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Kiss: Por trás da maquiagem
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Kiss: Por trás da maquiagem
E-book365 páginas4 horas

Kiss: Por trás da maquiagem

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Sobre este e-book

Pela primeira vez no Brasil, a sensacional autobiografia de Gene Simmons, o icônico baixista do KISS. Escrito com o estilo honesto, ultrajante e sem rodeios de Gene, esse livro de memórias vai ao passado do autor, retratando os seus primeiros dias em Israel; a chegada em Nova York aos 8 anos; o seu contato inicial com a cultura pop dos anos 1950; e o desenvolvimento do seu apetite por fama, diversão e garotas. Recheado com muitas fotos do seu acervo pessoal, KISS: por trás da maquiagem traz a narrativa sem censura da vida de uma das mais polêmicas figuras do rock and roll. Finalmente, a verdadeira história do homem por trás da maquiagem.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento17 de mai. de 2021
ISBN9786555370720
Kiss: Por trás da maquiagem

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    Pré-visualização do livro

    Kiss - Gene Simmons

    Título original: Kiss and Make-Up

    Copyright © 2001 Gene Simmons Company

    Todos os direitos reservados

    Publicado mediante acordo com a Random House

    Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, armazenada ou transmitida para fins comerciais sem a permissão do editor. Você não precisa pedir nenhuma autorização, no entanto, para compartilhar pequenos trechos ou reproduções das páginas nas suas redes sociais, para divulgar a capa, nem para contar para seus amigos como este livro é incrível (e como somos modestos).

    Este livro é o resultado de um trabalho feito com muito amor, diversão e gente finice pelas seguintes pessoas:

    Gustavo Guertler (publisher), Marcelo Viegas (edição), Celso Orlandin Jr. (capa, projeto gráfico), Schäffer Editorial (diagramação), Fernando Scoczynski Filho (tradução), Jaqueline Kanashiro (preparação) e Fernanda Simões Lopes (revisão). Foto da capa: Constantine Tofalos / Alamy Stock Photo. Foto da quarta capa: Bob Gruen.

    Obrigado, amigos.

    Produção do e-book: Schäffer Editorial

    ISBN: 978-65-5537-072-0

    2021

    Todos os direitos desta edição reservados à

    Editora Belas Letras Ltda.

    Rua Coronel Camisão, 167

    CEP 95020-420 – Caxias do Sul – RS

    www.belasletras.com.br

    PARA MINHA MÃE, que me deu a vida e me ensinou a alcançar o céu.

    PARA SHANNON, NICHOLAS E SOPHIE, que me ensinaram a amar outra pessoa além de mim.

    Sumário

    Abertura

    Grandes Expectativas

    Israel (1949–1958)

    Passeio de foguete: Chegando à América (1958–1963)

    Noites loucas

    Os anos 1960 e os Beatles (1964–1969)

    Juventude em chamas

    Meus anos na faculdade (1970–1972)

    Deixe-me ir, rock and roll

    Tempos difíceis em Nova York (1972–1973)

    Nada a perder

    O nascimento do KISS (1973–1974)

    Grite alto

    Na estrada, em ascensão (1974–1975)

    Rock and roll a noite toda

    Alive! e Destroyer (1975–1976)

    Sou uma lenda à noite

    Love Gun (1976–1977)

    Daí ela me beijou

    A vida com Cher (1978)

    Vida suja

    Dynasty e Unmasked (1979–1980)

    Só um garoto

    O novo integrante conhece os anciões (1980–1982)

    Virou um inferno

    Lick It Up e meu trabalho como ator (1983–1984)

    Prova de fogo

    Uma morte na família KISS (1985–1993)

    Motivo para viver

    Cara a cara com o KISS Army (1993–1995)

    Para sempre

    Reuniões e despedidas (1996–2001)

    Discografia

    Caderno de imagens

    Abertura

    Daqui a algum tempo, após os últimos acordes de Rock and Roll All Nite ecoarem pelo palco do Shea Stadium, vou pegar meu baixo e sair pela direita do palco. Após vinte e nove anos gloriosos e tumultuosos, cheios de extremos altos e baixos, a América terá visto os últimos momentos do KISS no palco. A América foi a nossa casa. Esse era o nosso povo. E tocar o último show será, no mínimo, agridoce¹.

    Trinta anos antes, não havia KISS. Havia apenas Gene Simmons, aspirante a músico de rock, morando em Nova York. Dez anos antes disso, não havia Gene Simmons – apenas Gene Klein, um rapaz judeu que morava no Queens com sua mãe solteira. E, dez anos antes disso, não havia nem um Gene Klein – apenas Chaim Witz, um garoto pobre que vivia em Haifa, Israel. Todas essas pessoas, é claro, eram eu, e eu era todas essas pessoas. Nasci em Israel, vi o mundo mudar ao meu redor quando vim à América com minha mãe, e depois comecei a mudar – primeiro meu nome, depois meu rosto. Quando comecei a tocar baixo, foi uma transformação, de certa forma. E, quando subi ao palco, foi a transformação mais profunda de todas. No decorrer do processo, ajudei a guiar o KISS ao ápice do rock and roll: após algum tempo, nosso número de discos de ouro estava logo atrás dos Beatles, e à frente de qualquer outro grupo americano na história.

    Na história da minha vida, sou o personagem principal. Mas inúmeros personagens coadjuvantes ajudaram a definir minha existência. Primeiro, há a mulher que me deu a vida, minha mãe, que resistiu a horrores indescritíveis nos campos de concentração nazistas, e sobreviveu, até prosperou, com uma reserva de energia que eu só consigo imaginar. Em seguida, há meus colegas de banda, minha segunda família – Paul Stanley é como o irmão que eu nunca tive, e Ace Frehley, Peter Criss, Eric Carr, Eric Singer, Bruce Kulick e outros me ajudaram a criar e sustentar o KISS (e, em alguns casos, fizeram o possível para destruir aquilo que Paul e eu havíamos criado e sustentado). E, por último, mas não menos importante – talvez ainda mais importante que os outros –, minha querida e incomparável esposa, Shannon Tweed, e nossos dois filhos, Nicholas e Sophie, dos quais somos os pais mais orgulhosos que você possa imaginar.

    Quando me sentei para escrever a história da minha vida, refleti muito, tendo em vista os livros que eu já tinha lido. Quanto mais pensava sobre isso, mais percebia que a minha história é sobre poder e a busca por poder. Sempre li tudo o que pude, especialmente livros que me ensinam coisas novas: Religião, Filosofia, História, Ciências Sociais, e assim por diante. Há milhares de livros, de A Gênese Africana a Fogo Sobre A Terra, que narram a eterna busca da humanidade pelo poder. No fim, todos os conflitos parecem ser sobre isso – quem tem e quem quer ter poder. Instintivamente, percebi, bem cedo, que poder era o que eu realmente queria. Fama e fortuna são legais, mas é possível ter ambas e não ter poder. Poder é algo que eu queria desde a primeira vez que pisei na América. Tiraram sarro de mim porque eu não falava inglês ou por ser judeu, mas, no fim das contas, era só minha ausência de poder.

    Alguém, talvez Maquiavel, uma vez disse que é melhor ser temido que amado. Entendo isso. O amor é evasivo. O amor tem suas necessidades. Você tem que doar. Você tem que se preocupar com a felicidade de alguém. O poder é uma ideia mais clara, um conceito mais óbvio. Quero entrar num restaurante e ser servido. Quero que as mulheres me desejem, porém não necessariamente porque as desejo. As mulheres entendem essa ideia perfeitamente. Uma mulher quer ser o mais atraente o possível, com maquiagem, roupas e perfume, porque ela quer ser desejada por todos os homens, apesar de ela talvez não estar interessada em nenhum deles. Sei que estou falando em termos gerais, mas defendo minhas palavras.

    Imagino que parte desse meu desejo por poder era para não sofrer com as provocações alheias. Quando cheguei à América, me senti um estranho numa terra estranha. O livro de Robert A. Heinlein me disse muito, como nenhum outro livro havia me dito. Era a minha história. Fui excluído por ser diferente, por não falar inglês bem, porque eu estava sozinho. Então pensei que não precisava de ninguém, não queria ninguém e só podia depender de mim mesmo. Se eu não me esforçasse e conseguisse as coisas por conta própria, ninguém me daria de graça.

    A história do KISS, do Gene Simmons, é uma história de ambição e boa sorte, a realização do sonho impossível do garoto imigrante. Mas é também a história da maior banda de rock do mundo, e isso quer dizer que há muito sexo, drogas e rock and roll. Não posso aceitar crédito algum pelas drogas – sou abstêmio, nunca estive bêbado na minha vida, nem uma vez sequer. Mas e o sexo? Por grande parte da minha vida adulta, não tive namoradas, mas tive muitas garotas. Mais que muitas. Depois de um tempo, eu comecei a guardar fotos Polaroid para me lembrar desses contatos. De certa forma, amei todas elas. Mas, quando acabava, acabava. Sem confusão, sem choro. Sem agonia. Até hoje, fiz cerca de 4.600 contatos. E tenho que dizer: todas foram maravilhosas e melhoraram minha vida de muitas formas. A comida passa a ter um gosto melhor. Fico assobiando e cantarolando. Eu me sinto vivo com isso.

    De alguma forma, após todas essas loucuras com mulheres, apesar dos números estarrecedores, consegui me tornar um pai dedicado. Se isso soa estranho para você, pense no quão estranho é para mim. Meu pai deixou minha família quando eu era jovem, e cresci com a ideia de que nunca teria filhos, em parte porque me lembrava da dor de ser abandonado, em parte porque vivia com medo de repetir os erros do meu pai. Daí conheci uma garota chamada Shannon Tweed. Pisquei e, quando percebi, estava segurando meu filho no hospital, sem vontade de devolvê-lo aos médicos. Como reconcilio o pegador com o pai de família? Da mesma maneira que reconcilio o jovem imigrante tímido com o Demon vestindo couro que sobe no palco para cuspir fogo. Toda personalidade tem contradições, e uma grande personalidade tem grandes contradições.

    Vivi minha vida para mim. Não tenho medo de admitir. Mas eu também vivi para os fãs: para os soldados fiéis do KISS Army, aqueles que sempre estiveram ao nosso lado, nos bons e nos maus momentos, nas mudanças de moda, que enfrentaram trânsito e tempo ruim para nos verem e serem entretidos por nós. Quando me sentei para escrever este livro, fiquei dividido, pensando se deveria falar a verdade sobre a banda: sobre as disputas e brigas internas, os conflitos e distúrbios de personalidade. Fiquei dividido por medo de que a verdade arruinasse a percepção que as pessoas possam ter de seus heróis. O KISS poderia ser sobre qualquer coisa, mas é sobre heróis, sobre mágica, sobre acreditar e dar o seu melhor. Vocês, os fãs, sempre mereceram o melhor de nós. É um dos motivos pelos quais sempre nos apresentamos com a mesma frase nos shows: Vocês querem os melhores, e vão receber os melhores. A maior banda do mundo, KISS². Na saúde e na doença, estivéssemos com vontade ou não, acreditávamos que tínhamos uma obrigação de ir lá, tocar com o coração e dar o nosso melhor.

    Acredito que, quando as crianças crescem, elas descobrem a verdade sobre os pais. Vocês, que acreditam no KISS, precisam saber a verdade. Sei que muitas das coisas que vocês lerão neste livro serão difíceis de digerir. Sei que integrantes da banda me odiarão mais do que nunca e dirão que tudo a partir da capa deste livro é uma mentira, apesar da minha memória, apesar dos documentos, apesar das testemunhas que podem comprovar os eventos.

    De qualquer forma, aqui está a verdade, somente a verdade e nada mais que a verdade, então, Deus me ajude.

    1 Após o lançamento original deste livro, o KISS continuou fazendo shows. Até o momento do lançamento desta edição, o KISS continua em atividade, com quarenta e oito anos de carreira. (N. do T.)

    2 You wanted the best, you got the best. The hottest band in the world, KISS.

    Grandes Expectativas: Israel

    1949~1958

    Eu nasci em 25 de agosto de 1949, em um hospital em Haifa, Israel, próximo ao Mediterrâneo. Ao nascer, fui batizado Chaim Witz: Chaim é uma palavra hebraica que significa vida, e Witz era o sobrenome do meu pai. Um ano antes disso, Israel tinha se tornado independente, após cerca de 100 milhões de árabes tentarem evitar que Israel surgisse no mapa mundial.

    A guerra pela independência de Israel veio logo em seguida a outro conflito, a Segunda Guerra Mundial, com o terrível plano dos nazistas de eliminar os judeus da terra e, posteriormente, do mundo. Os pais da minha mãe eram judeus húngaros, e minha mãe tinha crescido na Hungria durante as décadas de 1920 e 1930. Quando ela tinha catorze anos, foi enviada aos campos de concentração, onde ela viu a maioria de sua família ser eliminada nas câmaras de gás. Nos campos, ela se tornou a responsável por fazer o cabelo da esposa de um comandante, então ela era protegida de muitos dos horrores que recaíram sobre os outros judeus. Após sobreviver àquela época horrível de guerra, ela foi para Israel. Acho que o instinto de sobrevivência daquela geração era tão forte que, após sair dos campos, eles não conseguiam imaginar fracassar em qualquer outra coisa, então rumaram para aquela nova e estranha terra.

    Minha mãe e eu fazendo pose para a foto. Eu estava com um martelo – por algum motivo, eu amava martelos.

    Éramos pobres, mas, como eu estava com frio, minha mãe costurou um casaco para mim, usando como base meu cobertor. Aqui, eu estava comendo um pretzel, aos dois anos de idade.

    Israel era um país novo, apenas um ano mais velho que eu, e sua existência ainda era questionada. Mas eu não estava ciente dessas coisas. Era uma parte tão comum da minha rotina diária que não conseguia separar aquilo de qualquer outro aspecto da minha experiência. Por exemplo, lembro que meu pai, Yechiel (ou Feri) Witz – que tinha uma aparência física imponente, pelo menos 1,95 m –, chegava nos fins de semana e colocava sua metralhadora na mesa da cozinha. As linhas de frente eram a 80 km dali, e todo mundo, todos os homens e a maioria das mulheres, fazia parte do exército. Não havia dispensa. Se você morava lá, você estava no exército.

    A arma na mesa é uma das poucas coisas que me lembro do meu pai, porque ele não passava muito tempo conosco. Recordo que ele era um ser grande e poderoso, com uma presença igualmente grande e poderosa. Uma memória vívida se destaca. Uma vez, tinha um rato na casa, que correu pela sala e entrou debaixo do sofá, e lembro-me de o meu pai erguer o sofá com um braço enquanto ele tentava espantar o rato com o outro braço. Eu malmente acreditava naquilo. Um homem levantando um sofá? Era diferente de qualquer coisa que já tinha visto. Parecia impossível.

    Chaim, Flora e Feri Witz.

    Tive poliomielite quando criança, provavelmente com três anos de idade. Aparentemente, perdi a maioria dos movimentos da cintura para baixo. Os médicos estavam com medo de que piorasse e me encaminharam para o hospital. Lá, fiquei afastado da enfermaria, isolado, e, quando meus pais me visitavam, tinham que se comunicar comigo por uma janela fechada. Por algum motivo, mesmo sendo tão jovem, eu já tinha uma noção do que era certo ou errado, e sabia que era errado ir ao banheiro na sua própria cama. Minha mãe me ensinou a ir ao banheiro bem cedo. Ela me mostrou o vaso sanitário e explicou para que servia. Naquela época, não havia fraldas em Israel, e logo aprendi que a cama era para dormir e o banheiro era para outra coisa. Estava bem claro. No hospital, na enfermaria, eu precisava sair da cama para usar o banheiro. Eu reclamava e chorava, daí reclamava mais. Sabia que precisava ir ao banheiro. Sabia que qualquer outra solução para o problema era a solução errada. Mas a enfermeira não vinha, e, de alguma forma, consegui me pendurar para fora do berço e usar o chão como banheiro. Daí a enfermeira chegou. Ela não estava lá quando eu precisava, mas, assim que apareceu cocô no chão, ela veio e começou a gritar comigo, imaginando por que eu tinha que fazer aquilo justamente fora do berço. E minha mãe entrou lá, gritando com a enfermeira, culpando-a por não estar lá quando era necessário. O que você esperava que ele fizesse?, ela perguntou. Que fizesse cocô na própria cama? Ele sabe que isso é errado. Aos olhos dela, eu era incapaz de fazer algo errado.

    Sempre fui solitário, apesar de ter amigos. Passava o tempo sozinho, observando as coisas, organizando o mundo ao meu redor, na minha mente. Por exemplo, era fascinado por besouros. Em Israel, tinha uns besouros enormes, ao estilo do Antigo Testamento. Os besouros na América não são nada em comparação. Os besouros israelitas eram do tamanho de pequenos dinossauros, talvez uns 5 cm. Tinham cores brilhantes, eram lindos. Pareciam joias. E eu amarrava fios em seus pescoços, e os colocava em caixas de fósforo com um pouco de açúcar. Os besouros moravam lá até eu abrir a caixa. Daí eles voavam um pouco, ainda amarrados ao meu fio.

    Conforme eu crescia, me tornava menos solitário. Eu me interessava mais em me exibir para as outras crianças e receber atenção. Então, deixei de ser o tipo de criança que viraria um falcoeiro de besouros, deixando-os voar por aí, presos a uma coleira de fio, para ser o tipo de criança que colocaria um besouro na boca e o deixaria andar ali um pouco. As outras crianças se impressionavam com isso. Elas achavam que era nojento e corajoso. Mas, o mais importante, elas não conseguiam parar de olhar para aquilo.

    Apesar de ter nascido em Haifa, minha família morava em um lugar próximo, uma pequena vila chamada Tirat Hacarmel, cujo nome foi inspirado no Monte Carmelo bíblico. E lembro que, quando era criança, eu subia naquela montanha, que parece mais uma colina, como as colinas do sul da Califórnia. Lembro-me de subir aquela colina e pegar frutos de cacto, daí descer e vender os frutos na garagem de ônibus por meia pruta, que é basicamente meio centavo de dólar. (Frutas de cacto são doces e suculentas por dentro, mas têm espinhos no exterior. O nome em hebraico delas é sabra, palavra que usam para descrever israelitas, porque eles também são espinhentos por fora e doces por dentro.)

    Viver em Israel, entre tantos sabras, era estranho, especialmente na escola, porque as escolas israelitas ensinavam uma mistura peculiar de história, religião e política. Imagine só: na aula, aprendíamos sobre um livro antigo chamado Bíblia, e nos diziam que os eventos descritos nesse livro – eventos incríveis mesmo – tinham acontecido, de fato, no país em que vivíamos. Era uma ideia difícil de engolir e entender. Porque temos aqui um livro inteiro falando sobre a criação da vida, e Abraão, Isaac e Jacó, e o dilúvio e o Êxodo. Daí diziam: Aconteceu aqui. Você mora neste lugar. O negócio era pesado.

    Ao mesmo tempo, eu não tinha muita consciência como judeu em Israel, porque quase todo mundo era igual a mim nesse aspecto. Claramente, havia árabes andando na rua, e alguns cristãos, mas eu não tinha ideia disso. Não sabia de nada além de eu ser israelita. É de se imaginar que minha mãe, após a guerra e os campos de concentração, teria sido consumida pelo que aconteceu com ela, mas não foi assim. Era doloroso demais para ela falar sobre aquilo. Nunca conversava sobre os campos e raramente falava sobre sua infância na Hungria. A única coisa que ela mencionava, de vez em quando, era que o mundo é grande, e há pessoas boas e pessoas ruins. Até hoje, me surpreendo com o autocontrole dela. É prova de que minha mãe é uma pessoa melhor do que eu jamais serei, moralmente, eticamente ou de qualquer outra forma. Ela tinha, e ainda tem, uma confiança perpétua na humanidade. Ela ainda acreditava que o mundo é um bom lugar, e que o bem prevalece sobre o mal na maioria dos casos. Não sei se eu teria o mesmo ponto de vista, caso tivesse passado pelo que ela passou.

    Quando você é criança, você não sabe que as pessoas têm diferentes raças, etnias e religiões. A única coisa que percebi sobre minha vizinhança é que ela era repleta de idiomas diferentes. Alguns judeus em Israel falavam hebraico. Alguns falavam iídiche, que é uma língua europeia combinando hebraico e alemão. Na minha casa, a língua mais importante era a húngara, porque minha mãe não falava hebraico muito bem. Depois, quando minha mãe começou a trabalhar, passamos a ouvir turco e espanhol, porque minha babá era turca e os vizinhos eram espanhóis. Bem jovem, eu já falava hebraico, húngaro, turco e espanhol.

    Com dois anos e meio, segurando meus bonecos holandeses.

    Eu não sabia da existência da América ou do resto do mundo. Mas me lembro de a minha mãe me levar para assistir a um filme. Eu devia ter uns quatro anos. Foi minha primeira experiência com imagens que não eram baseadas na realidade. Nunca tinha visto uma televisão, e escutava o rádio só de vez em quando. Fomos ao cinema, mas não tínhamos dinheiro para entrar, então minha mãe me segurou no colo do lado de fora, e assistimos ao filme, que era exibido numa grande tela, sem telhado. Foi incrível. Eu fiquei paralisado. Depois, me lembrei de que era Broken Arrow, com Jimmy Stewart e Jeff Chandler. Mas, na época, eu só via imagens gigantes de cowboys e índios, e um Velho Oeste mítico, onde havia heróis e bandidos. Cowboys foram os primeiros super-heróis para mim, os primeiros personagens que ofuscavam a realidade, que eram mais poderosos do que pessoas comuns. Apesar da importância que isso viria a ter para mim – o conceito de heróis e a mágica do cinema –, o que mais me impressionou foi o som da língua inglesa. Talvez tenha sido a primeira vez que ouvi inglês, e tinha um som esquisito para mim. Era um dos idiomas que, quando crianças em Israel, imitávamos. Aos meus ouvidos, a língua dos americanos tinha seu próprio som, com muitos ipsilones e sons de erres suaves. Esses sons não existiam em hebraico. Esse era meu inglês falso, e soava agradável para mim.

    Desde o princípio, ao que parece, meu pai e minha mãe estavam separados. Um conflito simples estava no centro do casamento ruim dos meus pais. Minha mãe, Flora, era maravilhosa quando jovem. Ela tinha uma aparência de atriz de cinema, clássica, como Ava Gardner. Na vila europeia de onde eles vieram – Jand, Hungria –, ela era desejada, porém não tão desejada quanto meu pai. Ele era valorizado por ser o mais alto da vila, provavelmente com 1,95 m ou 2 m, mas me lembro de ele ser ainda maior. Na minha memória, ele tinha mais de 2 m, um gigante. Apesar de seu nome ser Yechiel em hebraico, ele era chamado de Feri, em húngaro. Quando eles se conheceram e se casaram, eles eram jovens, com vinte e poucos anos, e, logo nos primeiros anos de casamento, minha mãe percebeu que meu pai não seria o tipo de provedor de que ela precisava. Por algum motivo, ele nunca conseguia dar conta das coisas. Ele não conseguia gerenciar um negócio. Ele não era pragmático; era um sonhador. Para um carpinteiro, ser um sonhador era basicamente o mesmo que estar desempregado. Ele fazia móveis que amava, mas de que ninguém mais gostava, e ele se surpreendia ao descobrir que ninguém queria comprá-los. Mas ele se importava mais com fazer o que queria fazer. E lembro que ele talhou um patinete para mim com suas próprias mãos. Não um patinete elétrico, mas um daqueles de empurrar, com as rodinhas e a plataforma. Ele o fez para o meu aniversário. Era impressionante ver o que ele conseguia fazer, e tenho certeza de que minha mãe ficava feliz ao vê-lo ser criativo. Mas, após um tempo, as necessidades práticas também precisam ser consideradas: como ganhar dinheiro? Ele não sabia como, ela continuava perguntando, e eles brigavam o tempo todo.

    Mesmo se estivéssemos vivendo em um país seguro, com uma classe média segura, eles provavelmente ainda teriam lutado, mas estávamos à beira de uma nova fronteira, em um novo país, com novos vizinhos, novos idiomas e novas regras. Então a ansiedade da minha mãe quanto a esses problemas só aumentou. Fosse por causa da pressão dela ou dos problemas de autoestima dele, suas discussões às vezes acabavam em violência física. Não eram surras terríveis e não vinham de um lado só: lembro que, de vez em quando, um empurrava o outro. Teve uma vez – eu devia ter uns quatro anos – que eles estavam discutindo e pulei na perna do meu pai e comecei a morder,

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