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O hino nacional brasileiro no centenário da Nação (1922)
O hino nacional brasileiro no centenário da Nação (1922)
O hino nacional brasileiro no centenário da Nação (1922)
E-book349 páginas4 horas

O hino nacional brasileiro no centenário da Nação (1922)

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Sobre este e-book

Este livro conta a história da letra do hino nacional brasileiro, na República, escrita por Joaquim Osório Duque Estrada em 1909, e apoiado por maestros, como Alberto Nepomuceno, e o deputado maranhense Coelho Netto. Desde o seu surgimento, os críticos à letra apontaram os seus problemas e discutiram sua difusão em escolas, quartéis e teatros populares, servindo de combustível para a luta que Duque Estrada enfrentou para ter sua composição reconhecida como hino nacional nas vésperas do grande evento da República: o centenário da Independência, em 1922.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento17 de abr. de 2024
ISBN9786586911596
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    O hino nacional brasileiro no centenário da Nação (1922) - Renata Figueiredo Moraes

    Capa_Hino-nacional_ebook.jpg

    o hino nacional brasileiro no centenário da nação (1922)

    Renata Figueiredo Moraes

    o hino nacional brasileiro no centenário da nação (1922)

    Copyright © 2024 da autora.

    Copyright © 2024 desta edição, Letra e Imagem Editora.

    Todos os direitos reservados.

    A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)

    Grafia atualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

    Revisão: Vitor Ribeiro

    Imagens da capa:

    Hino nacional – versão definitiva (1922) * Academia Brasileira de Letras

    Capa da revista O Malho (1917) * Acervo pessoal da autora. Todos os esforços foram realizados para a identificação dos detentores dos direitos autorais das imagens. Caso alguém se sinta prejudicado, favor entrar em contato com a editora.

    CONSELHO EDITORIAL

    Felipe Trotta (PPG em Comunicação e Departamento de Estudos Culturais e Mídia/UFF)

    João Paulo Macedo e Castro (Departamento de Filosofia e Ciências Sociais/Unirio)

    Ladislau Dowbor (Departamento de pós-graduação da FEA/PUC-SP)

    Leonardo De Marchi (Faculdade de Comunicação/UFRJ)

    Luana Pinho (Faculdade de Oceanografia/Uerj)

    Marta de Azevedo Irving (Instituto de Psicologia/UFRJ)

    Marcel Bursztyn (Centro de Desenvolvimento Sustentável/UNB)

    Micael Herschmann (Escola de Comunicação/UFRJ)

    Pablo Alabarces (Falculdad de Ciencias Sociales/Universidad de Buenos Aires)

    Roberto dos Santos Bartholo Junior (COPPE/UFRJ)

    DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) DE ACORDO COM ISBD

    M828h  Moraes, Renata Figueiredo

    O hino nacional brasileiro no centenário da Nação (1922) / Renata Figueiredo Moraes. - Rio de Janeiro : Fólio Digital, 2024.

    248 p. : ePUB ; 3 MB.

    Inclui bibliografia e anexo.

    ISBN 978-65-86911-60-2 (Ebook)

    1. História. 2. História do Brasil. I. Título.

    CDD 981

    CDU 94(81)

    2024-290

    Elaborado por Odilio Hilario Moreira Junior - CRB-8/9949

    Índice para catálogo sistemático:

    1. História do Brasil 981

    2. História do Brasil 94(81)

    Fólio Digital é um selo da editora Letra e Imagem

    tel (21) 3580-6504

    contato@foliodigital.com.br

    foliodigital.com.br

    Sumário

    Prefácio
    Introdução

    A República e seus símbolos

    Por ser o hino da pátria e não o da monarquia

    Sentimentos não se improvisam – um concurso para o hino nacional

    Os outros hinos de uma República em construção

    O hino e seu autor – Joaquim Osório Duque Estrada

    Um abolicionista e folclorista

    Poeta, historiador e crítico literário

    Professor e autor de livros didáticos

    Membro da Academia Brasileira de Letras

    Um novo hino para a República

    O hino de volta ao parlamento e às ruas

    Deitado eternamente em berço esplêndido

    Outras letras para o hino nacional

    O hino e sua tradição inventada

    O povo já tornou oficial

    Verás que um filho teu não foge à luta

    Outras batalhas para o hino

    Epílogo
    Anexos
    Fontes e Bibliografia

    Prefácio

    Há pertencimentos na vida aos quais nos acostumamos com enorme naturalidade. Nascemos brasileiros e aprendemos desde criança as cores da bandeira e alguma parte do hino, símbolos da nossa nacionalidade. Nas famílias, começamos a ter contato com esse pertencimento, mas é mesmo na escola que se processa o aprendizado mais profundo por meio da história do Brasil, dos heróis consagrados, dos locais de memória da brasilidade e, claro, dos símbolos nacionais, especialmente a bandeira e o hino. Aliás, muito antigo e ainda bem presente é esse projeto de tornar as escolas locais de formação da nacionalidade e do sentimento cívico. Lembro-me bem de quando meus filhos eram alunos e a diretora da escola, sabendo que eu era historiadora, me perguntou quantas vezes por semana deveriam tocar o hino nacional na entrada do turno escolar. Com dificuldade, respondi da única forma que me foi possível: como vinham fazendo até então?

    Entre os símbolos nacionais, a bandeira verde amarela sempre se envolveu em disputas políticas e, mais recentemente, tornou-se ícone de grupos radicais conservadores, apesar dos esforços de mantê-la como pertencente a todos os brasileiros. Entre disputas e conflitos, a bandeira permanece nas comemorações cívicas, nos jogos esportivos oficias, nas formaturas de nossos alunos, na posse dos presidentes e nas escolas, mesmo com todos os questionamentos e críticas sobre a pertinência de se cultuar a ideia de nação e de nacionalismo. Ainda mais em uma nação que não é nada gentil com seus filhos, como afirmou Marilda Souza, liderança do Quilombo do Bracuí, numa cerimônia oficial de que participamos.

    O hino não segue trajetória muito diferente. Esteve e está presente em vários momentos de nossas vidas, queiramos, ou não, gostemos, ou não. Muitos o criticam também por conter uma letra muito difícil e muito longa. Mas é possível ouvir comentários que a música empolga e emociona. Devo confessar que sempre me emociono quando ouço o hino, talvez alguma memória juvenil das deliciosas competições de esporte de que eu participava na juventude. Mas gosto de ouvi-lo nas formaturas dos alunos do curso de graduação em história, embora a sensação seja um pouco partida. Por um lado, ele me provoca orgulho de formar jovens brasileiros na universidade pública; por outro, sinto desconfianças gigantescas em relação a uma história oficial que reproduz a desigualdade e não valoriza seus professores historiadores, apesar das palavras do hino.

    Talvez o meu maior incômodo ao ouvi-lo nas formaturas de historiadores seja exatamente porque pouco se sabe sobre a história da bandeira, e muito menos do hino. José Murilo de Carvalho, em A Formação das Almas, abriu caminhos para se pensar sobre as escolhas dos símbolos nacionais logo no início da República. Mas sua má vontade com o novo regime provavelmente não tenha nos empolgado a prosseguir nessa pauta de pesquisa, tão fundamental para entendermos a história dos pertencimentos e dos símbolos que incorporamos sem muita reflexão ou crítica. Desde que o Brasil é Brasil, tudo parece que sempre foi assim: o território, a bandeira e o hino. E isso é especialmente verdade para o caso do hino que ouvimos hoje, já que ele é o mesmo tocado no período imperial e na Guerra do Paraguai. A bandeira, embora tributária das cores do Império, celebrava um novo tempo chamado de Ordem e Progresso.

    O livro de Renata Figueiredo Moraes sobre o hino não só inaugura um novo olhar para todas essas histórias dos símbolos nacionais, como traz impactantes revelações sobre os bastidores da escolha do Ouviram do Ipiranga. Com pesquisa de fôlego, este trabalho nos permite entender como foi possível, em meio a outras opções e negociações, chegar a um produto que, curiosamente, estabelecia uma parceria inédita entre um músico do Império e um escritor da República: Francisco Manuel da Silva (1795-1865) e Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927).

    Lembro bem quando essa longa jornada da pesquisa de Renata começou. Trabalhávamos juntas num projeto sobre intelectuais folcloristas da República, e o nome de Osório Duque Estrada emergiu dentre muitos outros. Logo fizemos a primeira boa pergunta: mas esse não é o autor do hino nacional? Dando asas à curiosidade, Renata logo tomou para si a questão: o que mais Duque Estrada teria feito?

    Como nos mostra a autora, Duque Estrada, filho da aristocracia escravista de Vassouras, tornou-se escritor, crítico literário e membro da Academia Brasileira de Letras. De mais impactante, tinha escrito o livro A Abolição, em 1918, em homenagem aos 30 anos da abolição da escravidão! Ao tomar para si a pesquisa sobre a publicação em seu mestrado, Renata logo descobriu que estávamos diante de um abolicionista republicano. Contra a maré católica e dos saudosistas monarquistas, Duque Estrada interpretava a abolição, algum tempo depois, como obra do movimento abolicionista. Confesso que, desde então, eu e Renata tínhamos uma conversa secreta, sempre buscando entender outros sentidos para aquelas estrofes de compreensão difícil e ufanista.

    O tempo passou, Renata concluiu o doutorado e publicou seu livro sobre as Festas da Abolição. Agora chegou a hora de voltar ao início e nos brindar com um belíssimo livro sobre os conflitos, disputas e arranjos travados por importantes intelectuais republicanos, como Oscar Guanabarino, Olavo Bilac, Alberto Nepomuceno, Medeiros de Albuquerque, e mesmo pelo Congresso, para a consolidação cívica de um hino da nova pátria republicana desde 1909, quando a primeira versão dos versos de Duque Estrada foi escrita.

    Não foram poucas as dificuldades da empreitada desses intelectuais até a escolha definitiva dos versos de Duque Estrada. Os concursos, que validariam a escolha em diferentes momentos, parece que realmente nunca existiram; muitas eram as letras de poetas concorrentes em diversos outros estados do Brasil e mesmo na capital, entre trabalhadores dos subúrbios; não foram poucas as dúvidas, até mesmo do próprio autor, e críticas sobre o não encaixe dos versos de Osório Duque Estrada na música de Francisco Manoel da Silva.

    O último capítulo talvez guarde uma das melhores surpresas do livro, pois é quando ficamos sabendo que a oficialização do hino, depois de mudanças até mesmo nos versos, teve que esperar o movimentado ano de 1922, momento em que se consolidava na memória da nação a história do Brasil independente, a descoberta do verdadeiro Brasil e a força musical da pátria. Mas a história não para aí! Ainda na década de 1930 (quiçá até hoje?), muitas discussões foram realizadas sobre necessárias mudanças, especialmente nos versos de Duque Estrada.

    Depois da leitura de O hino nacional brasileiro no centenário da Nação, 1922, passamos a compreender mais profundamente nossas tradições, inventadas ou não. E, certamente, o leitor, como eu e Renata, não conseguirá mais escutar o Ouviram do Ipiranga da mesma forma e com os mesmos sentidos.

    Itaipu, Niterói, 8 de janeiro de 2024

    martha abreu

    Professora do Instituto de História da UFF

    e pesquisadora visitante da UERJ/FFP

    Introdução

    A história deste livro começou há muito tempo, mais precisamente nos primeiros anos da graduação em história na Universidade Federal Fluminense. O início de tudo passa por uma fichinha de papel entregue a mim pela minha orientadora de bolsa de iniciação científica, professora Martha Abreu. Eu havia acabado de me tornar sua bolsista e estudaríamos os folcloristas. Nos anos 2000 as pesquisas acadêmicas eram feitas prioritariamente nos acervos físicos, tais como Museu do Folclore e Biblioteca Nacional, por exemplo. Na ficha entregue por ela, que eu guardo até hoje, estava: Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927), nasceu em Vassouras, conferência em Petrópolis, compôs os versos para o hino nacional. Essas eram informações suficientes para que eu investigasse as obras desse autor, com o foco sobre seus textos a respeito do folclore e das trovas populares. Com o andamento da pesquisa descobri que, além de escrever esses versos para o hino, ele também tinha escrito um livro sobre a história da abolição, assunto do meu interesse desde que entrei na graduação. O desenrolar dessa história resultou num mestrado e num doutorado que passam pela abolição, por Duque Estrada até chegar neste livro sobre o hino nacional. Agora fecho um ciclo iniciado com a entrega desse pequeno papel por essa incrível historiadora e entusiasta da história do hino.

    Numa breve pesquisa que qualquer um pode fazer na internet encontra-se a informação que Osório Duque Estrada ganhou o concurso que escolheu a letra por ele escrita para o hino nacional. Essa ideia do concurso sempre foi muito curiosa e minha ideia era pesquisar os seus concorrentes, o júri, como seria possível fazer esse tipo de concurso e quando ele foi realizado. Desde a graduação tentei de algum modo fazer uma pesquisa sobre isso, mas nunca tendo sucesso. Parecia uma história já consolidada, mas sendo conhecido apenas um concorrente, o que saíra vencedor. As pesquisas nos jornais da época, por meio dos microfilmes disponíveis na Biblioteca Nacional, não permitiam um conhecimento dos trâmites por conta do longo tempo que a letra levou para ser oficializada, apenas em 1922, mas escrita em 1909. Seria muito difícil entender toda essa polêmica por meio da leitura desses jornais, que deveriam ser lidos por completo sem um sistema de busca. Pouca coisa existia em outros arquivos, como no Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, Academia Brasileira de Letras e na seção de manuscritos da Biblioteca Nacional, onde achamos o manuscrito da letra, datado de 1909. Essa primeira versão era diferente do documento depositado na ABL, no qual há a inscrição versão definitiva e datada de 1922. O que havia acontecido nesse meio tempo para que houvesse a modificação de alguns versos? Onde estariam as outras letras para o hino nacional? Essas perguntas ainda ficariam muito tempo sem respostas.

    Há aproximadamente dez anos tivemos uma grande ajuda nas pesquisas históricas em virtude do aprimoramento da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Por meio dela, jornais que antes eram consultados no microfilme puderam ser acessados via internet, permitindo as buscas de notícias por palavra-chave. Apenas com esse instrumento seria possível percorrer os jornais do Brasil dentro desse período específico e entender toda a polêmica que envolvia o hino e seu autor. Porém não seria suficiente apenas a busca por hino nacional, sendo necessário inserir outras palavras-chave e recorrer aos arquivos anteriormente visitados, da ABL, IHGB e Biblioteca Nacional, especialmente o setor de manuscritos, em busca de documentos que abordassem a vida do autor do hino e sua rede social, além de outras informações que envolvessem a existência ou não do concurso para o hino. Os anais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal foram essenciais para que pudéssemos compreender os significados de um hino nacional para esses parlamentares. Os debates realizados nas sessões dessas casas ressoaram nos jornais da capital federal e de outros estados, alimentando o interessante debate sobre nacionalismo e patriotismo num período de construção da República e dos seus símbolos.

    A publicação deste livro só foi possível por conta do edital de editoração da FAPERJ pelos 200 anos da independência e centenário da Semana de Arte Moderna. O ano de 1922 concentrou diversos acontecimentos de profundo impacto na sociedade brasileira e reuni-los em eventos e publicações foi essencial cem anos depois. O hino nacional está dentro desse combo de acontecimentos por completar cem anos em 2022, especialmente no dia 6 de setembro, data da oficialização e vésperas das comemorações pelo centenário da Independência do Brasil.

    Este livro aborda, portanto, a história do surgimento de uma letra, o que está longe de ser uma ação individual e isolada de Osório Duque Estrada, seu autor, mas sim uma ação que envolveu aqueles que eram favoráveis à sua autoria, como o grande maestro Alberto Nepomuceno, ou o deputado maranhense Coelho Netto. Os críticos à letra de Duque Estrada também foram fundamentais não só para apontar os seus problemas, que foram corrigidos pelo autor, mas por discutirem a sua difusão em escolas e quarteis, além dos teatros populares e nos mostrar os caminhos que a letra fez até ser oficializada. Essas críticas também serviram de combustível para a luta que Duque Estrada enfrentou para ter sua composição reconhecida como hino nacional, o que ocorreu apenas nas vésperas do grande evento nacional da República: o centenário da independência.

    Este livro está dividido em quatro capítulos. O capítulo 1, A República e seus símbolos, apresenta os primeiros anos republicanos e a arrumação dos seus símbolos, entre eles o hino nacional. A antiga letra do Império não combinava com a República, ao mesmo tempo a música foi preservada porque não era vista como uma composição de um regime específico. A sua história ligava o presente republicano com um passado de luta e guerra, dando força à ideia de um hino patriótico, apesar de não poder ser executado sem o acompanhamento de uma orquestra. Desse modo, era preciso uma nova letra para a música. Seria possível fazer um concurso? Enquanto não havia uma decisão, a música do hino era tocada em diversos ambientes e outras composições poderiam servir para representar o Brasil, tal como o famoso maxixe Vem cá, mulata!. Nesse capítulo apresentamos o grande maestro Alberto Nepomuceno, defensor de um concurso para o hino e que tornou conhecida a letra de Joaquim Osório Duque Estrada, em 1910.

    No segundo capítulo, O hino e seu autor – Joaquim Osório Duque Estrada, apresentamos o perfil biográfico de Duque Estrada, suas relações pessoais e sua carreira no mundo das letras, no magistério e nos jornais, a fim de entendermos os caminhos traçados por ele e que o habilitavam a ser autor de uma letra para o hino nacional. No terceiro capítulo, Um novo hino para a República, aprofundamos a discussão sobre o hino nacional, principalmente os debates parlamentares, nos quais a realização de um concurso ou a oficialização da letra de Duque Estrada como hino não avançava. Enquanto isso, outras letras apareciam sendo cantadas como hino nacional em escolas e eventos oficiais com a presença do presidente da República.

    O quarto e último capítulo, O hino e sua tradição inventada, aborda ainda os debates parlamentares, que insistiam na necessidade de um concurso para o hino enquanto a letra de Duque Estrada aparecia como oficial em diversos eventos. O ano de 1922 e o decreto presidencial que oficializou a letra de Duque Estrada como hino nacional não foi suficiente para que desaparecessem as críticas e as tentativas de modificações na letra décadas depois.

    Certamente a história do hino renderia muitas páginas após o ano de 1922, especialmente no período da Ditadura Militar e nos anos recentes, quando foi usada e abusada por políticos e por uma população interessada nos regimes autoritários. Porém, neste momento, nos interessa a construção desse hino e dessa tradição, especialmente seus personagens e seus compromissos políticos. A Abolição e a República foram os sentimentos patrióticos que envolveram grande parte desses sujeitos, que queriam um hino nacional que pudesse sintetizar a história do Brasil, escolhendo quais glórias exaltar e quais momentos esquecer. Assim é feito um hino nacional.

    Agradeço algumas pessoas essenciais para a escrita deste livro. Primeiramente ao fomento da FAPERJ no edital de editoração. Agradeço imensamente a Folio Digital, especialmente Isis Silveira, sempre interessada na história do hino nacional e que foi de suma importância para a produção deste livro, juntamente a sua equipe. Aos funcionários das instituições pesquisadas, ABL, IHGB, e Biblioteca Nacional, sempre muito gentis desde a época que eu era graduanda, sem entender muito bem como pesquisar o hino nacional. No último ano retomei o contato com essas instituições e a gentileza dos seus funcionários se repetiu, facilitando o acesso aos documentos e à reprodução de alguns. Por fim, agradeço ontem, hoje e sempre a Martha Abreu, que me formou como pesquisadora, como historiadora e professora, sempre incentivando minhas pesquisas, especialmente esta sobre o hino nacional. Espero ter fechado esse ciclo iniciado com a oportunidade que ela me deu com uma bolsa de iniciação científica, que mudou minha trajetória acadêmica. Que este livro possa satisfazer aqueles interessados na história do Brasil republicano e dos seus símbolos.

    A República e seus símbolos

    O Brasil sempre esteve permeado pelo acaso. O primeiro teria sido a chegada dos portugueses que, a princípio, estavam indo para outro lugar. O grito às margens do Ipiranga, que fundou o Império, parece uma ação aleatória, principalmente por estar distante do centro decisório daquilo que era o Brasil em 1822, e nada mais aleatório que o movimento que decretou a República. Obviamente, tanto a independência como a República já vinham sendo pensadas por diversos sujeitos políticos, mas aqui tratamos dos marcos fundadores desses dois momentos. O Brasil se fazia do jeito que era possível e seus atores iam construindo suas próprias narrativas. Depois dos acontecimentos, esses atores foram costurando e negociando uma história que pudesse fazer sentido para quem a ouvisse anos depois. O Império formado a partir de um príncipe herdeiro gritando Independência ou morte! parecia ser o auge de um sentimento de amor por um país, que nem era seu de nascimento e que mais tarde seria descartado em favor do reinado em Portugal, sua terra natal. A República não teve um grito e sim a barulheira de uma cavalaria pelas ruas da cidade, e o silêncio da partida da família imperial, que viajou de madrugada sem correr o risco de ter registrada suas feições na hora do embarque. Enfim, o Brasil se fazia no improviso.

    Apesar da aparente aleatoriedade da República, seria preciso construir símbolos que pudessem não só identificar os habitantes daquela nação, sempre em construção, como unir em um só sentido as diferentes partes do país de dimensões continentais. O básico seria uma bandeira e um hino, assim como ocorrera com outros países. Mas como ser original depois de alguns séculos? Como fazer um novo país descartando tudo o que já estava presente nele há tanto tempo? A República e seus republicanos tentaram, por exemplo, esquecer o passado escravista, como se fosse possível apagar uma parte dessa história tão presente nas ruas da capital federal. Ao mesmo tempo, não daria para esquecer uma certa tradição inventada pelo Império, com as cores que formavam os seus símbolos. O verde e o amarelo da bandeira do Império se somavam às suas riquezas: o fumo e o café, lembrando as cores das dinastias que formavam aquele reino nas Américas. Era do Império também uma música usada como hino que, tal como um certo improviso, tem como incerta sua data de criação. Para formar a República tentariam descartar um passado, principalmente o da escravidão e dos povos nativos, e preservar os elementos simbólicos que pudessem criar ligações mais profundas entre os já existentes no Brasil antes do grito da República. Afinal, pouca coisa havia mudado para quem estava longe da Corte/capital, principalmente diante da ausência de uma mudança social mais profunda com o início do período republicano.

    Este capítulo trata das permanências e das ausências. A primeira permanência são as cores verde e amarela da bandeira e os usos que se fizeram dela. O objetivo não é contar a história da bandeira em si, mas ela estará inserida na discussão como um símbolo pátrio em construção nos primeiros anos republicanos. Outra permanência é a da música do hino nacional. Preferiram a antiga e abusaram da sua execução nas primeiras décadas republicanas, como se faltasse uma liga para aqueles sentimentos patrióticos recém-surgidos. No entanto, seria preciso encontrar outra liga, uma que tivesse mais sentido para quem só tivesse a sua voz, sem um instrumento, e ainda assim quisesse demonstrar à qual nação pertencia. Era preciso que a República tivesse uma letra, um sentido a ser cantado, e de preferência que tivesse os sentimentos republicanos descritos nela a fim de que quem cantasse ou ouvisse a letra não esquecesse do gigantismo do Brasil ou dos seus filhos que não fugiam à luta. A ausência de uma letra, de um hino, marcaria a República nas suas primeiras décadas e construiria um debate profundo sobre como o Brasil e esse novo momento político deveriam ser cantados e celebrados.

    Por ser o hino da pátria e não o da monarquia

    ¹

    O cotidiano da capital da República pode ser conferido, em parte, nos relatos dos cronistas e nas notícias publicadas nos jornais da cidade. Textos de variados tamanhos, alguns assinados, relatavam uma capital em transformação e se adaptando aos novos tempos republicanos. A cidade recém-saída da escravidão e do Império reajustava suas ruas e suas narrativas sobre os últimos acontecimentos. As memórias da abolição e das festas ocorridas na região do Largo do Paço estavam presentes, principalmente a cada maio.² Como forma de celebrar esse período e alimentar um pouco a narrativa sobre seus responsáveis, peças de teatro e espetáculos eram encenados nos teatros da capital da República com a presença de antigos abolicionistas.

    Em 1901, o Teatro Lucinda abrigou um festival no dia 13 de maio que contaria com a presença de José do Patrocínio, João Clapp e outros membros da Confederação Abolicionista. Todos assistiriam, como parte do vasto programa de festividade, a alegoria em verso escrita por Assis Pacheco³ chamada 13 de maio e estrelada pelos atores Ferreira de Souza, representando o Escravo, Gabriela Montani, a Pátria, e Lucilia Peres, a Lei Áurea.⁴ A ação tinha como cenário uma floresta virgem do Brasil no horário da noite e o enredo envolvia o encontro entre os três personagens, tendo o hino nacional como música de fundo. Uma parte da peça foi reproduzida no dia seguinte no Jornal do Brasil, e a partir desse relato faço um resumo do espetáculo. O Escravo, encostado num tronco de árvore, dialoga solitário com a terra e pergunta: do seio teu, por que brotam as flores, se és regada de prantos e de desesperanças?, e segue questionando: roçam, por ti, grilhões feitos de aço e de dores, não sentes o pisar de míseras crianças que não conhecem pais porque nasceram pretas?. Num profundo diálogo com a terra, esse escravo adormece, começando a cena 2 com a entrada da Pátria, que contempla o Escravo e o chama de máquina humana, a máquina que chora! Que vê, que sente e sofre!, e reconhece seu sofrimento e a sua bravura quando começa a tocar o hino nacional, e ela aproveita para fazer

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