Sobre este e-book
E se o último lobo terrível não tivesse morrido… mas apenas esperado?
No coração de uma era gelada, um jovem Canis dirus chamado Tharn atravessa vales solitários e tempestades implacáveis em busca de uma terra onde a vida ainda floresça. O que ele encontra não é um paraíso, mas o fim — e uma promessa feita nos últimos instantes da sua vida.
Milhares de anos depois, a ciência dá um passo audacioso: ressuscitar a espécie extinta. Mas quando a criação escapa ao criador, a selva moderna mostra-se tão letal quanto a do passado. Entre biotecnologia, interesses corporativos e memórias genéticas que teimam em despertar, o caos está prestes a recomeçar.
Se gostaste de A Ilha do Dr. Moreau, Jurassic Park ou thrillers com uma veia filosófica e selvagem, Canis Dirus: O Eco da Espécie Perdida é para ti. Uma fusão entre fábula pré-histórica e suspense científico moderno.
Quando a extinção falha, quem sobrevive?
Clica em "Comprar agora" e descobre o destino da criatura que não devia existir.
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Canis Dirus - Sanchez Tristão
Canis Dirus
O Eco da Espécie Perdida
Sanchez Tristão
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Copyright
Sanchez Tristão
Copyright © 2025 Sanchez Tristão
All rights reserved.
ISBN:
Tabela de conteúdos
DEDICAÇÃO
Nota
1.Capítulo 1 - Cinzas sob a neve
2.Capítulo 2 - Norte do Silêncio
3.Capítulo 3 - O último pico
4.Capítulo 4 – Por baixo do vidro e do tempo
5.Capítulo 5 - Proxies e Predadores
6.Capítulo 6 - Repetição imperfeita
7.Capítulo 7 - Uivo da Primeira Luz
8.Capítulo 8 – Script instintivo
9.Capítulo 9 - Protocolo de interrupção
10.Capítulo 10 - Norte da memória
11.Capítulo 11 - Limiar
12.Capítulo 12 - A voz enterrada
13.Capítulo 13 - Linha do gelo
14.Capitulo 14 – Ecos
15. Final?
15.Sobre o Autor
DEDICAÇÃO
A todos os que ouviram um chamamento impossível.
Aos que persistem, mesmo quando o mundo já desistiu.
E aos lobos — reais ou esquecidos — os que correram antes e os que ainda vão corer depois de nós.
image-placeholderNota
Este livro divide-se em duas partes distintas.
A primeira é uma fábula. Um lobo corre sozinho através de terras geladas e esquecidas. A sua jornada é silenciosa, quase ancestral. Não há diálogo humano, não há tecnologia. Apenas neve, instinto e uma esperança que teima em não morrer.
A segunda parte entra no domínio do thriller. Aqui, a ciência quebra o gelo. Humanos, laboratórios e decisões morais cruzam-se com o legado de uma espécie extinta. A história torna-se mais ruidosa, mais atual — mas o eco do passado continua a ressoar.
Ambas as partes contam a mesma história: a de um ser que não devia existir, mas que insiste em sobreviver.
Capítulo 1 - Cinzas sob a neve
Ovento soprava sobre a planície branca sem fim, levantando cristais de gelo que brilhavam como fragmentos de estrelas despedaçadas. Um jovem lobo gigante estava junto ao flanco rígido da sua mãe Sava, com as costelas a pressionarem-se sob o seu espesso casaco de inverno, enquanto inalava o frio intenso. À volta deles, a tundra estendia-se ininterrupta e remota, o seu silêncio apenas cortado pelo gemido do vento. A carcaça de um mamute jazia semienterrada na neve, com os últimos vestígios de calor e de vida há muito arrancados. Agora os restos mortais eram o testemunho de um mundo à beira do desaparecimento - como a própria alcateia, lutando em vão pela sobrevivência.
Tharn era o mais novo do seu grupo cada vez mais reduzido, uma criatura ainda incerta do seu lugar. As suas patas tinham cicatrizes ténues de queimaduras de frio, lembranças de caçadas em superfícies que ele mal conseguia agarrar. Por vezes, questionava-se se estaria destinado a sobreviver numa terra que se tornava cada vez mais dura. A comida escasseava e até o cheiro ténue e azedo do mamute lhe fazia revirar o estômago de saudade e do fantasma da esperança. No entanto, a carne estava quase estragada: endurecida pelo frio, tornada rançosa pelo tempo. Comê-la significava viver mais um dia, talvez dois. A alcateia compreendia isso, pressionando-a com olhos opacos e presas abertas quando necessário.
O pelo da sua mãe estava em tufos esfarrapados, um pelo outrora brilhante estava agora a desfiar-se nos ombros. A respiração dela era áspera, um assobio superficial que o fazia lembrar-se de uma cana soprada pelo vento. Ela inclinou o focinho para a pele gelada do mamute e puxou, mas os dentes escorregaram. Era como se até o ambiente lhes recusasse uma última cortesia. Ele observou-a a tentar novamente, o seu desespero era evidente. Esta não era a caçada graciosa das velhas histórias, não era a perseguição estrondosa pelas planícies onde os granes lobos corriam em orgulhosas alcateias de centenas de indivíduos. Esta era uma parca existência de raspagem - arrancar os bocados que se podem do gelo e permanecer de pé, ou cair e juntar-se aos ossos.
O pequeno Tharn esperou, com o nariz a tremer. Ele tinha aprendido a ter paciência; desde o momento em que conseguiu ficar de pé, ele sabia que saltar para a frente demasiado cedo significava uma repreensão sob a forma de um rosnado duro ou de uma patada. Mas agora só restavam três: ele próprio, a sua mãe Sava e o macho mais velho e cheio de cicatrizes que tinha assumido o papel de cuidador nestes últimos dias Raek. Antes, havia mais – a sua irmã Moro, mais velha, dois irmãos robustos o Fenrir e o Yurak. Ele lembrava-se deles de uma época em que o horizonte parecia menos opressivo. Mas, dia após dia, a alcateia foi-se reduzindo à medida que o inverno interminável os reclamava.
Uma rajada de vento trouxe consigo um eco ténue de vozes que ele quase as conseguia ver- uivos perdidos à deriva do labirinto dos séculos. O jovem Tharn levantou as orelhas, afastando-se do lado da mãe e examinando a vasta brancura. Nenhuma forma rompia o vazio monocromático, nenhum cheiro novo desafiava a rigidez do sangue antigo. Apenas um redemoinho de neve, um remoinho que dançava momentaneamente antes de voltar a ficar silencioso.
Ele deu mais um passo, atraído por uma sensação intangível de presença. A sua respiração condensou-se numa nuvem à volta do seu focinho. Alguma coisa ao longe parecia chamá-lo - nenhuma palavra, mas uma urgência, um instinto, puxando a medula dos seus ossos. O grande vazio abria-se diante dele, e parecia que a própria terra lhe acenava para caminhar, para testar o limite onde a terra acabava e o horizonte começava.
Um suave gemido vindo de trás fê-lo recuar. A sua Sava esforçava-se por se manter de pé, com as pernas a tremer. Raek, com o focinho branco devido a mais do que apenas a geada, ofereceu-lhe um flanco de apoio. Ela estalou fracamente contra ele - talvez por orgulho ou talvez por medo de o derrubar também. Tharn vacilou onde estava, dividido entre o convite silencioso do horizonte e os ténues laços da família que o protegiam.
Mesmo assim, ele voltou para ela. Ele pressionou o seu corpo contra o dela, emprestando-lhe calor, tal como ela lhe faia. Ela fez uma pausa no seu frenético rasgar da carcaça e acariciou-o gentilmente. Os seus olhos, outrora ferozes, brilhavam agora como brasas numa lareira moribunda. Ela lambeu-lhe o focinho, deixando para trás uma mancha de sangue e gelo. Nesse gesto, ele sentiu tanto o pedido de desculpas como a aceitação - ela tinha pouco para lhe dar, mas dá-lo-ia até ao último suspiro.
Raek soltou um latido curto e gutural, chamando-os para a caixa torácica exposta do mamute. Talvez houvesse alguns restos lá dentro se eles rasgassem as últimas membranas. Tharn contornou os ossos imponentes, que mais pareciam monólitos irregulares do que restos de uma criatura viva. Ele enfiou o focinho na fenda entre duas costelas, atraído por um leve odor que poderia ser comestível. O ar frio estava impregnado de podridão. Sob as suas patas, a neve tinha adquirido uma tonalidade acinzentada - cinza sob a neve, uma marca do tempo e da transformação.
Trabalhou os maxilares, mordendo um pedaço de tendão apodrecido. O sabor era suficiente para lhe revirar o estômago, mas a fome há muito que lhe tinha retirado o luxo da repulsa. Mastigou, engoliu, repetiu. Cada dentada parecia uma traição à dignidade da vida, um consumo de algo que sabia mais a fim do que a sustento. Mas a cada tragada, um calor percorria-lhe os membros, um calor que se traduzia numa hipótese de amanhã.
Acima deles, o céu mudou de cor de estanho para um estranho tom arroxeado, como se o sol já não conseguisse decidir como iluminar esta terra ferida. O lobo levantou a cabeça da carcaça, com pedaços de tendão a sair do focinho, e observou as nuvens ténues que se desenhavam no horizonte. Estava a formar-se uma tempestade. Mesmo na sua juventude, ele reconhecia os sinais: a queda da pressão atmosférica, o silêncio subtil do vento, a súbita secura na parte de trás da garganta.
Raek também o sentiu, andando à volta da carcaça em agitação. De vez em quando, parava para raspar a tundra por baixo da neve, como se estivesse à procura de algo escondido. Um abrigo, talvez, ou um ponto de observação. Não havia nada para encontrar. A terra estendia-se em todas as direcções, como se zombasse do seu desespero. As rochas sobressaíam aqui e ali como antigas lápides, oferecendo pouca cobertura. Ao longe, um bosque de pinheiros despedaçados inclinava-se precariamente, mas a alcateia estava demasiado fraca para viajar tão longe antes da chegada da tempestade. Restavam-lhes os restos do mamute como quebra-vento - uma proteção escassa, mas melhor do que ficar a céu aberto.
Sava deu um gemido baixo, meio de luto, meio de aviso, e os três rodearam o local, alisando a neve compactada para criar uma depressão rasa ao lado da carcaça. Os seus corpos apertaram-se num arco apertado. Tharn conseguia sentir o tremor no flanco da sua mãe, cada respiração irregular como o ribombar de um trovão distante. Quando a neve começou a girar de novo, ele fechou os olhos e encostou o rosto no pelo áspero dela, inalando o seu cheiro. Ainda era conforto, ainda era o seu lar.
No entanto, na escuridão por detrás das suas pálpebras, o chamamento voltou. Um sonho, talvez. Ele viu formas a moverem-se através de uma planície ondulante - lobos selvagens, saudáveis e numerosos, perseguindo bisontes que trovejavam em círculos, a terra a tremer sob os cascos e as patas. Havia uivos que cantavam a vitória, cachorros a lutar na erva alta. O ar cheirava a vida e a promessa. Depois, um estalido estrondoso dividiu a visão, e as planícies voltaram a ser a tundra sem vida. As sombras separaram-se, deixando-o com um único e potente desejo: mover-se, seguir, procurar algo para além dos limites do mundo.
Uma tosse áspera de Sava quebrou essa ilusão. A primeira rajada de vento da tempestade açoitou o trio, e Tharn piscou os olhos para afastar as memórias do sonho. Levantou a cabeça para ver as nuvens de neve a entrarem no seu escasso santuário. O macho mais velho encolheu as costas, protegendo a mãe loba o melhor que podia. Mas a idade e a exaustão minaram-lhe as forças, e também ele tremeu.
Durante horas, eles suportaram o vendaval. Vinha em ondas, fustigando-os de todos os lados, arrancando a camada superior de neve e atirando-a pelo ar. Por vezes, através do vento uivante, Tharn ouvia ruídos distantes - talvez grandes placas de gelo a estalar sob pressão, ou colossais montes de neve a desmoronar-se. Ele agachou-se, apoiando o focinho nas patas dianteiras, à espera que a fúria passasse.
Quando finalmente passou, a terra apresentava novas cicatrizes de dunas brancas. A carcaça do mamute estava agora enterrada até à caixa torácica num monte de neve disforme, a sua presença revelada apenas por alguns ossos salientes. Os próprios lobos estavam meio submersos, obrigados a sacudir as camadas de gelo. A mãe loba não se mexeu durante um momento, e uma onda de pânico percorreu o jovem lobo. Ele cutucou o focinho dela até que ela abriu um único olho âmbar. Ela exalou lentamente, como se estivesse a acordar de um sono profundo e inquieto, e forçou-se a ficar de pé. Raek soltou um som suave e encorajador, embora não estivesse em melhor forma.
Saíram da deriva, cada passo pesado. Sava tentou sacudir o pelo, mas apenas pedaços de granizo congelado caíram, deixando o pelo outrora orgulhoso emaranhado. Tharn observou o horizonte, reparando como a tempestade tinha alterado a paisagem. Pontos de referência familiares - pequenos cumes, até as pegadas rasas que tinham deixado para trás - foram apagados. Era como se a terra se recusasse a reconhecer a sua existência, apagando todos os vestígios da sua luta.
Sentiu a fome roer-lhe de novo a barriga. Apesar de ter engolido o que restava da carne do mamute, não estava satisfeito. Os seus corpos esfomeados ansiavam por um verdadeiro sustento - mortes frescas e quentes que já não vagueavam por estas paragens. Olhando para fora, não viu manadas. Os mamutes tinham desaparecido na sua maioria, ou estavam a dirigir-se para sul, se é que estavam em algum lado. Os bisontes e os muskoxen tinham-se tornado escassos. Os poucos que restavam eram esquivos ou estavam muito além da capacidade dos lobos de os perseguir. À sua volta, havia apenas um vazio estático, um palco onde o último ato da Idade do Gelo se desenrolava em quase silêncio.
Uma pequena esperança cintilou: talvez houvesse um próximo ato algures. Lembrou-se de um lobo mais velho da alcateia, Kael já falecido faz muito tempo, que lhe contou de terras mais quentes para lá do horizonte. As histórias soavam a fantasia - florestas luxuriantes de coníferas, caça abundante, riachos sem gelo. Talvez isso fosse apenas uma lenda. No entanto, nos cantos da sua mente, o apelo invisível vibrava, dizendo-lhe que talvez houvesse verdade nessas histórias. Ele queria ir, para ver se o sonho era real. Mas deixar a sua mãe, deixar o macho mais velho, parecia impossível agora. A lealdade prendia-o tão seguramente como o frio prendia a terra.
Sava cutucou um pedaço de terra perto do crânio do mamute, farejando qualquer vestígio de comida. Uma centelha de triunfo brilhou nos seus olhos - talvez um resto de cartilagem. Ela roeu-a, com o corpo tenso de necessidade, ignorando a fenda nas almofadas das patas onde o sangue escorria para a neve. Raek moveu-se sobre membros instáveis para circundar a área, como se estivesse à procura de necrófagos. Mas não havia nenhum, nem mesmo corvos. O ar parecia claustrofóbico, como se o próprio céu tivesse baixado uma cortina de gelo sobre eles.
Tharn andava de um lado para o outro, com a respiração a sair em rajadas superficiais. A cena encheu-o de uma estranha mistura de pavor e desejo. Lambeu o focinho, sentindo o sabor do sangue seco e o travo da tempestade. O mundo estava a falhar-lhes, ou eles estavam a falhar ao mundo - ele não conseguia ter a certeza. Tudo o que ele sabia era que tudo parecia mais pesado, mais lento, mais frio. Até o tempo parecia relutante em avançar, como se a Idade do Gelo se agarrasse aos seus últimos dias com um vigor desesperado.
Sentiu o olhar da sua mãe sobre ele. Ao virar-se, viu nos olhos dela uma resolução que lhe fez bater o coração. Ela tinha devorado o pouco que restava da cartilagem e olhava-o agora com uma doçura que lhe perfurava a alma. Ela aproximou-se mais, o focinho roçando o dele, e ele sentiu uma vibração na garganta dela - um leve lamento, um sussurro de afeto. Depois, ela empurrou-o para a tundra aberta, como se lhe dissesse para correr. Ele estava demasiado atordoado para responder de imediato. Ela empurrou-o novamente, mais firme desta vez. Um comando silencioso numa língua mais antiga que as palavras: Vai.
Olhou de relance para Raek, que lhe devolveu o olhar com um solene baixar de cabeça. Juntos, pareciam chegar a um acordo silencioso. Tharn sentiu a confusão agitar-se dentro de si. Era suposto ficarem juntos; uma alcateia sobrevivia pela união. Mas era dolorosamente claro que um corpo poderia resistir, se não tivesse de arrastar os outros para uma morte lenta e inevitável. Ele choramingou, aproximando-se da mãe, como se abraçasse o último calor que conheceria.
Mas ela afastou-se, enrijecendo-se, com uma severidade maternal na sua postura. Ela abriu as mandíbulas num suspiro silencioso, com a respiração irregular. Raek moveu-se atrás dele, empurrando-o para a frente em uníssono. À volta deles, instalou-se um silêncio. Não havia vento, nem estalos distantes. Apenas eles os três e os ossos de uma besta outrora majestosa, ensombrados pela realidade arrepiante de que o fim estava aqui.
Tharn soltou um uivo suave e lamentoso, uma pergunta, um pedido. A mãe fechou os olhos, como se não suportasse vê-lo pedir algo que já não podia dar. O macho mais velho respondeu com uma voz fraca e baixa que ecoava tristeza. A finalidade daquele momento pairava no ar, uma decisão tomada com o coração partido. O protesto de Tharn morreu na sua garganta. Ele deu um passo hesitante em direção à tundra aberta, depois olhou para trás por cima do ombro.
Será que eles iam mesmo ficar para trás? Sava baixou a cabeça uma vez, encorajando-o a continuar. Atrás dela, Raek ficou por perto, com uma postura protetora. Também ele estava ferido, com a pata dianteira torcida devido a um ferimento antigo que nunca sarara. Agora, eles pareciam preparados para apostar o pouco de vida que tinham nessa carcaça de mamute abandonada, permitindo que o mais jovem tivesse uma chance de escapar. Talvez um lobo, pelo menos, pudesse escapar à extinção.
Tharn tremeu, dividido entre o instinto de obedecer à última ordem da alcateia e o medo de os deixar morrer. Enquanto ele hesitava, o focinho da mãe enrugou-se numa ligeira demonstração de autoridade. Ela cerrou os dentes, não por raiva, mas por desespero. Aquela careta selvagem dizia: Vai agora, ou nunca mais sairás daqui. Algo dentro dele reconheceu a necessidade. A sobrevivência exigia um cálculo impiedoso.
Baixou a cabeça, baixou as orelhas e deu mais um passo em frente. Uma pata afundou-se mais na neve. Ele deslocou o seu peso e continuou a avançar, cada passo sendo uma traição aos laços que tinham moldado a sua curta existência. O ar frio arrancou-lhe lágrimas dos olhos, ou talvez fosse tristeza. Ele não olhou para trás quando ouviu a sua mãe choramingar baixinho. Não se virou quando Raek soltou uma nota única e estridente que se elevou no ar, uma bênção final. Em vez disso, fixou o olhar na distância desconhecida, colocando uma pata atrás da outra até que as formas atrás de si se confundissem com a natureza selvagem.
Caminhou durante o que pareceram horas, o vento regressando em sussurros suaves, fazendo a neve rodopiar no seu caminho. Um entorpecimento tomou conta dos seus membros, em parte devido ao frio, em parte devido ao choque da partida. Ele nunca tinha estado verdadeiramente sozinho; mesmo nos piores dias, a presença da alcateia tinha-o ancorado. Agora, a sensação de isolamento preenchia cada respiração, cada passo. Parou ocasionalmente para testar o ar, na esperança de apanhar o rasto de uma presa ou mesmo de um lobo a uivar ao longe. Não havia nada a não ser o silêncio de uma terra que negava a sua própria morte.
As suas patas levavam-no firmemente para noroeste, atraído pela memória de contos que diziam que o sol permanecia mais tempo no horizonte, que por vezes o gelo se abria para revelar vales escondidos onde a vida poderia ainda florescer. Ele não podia confirmar nada disso, mas era esperança suficiente para continuar a andar. À sua volta, o vazio da tundra expandia-se em todas as direcções, o seu branco uniforme era quebrado por pedregulhos dispersos ou erráticos glaciares que pareciam sentinelas silenciosas. Subiu pequenos cumes, cada um revelando apenas mais do mesmo - uma tapeçaria infinita de gelo e neve soprada pelo vento.
Perto do meio-dia, ou o que passava por meio-dia neste mundo à meia-luz, as orelhas do lobo contraíram-se a um som ténue - um raspar, um farfalhar. Ele abaixou-se, com o focinho perto do chão. Ali, no vento, vinha o cheiro efémero da vida. Avançou com passos cuidadosos, ignorando a dor de barriga que parecia latejar a par do batimento cardíaco. Os seus olhos perscrutaram o terreno até que avistou um movimento: uma lebre árctica solitária, a remexer num arbusto magro que se esgueirava pela neve.
Ele congelou, com os instintos a despertar. Uma lebre não poderia encher-lhe a barriga durante muito tempo, mas era um sinal. Uma pequena amostra de possibilidade. Lentamente, aproximou-se, baixando o corpo o mais possível. O seu pelo, outrora uma mistura irregular de cinzento e esbranquiçado, pouco fazia para o camuflar completamente, mas o vento que soprava podia disfarçar o seu cheiro. A lebre levantou a cabeça, com as orelhas a tremerem de medo. Tharn susteve a respiração. Mais um passo, e outro. Então, numa explosão de energia reprimida, ele atacou.
As suas pernas, endurecidas pelo frio, vacilaram ligeiramente. A lebre correu, ziguezagueando com a velocidade de um relâmpago. Ele reuniu toda a sua força para a perseguir, com as mandíbulas a estalar no ar vazio. A perseguição foi curta, brutal. A lebre desviou-se para trás de uma rocha, e o lobo atacou, apenas para embater desajeitadamente no lado da pedra. O lobo sentiu dor no ombro, mas torceu-se mesmo a tempo de agarrar com os dentes a pata traseira da lebre. A criatura soltou um guincho aterrorizado. O lobo preparou-se, puxando com o resto da sua força, ignorando a dor quente nos seus músculos.
Conseguiu prendê-la debaixo das patas. A adrenalina subiu-lhe à cabeça. Sem hesitar, ele deu a mordida mortal. Uma pequena vida terminou num piscar de olhos. O seu peito pesava, uma satisfação primordial misturada com o arrependimento de tal violência ter sido necessária. Mas a sobrevivência era a única lei aqui. Por um momento, ele ficou a tremer, com a lebre morta mole nas suas mandíbulas. Então ele a devorou, devorando o parco sustento como se fosse um banquete de rei.
O calor espalhou-se pelo seu corpo, um conforto fugaz, enquanto ele roía os ossos e engolia pedaços de pelo. Quando finalmente levantou o focinho, os restos eram pouco mais do que tufos brancos espalhados. Lambeu as mandíbulas, ofegante, com um sabor metálico de satisfação. A sua barriga estava mais sólida, embora longe de estar cheia. Ainda assim, uma leve sensação de vitória percorreu-o. Tinha-o feito sozinho, cumprindo uma promessa básica da vida: continuar a andar, continuar a lutar, mesmo quando o mundo insistia em decair.
Descansou um pouco, deixando o seu coração bater mais devagar. Um ocasional remoinho de neve flutuava à sua volta. O céu tinha clareado um pouco, revelando um pálido globo de sol que permanecia, incerto, atrás de nuvens esfarrapadas. Lançava sombras alongadas que faziam o lobo parecer mais alto, mais velho, mais formidável. E, no entanto, ele ainda era apenas um viajante solitário numa paisagem demasiado vasta para ser conquistada por uma única criatura. Se ele ficasse aqui, morreria de fome ou congelaria, como os outros. Por isso, depois de recuperar o fôlego, forçou as pernas cansadas a seguir em frente, seguindo aquela atração intangível.
O tempo perdeu a sua forma. Caminhava sobre a neve endurecida pelo vento que, por vezes, dava lugar a camadas de gelo pouco profundas, cada passo era uma aposta precária. De vez em quando, tropeçava, gritava, levantava-se e continuava. A memória do último empurrão da sua mãe empurrava-o para a frente, como se a sua vontade fosse além do físico. O sol foi-se afastando para oeste, pintando o horizonte com ténues manchas cor-de-rosa e douradas que pareciam quase zombeteiras na sua beleza, um lembrete de que o mundo ainda podia ter esplendor mesmo quando morria.
Quando o crepúsculo começou, o frio intensificou-se. O lobo procurou abrigo numa depressão pouco profunda junto a um afloramento rochoso. Ele deu a volta e deitou-se, enrolando a cauda espessa sobre o nariz. A exaustão do dia pesava-lhe muito. Fechou os olhos e a escuridão tomou conta dos seus pensamentos. Mais uma vez, os sonhos encontraram-no. Viu bisontes imponentes a vaguear numa terra onde a erva ondulava em vez de congelar, onde mil pegadas de inúmeros lobos formavam uma tapeçaria sobre a terra. Os seus irmãos estavam lá, vivos, saudáveis, a saltitar sob um sol brilhante de verão. Depois, tal como antes, o sonho desfez-se, substituído por um vazio branco como osso.
Ele acordou com um sobressalto, com o coração a martelar. A noite tinha caído completamente, com um céu estrelado a pairar no ar. O ar parecia impossivelmente cortante, cada respiração era como mil agulhas a picar-lhe os pulmões. No entanto, pela primeira vez, as estrelas pareciam mais próximas, como se estivessem a descer da abóbada para o guiar. Levantou-se, rígido e dolorido, olhou em volta e captou um ténue vislumbre de movimento no céu: a aurora, pálida e cintilante, uma cortina fantasmagórica que se movia na escuridão. Ele observou-a por um momento, paralisado, como se os próprios céus estivessem a tecer uma história de cor e luz numa linguagem que ele quase conseguia compreender.
O vento aumentou, agitando as pedras à sua volta. Ficou a olhar para a aurora durante muito tempo, sentindo uma estranha afinidade com a sua dança silenciosa. Depois, partiu de novo, confiando na luz ténue das estrelas para evitar armadilhas escondidas. De vez em quando, o gelo estalava por baixo dele, provocando sobressaltos de alarme. Várias vezes, fez uma pausa para procurar um caminho ou testar a estabilidade do solo. Não tinha outro destino senão seguir em frente, seguindo um imperativo escrito nos seus instintos e no fantasma da memória que sussurrava: Há um lugar para além deste vazio.
Caminhou durante a noite, parando apenas quando o cansaço ameaçava deixá-lo cair onde estava. O amanhecer aproximou-se e, com ele, o céu clareou para um púrpura ferido. Ele tinha atravessado uma região pontilhada com mais rochas, talvez os restos de uma antiga morena. Alguns tinham a forma de punhos gigantes que irrompiam da terra, outros eram suavizados por milénios de movimento glaciar.
