Cela 803
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Pré-visualização do livro
Cela 803 - Isabela Machado
Isabela Machado
Cela 803
20 anos em 20 dias
Autora: Isabela Machado
Ilustradora: Isabela Machado e Ramona
Revisora: Maria Ângela de Oliveira
Dedicatória
A todos que um dia foram chamados de doidos por aqueles que não tiveram sua coragem.
Sumário
O que me falta?
Mudança repentina
Strogonoff no velório
Como vim parar aqui?
Esquadrão Suicida
Telefone fixo
Surtos no ensino fundamental
Entre choro e risadas
Lobo em pele de cordeiro
É eita atrás de vixe
Mãe Sarabi
Terceiro ano e terceira idade
O que me falta?
13/03 No momento em que estou escrevendo esse livro, estou no meu terceiro dia de internação, sem celular, deitada, de banho tomado, esperando o Frontal fazer efeito para eu dormir.
Rivotril, Frontal, Frontal com Rivotril...
No meu caso Sertralina, Frontal, Quetiapina e outro que esqueci o nome. Minha memória já era horrível; agora, então, nem se fala, não consigo concluir um assunto sequer.
Para escrever esse livro de forma cronológica vai ser bem difícil, mas vamos lá.
Em um dia normal de trabalho em 2021, tive uma crise de ansiedade horrível, em que não conseguia continuar a trabalhar. Felizmente, após muito choro e desespero, minha então chefe me acalmou e me levou para minha casa, pediu a sua psicóloga que entrasse em contato comigo para me ajudar.
Eu sei, que chefe faria isso?
Essa atitude foi de extrema importância para o que estaria por vir.
Assim foi-me apresentada a Amanda, minha psicóloga, que me atende até o presente momento.
Sinceramente, não pretendo ter alta. Não que não queira ficar bem, mas me sinto bem melhor após nossas sessões, não me imagino sem conversar com ela semanalmente.
A partir daí, segui o tratamento com ela, me ajudando a superar alguns traumas e medos, como dirigir. Consegui tirar carteira no início do ano, mas dirigia raramente. Ela me fez entender que não precisava amar, mas pelo menos teria que fazer quando necessário; e, aos poucos, à medida que tentava dirigir, fui ganhando confiança.
Voltando à linha de raciocínio...
Antes pensava em abrir o meu escritório de arquitetura. Já que me formei na área, achava que tinha essa obrigação, mas acabei tendo a oportunidade de trabalhar em um escritório na minha cidade, que atua na área de arquitetura e engenharia civil. Além disso, trabalhava como professora de arte em algumas escolas de forma online, já que estávamos no meio de uma pandemia.
Assim, por um ano consegui conciliar as aulas com o escritório em que fui contratada como arquiteta e urbanista, e ainda pegava projetos por fora para fazer em casa, acumulando assim muito trabalho.
Ao longo do tempo, percebi que ficar de 8 horas às 17 horas, de segunda a sexta, em frente a um computador, não era o que eu queria para minha vida. Foi muito difícil admitir, primeiramente, para mim mesma, que anos de muito estudo, esforço, dedicação e dinheiro gasto não teriam retorno; mais difícil era admitir para meus pais que se sacrificaram tanto para me ajudar a concluir a faculdade.
Ao longo dos meses, essa angústia foi aumentando e eu não tinha ânimo, força ou memória para criar mais nada. As crises aumentaram significativamente nesse meio tempo, até chegar a 4, 5 crises de ansiedade ou pânico por dia, olhava o horário no computador de 10 em 10 minutos e o tempo não passava. Na minha cabeça repetia-se a frase:_Não quero estar aqui, não quero trabalhar como arquiteta, não quero estar aqui...
Nesse meio tempo, eu e meu esposo compramos uma casa e o dinheiro que tínhamos guardado foi usado como entrada para o financiamento. Assim não me restava opção, com valor da parcela fixa pelos próximos 30 anos não poderia simplesmente abandonar meu emprego. Tinha crises em qualquer lugar, a qualquer hora. Ainda me lembro perfeitamente do rosto de desespero das pessoas ao me verem naquele estado. Tentava encontrar razão para tamanha tristeza, já que, teoricamente, não tinha motivos para isso: carreira estável, casa comprada, cachorro adotado, marido bom e atencioso, pais vivos e saudáveis, carteira de motorista conquistada, o checklist estava praticamente completo, faltavam os filhos. Quem sabe um filho preencheria esse vazio que eu sentia?
E como tudo que eu faço, decidi ser mãe do dia para noite; como meu marido já tinha essa vontade, ele aceitou. Joguei o anticoncepcional fora e começamos a tentar engravidar.
Os meses se passaram, não conseguíamos engravidar e as crises eram cada vez maiores. Passei a achar que as pessoas falavam de mim, me estrangulava no banho escondida do meu marido e pensava o tempo todo em maneiras de me matar.
E se eu comer muitos cogumelos de uma vez? E se eu tomar muitos remédios? E se eu me afogar na lagoa? E se eu me enforcar na árvore? Que diferença faz minha vida? Não é muito egoísmo das pessoas me quererem viva? Será que não é por benefício próprio? Uma menina suicidou na minha cidade, acho que ela tinha minha idade mais ou menos, as pessoas comentavam:
_ Que tristeza! Deixa eu ver uma foto dela?
Tão bonita, por que ela fez isso?
Eu concordava e dizia:
_ Muito triste!
Mas só pensava:
_ Ela teve coragem.
Mudança repentina
No início de dezembro, tudo ficou pior, eu já não me importava se meu cabelo estava feio, se as unhas estavam por fazer, o que achavam ao meu respeito, nada me alegrava mais.
Já fazia acompanhamento psicológico, mas tive uma fuga, termo usado por psicólogos para quando paramos o tratamento por conta própria.
Não