Comer para aliviar a dor: Comida, corpo e emoções. Uma construção relacional
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Sobre este e-book
Considero a amabilidade e o acolhimento o centro da fala, da vida e do trabalho da autora. Quem esteve com ela sabe que ela possui essa incrível capacidade de olhar para você com amor e com base nisso você também se percebe vendo a si próprio por meio dessa mesma lente.
Ao aceitar o seu convite para estar junto dela neste livro, você vai perceber que pode ser possível encontrar na gentileza o seu lugar de aceitação, um lugar onde você pode existir e apenas ser – longe do massacre que é enfrentar as dores de não estar adequado, bom o suficiente ou aceito.
Nesse diálogo você será convidado a também olhar para dentro e compreender que existe um mundo interior a ser descoberto, nele encontrará sua história assim como uma gama de crenças e hábitos que são o resultado da construção de quem é você hoje. Pela gentileza, é possível perceber que existe a oportunidade de refazer, de forma amorosa e acolhedora, uma análise e novos reajustes de cada pedacinho da sua história de vida e, então, ter a possibilidade de se reconstruir – e conforme esse processo for acontecendo você se perceberá em uma casa nova, fundando seu castelo em lugar de pertencimento, aceitação e amor.
Vanessa Xavier Prado
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Comer para aliviar a dor - Simone Nakakogue Dornelas
Introdução
O objetivo deste livro é trazer recursos para que você, leitor, possa lidar com suas emoções no contexto da alimentação e, consequentemente, melhorar sua relação consigo mesmo, com seu corpo e com a comida.
Este livro tem a intenção de ser um lugar seguro e de pertencimento.
Quantas tentativas cabem em uma vida? Quantas experiências são necessárias? Será que há um limite para os nossos esforços? Não sei. No que diz respeito ao meu empenho para tentar chegar ao corpo que desejo, eu juro que já fiz de tudo que você pode imaginar.
L.
Magricela, esqueleto, vara de cutucar estrelas, sarrafo, esquelética, varapau, palito, cabide, raquítica, girafa esses são apenas algumas formas que se referiam a mim, [...].
A.
‘Você está gorda’
, dizia enquanto me olhava. Se essa pessoa era ruim? Não, claro que não. Mas o modo como essas palavras soaram no tempo de minha infância me feriu e marcou profundamente.
G.
[...], sabe o que eu faço diante dessas emoções? Eu como sem parar. Meu coração acelera, mas não é resultado de alguma alegria, a sensação [...] de observar a cidade e a vida do alto de uma roda-gigante que eu sei que uma hora vai parar. [...] não consigo descer. Então despenco e me perco.
S.
’Tem que raspar o prato’
, diz, sem me olhar. Será que finge ou realmente não percebe que estou satisfeita [...].
M.
Domingo. Um novo dia traz a sensação de que hoje vou conseguir. Fui perfeita no café da manhã. Então veio a ansiedade do fim de tarde, o vazio incômodo [...]. Lembrei-me do biscoito fit para a semana. Comi o pacote todo. Isso fez com que eu me sentisse culpada e com raiva. Novamente dormirei pensando se aguento fazer jejum até o almoço para compensar.
B.
As pequenas coisas?
Os pequenos momentos?
Eles não são pequenos.
Jon Kabat-Zinn
É com alegria e amorosidade que desejo partilhar com todos vocês o cenário formado traço a traço, cor a cor pelos caminhos que, no início, pareciam não querer se encontrar. As palavras também compõem esse lugar que desenhei e que estranha potência
elas têm para desvendar, como escreveu a poeta Cecília Meireles. Elas podem ser ilustradas por meio do silêncio de um olhar, no grito crescente de um desespero, na consumação de uma alegria dentre tantas outras situações. E é com muito respeito e vontade que busquei a gentileza das palavras para escrever este livro.
Tenho caminhado por um pouco mais de vinte anos desde o início de minha formação em Psicologia e, quando olho para trás, para esse lugar delineado, observo e agora compreendo as boas escolhas que fiz. Ao voltar às minhas memórias, recordei as vozes de minha infância que me falavam sobre meu jeito de apoiar e ouvir os outros. Na época da minha escolha profissional, foi conversando com uma amiga que pensava em prestar vestibular para Psicologia, que tive o insight de que esse curso combinava com minhas habilidades que considero imanentes: o auxiliar e o escutar.
As chances e os obstáculos são vistos por mim como momentos de gratidão, pois foram eles que me ajudaram a conseguir algo de que tenho muito orgulho: minha profissão.
Eu me apresento a vocês. Sou a Simone e sou Psicóloga. Minha graduação aconteceu em 2006, pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Nesse percurso, busquei me dedicar a formações que possibilitaram trabalhar na dissolução de traumas no que concerne ao comportamento alimentar. Em 2022, concluí um importante aprimoramento pelo AMBULIM (Programa de Tratamento de Transtornos Alimentares), na USP, que acrescentou de maneira poderosa meus estudos constantes sobre trauma e a relação com o comportamento alimentar.
Para escrever os textos que compõem as páginas seguintes, lancei mão de um olhar muito atento que pudesse enxergar o outro e suas histórias perante uma perspectiva compreensiva.
É importante dizer que aprecio esmiuçar as oportunidades em busca de respostas e soluções, sempre levando em consideração o roçar de leve, de um modo atencioso, com respeito aos traumas das pessoas que chegam até mim.
Trabalho com abordagens de neuroprocessamento (EMDR, Brainspoting, Experiência Somática e Mindfulness), que me permitem observar o comportamento alimentar sob uma perspectiva neurobiológica. Nesse sentido, vejo e acredito no ser humano como potência e, por isso, estimo tudo o que o compõe: sejam suas dificuldades, suas habilidades e a forma com a qual lidam e elaboram suas dores. Faz parte de mim e de meu trabalho clínico olhar o humano com amorosidade e respeito.
No perpassar de meus estudos de psicologia clínica, comecei a me interessar pelas discussões sobre transtornos e traumas. Nesses anos fui pesquisando e investigando situações cuja dor se manifestava em um caráter mais profundo. Era esse tipo de dor que me instigava a tentar compreendê-la, a trabalhá-la. Para mim, que sempre gostei de desafios, era a vereda certa.
Nessa direção em que a dor é tema central, pouco a pouco fui descobrindo que existia uma maneira de trabalhar com a questão do trauma e, por sua vez, em relação a esse assunto, atentei que os transtornos alimentares são, de modo geral, condições de traumas complexos.
E o que é um trauma complexo? É o resultado de experiências dolorosas mais profundas e que, em geral, acontecem na primeira infância, um momento em que ainda não podemos nomear o que acontece. Nessa fase, como estamos suscetíveis ao aprendizado, se aprendermos e vivenciarmos o abandono, a humilhação, invalidação ou a sensação de não sermos seguramente suportados, será essa a entonação com a qual iremos crescer. Essas experiências fomentam os traumas complexos. Enfim, são camadas e mais camadas que nós precisamos adentrar suavemente até acessá-las sempre com muito respeito.
Quando falamos sobre traumas em pessoas que desenvolvem dificuldades alimentares ou alguma situação dolorosa que envolve o alimento, trata-se de uma questão bastante individual porque depende muito da trajetória de vida de cada um.
Ao longo do meu trabalho, o que tenho percebido nesse contexto é que as pessoas têm mais traumas relacionados com o que pensam delas mesmas e o que ouviram repetidamente sobre si, mesmo que essas percepções já não estejam tão conscientes. Isso acontece porque escutaram tantas e tantas vezes desde pequenas que esses conceitos acabaram se incorporando à sua vivência.
Assim, na minha experiência, enquanto psicóloga, esse tipo de trauma relacionado com a autoestima, com a forma de se alimentar, de certo modo, está mais vinculado às pessoas que não desenvolveram um bom relacionamento com a comida e com o corpo. Claramente não podemos generalizar, pois afinal os traumas são carregados segundo a história de cada um.
Nas páginas que compõem este livro, falaremos sobre algumas definições importantes no que diz respeito a comportamentos alimentares e trauma, além de sintomas, emoções, recursos, dicas, exercícios e alguns relatos.
Por último, gostaria de apresentar um fragmento do poema Eu louvo a dança:
Eu louvo a dança
Pois ela liberta as pessoas das coisas,
Unindo os dispersos em comunidade [...].
Santo Agostinho
A nossa conversa ao longo das palavras será como um convite para dançar. Ela começou com a apresentação de fragmentos de histórias baseados em casos reais e que se misturam. Preferimos assim para preservar a identidade dos(as) pacientes. Sigo então para que você me conheça um pouco melhor e o trabalho que desenvolvo sobre comportamento alimentar. Ser psicóloga para mim é aquecer o próprio coração ao participar do processo terapêutico do outro.
Primeira parte.O cuidado do outro e o cuidado de si
Gentileza. Em uma de suas raízes etimológicas, seu prefixo gen significa dar à luz, trazer algo à luz, trazer a bondade, a fraternidade humana às coisas do mundo. Ao olhar para o outro, seja gentil. Ao olhar para si, seja gentil . Trata-se de uma virtude premente da qual necessitamos. Afinal, todos temos nossas histórias e o nosso mundo interno foi moldado a partir do que nossa trajetória exigiu como sobrevivência pessoal.
E por que estou falando sobre gentileza e histórias pessoais?
Porque para trabalhar como psicóloga(o) ou terapeuta é muito importante estar bem, olhar com carinho e cuidado para o próprio interior. Cuidar de si também significa cuidar do outro.
Se nós psicólogas(os) estamos em harmonia com nosso cotidiano, elaborando as próprias dores, os traumas, as dificuldades individuais, a possibilidade de associar a vida privada à do paciente torna-se menor. Por essa razão é considerável estar e atuar de forma coerente em seu papel.
Ao olhar para alguém é como se víssemos um iceberg, isto é, vemos só a pontinha, não enxergamos a pessoa inteira. Por baixo de toda a água, há um mundo submerso. Assim precisamos ir com atenção, estarmos em sintonia com nosso íntimo para acessar esse mundo com bastante respeito, prudência, amorosidade a fim de que o processo terapêutico seja bem conduzido.
Esteja consciente do que seu corpo faz a cada dia. Ele é o instrumento de sua vida, não um ornamento para o prazer dos outros.
Margo Maine
Comportamento alimentar: um diálogo entre corpo e mente
Há algum tempo, assisti a um filme chamado O Tempero da Vida . Com uma abertura belissimamente poética, acompanhamos a história do personagem Fanis, um garoto que cresceu em Istambul, junto ao avô, homem que lhe ensinou que tanto a comida quanto a vida precisam de um pouco de sal e, algumas vezes, canela para ganhar sabor. Em suma, a vida precisa sempre de um toque de tempero.
Mas, de vez em quando, é natural exagerarmos na quantidade desse tempero, não é mesmo? Assim gostaria de falar a respeito do que constitui e conduz os fios que serão estrutura do tema no qual esse livro deve versar: o nosso comportamento alimentar.
A nossa relação com a comida permeia questões diversas: comemos porque precisamos, porque gostamos, porque sentimos, porque memoramos.
Há várias situações e experiências que fundamentam nosso comportamento alimentar tais como: a relação da família com a comida e com o próprio corpo, as palavras que ouvimos sobre comida ao longo de nossa trajetória, os aspectos culturais e as crenças os quais somos expostos no decurso da vida, os falares midiáticos no que diz respeito ao corpo, à alimentação, à saúde e que parece nos fazer pertencer à multidão e moldar os pensamentos e sentimentos que temos no que concerne a nós.
Todas essas vivências podem fundamentar nosso comportamento alimentar em maior ou menor grau. Ao refletir sobre as redes sociais, por exemplo, os elementos da equação tendem a nos confundir, principalmente pela ampla gama de possibilidades para a nossa sensação de pertencer quando se fala do corpo perfeito
.
Existe