Solte os Cães
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Sobre este e-book
O Vírus transfigurou a face da terra e de seus habitantes.
As cidades estão em ruínas, humanos e animais foram dizimados e transformados em criaturas monstruosas, as Bestas Infernais.
Os Senhores, os membros da nova classe governante, compram as feras para suas coleções ou para fazê-las combaterem nas arenas, encenando horríveis espetáculos sangrentos que representam a única fonte de divertimento de um povo que está na miséria. Os Sacerdotes da Chuva, fanáticos que decididos a derrubar o regime em nome da liberdade das bestas infernais, tramam à sombra dos anfiteatros.
Em uma Praga transformada na sombra de si mesma, Dana foi contaminada há oito anos. Rejeitada pela sociedade e abandonada até pelo irmão Aleksej, foi obrigada a renunciar a antiga vida para se tornar uma Caçadora, tal como muitos outros híbridos, captura e revende os transformados para se sustentar. Ao contrários dos outros, está apaixonada por uma Senhora: Viktorie.
Enquanto assiste a um combate junto com a mulher, as coisas mudam. Fora da arena explode uma revolta liderada pelos Sacerdotes da Chuva, o primeiro sinal da revolta. Quando os rebeldes lhe propõem de se juntar a eles na guerra inevitável que se prepara contra os Senhores, a Caçadora precisará fazer uma escolha, salvar a si mesma aceitando a oferta dos insurgentes, ou salvar Viktorie da sede de sangue deles.
Mas qual entre as duas facções é a verdadeira articuladora do conflito e qual é a vítima inocente?
Quem é o Caçador e quem é a presa?
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Solte os Cães - Veronica Tomasiello
INFERNAL BEAST
I
Veronica Tomasiello
Solte os Cães
Solte os Cães
1
A lebre grunhiu e bateu sobre o terreno uma das enormes patas traseiras, que afundou meio metro e ergueu uma chuva de detritos.
Pelo menos, Dana estava bem convencida que tinha sido uma lebre, a princípio, mesmo que agora fosse três vezes maior que um homem e ostentava duas presas recurvas, como as de um tigre dente de sabre, tão compridas quanto um braço seu. De um lado era recoberta por uma robusta carapaça, enquanto no resto de seu corpo cresciam escassos tufos de pelo cinza sujo. No lugar de uma pata dianteira, havia uma brilhante pinça negra que se abria e fechava e uma cauda retorcida de escorpião ondejava sobre a cabeça monstruosa, o ferrão embebido de uma substância violácea viscosa.
A fera reclinou a cabeça para trás e farejou o ar, os bigodes trêmulos, as narinas dilatadas.
A jovem enrijecida pela tensão pegou lentamente uma flecha da aljava que portava a tiracolo. Estava deitada como um gato debaixo de uma densa folhagem do matagal; a criatura não podia vê-la, porém, cedo ou tarde o farejar permitiria localizar a Caçadora.
Devo me apressar. Com poucos movimentos essenciais, ditados pela praticidade, Dana ajustou a flecha ao arco e fez a mira, estudando a presa através da mira telescópica montada sobre a empunhadura da arma.
A lebre ainda estava imóvel, ocupada em localizar a fonte do odor anômalo que havia despertado o seu interesse. Um caçador, na realidade, presa inconsciente.
Que ironia.
Dana esperou mais alguns segundos, então atirou.
A seta cortou o ar silenciosamente e se alojou na tenra cavidade entre a coxa e o flanco, na parte privada de couraça.
Chocada com a repentina dor, a besta emitiu um rugido enfurecido e se agachou em posição de defesa, as longas orelhas achatadas sobre a cabeça e as mandíbulas escancaradas com seus dentes enormes para intimidar o inimigo ainda invisível. No ponto onde a flecha tinha penetrado brotavam viscosos veios de sangue, que manchavam a pelagem já suja, e a perna pendia inútil, como um balão aerostático murcho.
Logo em seguida, uma segunda flecha colocou fora de ação a pata dianteira e o animal foi obrigado a se agachar sobre o flanco são.
A jovem aproveitou-se para colocar a aljava no chão e pegar uma pistola de tranquilizantes. O terceiro projétil - bem menor e menos letal - alojou-se no pescoço da fera, alucinada demais pelo terror e pelo sofrimento para sentir.
Agora era uma questão de instantes. A Caçadora se levantou e saiu ao descoberto e a arma ainda apontada para a criatura. Às vezes era necessário mais de um sonífero para abater exemplares tão grandes.
Não era o caso da lebre, já zonza pelas feridas. Os reflexos estavam visivelmente lentos: girou a cabeça para Dana, que se aproximava com prudência e rosnou para ela, mas foi um rosnando pouco convincente, contaminado pelo medo. Até o ferrão, que deveria estar teso e pronto para atacar o adversário, estava pousado frouxamente sobre as costas hirsutas.
Pouco a pouco, a droga entrou em circulação. A fera tentou uma última e penosa resistência contra aquele novo e impalpável adversário e por fim jazeu por terra, privada de sentidos.
A jovem aproximou-se daquela massa colossal e a tocou com a ponta da bota para verificar que estivesse de fato inconsciente e somente então, recolocou a pistola no coldre que portava na cintura e deu as costas à presa.
Tinha sido uma caçada fácil. Com os transformados que tinham sido animais tradicionais era sempre assim: o Vírus modificava o aspecto exterior, mas não os instintos. Embora perigosos, a resposta deles a um ataque era a defesa, como se não fossem ainda cientes de serem dotados de meios para enfrentar a ameaça.
Uma lebre permanecia uma lebre - presas, pinça e ferrão à parte - assim como Dana se sentia ainda humana, apesar das asas de morcego que se projetavam de suas costas, sob a jaqueta de camuflagem de peito duplo em couro.
Piadas da natureza que se iludem em ser normais - pensou enquanto adentrava no matagal para voltar à esplanada onde tinha estacionado o carro-vapor. Sentia mais afinidade com a fera apenas capturada do que com qualquer uma das pessoas das quais tinha recebido a tarefa. 'Foda-se.
Dirigiu o veículo até o ponto no qual a criatura estava caída, tirou a alavanca para desbloquear as trancas da jaula de tração e carregou o animal com o braço mecânico. Este último está inserido em um compartimento do reboque, manobrável através de um engenhoso sistema composto por alavancas e por um volante bem menor do que aquele usado para dirigir.
Teve que descer para prender a lebre com grossas cintas de couro - não conseguiriam mantê-la presa se si recuperasse, o único objetivo era evitar que isso acontecesse por conta dos solavancos - e retornou a cabine do piloto, enquanto a jaula se fechava com um rangido de engrenagens e uma rajada de vapor.
Dana verificou o relógio solar, tinha tido sorte, o último trem passaria daqui a duas horas, pouco antes do por do sol, o tempo necessário para que ela pudesse volta à estação. Não havia mais comboios uma vez que o sol se punha: já havia muitos riscos durante o dia.
A viagem foi tranquila. De resto, agora os transformados tinham aprendido a reconhecer os sinais criados pelos Caçadores e a manterem-se a distância, e os ataques aos carros-vapor eram muito mais raros comparados com as décadas passadas.
«Têm tanto medo de nós quanto nós temos deles», tinha ouvido dizer quando era criança. Naquela época tinha pensado que fosse uma estupidez. A sua primeira caça, quando um castor transformado tinha quase lhe atingido com a cauda chata revestida de pregos afiados, tinha reforçado aquela opinião.
O primeiro combate na arena, quando o gorila vencedor era recuado pelo Caçador que o incitava a voltar para a jaula com uma pistola,