Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

O Triângulo
O Triângulo
O Triângulo
E-book339 páginas5 horas

O Triângulo

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Sinopse O jovem Thomas, de 23 anos, criado dentro dos princípios mórmons, namora Lola, uma garota de 17 anos, mas se apaixona por Benjamin numa noite de réveillon. Na trama ele narra às aventuras e os dilemas de seu despertar sexual através de relatos do seu diário. De uma forma poética e envolvente, o personagem também compartilha sua percepção e experiências pessoais, ao se sentir diferente dos outros garotos desde a infância, passando pela adolescência, até chegar à fase adulta, onde constrói novos laços de amizade, e com o apoio de seus novos amigos, ele finalmente decide enfrentar suas feridas, medos e antigos fantasmas, para ressignificar as crenças limitantes de sua educação religiosa e castradora. Ao longo de cada capítulo, Thomas nos traz algumas nuances de como foi crescer sendo uma criança LGBT que teve seus direitos de ser natural e espontâneo, tolhidos e roubados em prol de uma sociedade “Heteronormativa”, e do quanto à consequência dessa repressão refletiu por anos em sua vida adulta causando incontáveis prejuízos psicológicos a sua saúde mental e afetiva. Embora o enredo traga um toque de leveza, romance e poesia, os sentimentos de Thomas em relação a sua tão condenada sexualidade, é quase palpável em cada capítulo fascinante deste livro.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de set. de 2021
O Triângulo

Relacionado a O Triângulo

Ebooks relacionados

Relacionamentos para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de O Triângulo

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    O Triângulo - R.p. Abrantes

    UNIVERSO PARALELO

    2001

    Casar-se com uma mulher, comprar uma casa, ter filhos, um cachorro, plantar uma árvore, escrever um livro, ser bem-sucedido profissionalmente. Durante certo tempo em minha vida este foi o meu maior sonho!

    Eu sempre sonhei em construir aquela família perfeita que eu achava que meus pais eram e seriam para sempre, onde eu teria um emprego numa ótima empresa, e um cargo de chefe. Um lar aonde eu e minha esposa iríamos nos amar acima de tudo, superar qualquer dificuldade e teríamos lindos filhos bem educados, que estudassem numa boa escola, se formassem numa faculdade de prestígio, nos dessem netos, e muito orgulho.

    Quem algum dia já não desejou ter uma vida assim? É assim que a sociedade nos ensina. E nós? Ahhh... Nós vimos isso acontecer nos últimos séculos e naturalmente tomamos esse pensamento coletivo como nosso também. É o politicamente correto. Porém, ao longo dos anos nós também assistimos nossos pais se frustrarem uns com os outros, gritarem uns com os outros e fracassarem mais do que terem sucesso no casamento. Assistimos a todo estresse que eles trazem de seus trabalhos para dentro de nossas casas e todas as brigas com nossas mães, e crescemos pensando: Eu vou fazer tudo diferente, não quero ser igual a eles. Até que um dia a gente finalmente cresce e nossas próprias experiências nos tornam filhos muito mais compreensivos com nossos pais, muitas vezes porque cometemos os mesmos erros e nos tornamos iguais a eles.

    Eu me chamo Thomas Dias, e durante vinte anos da minha vida este foi o meu grande sonho. Aquela casa branca de janelas azuis, bem ali na esquina, com uma árvore de goiabeira no jardim é onde eu moro. Lá vivíamos minha mãe, meu irmão mais velho, minha irmã mais nova, meu pai e eu. Foi lá que fomos uma família perfeita, ou quase perfeita. Eu digo ‘quase’ porque quando eu tinha dezessete anos meus pais se divorciaram, e lá se foi à ideologia de família feliz de comercial de margarina! E era quase isso, não fosse pelo gênio forte e impulsivo da D. Glória, minha mãe, e pelas puladas de cerca do meu pai, até hoje seríamos a família perfeita e feliz.

    1988

    Glória – Crianças, eu estou indo ajudar nossa vizinha Shirley a encaixotar as coisas da mudança dela, se precisarem de qualquer coisa me chamem...

    Karen - Mamãe, eu posso ficar na casa da árvore brincando de casinha com as minhas bonecas junto com a Sheila?

    Thomas – Eu também quero brincar com vocês.

    Glória – Tudo bem crianças, podem ir... E você Sheila, está ansiosa para se mudar pra casa nova?

    Sheila – Eu não quero ir Dona Glória, eu vou sentir saudades de brincar com a Karen e com o Thomas.

    Thomas – Então vamos aproveitar nossos últimos momentos juntooos...

    E lá fomos nós três na nossa maior ingenuidade pueril, brincar de boneca, eu com oito anos e a Karen e a Sheila com sete... Eu adorava pentear os cabelos das bonecas, trocar as roupas delas e colocar acessórios e sapatos, chamávamos de brincar de amigas, nem passava pela minha cabecinha inocente que, ‘amigas’, era uma conotação do sexo feminino, sendo usada por um garoto, eu só queria brincar com os brinquedos que eu gostava, nada mais, e dentro de mim aquilo era tão natural quanto para o meu irmão era natural jogar futebol ou jogar videogame, que inclusive, era o que ele estava fazendo na sala, enquanto brincávamos de boneca. Quando meu pai chegou em casa e encontrou apenas o Jonas, perguntou onde nós estávamos:

    Edson – Oi filhão, tudo bem?

    Jonas – Oi pai, tô jogando...

    Edson – Onde está todo mundo?

    Jonas – Quê?

    Edson – Sua mãe e seus irmãos, onde estão?

    Jonas – Ahh, o Thomas e a Karen estão na casa da árvore brincando de boneca com a vizinha, e a mamãe tá ajudando a mãe dela na mudança...

    Meu pai foi até a casa da árvore, e acho que ele não gostou muito de me ver brincando de boneca...

    Edson - Olá crianças. Tudo bem, por aí?

    Karen pulou no colo do meu pai enquanto eu colocava um maiô na boneca que estava brincando...

    Karen – Papaaaaai, você chegou!

    Thomas – Oi Pai...

    Edson – Thomas, por que você não vai jogar videogame com seu irmão?

    Thomas – Eu não gosto papai, prefiro brincar de amigas.

    Edson – Você não deveria gostar disso, isso é coisa de menina. Oi, Sheila.

    Sheila – Olá Sr. Edson.

    Edson – Muito bem crianças, eu vou até sua casa dar uma força com mudança para os teus pais, ok?

    Naquele dia meu pai conversou com a minha mãe, e insistiu pra que ela me proibisse de brincar com as bonecas da minha irmã.

    Edson – Glória ele é um menino, todos os outros garotos vão rir da cara dele, vão fazer bullying e ele vai sofrer de qualquer maneira! É o nosso dever orientar o nosso filho...

    Eu me lembro como se fosse ontem da profunda tristeza que senti naquele dia enquanto a minha mãe conversava comigo, porque até aquele momento, eu não me importava com a opinião dos meus primos, do meu pai, ou seja, lá de quem fosse, mas eu me importava com a opinião da minha mãe, que era minha amiga e protetora, minha heroína... Então quando ela me falou aquilo eu chorei, e pela primeira vez na vida eu senti que eu não poderia mais ser apenas um garotinho ingênuo no meu mundo cor de rosa.

    Glória – Thomy, você é um menino meu amor, meninos não podem brincar com bonecas, eles brincam com carrinhos, jogam videogame e futebol como o Jonas. Os garotos da escola vão brigar com você se souberem que você brinca de bonecas, bonecas são para meninas...

    Thomas – Mas por que você está falando assim comigo mamãe? Você tá falando igual o Jonas e o papai, eu pensei que você era a minha amiga!

    Hoje em dia, olhando para trás, eu percebo o quanto a atitude dos meus pais me inibiu de crescer sendo uma criança mais feliz e mentalmente saudável, e nem posso contabilizar os prejuízos que as consequências disso refletiram durante muito tempo na minha vida adulta.

    Daquele dia em diante eu nunca mais brinquei de amigas com as bonecas da minha irmã, e a partir daquela conversa com a minha mãe eu percebi que eu era diferente dos outros garotos, e que eu precisava começar imitar todas as coisas que eles faziam. E agindo assim, eu comecei a me meter em brigas na escola, e fui me tornando um garoto cada vez mais agressivo. Eu me submetia a fazer qualquer coisa que os meus coleguinhas me pedissem para eu me sentir aceito e provar pra eles que eu não era um veadinho como muitos diziam! Eu acabava sempre me metendo em confusões, e a cada quinze dias, senão toda semana, minha mãe era chamada na escola por minha causa. Cada garoto que insistia em me chamar de bichinha sentia o poder da minha fúria, e não me importava qual tamanho eles tinham não, o que eu nunca podia, era levar desaforo pra casa. Os seguintes três anos foram assim, confusões atrás de confusões, pois embora eu fosse um garoto mais sensível e afeminado, eu sabia como me defender. Conforme fui entrando na puberdade, eu enxergava cada vez mais os meus deslizes e trejeitos femininos, que antes eu não conseguia perceber, e sutilmente eu observava a forma como os garotos normais agiam para aprender seus jeitos e agir igual a eles. E se supostamente, eu fosse começar a sentir alguma atração por homens, nessa altura do campeonato eu já tinha aprendido a esconder tão bem de todo mundo, que até eu mesmo não sabia mais, se, de fato, eu sentia algum tipo de atração por eles...

    Pessoas LGBTs não crescem sendo elas mesmas. Crescem sacrificando e limitando suas espontaneidades para minimizar as humilhações e preconceitos. E o nosso maior desafio na vida adulta é escolher quais partes de nós são o que somos de verdade e quais criamos para nos proteger do mundo.

    Pedro HMC

    1999

    Minha mãe sempre se recusou a fazer o papel típico da ‘dona de casa’ que ficava cozinhando, cuidando dos filhos e do lar enquanto o marido trabalhava, ela também queria trabalhar, desde sempre, e queria direitos iguais. Sempre foi uma mulher decidida, independente e determinada.

    Tentou fugir de casa aos dezesseis anos para ir morar na cidade grande com seu irmão e não conseguiu, mas sempre teve essa vontade, e ao invés de se conformar com o que os pais dela impunham, quando ela completou dezoito anos, assim ela fez, partiu para São Paulo. A dona Glória é uma mulher completamente contrária às suas irmãs, contemporânea e incompreendida para sua época, tanto que quando descobriu que meu pai tinha um caso com a secretária, decidiu recomeçar a vida.

    Divórcio!

    Foi uma grande decepção, não só para minha mãe, mas para mim também, para os meus irmãos, que já desconfiavam, nem tanto, pois uma vez tinham visto o carro dele parado à frente da casa de uma mulher, próxima à faculdade onde meu irmão estudava. Eles tocaram a campainha para saber se o nosso pai estava lá, e então a tal mulher, loira e muito bonita segundo eles, atendeu, mas disse que o dono do carro não estava na casa dela. Meu pai disse que tinha emprestado o carro a um amigo do trabalho para ver a esposa que estava passando mal, e todos nós acreditamos, pelo menos a minha mãe e eu.

    Um belo dia minha mãe resolveu passar na empresa dele e pegou ele e a ‘secretária gostosona e safada’ transando em cima da mesa do escritório!

    – O que houve quando ela viu aquela cena? Hahaaaaa... Gritaria, barraco e quebra-quebra!

    Minha mãe pegou nos cabelos da loira e arrastou ela toda pelada pra fora da sala dele. Depois pegou uma garrafa de champanhe que eles estavam bebendo e despejou toda a garrafa na cabeça dele, na frente de todo mundo do escritório. Não satisfeita e furiosa, a minha mãe virou a mesa da sala dele de ponta cabeça, com tudo que estava em cima. Não contente, chegando em casa, contou tudo para nós, colocou todos os ternos dele no banheiro e tacou fogo... Em tudo!

    Glória – Aquele desgraçado aqui não entra mais!

    E realmente não entrou mais mesmo! Meu pai nunca mais colocou os pés dentro da nossa casa, e quando nos encontrávamos, era sempre na casa dele ou em algum local público.

    E foi assim que acabou a minha feliz vida de família perfeita.

    Com o tempo a minha mãe nos contou que já tinha descoberto algumas traições, duas para ser mais exato, mas que sempre resolvia relevar porque ainda éramos muito pequenos e ela tinha alguns medos óbvios... Medo do julgamento dos membros da igreja, medo de não conseguir nos criar sozinha... Medo de perder a casa na partilha de bens... Medo de passar o resto da vida sozinha, e claro, ela também o amava muito, por mais que ela não quisesse admitir isso pra gente.

    Depois do divórcio, por diversas vezes, a minha mãe se trancava no quarto e ligava o rádio para que não escutássemos ela chorar, e então colocava sempre a mesma música Hands – da cantora Jewel. Mas isso ainda seria apenas um detalhe diante de tudo o que viria pela frente.

    Meus irmãos, Karen e Jonas e eu, sobrevivemos ao divórcio deles, embora eu possa dizer que fui o que mais sofreu por gostar e me orgulhar de ser ‘o filhinho da mamãe e do papai’ e ter a família perfeita, enquanto os meus irmãos sempre foram mais independentes, mais livres, assim como era minha mãe.

    Meu pai também sofreu muito, acho que foi muito pior e até mais traumático para ele, que embora a tivesse traído, era louco de paixão pela minha mãe. Ele acabou se casando com a ‘secretária safada e ladra de maridos’ e faleceu de infarto poucos anos depois.

    Foi um período muito difícil para mim. Foi um período muito difícil para todos nós. Não é fácil dizer adeus aos nossos heróis. Até hoje eu sinto muita falta dos momentos que tinha com ele, das brincadeiras e das piadas que ele fazia para a gente rir. Meu pai era um cara divertido, isso ninguém pode negar! Mas é exatamente quando o inesperado surge que as mudanças da vida começam a acontecer.

    Antes de qualquer outra coisa, devo dizer que eu sempre gostei muito de música, tanto que aos dezesseis anos formei uma banda de ‘Poprock’ com três amigos, portanto, ao ler este livro, você vai encontrar muitas referências musicais ao longo desta complexa jornada sobre o amor, sobre a vida, e sinceramente, eu aconselho a todos os leitores fazer uma pequena pausa durante a leitura pra ouvir minha playlist. A música que me marcou muito nessa fase do divórcio dos meus pais foi Hands, a música que minha mãe sempre gostava de escutar sozinha trancada no quarto, a letra traz uma linda mensagem que diz o seguinte:

    Hands

    My hands are small, I know

    But they’re not yours, they are my own.

    And I am never broken

    Poverty stole your golden shoes

    It didn’t steal your laughter

    And heartache came to visit me

    But I know it wasn´t ever after

    We´ll fight, not out of spite

    For someone must stand up for what is right...

    Mãos

    Minhas mãos são pequenas eu sei

    Mas elas não são suas, elas são minhas,

    E eu nunca desanimo.

    A pobreza roubou seus sapatos de ouro

    Mas não roubou a sua risada

    A tristeza veio me visitar

    Mas eu sabia que não seria para sempre

    Nós lutaremos, não por rancor,

    Mas por alguém que tem que defender aquilo que é certo...

    Eu fui mórmon desde que nasci até os meus vinte anos, e minha vida até os dezessete anos era um ‘universo paralelo’. Tudo era perfeito, minha família, meus amigos, minha casa, minhas namoradinhas, e como diria uma amiga minha da época, eu era ‘Bonitinho e Popular’ no meu círculo social, além de estar muito bem encaixado dentro dos parâmetros religiosos e da nossa tão querida, amada e hipócrita sociedade. Imagine a situação constrangedora na igreja com todos os meus amigos, e com os pais dos meus amigos. Meu pai era um líder com cargo de grande respeito na igreja, e eu só tinha amigos que eram membros d’A Igreja De Jesus Cristo Dos Santos Dos Últimos Dias, e assim foi até os meus dezoito anos de idade.

    Eu frequentava as Reuniões Sacramentais e participava das aulas Dominicais, todos os domingos. Frequentava aulas do Seminário todos os dias pela manhã, bem cedo, antes das aulas do colégio, e aos sábados também. Participava de todas as atividades que a igreja realizava, desde a Organização da Primária (Crianças de três a onze anos) até a O.R.M. (Organização de Rapazes e Moças), tais como Olimpíadas de Inverno, Bailes, Acampamentos, Show de Talentos, e outras atividades que se concluíam aos dezessete anos, passando depois para o M.A.S. (Membros Adultos Solteiros) ao completar dezoito anos. Então, era exatamente nessa fase que éramos preparados para servir como missionários de tempo integral, a partir dos dezenove anos.

    Essa missão duraria dois anos, e durante este período seria expressamente proibido qualquer tipo de contato físico com sua família, e obviamente, nenhum tipo de contato físico com pessoas do sexo oposto, e menos ainda com pessoas do mesmo sexo. Essas regras de contato incluíam abraços ou beijos no rosto, e principalmente na boca. Após dois anos, ao retornar com honra da missão, a meta era finalmente casar-se e ter filhos, o mais breve possível.

    Porém, quando completei dezoito anos, comecei a trabalhar, e nesse período, muitos dos meus amigos, aqueles que eu conhecia desde a ‘Primária’, se mudaram para o interior, e alguns, talvez pelo distanciamento, se afastaram da igreja. Houve também aqueles que se afastaram por conta dos julgamentos sobre a traição do meu pai, e nessa época eu me senti muito perdido e sozinho.

    De repente me vi sem meu pai, sem os meus melhores amigos de uma vida toda! Nós fazíamos tudo juntos desde sempre, e então eu pensava, Estou sozinho no mundo, abandonado pelos meus melhores amigos e vendo minha família ser julgada pelos membros da igreja. Drama existencial de adolescente? Talvez... Embora cada dor tenha seu valor, eu não sabia que tanta coisa ainda iria acontecer na minha vida dali pra frente.

    Com o passar do tempo eu pude entender que, tudo que eu aprendi com meus líderes e amigos da igreja, me moldaram para que eu me tornasse o ser humano que sou hoje, e serei eternamente grato a todos eles, mas dentro de mim, lá no fundo do meu coração, eu sabia que eu não me encaixava mais dentro das regras limitantes da igreja. Eu precisava expandir meus horizontes, aprender a voar com as minhas próprias asas, rumo ao vazio do desconhecido.

    Eu estava com sérias dificuldades de convivência com a minha mãe, que se tornou uma mulher muito autoritária depois do divórcio. Meu pai acabou abandonando a igreja por conta de todo julgamento que ele estava sofrendo de todos os membros. Meu irmão mais velho era o favorito da minha mãe, e embora ela nunca tenha assumido isso, sempre foi muito clara a diferença como ela nos tratava, até as pessoas comentavam. Ela sempre repetia: Porque você não é igual ao seu irmão, o Jonas nunca me dá dor de cabeça, só você.

    Se na sua vida você já foi comparado inúmeras vezes com seus irmãos, vai me entender muito bem. Mas eu sou réu confesso, e sim, sempre me metia em brigas na escola, mas isso geralmente era para me defender dos ataques dos garotos que me chamavam de bicha e veadinho. Daí com essa turma do bullying pegando pesado comigo, era muito mais prazeroso matar aula com os excluídos do que ficar na sala de aula sendo humilhado. Foram muitos perrengues e brigas. Todos nós acabamos nos afastando da igreja, foi como ela tivesse deixado de existir para os meus irmãos depois que o meu pai morreu.

    Com o passar do tempo o meu relacionamento com eles mudou, e hoje, eu e meu irmão nos entendemos muito bem, e apoiamos um ao outro em tudo, bem como o meu relacionamento com a minha mãe que também mudou muito, tanto que hoje ela é simplesmente a mulher que eu mais amo e admiro nesse mundo, e que me encoraja e me inspira a lutar todos os dias para realizar os meus sonhos. Como exatamente essa mudança toda aconteceu, eu vou contar de uma forma mais resumida e superficial no decorrer desta aventura romântica.

    Mesmo com todas essas confusões de crise existencial da fase pré-adulta na minha cabeça, um belo dia eu comecei a trabalhar, e após o meu primeiro emprego, o meu universo paralelo nunca mais foi o mesmo. Minhas escolhas, minhas ideias, meus valores, minhas novas experiências e o contato com as outras pessoas do mundo externo me levaram a outra realidade totalmente diferente da qual eu sempre vivi, e então tudo em minha vida se transformou. Foi uma das experiências mais excitantes e espetaculares da minha vida, e eu vou contar tudo aqui para vocês, inclusive como eu curti cada momento dessa fase, me entregando intensamente a cada uma delas, e sem sentir nenhum tipo de culpa ou remorso por isso.

    Eu comecei a enxergar as pessoas com outros olhos, comecei a enxergar a vida por um prisma completamente diferente, muito mais interessante e amplo, com uma malícia que outrora nunca houve em mim, um mundo real, era o mundo real, o meu mundo, fora dos parâmetros limitadores da religião, era só eu e um mundo novinho e folha, outro tipo de universo paralelo, onde ninguém podia reprimir aquilo que eu era, onde eu finalmente era livre para ser EU... E nesse novo mundo existiam muitas coisas, que até então eram erradas na minha cabeça fechada. Bebidas alcoólicas, festas e curtições, e de repente os homens começaram a despertar em mim uma atenção muito mais forte e excitante, de repente a beleza do homem me atraía! Era uma sensação que me causava uma euforia sinestésica por dentro, uma misteriosa explosão de excitação e desejos que não cabiam dentro de mim. Um turbilhão de pensamentos começava a surgir em minha mente, era tudo meio confuso, mas era mais gostoso que confuso, e eu fui me permitindo desfrutar cada momento como se fosse o único... E eu seguia por esse caminho consciente de que cada passo que eu dava em direção a este novo mundo, não teria mais como voltar ao que eu era antes...

    Uma mente que se abre para uma nova ideia, jamais volta ao seu tamanho original.

    - Albert Einstein

    A homossexualidade não escolhe em qual família nascer, ela simplesmente ACONTECE, eu tenho certeza de que todo mundo tem algum tipo de parente ou amigo próximo que é gay. E embora a religião queira nos castrar, nos privar do prazer da carne, as vezes alguns de nós conseguimos nos aceitar e nos permitir..., sim, digo alguns, porque existe muitas pessoas que não conseguem nem admitir pra si mesmo seus desejos, e vivem uma vida inteira de privações, escondidos em uma sombra mórbida de si mesmos, amargurados e castrados por regras que dizem serem criadas por Deus. E por causa disso, no início eu me sentia estranho, sem saber ao certo o que estava acontecendo comigo, e preso dentro desta grande confusão, eu resistia inconscientemente a essa mudança para me enquadrar de alguma forma, ao padrão social, por medo dos julgamentos dos meus amigos e da família, por medo de ser excluído e de não ser aceito. Resistia por ter sido educado para seguir a massa, dentro de padrões religiosos, resistia porque ser aceito no meu antigo meio social era bom. Não sei ao certo por qual motivo exatamente, talvez por todos eles, tanto que comecei a namorar uma garota do trabalho, mesmo me sentindo atraído por homens, Helma era o nome dela.

    Ela era bonita, tinha atitude e sabia jogar mais que eu, na verdade eu não sabia nada sobre joguinhos de amor e sedução, eu sempre jogava com o coração, mas eu, na minha inocência, apenas entrei no clima e curti a oportunidade de ter uma namorada bonita e gostosa para apresentar para a família, aos tios, aos pais, e ostentar aos meus primos e ao meu irmão, que na infância faziam bullying comigo, me chamando de bicha e veadinho.

    Eu sofri muito com isso, porque como eu já disse, eu não me via do jeito que eles falavam de mim, então eu tentava agir igual a eles para não ser julgado e excluído, que era exatamente o que eles sempre faziam. Eu queria ser aceito por eles, queria me encaixar no padrão deles, mas o que muitos anos depois eu aprenderia, era que o meu mundo não seguia o mesmo padrão que o deles, então eu não tinha que querer me enquadrar, mas naquele momento eu era apenas uma criança, e essa criança indefesa que eu era, quis sim se encaixar no mundo deles.

    Esse meu sentido de sobrevivência e defesa foi se desenvolvendo com tanta competência, que se existia algum tipo de atração sexual por homens da minha parte, só eu não sabia. Uma criança não tem a mínima consciência disso, e então, essa atração ficou ali, escondida até de mim mesmo, inclusive em forma de preconceito, até eu sair de dentro da bolha do meu universo paralelo religioso. Entretanto, antes disso tudo acontecer – ou seja, eu sair de dentro dessa bolha, o que eu não podia mesmo, de jeito nenhum, era perder a oportunidade de massagear o meu ego diante de todos eles, exibindo um troféu contra tudo o que eles praguejavam sobre mim, sem falar que toda a família sempre me taxou de ‘o mais feinho’, então, era por tudo isso que eu gostava de exibi-la como prêmio, e todos a amavam. Finalmente eles sentiam orgulho de mim, eu me sentia amado, e posso dizer com toda certeza, ser amado e aceito é revigorante, era cada vez mais viciante manter essa imagem pra ser aceito por eles, mas hoje eu posso dizer com propriedade que nada substitui ser aceito e amado por aquilo que somos de verdade. Mas devo confessar que esses traumas de infância causados pelo bullying do preconceito, se transformam em feridas abertas que se refletem por anos durante a nossa vida adulta, e o nosso maior dever é nos acolher, e iniciar um processo de cura que requer muita coragem e autoamor.

    ...Helma e eu éramos ‘o casal perfeito’, e isso fazia com que eu me sentisse mais másculo, e desmistificava as piadas e comentários maldosos de que eu era veado.

    DESPERTANDO OS SENTIDOS

    Embora eu ainda estivesse tentando entender essa repentina atração por homens, eu comecei a ter consciência de que quando eu gostava de ficar perto dos meus amigos bonitos, isso já era sinal de que essa atração já existia platonicamente dentro de mim. Na verdade, eu sentia um pouco de pânico, senti medo e pavor quando percebi que me sentia atraído por homens, mas no fundo eu gostava daquele sentimento novo e estranho que eu estava surgindo.

    Certa noite, minha curiosidade levaram-me a buscar na internet informações sobre a homossexualidade, o que alimentou e reforçou ainda mais a minha atração pelo sexo masculino. Eu queria entender aquilo que estava sentindo, aquela excitação que eu sentia ao ver uma simples foto de ilustração de cuecas no departamento de roupas íntimas masculinas em um supermercado ou em um shopping. Eu queria entender aqueles pensamentos pecaminosos que eu estava tendo. Foi quando, num belo dia encontrei na internet uma comunidade anônima de um grupo gay, chamada ‘Garotos Do Rock’, ali eu via fotos de homens pelados e assistia a vídeos pornográficos para me masturbar (o que inclusive era pecado na religião mórmon, segundo a igreja, era ‘fornicação’ e eu deveria me arrepender por isso, orar e pedir perdão a Deus por ter me masturbado, e ficava proibido pelo bispo de tomar o sacramento nas reuniões de domingo).

    Minha relação com a Helma não deu o segundo passo, ela até

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1