Flores
De Lucas Borba
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Flores - Lucas Borba
FLORES
História inspirada em música de
mesmo nome do grupo Titãs
Lucas Borba
Dedicatória
Para ela, sempre e outra vez.
PARTE 1
Capítulo 1 – 1ª noite,
de 25 a 26 de julho de 2020
Às vezes, você inventa uma história, e às vezes a história vem até você. Sem falar, é claro, sobre quando fazemos ou passamos a fazer parte dela em algum momento, seja como protagonistas ou coadjuvantes.
Esta história veio através de um sonho noite passada, ou pelo menos principiou nele. Sabe quando você acorda no meio de um sonho e, ao voltar a dormir, continua sonhando de onde parou? Comigo foi quase a mesma coisa.
A diferença foi que acordei durante o sonho, mas já pela manhã, e com a certeza de que, ao dormir esta noite, a história continuará, sem que eu possa sonhar com outra coisa qualquer, madrugada após outra, até acompanhar toda a estranha e singular odisseia de Roberto e Beatriz. É o tipo de fenômeno que, se já aconteceu com alguém antes, não deve ocorrer com muita frequência e, como histórias vêm mais a calhar do que nunca durante esta pandemia de Coronavírus que assola a humanidade e para eventual interesse futuro, resolvi iniciar aqui um diário com o relato de cada sonho até que o meu testemunho nesse caso chegue ao fim.
Tudo começou em uma floricultura. Não é à toa que, ao acordar, mesmo só depois do primeiro sonho, fiquei com a nítida impressão de que, no final, tudo se resume a flores. Era eu na floricultura, mas no corpo de outra pessoa, um adolescente. O mais estranho, porém, era que, apesar de eu ter consciência de tudo o que ele pensava e sentia, continuava cego, como sou de fato, uma pessoa com deficiência visual total. Eu podia ouvir o que ele ouvia, sentir os cheiros que ele sentia e o contato com o que ele tocava, mas não podia ver nada, embora ele claramente visse.
Talvez isso prove que, como diria tia Marocas, personagem de uma das novelas de Raimundo Lopes, tudo não passe de imaginação de um escritor sem assunto
. Espero que, com as noites futuras, eu possa formar uma opinião definitiva, ou, pelo menos, oferecer elementos o bastante para que você
forme a sua.
Percebi que não tinha o menor controle sobre os pensamentos e ações do garoto, sendo um mero espectador que, apesar de sentir na pele tudo o que ele sentia, tampouco parecia o adolescente ter notado a minha presença. Ele andou até o balcão de atendimento da floricultura e dirigiu-se a um atendente.
- Boa tarde, amigo!
- Tarde. – respondeu o atendente.
- Por acaso, vocês vendem buquê de rosas brancas?
- Sim, a gente tem o buquê pequeno, que é o Flerte, o médio, que é o Namoro, e o grande, que é a Cara Metade. De qual o senhor gostaria?
- Qual o valor de cada um?
- O Flerte é cinquenta, o Namoro, cem e a Cara Metade, cento e cinquenta.
- Entendi... É, acho que, então, eu vou levar o Flerte mesmo. E quanto é a entrega?
- Depende da distância. Me passa
o endereço.
- É Rua Antônio Pinheiro, duzentos e dois, Vila Nova.
Ouvi o florista digitar em um computador enquanto o garoto falava.
- A entrega dá vinte reais, amigo, a gente fecha em setenta.
- Perfeito, então.
- Destinatário?
- Beatriz Cardoso.
- Namorada?
- Ainda não, talvez em breve.
- Ah, você é um rapaz charmoso, em boa forma... E parece gente boa, que é o mais importante, né?
- Bom, espero que ela também veja dessa forma.
- Esse endereço é uma casa ou o quê?
- É uma escola. Escola Bomfim dos Reis. Eu estudo com ela, no terceiro ano do Ensino Médio. É só deixar na recepção.
- Qual a data de entrega?
- Pode ser na sexta de manhã.
- Daqui a dois dias, então?
- É, melhor assim, daí já vem o final de semana... Sabe como é...
- Garoto esperto... Assina ou vai
como anônimo?
- Anônimo. Depois vou contar pra ela que fui eu quem mandou.
- Certo, mas me passa o nome completo só pra registro.
- Roberto Gonçalves.
- Alguma mensagem?
- Sim, eu vou colocar... Com amor.
Só isso.
- Mais nada?
- Não, não levo muito jeito com poesia.
- Perfeito, moço. Dinheiro ou cartão?
- Dinheiro, não cresci tanto assim ainda.
Os dois riram de leve e eu também, em pensamento.
- Dinheirinho pouco, mas ganho com dignidade. – disse Roberto enquanto tirava um maço de notas do bolso e as separava. –
Aqui, setenta.
- Obrigado. Você trabalha?
- Sim, sou projetista no espaço de cinema do Centro Municipal de Cultura, durante a tarde. E tá sendo muito bom pra mim, porque é no segmento cultural que eu quero me focar profissionalmente, e eu adoro cinema, então...
- Ah, muito bem. Não é todo mundo que tem essa sorte.
- É verdade.
Acordei suado, ofegante e com um gosto estranho na boca, sentindo o que me pareceu uma combinação de perfumes de flores diversas. Achei estranho ter acordado como se tivesse despertado de um pesadelo, porque o sonho fora o extremo oposto disso. Será que tem a ver com o que está por vir? Só o tempo dirá.
Resta esperar que eu siga tendo bons sonhos. Até amanhã!
Capítulo 2 – 2ª noite, de 26
a 27 de julho de 2020
Desta vez, o sonho começou comigo na garupa de uma moto. Assim como na primeira noite, porém, eu estava no corpo de outra pessoa, mas tampouco no corpo de Roberto. Era uma garota. Seria Beatriz,