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A Fortuna Crítica da Obra Poética de Daniel Faria
A Fortuna Crítica da Obra Poética de Daniel Faria
A Fortuna Crítica da Obra Poética de Daniel Faria
E-book413 páginas4 horas

A Fortuna Crítica da Obra Poética de Daniel Faria

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Sobre este e-book

Muito já se escreveu sobre o poeta português Daniel Faria, desde que Sophia de Mello Breyner afirmou sobre sua poesia: "versos que põem o mistério a ressoar em redor de nós". Acrescento ter o mistério desafiado dezenas de críticos para compre-ender o poeta e sua obra. Uma poesia que encanta ateus e religiosos, refinados intelectuais e os "apaixonados" das redes sociais. Um poeta que em mais de 400 poemas tem o desejo, "a fome de calar-se", de um homem que não se diz "mal situado", mas imerso no mundo de "homens que são como lugares mal situados". Uma poesia movida pelo amor na busca do divino, de um Outro, mas que não é uma poesia de conforto espiritual. Um poeta não só fora do seu tempo, um poeta que "dobrou o tempo", ao nos fazer apreciar o valor de alegorias e metáforas que se acreditavam já perdidas. Amante do teatro, da música, da pintura, dos livros, da amizade, mas que tem "o morrer "como "ofício". Um jovem poeta que morre com apenas 28 anos e tem seus textos classificados em obras da juventude e da maturidade... Um poeta que tem a admiração unânime dos críticos ("o maior poeta místico português"), os quais discordam uns dos outros, radicalmente, quanto à sua interpretação. De um homem que ama o silêncio, a clausura, vocacionado desde cedo para o isolamento dos monges, mas que implora a Deus que não lhe tire os amigos. Uma poesia que reconhece o absurdo do "dizer" e que não pratica a ironia, escrevendo versos com um vocabulário clássico, lírico, que busca o sublime na claridade da morte. Um poeta que enxerta luz em tudo que nomeia, mas que solicita"[...]antes de tudo isto/Põe uma escada e sobe ao cimo do que vês..."
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de nov. de 2023
ISBN9786525050133
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    A Fortuna Crítica da Obra Poética de Daniel Faria - Jones Alberto de Almeida

    1

    INTRODUÇÃO

    Tenho mantido contato com a obra do poeta Daniel Faria desde julho de 2006. Recebi essa boa herança no curso de doutorado em Literatura da UFF e tentei me aproximar de sua poesia, dedicando, além da leitura contínua, um artigo — Conversações em Daniel Faria, editado pela revista Estudos, da Universidade de Coimbra, em 2007, também publicado nos anais do XXI Encontro da ABRAPLIP, na USP. Acompanho os estudos sobre a sua obra, dado a relevância do autor para a poesia do século XX, entre outros motivos, por recuperar em nossa era de agnosticismo, dessacralização da vida e relativismo pós-moderno a dimensão metafísica no discurso literário, ao despertar o necessário aprofundamento hermenêutico dos leitores para a leitura de sua poesia, tornando novamente visível as antigas tradições místicas e as questões permanentes, ontológicas, do ser no mundo. Entretanto, apenas recentemente, tenho mantido um contato mais próximo com seus críticos, admiradores unânimes e, confesso, após grande dificuldade em conseguir acessar o que por eles foi publicado. A obra poética de Daniel Faria está quase totalmente editada. A fortuna crítica não a vemos iniciada, nem em Portugal ou no Brasil, apesar dos esforços da Comissão de Espólio e da Comissão de Edição do Poeta instituídos pela professora Vera Vouga e da Associação Casa Daniel.

    Objetivando recuperar a fortuna crítica do poeta no período de 1998 a 2020, procurei analisar a complexa leitura dos seus leitores/críticos, que, infelizmente, restam ainda catalogadas em diferentes bases de dados, impressos em revistas de rara circulação, por jornais já extintos e espalhadas nas redes sociais, em sites fora do ar ou com referência a e-mails desatualizados de autores ou, ainda, enclausuradas na burocracia das bibliotecas e, de forma geral, muitas vezes inacessíveis, mesmo para aqueles que são peritos em pesquisas bibliográficas. Somam-se a essas questões outros obstáculos que tornam o acesso mais limitado aos leitores brasileiros, ou seja, as obras sob direitos autorais, editadas fora do Brasil e que não constam no catálogo de nossas livrarias, assim como o preço final para importação de editoras portuguesas.

    Após 23 anos de falecimento do poeta, a edição dos textos críticos sobre a obra, de natureza acadêmica e universitária, levantadas por minha pesquisa, já totalizam quase 100 artigos/ensaios, oriundos de 74 estudiosos — excluídos a imensa safra de natureza jornalística com fins de divulgação e os apaixonados nas redes sociais. Em síntese, foram desenvolvidas as seguintes atividades:

    Leitura e revisão de textos especializados sobre o tema Fortuna crítica e uma breve fundamentação teórica sobre o tema para nosso objetivo e estudo da obra de Daniel Faria;

    Critérios de seleção, levantamento, análise e cronologia da bibliografia crítica acadêmica sobre a obra poética de Daniel Faria;

    Contato com estudiosos brasileiros e portugueses da obra de Daniel Faria;

    Leitura e síntese de 96 artigos, dissertações e teses sobre a obra poética de Daniel Faria, realizadas no período de 1998 a 2020 por seus 74 leitores/críticos;

    Classificação inicial das abordagens teóricas e esclarecimento do diálogo aberto pelos críticos sobre a obra de Daniel Faria, do ponto de vista da diversidade de sua recepção;

    Justificativa da proposta do mapeamento de domínio da fortuna crítica de Daniel Faria, com a proposta de construção de um banco de dados específico e exposição dos principais temas (semantemas referidos) presentes na análise de 74 leitores/críticos.

    Palestra no evento 17º Diálogos de Poesia em Língua Portuguesa (acessível na plataforma de vídeos do YouTube), promovido pelo Real Gabinete Português de Leitura, em 30 de novembro de 2022: Atualidades sobre a Fortuna Crítica de Daniel Faria;

    Bibliografia organizada por ano de edição da fortuna crítica de Daniel Faria.

    Em suma, o objetivo — o que justifica nossa pesquisa—foi auxiliar na atualização da fortuna crítica do poeta e na avaliação da sua recepção pelos seus críticos, para sua maior compreensão, conservação e divulgação de sua poesia.

    Obs.: contatos com o autor pelo e-mail: proviver@hotmail.com

    2

    FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA SOBRE O TEMA FORTUNA CRÍTICA

    Embora se encontre nos estudos literários o segmento fortuna crítica como um setor de pesquisa e uma profusão de trabalhos publicados nessa perspectiva, não se encontra um estudo rigoroso, formal, sobre o que se deve compreender, quando nos referimos sobre o próprio tema, ou seja, uma definição sobre o conceito de fortuna crítica que desfrute do consenso dos especialistas para a discussão da sua pragmática, métodos e/ou modus operandi. Não há uma forma consagrada ou modelo de apresentação que qualifique um caminho pelo qual uma abordagem metodológica seja reconhecida sobre todas as outras. Responder à pergunta sobre o que deve ser conservado de um escritor, ou seja, o que consideraríamos como sua fortuna crítica remete à questão de saber definir o que é uma obra de arte literária e o quê, entre tudo que foi por ele escrito, teria o mérito desse predicado, merecendo ser preservado para as futuras gerações e, até mesmo, no extremo da hipérbole interrogativa, saber o que é um autor, pois nem tudo o que ele escreve participa ou cai sob esse conceito. Assim, interroga Michel Foucault (1969, p. 4):

    Mas suponhamos que nos ocupamos de um autor: será que tudo o que ele escreveu ou disse, tudo o que ele deixou atrás de si faz parte da sua obra? É um problema simultaneamente teórico e técnico. Quando se empreende, por exemplo, a publicação das obras de Nietzsche, onde é que se deve parar? Será com certeza preciso publicar tudo, mas que quer dizer este tudo? Tudo o que o próprio Nietzsche publicou, sem dúvida. Os rascunhos das suas obras? Evidentemente. Os projectos de aforismos? Sim. As emendas, as notas de rodapé? Também. Mas quando, no interior de um caderno cheio de aforismos, só encontra uma referência, uma indicação de um encontro ou de um endereço, um recibo de lavanderia: obra ou não? Mas por que não?

    Michael Foucault, na mesma palestra realizada no Collège de France, a partir de considerações históricas, questionou a noção de autor, introduzindo o conceito de função autor, indagando o quando surge em nossa tradição cultural a ocorrência desse fato singular e quais condicionamentos o determinam, os sistemas de valores que o exprimem e o salvaguardam, em suma: [...]em que momento se começou a contar a vida dos autores de preferência à dos heróis, como é que se instaurou essa categoria fundamental da crítica que é ‘o-homem-e-a-obra...’ (FOUCAULT, 1969, p. 2).

    A fortuna crítica envolve, dessa forma, outras questões a ela associadas e, talvez, a mais importante, que lhe é anterior, ou seja, a questão axiológica — o valor do que foi produzido —, o que envolve o juízo crítico de uma interpretação. O fato de ter sido editado ou publicado não é suficiente para cair sob tal conceito. Northorp Frye, em Anatomia da crítica, escreve: Portanto, se uma coisa ‘é’ ou não é uma obra de arte é uma questão que não pode ser resolvida apelando-se para algo na natureza da própria coisa (FRYE, 2014, p. 509).

    Acrescentando e tentando evitar os extremos de considerar apenas uma abordagem crítica como portadora de sentido e validade, propõe o mesmo autor, para que não ocorra uma ruptura da crítica com outras abordagens teóricas e permita maior integração das leituras, ao valorizar os estudos interdisciplinares por: tornar os críticos mais conscientes das relações externas da crítica como um todo com outras disciplinas.(FRYE, 2014, p. 507). A advertência vem a propósito, pois relativa a tendência dos críticos de se isolarem em um único tipo de método de interpretação e, por isso, alega, há tantos ensaios críticos sobre mitos, religião comparada e estética, que ‘soam’ como ‘má religião comparada’ [...], ‘má semântica’ [...]e má metafísica(FRYE, 2014, p. 505).

    Umberto Eco(2005),em Interpretação e Superinterpretação, reconhecendo a dificuldade posta por essas questões, considera que não há regras válidas para identificar onde começa ou onde termina as fronteiras do que deve ser considerado obra de arte ou o sistema de regras que nos ajudem a definir quais são as melhores interpretações, entretanto, sugere que aceitemos o princípio popperiano, ao fazer uso deum princípio de economia textual, por meio do qual teríamos alguma regra para definir as más interpretações.

    Apesar da exposição exemplar apresentada, não se encontra no artigo citado uma definição formal de tal princípio aplicado à interpretação literária e que pudesse, metodologicamente, ser útil aos pesquisadores ou, pelo menos, a nossa pesquisa.

    A questão da definição de obra de arte, de autor, de sua função e, por extensão, dos cânones literários de uma cultura, da história e validade dos conceitos envolve uma discussão que ultrapassa os limites do aqui nos propomos, daí que, em síntese, agregamos as análises que seguem uma atitude pragmática, já proposta por Richard Rorty, que seria bom que as pessoas que leram muita filosofia construíssem um diálogo com aqueles que leram muitos romances e poesia, ou seja, reconhecer que, sob o ponto de vista de uma análise dos conceitos implicados por modelos culturais, a prudência recomenda pensá-los em sua especificidade e manifestação particular, ao invés de tentar pensar em todos eles como sendo varridos juntos por poderosas mudanças oceânicas(RORTY, 1999, p. 14).

    Sem ignorar o drama que a crítica proporciona, tentei realizar também um diálogo com os críticos de Daniel Faria, embora sem ocultar impressões, interrogações e opiniões ao que considero não consistente ou contraditório, mas sempre no reconhecimento que o esforço de compreensão, em síntese, necessita desse somatório de ideias— o que há de possibilidades interessantes e esclarecimento. Assim, sob uma visão teórica inspirada nos trabalhos pela via ou ótica de uma teoria da recepção, realizei a análise dos textos obtidos em nossa pesquisa, próxima ao que se encontra nos trabalhos de Wolfgang Iser, mas sem nos submeter a uma prática somente determinada por essa via de leitura. No que se aproxima de nossa intenção analítica, agregamos conceitos, por exemplo, a ideia relativa à obra literária, emitida pelo mesmo autor no livro Teoria da recepção: a reação a uma circunstância histórica (ROCHA, 1999).

    [...] a obra literária não deve ser considerada um registro documental de algo que existe ou já existiu, mas antes uma reformulação de uma realidade identificável, reformulação que introduz algo que não existia antes. Na melhor das hipóteses, a obra literária seria uma realidade virtual (ISER, 1999, p. 21).

    Admitir tal fato não significa subordinação à corrente de ideias dessa linha de leitura, pois também encontramos ideias próximas à nossa proposta em outras leituras, como em Kierkegaard (2010), ao recuperarmos o conceito de repetição, compreendo-o não como um produto semelhante ao que foi realizado, mas como recriação dessa mesma experiência... O que podemos ler como uma realidade possível, dadas as mesmas condições, mas recriada, dadas as suas possibilidades/virtualidades.

    Outras visões/questões podem ser justapostas para o crítico aberto a essas leituras, como escreveu Jorge Luis Borges, em Outras Inquisições, ao considerar a leitura de Kafka: No vocabulário crítico, a palavra precursor é indispensável, mas se deveria tentar purificá-la de toda conotação de polêmica ou de rivalidade. O fato é que cada escritor cria seus precursores. Seu trabalho modifica nossa concepção do passado, como há de modificar o futuro (BORGES, 1999, p. 96).

    O que importa aqui são os precursores e, ao ler Daniel Faria, acredito que, talvez, já tenhamos percebido algum dos seus ou (os tenhamos criado), por modificar a nossa compreensão da poesia que lhe é anterior — um ar de família.

    Em síntese, o nosso trabalho irá explorar a fecundidade do que ficou conhecido como "reader-response criticism (conjunção de uma teoria do efeito estético com a estética da recepção), no entendimento proporcionado por essa perspectiva, ao se situar no âmbito dos estudos que analisam a relação entre o leitor crítico (dimensão do imaginário histórico na recepção) e a obra (ficção). Aqui, ainda, faremos um corte", pois nos interessa determinar a recepção da obra A fortuna crítica, de Daniel Faria, pelos seus leitores acadêmicos/universitários —uma história do modo de ler deum determinado grupo de escritores, em uma época específica de publicação (de 1998 a 2020). A proposta é a de tentar compreender a obra do poeta em relação ao ambiente cultural em que foi recebida pelos seus críticos, evidenciada pelos seus textos publicados — uma resposta às perguntas que o poema apresentou.

    O estudo descreve, não julga, mas interroga o modo de ler o texto: [...]procurando mapear as atitudes que determinaram certo modo de compreensão (dos textos) numa situação histórica específica, o estudo da recepção depende, de forma quase exclusiva, das evidências disponíveis (ISER, 1999, p. 20).

    Em nosso caso, o texto e não a situação histórica do texto, julgada "a posteriori, é o que vem em primeiro lugar — nossa leitura está mais próxima de uma teoria do efeito estético do que uma teoria da recepção. Como sabemos, desde que se estabeleceu a querela das interpretações, tornou-se também complexo determinar a validação das fronteiras dos juízos analíticos, em relação à compreensão da obra literária, daí o que Wolfgang Iser (1999) chama de atitudes é o que denomino o conceito a se evidenciar e que não pretende encontrar um sentido único ou, muito menos, exaurir o sentido da obra, já negada pelos contemporâneos, em sua impossibilidade hermenêutica. Ainda que não exista questões mortas em estudos literários, ou seja, a clássica temática de se buscar a intenção do autor, a igualmente desejada mensagem da obra e o dimensionamento do seu valor, pretendemos, como contribuição, descrever no material recolhido (textos/bibliografia), as ideias interessantes, sua consistência, suas possibilidades de esclarecimento de um horizonte cultural, no contexto do círculo hermenêutico (interpretação, compreensão e aplicação) em alguma fusão de horizontes" — o encontro entre o passado e o presente, como explicitado e, para mim, sugerido também pela hermenêutica de Gadamer (2008), em sua obra Verdade e Método.

    Estamos, portanto, no contexto de uma heurística, na construção de uma leitura, como qual pretendemos mapear as atitudes dos leitores críticos/acadêmicos de Daniel Faria. Daí que a proposta de mapear as atitudes referida por Iser pode estabelecer um quadro geral de um pensamento e estabelecer correspondência em nossa análise, com a interface de recuperação de informações em meios digitais¹. Esses vínculos e leituras expressam a originalidade de nossa pesquisa. Esses vínculos e leituras expressam a originalidade de nossa pesquisa.

    Sem desconsiderar as discussões teóricas que são intrínsecas à exposição e à contribuição dos críticos, caminhei próximo à proposta aos estudos literários que possuem esse ar de família... A proposta é de um diálogo contínuo e aberto, com os críticos de Daniel Faria, sob a lógica da pergunta e da resposta, no contexto de uma teoria da recepção, entendida como um estudo da comunicação literária, como explicitada no parágrafo anterior e para o que se apresenta nos textos, ao explorar a dialética entre a obra produzida e o leitor/crítico (sincrônica e diacrônica), buscando captar a dinâmica, nem sempre obtidas, produzidas pelas similaridades das leituras (ou em suas divergências), das especificidades sobre a obra do poeta, das leituras interessantes e, aqui, em nosso caso, em uma exposição temporal, seguindo a ordem de aparecimento das publicações, desde as primeiras críticas, em 1998 até o ano 2020.

    Por ora, apenas indiquei ao longo do texto sobre os muitos rastros que a obra produz no desvelar de sua recepção e em seus efeitos, sem detalhamento exaustivo do tipo de teoria literária ou filosófica a que aderem os críticos e orientam as suas interpretações ou na caracterização de um processo histórico, das narrativas mestras de uma época e de suas estratégias retóricas.

    Tangenciando essas discussões presentes nas obras dos críticos, em seus temas e análises, procurei evitar, por extensão ao conceito assumido, enquanto procedimento metodológico na presente pesquisa, avaliar axiologicamente o que foi recolhido, como afirmei, seja em sua originalidade, importância ou rejeição, ou da representatividade dos críticos em suas escolas, ou tendências literárias, sociais, políticas religiosas e correlatos. Em suma, metodologicamente, construí uma descrição abrangente em um jogo de linguagem heurístico, descrevendo, e não julgando, a extensão das hipóteses, os atos exercidos pelos críticos, em seus próprios termos. Acompanho, em diálogo, as avaliações dos críticos no fluxo temporal de suas publicações, do que foi tema e resultado dos estudos, ao relacionar textos e opiniões, na aceitação ou recusa entre as opiniões, na ênfase dada às obras ou recusada, no consenso (ou não) proporcionado, no período, pela variedade de perspectivas sobre a obra de Daniel Faria.

    A determinação da fortuna crítica, em nosso caso, seguiu os passos, inicialmente, de um relatório de campo descritivo, no qual se expõe e se organiza o material já existente, no período entre 1998 e 2020, ao se evidenciar os achados de maior investimento discursivo e analítico, de formato acadêmico/universitário, obtidos nas revistas especializadas em literatura, nos artigos e ensaios, palestras, conferências, colóquios, seminários, congressos, livros, dissertações de mestrado, teses de doutorado etc. Operacionalmente, deixaremos para uma posterior pesquisa o material de cunho adjetivo e midiático, que encontramos na pesquisa e aqui excluído de análise.

    O problema teórico que enfrentamos, como se vê, é tão grave quanto à questão prática e empírica de obtenção dos documentos — o acesso à fortuna crítica sobre a obra de Daniel Faria. Sabemos que tal questão não é particular ou específica de sua poesia, pois se trata de uma questão universal, tradicional em história literária e, hoje, dada a confiança nos meios digitais, problemática, na medida que a transcrição ou a tradução para meios digitais da informação cresce em volume —também se presencia o que é ocultada na rede em opacidade semântica (LÉVY, 2014).E é quase na mesma proporção dada como perdida, já que não é aproveitada, devido a problemas de várias ordens, seja da possibilidade de busca e acesso, seja de natureza classificatória, dos conceitos adequados à sua representação, seja de ordem semântica ou de modelos computáveis etc. Em sua obra A esfera semântica, observa o estudioso francês, sobre a nossa questão:

    Uma memória digital participativa comum ao conjunto da humanidade está em vias de constituição. Mas no início do século XXI, a exploração dessa memória por todos e por um é limitada por problemas de opacidade semântica, de incompatibilidade dos sistemas de classificação e de fragmentação linguística e cultural (LÉVY, 2014, p. 23).

    Classificar e inserir de forma organizada e contínua a massa crítica de opinião sobre qualquer autor, pressupõe inicialmente que se tenha a capacidade também de recuperar essas mesmas informações de forma acessível e ordenada, não sendo suficiente seu acúmulo em registros clássicos e/ou digitais. Recuperar a informação é essencial e a organização do conhecimento já pode ser vista hoje como o maior pilar de cooperação intelectual — [...] um refinamento ou, em outras palavras, um nível diferente de interdisciplinaridade [...] (ALMEIDA, 2019, p. 167).

    A grande quantidade de dados produzidos no mundo, atualmente, cresce em proporções geométricas e é dependente de modelos computáveis para sua análise e conservação: Nós não sabemos ainda como transformar sistematicamente esse oceano de dados em conhecimento e ainda menos como transformar o meio digital em observatório reflexivo de nossas inteligências coletivas (LÉVY, 2014, p. 23).

    Ocorre, ainda do ponto de vista de sua acumulação e classificação, que a fortuna crítica de um autor necessita como sabemos de muito mais variáveis para o seu entendimento, pois corre o risco, ao longo da história de sua produção, sem análise adequada, de se constituir apenas em mais um item ao volume existente e que agregado, aleatoriamente, só aumenta a dispersão sobre o material já produzido. Exemplo dessa situação é dada pela fortuna crítica de Machado de Assis, que possui atualmente mais de 3000 obras críticas. Considerando o crescimento geométrico do que hoje as universidades, centros de pesquisa e produtores de conhecimentos são capazes de produzir, é urgente construir nas plataformas digitais, objetos abertos para ordenamento contínuo da obra sobre qualquer autor e a sua recuperação, especificamente, sobre o conteúdo disponível.

    Em nossa leitura inicial do material bibliográfico recolhido, por não estar a Fortuna Crítica do poeta catalogada e acessível, já observamos alguns críticos construírem afirmações gerais sobre a obra do poeta (incompletas/incorretas), por não terem em mãos os estudos prévios produzidos, gerando conclusões equívocas, devido a seu desconhecimento dos textos.

    A obra acessível e a sua fortuna crítica já vêm sendo por nós organizada em arquivo digital, recenseada minuciosamente. Entretanto, para o projeto complementar de mapeamento de domínio (proposta para realização no PPG em Ciência da Informação), dada a instabilidade dos sites e a retirada de sua circulação dos meios digitais, será necessário garantir um depósito para sua conservação.

    A seleção dos artigos produzidos pelos críticos não obedeceu em nosso estudo a nenhum critério axiológico, ou seja, não nos propusemos a uma avaliação judicativa sobre a qualidade do que foi exposto, da qualidade intrínseca dos textos críticos referentes à obra de Daniel Faria, apenas recolhemos as leituras críticas realizadas, ou seja, o material que se encontra editado em meio universitário/acadêmico.

    Em suma, relativamente a fortuna crítica de Daniel Faria, em nossa pesquisa, recolhemos 96 textos publicados a partir de 1998 até 2020, em língua portuguesa e produzidos por 74 autores, entre artigos em revistas de literatura, jornais, livros, conferências, palestras em colóquios, teses de mestrado e doutorado. Ainda, para sua realização, obtivemos os textos críticos no Brasil (Biblioteca do Real Gabinete Português de Leitura) e em Portugal (Biblioteca de Lisboa e, principalmente, na Hemeroteca de Lisboa). A origem dos artigos, aqui reunidos, em sua maioria, são de editoras, jornais, revistas e sites de Portugal. A edição de artigos produzidos no Brasil é de pequena monta, apesar da contribuição relevante de alguns estudiosos brasileiros, como a professora Ida Ferreira Alves, Alcyr Pécora, Lucca Tartaglia, entre outros, como o grupo de estudos do professor Marco Cappelli, em São Paulo, e o Centro de Estudos Portugueses da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, que editou em 2018 um Dossiê Daniel Faria, com a contribuição de críticos brasileiros e portugueses. Há algum material impresso em espanhol, graças ao esforço do pesquisador Jose Rui Teixeira, entre outros, uma tese de doutorado em francês do professor português Alexandre Paolo Néné ("Ici et ailleurs. Horizons, mouvements et écriture dans la poésie de Daniel Faria". Soutenue le 10 décembre 2015, Salle Bourjac, galerie Rollin, 17 rue de la Sorbonne, 75005 Paris) e um artigo de Richard Zennith, em língua inglesa. A pesquisa do que foi produzido em língua estrangeira necessita de maior pesquisa.

    Ainda há muito que fazer... mas a semente foi lançada ao expor em nossa pesquisa a bibliografia e uma parte do pensamento crítico sobre a obra de Daniel Faria, desde o primeiro texto de Vera Vouga, em 1998, até o último artigo, em 2020, de Jose Rui Teixeira.


    ¹ Ver à frente, mapeamento de domínio e construção pelo leitor de uma recuperação/organização do conhecimento em meio digital.

    3

    CRITÉRIOS DE SELEÇÃO, ANÁLISE E CRONOLOGIA DA BIBLIOGRAFIA CRÍTICA RECOLHIDA SOBRE A OBRA POÉTICA DE DANIEL FARIA

    Quanto à distinção entre a fortuna crítica de cunho acadêmico, universitária e as publicações em revistas, jornais e outros meios de comunicação, ou seja, a tentativa de separar o joio do trigo interpretativo exigiria, do ponto de vista axiológico, um ensaio rigoroso sobre a base teórica, a partir da qual se ergueriam critérios que permitissem distinguir o valor de uma interpretação historicamente determinada nos estudos literários e um consenso de validade na diversidade de suas propostas (hermenêuticas, formalistas, sociológicas etc.)—discussão secular... Além do que, hoje, relativamente ao tema fortuna crítica, é obrigatório aos estudiosos incluir além do que é tradicional — livros, ensaios, artigos acadêmicos, cartas, crônicas, artigos de jornais, notas, citações, entrevistas —, também o material produzido em vídeo conferências, filmes, blogs, vlogs, fotos, como tem sido produzido nas mais diversas plataformas e nichos temáticos na internet. Daí, como afirmado anteriormente, a nossa pesquisa possui como extensão uma proposta de desdobramento, em um segundo momento, da análise e exposição dos resultados obtidos, para construção de leituras (hipertextos etc.) e divulgação em meios digitais.

    A união entre as contribuições dessas áreas do conhecimento é possível e é nossa tese que a mediação será realizada a partir dos estudos, como afirmamos, próximos a "reader-response criticism. O projeto de estudo, portanto, por ser interdisciplinar, tem o peso da originalidade e um caráter heurístico, em sua extensão, dado que tento construir esquemas conceituais com a finalidade de mapear a realidade da fortuna crítica sobre a obra de Daniel Faria. O projeto tem duas dimensões bem estabelecidas pela tradição de estudos das áreas respectivas, mas isoladas. Ao tentar aproximar as montanhas mais distantes", ou seja, as abordagens teórico críticas em literatura com as atividades em ciência da informação, busco encontrar um fruto dessa união... depois da semeadura. A tentativa foi ensaiada em sua primeira parte — o material para tratamento em meios digitais... Enfim, adotamos aqui uma posição pragmática, ao listar os artigos e ensaios críticos sobre Daniel Faria, dos quais há um relativo consenso, acadêmico e universitário, sobre essas leituras serem representativas, substantivas, as quais têm a intenção de elucidar a obra, com argumentos de maior investimento intelectual. O restante da fortuna crítica de caráter jornalístico, objetivando apenas a divulgação da obra e encômio de admiradores, resenhas em jornais (exceto aquelas de caráter hermenêutico), material em meio virtual, blogs, vídeos, filmes etc., será recolhida em outra pesquisa, já que possui valor histórico e sociológico, quanto à especificidade de sua recepção. Tais achados dialogam com a obra do autor e permitem nos aproximar da singularidade de uma época.

    Por ter a pesquisa o objetivo de trazer à luz a fortuna crítica de Daniel Faria como prioridade e ter como extensão ampliar o acesso do

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