parei para pensar sobre o que, de facto, o amor seria na realidade. Quem de nós o fará? Não aprendemos sobre o amor na escola, não o investigamos, nem fazemos um teste, nem o recapitulamos uma vez por ano. Somos encorajados a aprender economia, gramática e geografia, mas não a perceber o amor. Parece-me estranho: esperamos tanto do amor, e ainda assim dedicamos tão pouco do nosso tempo para o compreender. Como se quiséssemos mergulhar no mar, mas não tivéssemos qualquer interesse em aprender a nadar.

    E, no entanto, quer pensemos nisso ou não, o amor entra e sai das nossas vidas, todos os dias, livre e cruel e graciosamente. Assisto a um vídeo do bebé do meu amigo, com seis semanas, a contorcer-se no banho, uma hora antes de ler um e-mail de uma mulher cuja terceira rodada de fertilização in vitro acabou de falhar. Penso em dois novos noivados, outro que foi cancelado, outro que nunca chegou a acontecer. Ouço o amigo que está a tentar construir uma nova vida depois de um divórcio inesperado, o amigo que está de luto pelo pai, o franco otimismo do outro amigo que está a descobrir um novo amor. Uma e outra vez, sem cessar, o amor murcha e floresce nas nossas vidas. Irreconhecível e indefinido. Ou assim pensava eu.

    Durante muito tempo, assumi que o amor era a fonte da minha infelicidade. Queria entender porque o sentia além das minhas capacidades. Por que razão me conseguia afastar de um trabalho que me fazia infeliz, mas não de uma relação complicada? Porque tinha controlo em todos as outras vertentes da minha vida, mas não no amor? Porque presumia que o casamento seria o fim de algo, e não o começo? A minha suspeita de que falhara redondamente em entender o amor ia ao encontro daquilo que Elizabeth Gilbert uma vez descreveu como «uma migalha de curiosidade», uma pista que eu precisava de recolher e seguir.

    Foi por isso que, nos últimos quatro anos, perguntei a escritores, terapeutas e especialistas sobre as suas experiências amorosas numa newsletter intitulada Conversations on Love (Conversas Sobre o Amor). Ouvi as pessoas falarem sobre o seu amor por uma pessoa, por uma cidade, por um poema, por uma árvore. Ouvi um homem dizer que desejava ter dormido com mais pessoas e uma mulher dizer que o sexo é a vida de sonho de um casamento. Já ouvi pessoas compartilharem histórias sobre como manter uma amizade de 26 anos em diferentes países, sobre apaixonarem-se quando perderam um filho ou um irmão, sobre ver bebés nascidos em zonas de guerra e sobre aprender a encontrar o romance na solidão. Cada um era um lembrete de que o amor era possível, e de que a minha compreensão dele tinha sido limitada.

    Durante essas conversas, o amor encontrava-se em movimento, saía e entrava, na minha vida também. As entrevistas abriram os meus horizontes em relação ao que o amor poderia ser e parecer, mas foi apenas quando comecei a tentar engravidar, após um aborto espontâneo, que comecei a ver o quanto tinha ainda de aprender. Porque, apesar de pensar que tinha ultrapassado a minha propensão para o desejo, havia muitas semelhanças entre o meu desejo de ter um bebé aos trinta e o meu desejo de ter um namorado na década anterior. Ambos me deixaram mais focada no amor que não tive do que no amor que tive. Ambos me conduziram amiúde à autocomiseração. Ambos me fizeram comparar com os outros e sentir como se houvesse uma área de felicidade na vida da qual estava excluída. Eu costumava olhar com desejo para os casais de mãos dadas aos domingos, mas agora contemplava as mulheres que empurravam os carrinhos de bebé pelo parque. O que desejava mudara, mas o desejo de procurar permanecia. Então percebi que haveria sempre um desejo insaciável no amor se continuasse a vê-lo daquela forma tão redutora — um namorado, um casamento, um bebé, um segundo bebé, um neto, outra década nesta Terra com minha mãe, pai ou marido. Então comecei a fazer mais questões. Comecei a escrever este livro.

    Todos os dias, fará as suas próprias perguntas sobre o amor, também. Talvez esteja à procura de um relacionamento ou, num lugar recôndito do seu coração, se pergunte se deve terminar um. Talvez esteja numa união a longo prazo, querendo saber como manter o amor através das muitas tempestades da vida. Talvez seja um pai e queira ser um melhor; ou tenha perdido um pai, e a perda de repente pareça diminuir tudo o resto. Superficialmente, o que queremos e precisamos do amor é diferente. Mas descobri que as nossas perguntas individuais estão muitas vezes enraizadas em três maiores: Como encontramos o amor? Como o mantemos? E como sobrevivemos quando o perdemos? Estas são as perguntas que quero explorar nas páginas seguintes.

    Não é um exagero dizer que as conversas sobre o amor que tive mudaram a minha vida. Elas ajudaram-me a ver para lá da névoa do desejo, a ver o amor que já existia na minha vida, desde sempre. Também me convenceram de que, embora o amor seja em muitos aspetos irreconhecível, é útil para nós tentar defini-lo. Como bell hooks escreveu no livro All About Love, «aprender definições erradas do amor quando somos muito jovens torna difícil sermos amáveis à medida que envelhecemos» e «uma boa definição marca o nosso ponto de partida e permite-nos saber aonde queremos chegar».

    E precisamos de começar a aprender mais sobre o amor, creio, assim como qualquer outra competência, porque pode determinar o curso de uma vida. Como a Dra. Julianne Holt-Lunstad descobriu no seu estudo sobre a ligação entre a conexão social e a expetativa de vida, as pessoas com relações sociais fortes são cinquenta por cento menos propensas a morrer prematuramente do que as pessoas com relações sociais fracas.¹ Apesar de não lhe darem a devida atenção — basta compararmos o número de páginas que um jornal dedica à política ou às finanças ou às viagens com as que dedica às relações —, há poucas coisas mais sérias e mais importantes do que o amor. A escassez dele pode ser bastante nefasta. E a abundância pode curar-nos.

    Embora as conversas neste livro sejam histórias sobre o amor, também são sobre a forma como os seres humanos são atraídos e dececionados pelo outro, como eles magoam e curam, como eles avançam, mesmo quando pensam que não conseguem, tentando retirar algum significado daquilo que a vida lhes tira. A minha esperança é que elas possam ser para si o que foram para mim: um lembrete para não deixar as pessoas que ama em segundo plano; um convite para levar o amor mais a sério; e um incentivo para fazer algo de significativo com a vida que recebeu.

    Uma das personagens de um romance de Hilary Mantel, A Place of Greater Safety, disse (na vida real): «O amor é mais forte, mais duradouro do que o medo.» Quando entrevistei a Hilary, ela disse-me que uma das razões para escrever é tentar descobrir se isso é verdade. É isso que estou a tentar descobrir também. O amor é mais forte do que o medo da incerteza? Do que o medo da mudança? Do que o medo da morte? Responder a estas perguntas é uma tarefa interminável, e esta é uma das maiores lições que aprendi: o amor é um projeto para toda a vida, uma história que não podemos ignorar até ao fim. Quão sortudos somos por saber que nunca o terminaremos? Porque nunca há uma página final, apenas uma série de começos. Este é uma deles.


    ¹ Citado em Vivek H. Murthy, Together: Loneliness, Health and What Happens When We Find Connection, Profile Books, 2020, página 13

    Como Encontramos o Amor?

    «A vida não é um problema a ser resolvido,

    mas um mistério a ser vivido.»

    M. Scott Peck

    Fantasia Romântica vs. Realidade

    «Quando te desejo, uma parte de mim desaparece…»

    Anne Carson, Eros the Bittersweet

    A primeira vez que beijei o Ben foi a primeira vez que beijei alguém. Tinha catorze anos e não tinha a certeza de nada: de que música gostava, que marca de sapatos usaria na escola, que tipo de pessoa queria ser. A única coisa de que tinha a certeza era a de o querer. Numa altura em que todas as escolhas do mundo estavam à minha frente, e eu podia facilmente fazer as erradas, era um alívio ter tão pouco controlo sobre algo. Era como se o sentimento me escolhesse a mim.

    Conheci-o um ano antes do nosso primeiro beijo no cinema ABC. Eu tinha treze anos e ele doze, seis meses mais novo do que eu. Ele veio a minha casa para sair com o meu irmão mais novo, porque andavam na mesma escola. Quando o vi, ele estava a brincar com um ioiô amarelo-limão no cimo das escadas, do lado de fora do meu quarto. «Olá», disse-me ele. «Olá», respondi eu. E foi assim; duas palavras foram suficientes para iniciar uma paixão de quinze anos. Com o tempo, fui recolhendo detalhes dele como se de provas forenses se tratassem: a posição exata de uma sarda no braço, a forma como barrava a manteiga na torrada, como ele franzia os olhos sempre que sorria. Foi ao desejar que ele reparasse em mim que aprendi que o amor era algo que acontecia ou não. Um presente que nos era concedido ou negado.

    As nossas aventuras ao longo dos anos foram fugazes e inconsistentes: ele traiu-me quando tínhamos catorze anos, voltámos a ficar juntos aos dezasseis — a única vez em que dissemos nervosamente «amo-te» — e novamente aos dezoito. Estes não foram períodos em que passássemos muito tempo juntos, apenas um conjunto de dias e noites em que nos beijávamos, assistíamos aos velhos Star Wars em VHS e às vezes passeávamos por estradas rurais vazias, à noite. O facto de nunca termos tido uma verdadeira relação pouco importava. A nossa história existia na ambiguidade, e em todas as coisas que nunca diríamos.

    Os capítulos mais longos e emocionantes foram escritos na minha mente, não na realidade. A minha narrativa imaginária construiu um nostálgico quase romance — ao estilo do protagonizado por Dawson e Joey, na série Dawson’s Creek — que estava constantemente à beira de acontecer e ainda assim nunca acontecia, de facto. Sempre houve um mal-entendido mútuo (uma mensagem de texto mal interpretada) ou um ato de destino (a desaprovação dos meus pais; outra rapariga) que nos impedia de dar o último passo. Por que razão tentava que desse certo? Quando ele beijou outra rapariga na escola, surgiu a minha primeira experiência de rejeição, o que prejudicou a minha autoestima numa idade de formação. A partir daí, a afeição dele pareceu-me um prémio que era possível recuperar, que poderia significar que eu era amável. Havia também uma parte de mim que desejava recriar a relação dos meus pais, mantendo o Ben na minha órbita. Em adolescentes, conheceram-se na escola, e o seu modelo de amor, mais romântico do que qualquer romance na minha estante, foi o primeiro a marcar-me. Se puser o Ben num pedestal, ponho a ideia de um amor adolescente eterno num patamar superior.

    Quantos de nós temos essas histórias de paixões adolescentes, nas quais o desejo é mais importante do que o saber, e a fantasia supera a realidade? Este tipo de amor jovem é muitas vezes construído com bela intensidade, o que é compreensível na adolescência, quando o tempo abunda e somos dominados pelas hormonas. Talvez essa fixação seja mesmo uma forma de criatividade — uma imaginação jovem consegue pegar nos mínimos detalhes de uma ligação comum e construir um outro mundo dentro dela. Não me arrependo da minha primeira fantasia romântica. Mas arrependo-me do modelo de amor que desenhei a partir dela, e de todos os anos subsequentes que passei a tentar moldar-me para me enquadrar nele.

    Ao longo dos anos em que estivemos na universidade, o Ben e eu continuámos a demonstrar, um pelo outro, um afeto inconsistente. Ele gravou CD caseiros e escreveu bilhetes enigmáticos que eu guardei em caixas de sapatos debaixo da cama. Enviou-me e-mails nostálgicos, que o meu namorado da época descobriu, ficando furioso. Na minha memória, esta foi a primeira vez em que ele me quis mais a mim do que eu a ele, mas é possível que a versão dele desta história seja diferente da minha. (Há sempre duas versões.) Ainda assim, quando estava com saudades de casa, dormia com camisola dele preta, desbotada, da H&M, porque ele tinha-se tornado uma memória de casa, um laço para uma versão passada de mim mesma, a que era reconfortante regressar quando me sentia confusa no presente.

    A ironia é que eu estava confusa porque tinha levado as lições inúteis desta paixão adolescente para outras relações nos meus vinte. O meu padrão era muitas vezes o mesmo: saía com alguém novo, idealizava essa pessoa, mantinha partes de mim mesma escondidas, e desempenhava o papel de uma mulher mais agradável do que acreditava ser. Essa mulher nunca pedia nada. Muitas vezes namorava alguém durante meses — às vezes mais de um ano — sem nunca nos tornarmos «namorado» e «namorada», ou progredirmos para a real intimidade. E, como com o Ben, mesmo quando estes homens insinuavam os seus sentimentos por mim, nunca lhes davam nomes. Como diz Marianne quando Eleanor lhe pergunta se Willoughby alguma vez disse «amo-te», no filme Sensibilidade e Bom Senso: «Estava implícito todos os dias, mas nunca foi dito explicitamente. Por vezes julguei que houvesse sido — mas nunca foi.»

    A falta de honestidade numa relação — com os outros ou connosco — é como o apertar de uma tampa de um frasco de geleia sem que esta esteja na posição certa. Alguém vendo de fora pode pensar que estamos a apertar muito bem, mas nós conseguimos sentir uma resistência que nos alerta que a tampa não está na posição certa, e apercebemo-nos então que, por mais que tentemos girá-la, esta nunca irá fechar corretamente. Desta forma, eu sentia nestes relacionamentos, desde o início, que algo não estava em sintonia. Atravessando a rotina da intimidade, este medo dentro de mim retraía-me, fazendo-me viver num constante estado de ansiedade, sempre na suspeita de que a pessoa não queria estar comigo, mas demasiado temerosa para a questionar. Isso significava que, ao fingir tão bem que não necessitava de nada, eu havia-me esquecido de quem era. Isso também significava que confundia instabilidade com atração, porque os pedaços de afeto que os homens me lançavam se tornavam mais emocionantes pela sua inconsistência: a surpresa de uma mensagem à uma e meia da manhã, dizendo: «Saíste? Beijo»; ou a promessa de um «amo-te» ébrio, nunca repetido sóbrio. Os homens com quem namorei nunca terminaram as relações, mas também nunca se comprometeram totalmente. Eles tinham sempre um pé dentro e um pé fora, como o namorado da minha amiga que se mudou para o apartamento dela, mas ainda mantinha a maioria dos seus pertences na casa da família dele.

    Mais consistente do que qualquer afeto foi uma crueldade displicente — talvez não intencional — que eu silenciosamente aceitei e usei como prova adicional de que era indesejável. Como quando um homem me disse que os meus lábios estavam sempre secos enquanto me beijava na cama, ou quando outro disse que eu usava demasiada maquilhagem, ou quando outro, ainda, disse: «A insegurança é a característica menos atraente numa mulher», depois de eu ter ganhado coragem para lhe perguntar porque demorara tanto a responder às minhas mensagens. Aprendi que o lugar mais solitário de todos é estar deitada na cama à noite ao lado de alguém que nos faz sentir pequenas, de costas para as costas deles, ainda na esperança de que eles se vão voltar e colocar os braços à nossa volta.

    Na altura, reconheci essa supressão do eu como uma vergonha privada, deselegante; só agora entendo que é um problema banal. Falei com inúmeras pessoas que — apesar de se sentirem confiantes no trabalho, com a família, com os amigos — se perderam nas relações. Esmagaram as suas personalidades, deformando-as, e esqueceram as suas próprias necessidades e desejos numa tentativa de adivinhar as dos parceiros. Esta redução do eu começa nas mais pequenas coisas: ao fingirmos que queremos ver um filme de terror no cinema; ao fazermos playlists do Spotify com músicas suscetíveis de os impressionar em vez de as fazermos com aquelas que realmente queremos ouvir; ao comprarmos um vestido fora das nossas possibilidades monetárias apenas por acharmos que eles irão gostar. Mas, em breve, estamos a cancelar uma saída à noite com os amigos apenas para nos mantermos livres na esperança de que nos digam que querem estar connosco à última hora. Agimos como se não fosse nada do outro do mundo eles não aparecerem na nossa festa de aniversário até às onze da noite. Fingimos não serem necessárias etiquetas da relação ou comunicação consistente ou os pequenos atos de bondade que nos fazem sentir amados. Fingimos não precisar de nada.

    Quando perguntei à psiquiatra Megan Poe por que razão as pessoas perdem a noção de si mesmas nas relações, ela disse-me que «por vezes o fazem para ecolocalizar o outro e não revelarem o eu» e se fundirem com eles. Diz a Dra. Poe, que lecionava um curso sobre o amor na Universidade de Nova Iorque — «As pessoas pensam: se eu me compatibilizar com a outra pessoa, então tornamo-nos compatíveis, mas isso torna-as mais inseguras, porque não estão a ser elas mesmas.» Este comportamento também fará com que a outra pessoa fique confusa, porque não reconhecerá quem o outro se tornou. «Quando uma quantidade infindável de falsos eus emerge, tudo tende a ficar bastante enevoado» , disse a Dra. Poe, «e inevitavelmente a outra pessoa pensa: onde está ela? Não consigo encontrar a pessoa pela qual me apaixonei.»

    Num discurso de final de curso, no Douglass College, em 1977, Adrienne Rich disse que a responsabilidade para consigo mesma «significa insistir que aqueles a quem damos a nossa amizade e amor são capazes de respeitar a nossa mente. Significa ser capaz de dizer, como Jane Eyre de Charlotte Brontë: Eu tenho um tesouro interior que nasceu comigo, e que me pode manter viva mesmo que estranhas delícias me sejam negadas ou oferecidas a um preço que eu não consiga pagar.» Quando dei uma vista de olhos na frase original de Jane Eyre, encontrei a que precede a citação de Rich: «Serei capaz de viver sozinha, se o respeito por mim mesma e as circunstâncias exigirem que assim seja.» Lendo as duas frases juntas, percebi que tinha feito o oposto de Jane. Eu tinha perdido de vista o meu tesouro interior (e, portanto, a minha capacidade de partir) e, como resultado, tinha hipotecado a minha autoestima. E para quê? Não por amor, mas por um pressentimento que me dizia que os homens com quem saía eram humanos extraordinários, sempre mais espertos e interessantes do que eu. (Não era coincidência que amiúde eu namorasse com jornalistas, criativos publicitários e escritores — carreiras que queria ter seguido, mas que até ali não havia sido corajosa o suficiente para o fazer.) Só quando entrevistei o psicólogo clínico Dr. Frank Tallis, anos mais tarde, é que percebi o quão enganador esse pressentimento podia ser. Porque, como Tallis me disse, muitas vezes «agravamos a nossa própria confusão ou falta de discernimento» quando não temos provas daquilo que é a intimidade real. Procuramos palavras como «química» ou «instinto» porque não temos nada de tangível para basear um sentimento — nenhum exemplo de bondade ou cuidado ou conexão, apenas um desenho magnético. Tallis disse que essa falta de provas «se torna combustível para o misticismo romântico». Acrescentou ela: «Pensamos: não consigo explicar, portanto deve ser o destino, deve ser profundo. Mas isso é apenas uma falsa inferência a alimentar outra, e a cada nova inferência afastamo-nos mais da realidade.» Enquanto ouvia a explicação dele, revia-me e estremecia, recordando todas as vezes em que me sentira atraída de uma forma mística por alguém sem saber quem essa pessoa era. Mas eu não compreendia isto naquela altura e, portanto, continuei a apagar pedaços de mim mesma para manter relações que não tinham origem no mundo real.

    Mesmo durante esses anos, enquanto nos relacionávamos com outras pessoas, o Ben e eu mantivemo-nos em contacto. Os nossos pais eram — e ainda são — muito próximos, portanto nós crescemos a ir de férias juntos, em família, e ainda regressávamos às vilas onde morávamos, que ficavam a cinco minutos de distância uma da outra. Ocasionalmente namoriscávamos ou beijávamo-nos ou conversávamos durante horas pelo telefone, à noite. Às vezes, ligava-lhe porque me sentia sozinha. Às vezes, acho que ele me ligava porque se sentia perdido. Sobretudo éramos amigos que se usavam mutuamente por atenção, mas nos nossos vinte e poucos anos vivemos um breve romance, que durou apenas um mês ou dois. Parecíamos dois adultos a fingir ter 13 anos, de uma forma que me deixou triste. E, à medida que traçava as diferenças entre os nossos corpos adultos e adolescentes na cama — o estômago dele mais mole e maior; as minhas coxas mais largas e com covinhas —, não conseguia dizer se estava a tentar encontrar uma pessoa que outrora conhecera, ou uma que nunca tinha de facto conhecido. Ambos, penso eu, estávamos à procura de respostas para os problemas da idade adulta e da intimidade uns com os outros; um lugar onde nunca os encontrássemos.

    Um ano depois, fomos beber aquele que seria o nosso último copo a sós. Na calçada do lado de fora de um bar do Soho, pouco depois, vi que algures no ar noturno entre nós pairava uma decisão que não tinha que ver, de todo, com a pessoa que ali estava à minha frente. E sim com a imaturidade e crescimento, com a fantasia e a realidade. Será que eu queria continuar a evitar a intimidade e acomodar-me na segurança de uma nostálgica paixão que não exigia que eu fizesse nada de diferente? Não. Eu queria construir relações reais, que existissem no mundo real. Fazê-lo exigiria coragem e autocompreensão, talvez um pouco de solidão, e muita responsabilidade. Parte dessa responsabilidade significava não pedir a atenção do Ben sempre que me sentia sozinha. Significava entender o papel que estava a desempenhar ao idealizar os homens em vez de realmente os ver, e encontrar o tesouro interior que eu tinha perdido ao longo do processo. Significava, como bell hooks escreveu no livro All About Love, querer saber «o significado do amor para lá do reino da fantasia — para lá do que imaginamos que poderá acontecer». Eu ainda acreditava que o ato de nos mostrarmos plenamente a uma nova pessoa era um risco, mas algures dentro de mim começava a despertar a consciência de algo novo: o risco de não o fazer — de nunca ser vista, de nunca expressar as minhas necessidades, de nunca dar e aceitar o amor real — era muito maior. Depois de anos a sentir-me passiva no amor, percebi que temos uma escolha, mesmo que seja difícil de ver. A minha era esta: continuar presa às fantasias que criava dentro da minha cabeça, ou sair e viver.

    *

    É um sentimento estranho, pensar em quem éramos em relações passadas: uma mistura de tristeza e humor, de mortificação e frustração. Mas, além de aprender a rir-me com os amigos com algumas das histórias mais embaraçosas — uma das poucas vantagens para os erros no namoro —, a vergonha que eu sentira outrora era substituída por compaixão pela versão mais jovem de mim mesma que tão desesperadamente queria encontrar o amor, e o procurava nos lugares errados.

    Parte de mim ainda lamenta os anos que desperdicei a preocupar-me por ter falhado no amor ou por nunca o vir a encontrar. Outra parte é aterrorizada pelo facto de eu ter estado tão apaixonada por uma fantasia que, quando a oportunidade de um amor real se apresentou diante de mim — quando conheci o homem com quem um dia escolheria casar —, eu quase senti a falta dela. Mas também sei que estas falhas foram o que me trouxe até aqui. Como Hilary Mantel me disse quando a entrevistei: «Alguns erros têm de ser cometidos, são erros criativos.» E estava certa; foi através de todos esses erros desajeitados e esses anos de desejo que encontrei origem da primeira questão deste livro: como encontramos o amor?

    Acho que antes de tentarmos responder a esta pergunta, será útil olharmos mais de perto. Porque como poderemos perceber de que forma se encontra o amor sem questionarmos o que essa palavra de facto significa? É isso que vou explorar nas conversas adiante: como a nossa definição de amor pode impactar como e onde e se o encontrarmos? Que clichés nos podem ajudar, e quais devemos abandonar? E estaremos mais ou menos no controlo para encontrar o amor do que pensamos? As respostas não incluirão uma estratégia de aplicação de namoro ou um estudo baseado nas percentagens de quais os locais mais propensos a conhecermos um parceiro. Mas espero que sejam um convite a ver o amor de uma forma mais expansiva, e a encontrar exemplos disso que possamos estar a ignorar.

    *

    Quando estava à procura de amor nos meus vintes, parecia haver dois tipos de pessoas que estavam à procura de relações românticas: aquelas que facilmente as encontravam e permaneciam satisfeitas nos hiatos quando estavam — embora brevemente — solteiros. E aquelas que achavam que apaixonarem-se era uma tarefa impossível, que não conseguiam encontrar a felicidade sozinhas, mas

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