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Da Luz às Sombras
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E-book499 páginas6 horas

Da Luz às Sombras

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Sobre este e-book

Luna Eisley viveu uma vida mundana durante seus 17 anos completos, seguindo uma rotina sem muita agitação ou surpresas. Tudo parece mudar, no entanto, quando a garota encontra um medalhão misterioso sem uma história. O que aparentava ser uma simples peça de joalheria acaba se desvendando como chave para um portal que a leva, junto a seu melhor amigo, para outra realidade. Parecia uma simples aventura na vida de uma menina que não tinha muitas surpresas, mas acabou terminando com a ansiedade e busca do desconhecido. Luna agora precisa se aventurar na nova e recém descoberta realidade antes que perca aquilo que mais ama, e em uma trama onde a garota se encontra no meio de intrigas, mentiras e finas linhas de sua própria história, será que o coração da garota aguentará todo o peso do desconhecido que corta como o fio de uma lâmina?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de mar. de 2022
ISBN9781526047922
Da Luz às Sombras

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    Da Luz às Sombras - Bella Araújo

            Da

      Luz às  Sombras

    Isabella Araújo

    Ficha Técnica

    Título: Da Luz às Sombras

    Autora: Isabella Araújo

    Revisão: Júlia Gonçalves

    Literatura Brasileira

    Da Luz às Sombras é uma obra de ficção e fantasia. Nomes, personagens, lugares e objetos aqui narrados surgiram da imaginação da autora usados de modo fictício. A obra inicia a nova trilogia de carácter fictício da autora.

    Para pai e mãe.

    Obrigada por me incentivar a me arriscar e pensar grande.

    Prólogo

            Paz de Batalha

    Os céus se fecharam, deixando as terras de Áquilan para sobreviverem por conta própria. Nuvens negras de tons nunca testemunhados naqueles quadrantes encobriam toda luz, ocultando qualquer esperança que pudesse ousar aparecer, como um caçador à espreita, pronto para acabar com a vida como ela é conhecida.

        Nunca imaginei sequer a possibilidade de esse dia chegar; não imaginei que ajudar outra mundana, uma Realista, resultaria na tragédia que assolava o reino onde até então a paz reinava. Nunca imaginei que eu seria ligada à ruína.

        Mas ele disse, e suas palavras pareciam marcadas nas estrelas, guiando o destino como uma maldita profecia.

    O reino conhecia paz há tanto tempo que não sabia a aparência do caos.

        Isso mudará.

            1

                                O Sangue Chama

    "Era uma vez em um reino unido, onde a divisão garantia o sustento e o equilíbrio, cinco governantes reinavam em paz. Fogo, Terra, Ar, Água e Equilíbrio. Todos controlados e tomados pela passividade; cada um guiado por uma rainha. O reino de Áquilan viveu em paz por séculos, governado através da harmonia; as árvores eram frondosas, e as folhas permaneciam por todo o ano; os rios nunca secavam, e as chuvas eram presenças constantes em cada divisão; a terra era amiga do povo, e assim como o vento, os guiava através de suas ações...

    –Mamãe! E as rainhas?

    –Ah, eu já vou chegar nessa parte... As rainhas eram mulheres sábias, eleitas no começo do próprio reino para governarem com paz, tranquilidade e sabedoria. Cada uma gerenciava um canto do reino, e todas respeitavam os centros de poder das outras. Marvina, Água; Ila, Terra; Aria, Ar; Inácia, Fogo; e Selina, Equilíbrio. Esta última garantia a passividade entre as outras quatro rainhas, sendo ela a mais nova. O controle e equilíbrio era essencial, e por séculos elas governaram com harmonia e serenidade; o povo era respeitado, o trabalho imposto era balanceado, e o amor e gentileza a eles oferecida era palpável. Todos poderiam buscar conhecimento através delas, e nenhuma negligenciava a busca pela sabedoria.

    "Mas nada dura para sempre.

    "Como para todos, a busca pelo poder chegará e arruinará a tão preciosa e delicada passividade do local, transformando o então tranquilo e gentil reino de Áquilan em um território marcado pela cobiça e violência, onde todos buscarão a coroa, e ninguém sairá impune, pois o destino não possui restrições quanto a quem ferirá.

    "O controle será destruído, a harmonia quebrada, e as antes gloriosas rainhas... despedaçadas. Tudo tomado pela inveja, ganância e ignorância. Centenas de anos de paz não impedirão que uma única pessoa arruíne o destino de milhares. E Áquilan será marcada eternamente pelas ações egoístas de um único indivíduo, sendo reduzido a apenas mais um lugar tomado pelo descontrole e ganância por poder.

    – E o que mais?! O que aconteceu com as cinco rainhas? Alguém apareceu para salvá-las?

    – Ah, minha filha... Essa história terá que ser deixada para outro dia. Pois também desconheço seu desfecho

    – É verdade? O que você diz, é verdade?

    – Histórias mantém o coração vivo, minha filha, mesmo que suas palavras não sejam verdadeiras. E o final dessa ainda há muito para surpreender. "

          Repasso a história infantil em minha mente enquanto espero ansiosamente a aula acabar. Normalmente amo essa matéria – afinal, tendo uma mãe que também cursou literatura, minha vida inteira foi cercada por livros; desde pequena encontrei conforto e aventuras dentro das páginas e no meio das palavras, mais confortável do que com as multidões de amigos que a maioria possui. Eu sinceramente não entendo muito isso, ter vários amigos e dar diferentes pedaços seus a eles, superficiais ou o que seja. Meus melhores amigos sempre foram os personagens e as histórias, saindo sem sair do mesmo lugar. Mas isso também se aplica à minha vida: tenho sim algumas amigas, mas não tão próximas. O único realmente é Levi; ele e eu nos conhecemos há tantos anos que vejo ele mais como um irmão, meu melhor amigo. Estivemos envolvidos em diferentes tramas e aventuras juntos, desde que nos conhecemos no primeiro dia de aula quando tínhamos... 5 anos? Faz tanto tempo que nem me lembro a data exata.

        Mas enfim, ele sempre esteve comigo, em qualquer situação. A questão é que acho que quando se trata de pessoas que amamos, não percebemos os limites de uma situação, não quando os pode levar à felicidade. Mas será que a felicidade precisa de um preço tão alto assim? Espero que eu esteja errada...

    – Senhorita Eisley! – O professor Kendrick me tira de meu devaneio, me fazendo piscar em alerta e surpresa. – Já que está tão focada na aula, poderia nos informar alguma característica das obras de Dante, que estamos lendo? - Ele questiona, com um leve escárnio.

      Senhor Kendrick é um homem baixo, talvez da minha altura, o que sempre levou minha turma a brincar com essa característica dele. Claro que isso não durou muito, já que o homem é bem ranzinza, e sarcástico...

        Agora, Dante... Estávamos lendo o Inferno de Dante naquele mês, e não podia deixar de notar a grande ironia do universo sobre o que esperava em minha vida a partir daquele dia. A profecia não dita não poderia ser melhor.

        Pelo seu olhar e tom eu sabia que ele esperava minha falha, queria me desmoralizar. E meus colegas estavam atentos e ansiosos pra isso, contentes por eu não responder.

          Procurei em minha mente qualquer coisa sobre o livro que mal toquei nas últimas semanas; agradeci silenciosamente por aquele aluno do curso de minha mãe ter falhado em seu teste e ela quase dar uma palestra para si mesma sobre o assunto; então sorrio antecipadamente, prevendo os olhares descontentes. E eu não errei:

    – Claro. Nessa obra em particular, Dante critica muito a política, a moral e os líderes que ele encontra no Inferno, já que suas ações controversas os haviam levado ali.  – Digo com um sorriso inocente. O professor fechou a cara, assentiu e retornou sua atenção ao quadro, enquanto os outros alunos reviravam os olhos. Eu sempre tento me manter longe da atenção, mas todos torcem para o fracasso quando não é com você. É a sociedade, acho.

          Mas eu tinha mais com que me preocupar do que entrar em um debate interno sobre a maneira como a sociedade funcionava, e certamente havia mais para pensar do que me importar com a opinião daqueles que não me conhecem nem se importam comigo.

          Havia alguém que se importava comigo e que eu precisava pensar muito mais do que naqueles que me cercavam...

          Olhei brevemente para a cadeira vazia do meu lado, a que pertence a Levi, e soltei um suspiro, indo repassar pela milésima vez aquela historinha infantil...

            ***

      Quando as aulas finalmente acabaram, vou quase correndo para a casa de meu melhor amigo, desejando que meus pensamentos estejam errados. A questão é que Levi não é um aluno que falta muito, na verdade ele se recusa a faltar por qualquer que seja o motivo; quando estávamos no sexto ano ele precisou retirar as amígdalas e recebeu permissão para ficar em casa por uns quatro dias, tomando sorvete, e ele foi mesmo assim. Foi aí que eu percebi ser a sensata da amizade, mais ou menos. Às vezes.

        Me aproximo da casa grande de fachada branca, com uma porta alta alegre e nada convencional azul-escuro. Como já fiz muitas vezes, bato na porta e espero alguém atender, observando o jardim verde e bem cuidado do lugar. Como somos amigos há anos, a casa de Levi se tornou um segundo lar e já a visitei milhares de vezes, mas nunca deixo de me encantar com as flores e árvores bem cuidadas do jardim frontal da casa.

          Sinto uma leve rajada de vento e me viro para cumprimentar a mulher sorridente com cabelos castanhos, quase negros, e olhos gentis.

    – Oi, senhora Wilde. - Digo, forçando um sorriso.

    – Olá, Luna. E já falei para parar com isso. Me chame de Gracie. – Ela diz, gentil, e eu ofereço um sorriso de desculpas em troca. Em seguida abre mais a porta, me convidando a entrar.

          Uma vez na grande sala de estar, decorada de modo contemporâneo e alegre, observo o ambiente. Além de Levi, Gracie possui gêmeos de 10 anos, e apesar disso a casa sempre está muito organizada quando vou até lá. A decoração é uma mistura entre cores claras e vibrantes, penso que uma mistura de personalidade entre Gracie e seu marido, Artur, que está servindo em uma região tensa no oriente. Quase nunca vi ele, mas nessas poucas vezes foi perceptível o amor que eles compartilhavam. Ela é uma artista, pintora com sua própria galeria, e ele um soldado servindo ativamente o país. Sempre me impressionei com a história deles, não apenas pela diferença de profissões, mas também pelo funcionamento, uma vez que ele passa a maior parte do tempo fora. Mas acho que quando se trata de amor, não há muita racionalidade envolvida assim.

    – Bem, Luna, aceita alguma coisa? Uma água, algum doce... – Ela pergunta, deixando a parte do doce no ar em tentação. Eu adoro doce, e ela sabe muito bem, mas apenas ofereço um sorriso e recuso.

    – Obrigada, mas não vou ficar muito tempo.

    - Bem, o que posso fazer? Levi não está, e não acho que tenha vindo por nada.

    – Levi não está? – Aquilo me surpreende e me assusta ao mesmo tempo. – Uhm. Onde... você sabe... o quê... – Me atrapalho com as palavras, tentando encontrar sentido e alternativas em meus pensamentos.

    – Onde ele está? - Ela pergunta, franzindo a testa. - Claro. Ele disse que ia passar algum tempo visitando Augusto. – Ela diz, se referindo ao primo distante que faz faculdade em uma cidade ali perto. Ele e Levi são muito amigos, mas não possuem muitas oportunidades de se verem. – Faz alguns poucos dias desde que viajou. Pensei que ele tinha dito a você.

    – Ah, não... sim, ele disse. Apenas me esqueci; é estranho não ter ele ao meu lado no colégio. – Respondo, sorrindo na minha melhor expressão de isto não é uma mentira e eu sou uma boba esquecida. Depois acrescento rapidamente, tentando mudar de assunto e desviar deste ponto. – Então, onde estão Leo e Cass? - Me refiro aos gêmeos.

    –Ah, hoje tiveram aula à tarde. Mas logo mais estão chegando. – A mulher me informa, olhando o relógio de pulso, e depois sorrindo. – Se quiser pode ficar, e depois fazemos um lanche.

    – Obrigada, senhora Wilde...

    – Gracie. – Ela me interrompe, com uma falsa voz de desaprovação.

    – Gracie. – Substituo sorrindo. –  Mas tenho muita lição para fazer. Só passei para conferir se ele já havia chegado.

    – Ah, nesse caso me deixe ao menos pegar alguns cookies para você. Acabei de fazê-los.

        Com um sorriso, vejo-a sair da sala rumo à cozinha, esperando até não ser mais vista para desmanchar minha falsa expressão tranquila. Me obrigo a respirar profundas lufadas de ar, me focando em um único objeto e forçando minha mente a pensar com clareza. Eu sabia que não havia viagem nenhuma, nem aviso nenhum de Levi para mim; sabia para onde ele havia ido, e não estava contente. Ele foi muito esperto usando Augusto, já que sua mãe nunca questionaria nem ligaria ao primo de confiança; ele já viajou para lá antes, e ela é bem liberal nesse sentido, ainda mais considerando que estamos em fim de semestre, então não há matérias, só revisões. Mas sabia que Levi aguardaria as férias. Sabia que aquilo era uma mentira. E aquilo estava me desesperando.

    – Aqui. São de chocolate. – Ela reaparece, e coloco outra máscara despreocupada na face.

    – Obrigada, estava sonhando com seus cookies faz tempo.

        Ela sorri gentilmente e me guia até a porta, me convidando mais uma vez para um lanche, mas me desvencilho e saio da casa.

          No momento que ela fecha a porta, minha máscara cai, e há muita força de vontade me impedindo de simplesmente sentar-me na grama e chorar de frustração. Mas me obrigo a ficar parada, respirar fundo e pensar racionalmente. Entrar em crise não vai ajudar, penso. Preciso de um plano.

          Quando já me acalmei o suficiente, franzo a testa ao guardar os cookies na mochila e me guio para casa, tentando pensar em qualquer outra coisa além do que insiste em aparecer em minha mente. Foco na senhora Wilde. Em como ela cria os filhos praticamente sozinha, e como faz um ótimo trabalho gerenciando tudo, e em como não posso comer seus cookies. Acontece que ela é uma péssima cozinheira; ótima pessoa, uma artista fenomenal e bem sucedida, mas cozinhar não é um ponto forte. Ela não se importa, e gosta de cozinhar, então nós não comentamos nem negamos, claro. Mas seus cookies podem ser... perigosos ao meu estômago.

        Tentando manter esses pensamentos descontraídos na mente, sigo o curto caminho para casa.

      Após alguns minutos, alcanço a casa de estilo vitoriano que moro desde que nasci. Paro alguns segundos para admirar a arquitetura já quase esquecida; o estilo é a cara de minha mãe, que adora coisas desvalorizadas pela sociedade, coisas belas, quebradas e já esquecidas. Há mais beleza por aí do que a maioria pode ver, ela sempre diz. Meu nome, inclusive, quase foi Joane, em homenagem a uma senhora que conhecera em uma de suas muitas viagens, e que a inspirou a ser quem é, ela conta. Mas, diz ela, no momento que viu meus olhos, outro nome lhe veio à mente.

        Entro na casa, agradecida por minha mãe ainda estar no trabalho. Moramos apenas eu e ela; meu pai foi embora quando tinha cerca de 7 anos, e nunca mais voltou. Apesar de sentir falta dele – do pouco que me lembro dele –, minha mãe nunca deixou nada faltar, e sempre deu seu melhor. Ela é minha melhor amiga, e me ensinou muitas coisas; não é uma mãe exatamente convencional; sempre me incentivou a seguir o que amo fazer, e ser boa para mim mesma, me ensinou a seguir meu próprio caminho e não me importar com opiniões alheias. Agradeço muito por isso. Também agradeço por suas lições que me firmaram em minha vida: 1) não deixar alguns resultados ruins me definirem, pois eles sempre podem mudar. Ela me ensinou a ter essa regra dos 10 minutos bizarra: se algo me decepcionar e eu não puder mudar isso, tenho 10 minutos para me lamentar, pensar no que poderia ter melhorado, e me motivar a ser melhor na próxima vez. Depois disso sigo em frente, já que lamentar o passado não constrói o futuro. E 2) controle sobre a situação. Não adianta se descontrolar quando uma crise surge, isso não vai fazer muita diferença. Minha mente precisa estar focada para lidar com aquilo.

        E é nisso que me concentro agora, enquanto vou ao meu quarto e vejo que minha preocupação, que já estava praticamente confirmada, não possui nada que diga o contrário. O medalhão sumiu.

          Melhor explicar isso melhor...

        Tudo começou numa simples tarde de segunda-feira, tão monótona quanto bolas de lã para gatos. Enquanto buscava livros para um trabalho na biblioteca particular de minha mãe, me deparo com uma caixinha de madeira que nunca havia visto; dentro, um medalhão dourado. E foi aí onde tudo desandou. Me sinto a própria Pandora, ao repassar essas memórias, e entendo sua extrema curiosidade. Enfim, seis dias atrás, Levi e eu estávamos na minha sala de estar, assistindo a um seriado na televisão, quando o gato da família, Sexta-feira, soltou um ganido que me fez pular da poltrona; normalmente ele é um gato muito quieto, que raramente dá as caras e passa a maior parte de seu precioso tempo dormindo, já velho; então quando algo assim acontece, as hipóteses alcançam níveis desgovernados. Levi e eu nos entreolhamos e partimos em busca da bola de pelos acinzentada, buscando em cada canto da casa, e não encontrando ele em nenhum lugar. Depois de alguns momentos pensando onde ele poderia estar, outro ganido surge, e seguimos o som até a porta de entrada para o porão. Aquilo me deixou confusa, pois a porta normalmente fica trancada – algo relacionado à quantidade de entulho e tralhas guardadas lá, de acordo com minha mãe – mas naquele dia a porta estava aberta. Peguei uma lanterna e adentrei a escuridão.

          A velha escada de madeira rangia sob meus pés enquanto descia a caminho do velho e empoeirado cômodo que cheirava a algo semelhante a tinta misturada a pão velho. Já havia estado no porão antes, claro, mas sempre me impressionava com a bagunça do lugar; era um amontoado de móveis velhos que haviam pertencido a meus avós maternos, junto a brinquedos e coisas velhas. Nem imaginava por que um gato iria até ali, mas o comportamento deles sempre é um pouco suspeito, então... Um miado assustado e impaciente ecoou novamente e seguimos o som até um dos cantos do lado direito da sala, procurando o gato cinza no meio de toda a poeira e sombra; ele estava preso dentro de uma caixa organizadora transparente parecendo mais indignado com nossa demora do que agradecido, ou assustado. O libertamos de sua prisão, fazendo com que ele saísse dali como a verdadeira madame que os gatos são, e nos viramos para sair atrás dele. Mas antes que pudéssemos começar a subir os degraus, algo me chamou a atenção.

          Do outro lado da escada, em outro canto escuro, algo brilhou; Levi tropeçou em mim quando parei abruptamente, mas eu estava focada e intrigada demais com o que quer que fosse aquilo. Caminhei devagar até essa estante de vigas e iluminei a parede que era visível através dela, os olhos estreitos enquanto minha mente assimilava aquilo; definitivamente havia algo ali, brilhando como uma pedra preciosa presa, chamando minha atenção. Algo que nunca notara antes.

    – Luna. – Levi chamou. Me virei para ele. O menino era mais alto que eu, tinha cabelos castanhos muito escuro, levemente ondulados que caiam vagamente sobre a testa; era pálido e tinha um porte precariamente atleta, já que praticava corrida desde o ensino fundamental, além de um humor capaz de aliviar todo o clima tenso de uma sala. – O que aconteceu?

    – Esse brilho. – Ele franziu a testa, procurando o que eu via. – Você não consegue ver?

        Ele balançou a cabeça levemente, e eu franzi a testa. Me virei para a parede e passei a mão delicadamente no ponto brilhoso entre as vigas. Ouvi um leve arquejo de surpresa atrás de mim.

    – Agora vê?

    – Só quando você passou a mão. Parece... uma pedra brilhante. Dourada?

    – Vem, me ajude a tirar essa estante. – Com a ajuda dele, conseguimos afastar o móvel sem deixar muitas coisas caírem. Ou melhor, sem assustar muito os vizinhos.

        Agora que a parede era toda visível, pude perceber que havia um formato antes oculto pela mobília: o estranho brilho lembrava vagamente o formato de uma porta, apesar de as linhas lembrarem contornos quebrados, como rabiscos desajeitados. O lugar que observara antes ficaria no lugar da maçaneta, do lado direito, e brilhava mais forte agora, como se nossa simples presença acordasse aquilo. Franzindo a testa, me aproximei daquela pedra na porta, tentando ver mais detalhadamente.

    – O que você acha que é? – Perguntei, me virando para encarar Levi.

    – Não faço ideia. – Disse, franzindo o cenho e encarando o contorno como se fosse um mamute. Então me encarou: – Mas parece que seu colar é a chave. Literalmente.

        Surpresa, olhei para a corrente em meu pescoço: era um simples medalhão redondo e dourado que encontrara nos pertences de minha mãe; havia um desenho delicado de uma paisagem na frente, e uma inscrição atrás - La Bella.

          Me aproximei da pedra e reparei que aquilo parecia atrair o medalhão, e que era, na verdade, uma fechadura redonda. Troquei um olhar com Levi e tirei o colar, encaixando-o na parede, que o aceitou de bom grado. Me afastei e observei enquanto aquele estranho contorno brilhava ainda mais forte, me fazendo afastar e cobrir os olhos, até que uma maçaneta reluzente surgiu no lugar da pedra/fechadura. Me aproximei com cuidado, extasiada e curiosa, e peguei meu colar pendurado na então maçaneta, colocando-o e já começando a abrir a porta.

    – Luna, você acha que é uma boa ideia... – Levi começou, mas dei um sorriso enviesado e entrei na parede antes que ele pudesse dizer qualquer outra coisa. Ouvi ele suspirar pesadamente e murmurar:

    – Isso nunca dá certo nos filmes. – Então ele me seguiu, adentrando a escuridão.

          Bem, acontece que ele estava certo. Do outro lado da... parede?... adentramos em algo que nunca poderia imaginar, e foi só por isso que sabia que não havia simplesmente batido a cabeça e sonhado com aquilo. Me senti como Lúcia descobrindo Nárnia, ou como qualquer outro personagem em um livro. 

        O cenário era... incrível. Fomos parar em uma planície que parecia vulcânica, mas apenas por causa dos tons escuros, pois o lugar era completamente vivo; devastado, mas vivo. A grama era felpuda, mas enegrecida; as poucas árvores também possuíam troncos grossos, mas havia frutas e flores saindo de suas copas cheias, flores coloridas com tons vibrantes e alegres que não combinavam com a negritude do lugar – havia flores rosas com miolos amarelos alegres, turquesas com interior verde, laranjas com vermelhas – e as frutas também pareciam mais maduras, atraentes e brilhantes do que em minha realidade, como se a falta de poluição as tornasse primitivas. O que poderia muito bem ocorrer, pois aquele lugar era tomado pela natureza. Havia ruínas de pedra e algumas madeiras no decorrer de nossa visão, mas não havia nenhum sinal de civilização, nem de restos humanos; pensei que ou eles haviam saído antes do que quer que tivesse acontecido ali – parecia que um furacão havia passado, talvez um tornado de fogo, se existisse – ou talvez já não houvesse civilização há muito tempo. Não sabia ao certo, mas cada elemento do lugar era simplesmente incrível, e juntos formavam um cenário único.

        Estava de noite, então o tempo passava de alguma maneira diferente naquele lugar, onde quer que fosse. E as estrelas.... ah, as estrelas eram incríveis, como tudo. Elas brilhavam como pedras preciosas no céu límpido, sem luar, e pareciam prismas, pois cada ângulo fornecia flashes de cores, mas sutilmente. E aquilo não era a Via Láctea, ao menos não de um ângulo que eu já havia estudado nas aulas; era um lugar totalmente novo e único, com detalhes, atrações, e até estrelas diferentes. Eu deveria estar sonhando, certo? As pessoas não encontravam contornos dourados nas paredes e iam parar em lugares assim. Mas por outro lado, eu estava completamente consciente, então não poderia estar sonhando; já tive sonhos lúcidos, e nunca pareceu com aquilo.

          Suspirei, encantada e extasiada.

    – Precisamos ver mais disso. – Digo, me virando para Levi, que possuía as mesmas expressões impressionadas e fascinadas na face. Ele desvia o olhar da paisagem e abaixa a cabeça levemente para me olhar.

    – Isso é simplesmente incrível. Mas tem certeza de que é uma boa ideia sair andando? Nem sabemos onde é aqui!

    – Exatamente! É por isso que precisamos explorar. Puramente científico e histórico.

    – E para sua curiosidade.

    – Também. – Admito. – Mas, vamos lá, Levi. Entramos em uma parede e viemos parar aqui. Não é todo dia que isso acontece!

    – Justamente. Estamos em uma parede. – Ele ressalta, erguendo as sobrancelhas em exasperação. – E se tivermos batido a cabeça?

    – E você acha que estaríamos no mesmo delírio? Não, eu prefiro a possibilidade de termos encontrado um lugar único e incrível que ninguém já tenha encontrado e que precisamos ver mais sobre.

          Ele pensa por alguns poucos segundos e depois solta um suspiro derrotado:

    – Você vai sem mim, se eu não concordar, não vai?

    – Que bom que você sabe. – Sorrio, e depois puxo seu braço, o forçando a me acompanhar. – Agora vamos, não parece ter tantos riscos.

    – Considerando que estamos em um lugar estranho e que chegamos aqui por uma parede, acho que nem dá mais para considerar riscos assim. – Ele murmura, mas começa a andar para me acompanhar.

          E foi assim que saímos por aquele lugar. Claramente eu sou a sensata. E claramente algo deu errado.

      Não andamos por muito tempo, mas exploramos as ruínas, as proximidades, e observamos alguns lugares além daquela planície vulcânica. Havia montanhas ao longe, e o lugar só se transformava em mais incrível com o passar das nossas explorações. Encontrei um papel gasto e em parte queimado, que se desvendou em um mapa apagado, mas que mostrava quatro cantos; aquilo me despertou vagamente uma lembrança no momento, mas que não dei muita importância na hora.

            Andamos por mais alguns momentos, impressionados e extasiados com o lugar, e então decidimos que era melhor retornar; não sabíamos quanto tempo havia passado, mas não era bom arriscar. Tomamos o cuidado de retornarmos pelo mesmo caminho que seguimos, indo parar exatamente no mesmo ponto onde havíamos surgido, apenas para encontrar uma frustração e o começo de um surto:

    – Não está aqui. – Levi fala, apreensivo, olhando loucamente em volta.

    – O quê? – Estava tão focada na paisagem que nem sabia sobre o que ele estava falando. Me virei, franzindo a testa.

    –  A porta! Não está aqui!

    –Como assim não está aqui?

    – Não está aqui, Luna! Não tem contorno brilhante, não tem maçaneta de pedra, não tem um gato flutuante com olhos grandes!

          Eu estava olhando em volta, em busca pela porta, mas fui praticamente obrigada a parar e olhar para ele com a boca levemente aberta em uma pergunta.

    – O quê...? Você sabe que esse não é exatamente o papel dele, não sabe?

    – E essa não é a hora. – Ele fala, respirando fundo.

    – Foi você quem começou. – Murmuro.

    – Estou nervoso, ok? Como voltaremos?

    – Calma, só precisamos de um plano. Vai dar tudo certo. – Respondo com mais confiança do que estava sentindo. Mas eu precisava permanecer com a cabeça no lugar, não podia me dar o luxo de surtar. Não ali, não naquela hora.

          No fim decidimos procurar nas redondezas da planície onde não havíamos ido, em lados contrários. Aquela porta não podia ter ido muito longe, poderia? Quero dizer, ela era uma porta, mas também mágica, então minha aposta era que ela se movia, e não que desaparecia. Minha aposta e esperança. Mas permaneci confiante, sem querer piorar ainda mais a situação com descontrole; afinal, quanto tempo demoraria para encontrar uma porta brilhante, no meio daquela escuridão?

        Muito. Levou muito tempo. Nos dividimos e mesmo assim o tempo foi suficiente para nossas preocupações mais profundas aflorarem. Quando Levi gritou para sinalizar para mim, o céu já estava transformando a negritude em um cinza menos acentuado, misturado com um azul cobalto maravilhoso. Para nosso alívio, a porta estava sim ali. Muito afastada do ponto original, mas estava ali. Conectei meu medalhão e a maçaneta apareceu, transformando os contornos quebrados dourados e brilhantes em uma porta quebrada e brilhante.

      Foi aliviador pisar em solo conhecido, mas o mais estranho foi que o tempo não passou quando estávamos lá. Devemos ter passado horas naquela planície, onde quer que fosse, mas, quando retornamos, tudo parecia o mesmo. Foi como se nunca houvesse acontecido, mas bastava um olhar para trás, para a parede, para saber que havia algo ali. Aquele pequeno ponto brilhante que escondia um mundo inteiro.

        Depois disso, concordamos em não voltar mais. Ao menos por um tempo. O lugar era tentador, mas era muito arriscado perder a porta daquela maneira. Agora foi apenas alguns metros, mas e na próxima vez? Poderíamos nos perder para sempre.

      Não, não valia o risco. Minha curiosidade estava em um nível estrondoso, mas concordei com Levi em não retornar. E era por isso que eu esperava que estivéssemos de acordo, considerando que foi ele a me fazer prometer. Mas não foi bem assim.

        Quando organizamos o porão e escondemos aquele ponto brilhante, fomos conversar um pouco sobre aquele lugar, antes de minha mãe chegar. E então percebi que havia perdido uma pulseira. Claro, era apenas uma pulseira, não valia em nada o risco, mas vi a maneira que Levi olhou, a determinação. Acontece que aquela pulseira dourada foi presente de meu pai, da época em que ele ainda era um bom pai; era uma das únicas coisas que eu tinha dele, e admito que fiquei chateada, apesar de ele ter nos deixado – por motivos que nunca entendi. Minha mãe não fala muito nele, mas eu sabia que eles se entendiam muito bem, então nunca consegui compreender; a menos que o motivo fosse eu... – enfim, ele ainda era meu pai, e aquilo me fazia sentir próxima a ele. Parece bobo, e talvez ridículo, mas aquela pulseira carregava a carga emocional do meu lado paterno, e eu a apreciava.

      E Levi sabia disso, ao menos em parte. Eu insisti que não era nada, mas me preocupava com o que ele poderia fazer. E com o que fez. Faz quatro dias que ele não aparece no colégio; fiquei apreensiva de imediato, mas contava com o lado emocional e esperançoso de minha mente dizendo que estava tudo bem, e que era apenas uma coincidência. Ele poderia muito bem ter ido visitar Augusto, mas também o conheço o suficiente para saber que ele 1) avisaria, e 2) procuraria aquela pulseira. Pulseira idiota!

      Desço até o porão correndo pelos degraus – que está, mais uma vez, aberto – e encontro a estante no canto escuro afastada da parede/porta. O contorno está muito fraco, mas o que parece ser uma maçaneta brilha, como se sentisse a presença de alguém. O medalhão jaz jogado no chão, e a percepção daquilo me faz empalidecer.

      Ele está preso. Meu melhor amigo retornou para um lugar estranho, onde já seria arriscado ir sem saber se locomover, e agora não conseguirá voltar sem a chave. E eu não deixei de notar que o tempo está passando – quero dizer, não sei como funciona para as pessoas da minha realidade quando alguém está do outro lado, mas eu sei que algo está diferente. Eu consigo perceber a ausência dele, o tempo passando...

    Pego o medalhão dourado e encaro as linhas finas e brilhantes.

      Onde você está, Levi?

      2

        Outra Realidade

    –Você já não deveria saber que conversar afasta os animais? – Sussurro, me virando para encarar Ethan. – E, caso não tenha percebido, isso é péssimo quando estamos caçando.

    – E de que outra maneira vou passar o tempo? - Ele me olha como se fosse a coisa mais sensata do mundo. Reviro os olhos e digo com um sorriso esperto:

    –  Olhe pro céu.

        É a vez dele revirar os olhos, mas olha para cima de todo jeito. O céu de Áquilan nunca deixava de me encantar e surpreender; ele era sempre autêntico, com tantas cores vibrantes e pinceladas fortes e suaves que pareciam não ter fim, como um quadro em formação; não era como nada que eu já havia visto: os formatos e desenhos que as nuvens e o próprio céu criavam eram novos a cada amanhecer, e as cores distribuídas sempre lembravam as cinco rainhas, de alguma maneira única e incrível; e a noite era tão espetacular quanto, com estrelas cintilantes que pareciam colorir sua visão. Naquele momento, estávamos quase no horário do deslumbrante pôr do sol, mas o expediente ainda estava longe de acabar.

    – Sabe que acabaríamos isso muito mais rápido se você usasse uma besta. – Ele ressalta, apontando para minha espada.

    – Acabaríamos mais rápido se ficássemos em silêncio. – Rebato, mas depois acrescento. – E você está invejando minha habilidade com a espada.

        Ele revira os olhos, mas posso ver um pequeno sorriso de formando. A arma dele sempre foi uma besta composta e, por mais que fosse prático, ainda mais nessas partes do trabalho, sempre preferi algo mais... direto. Lutar por si própria, sentir a adrenalina do confronto, a precisão dos movimentos... Aquilo era insubstituível. Eu reconhecia que para caçar animais não era a melhor escolha, mas não a trocaria por nada.

          Senti meu amigo enrijecer ao meu lado:

    – Amara. – Ele murmura, indicando um grande cervo que andava tranquilamente. Troquei um olhar com ele, e nos preparamos para o ataque.

        Uma hora depois estávamos saindo da venda do senhor Gaggliano, dividindo o dinheiro em partes iguais, apesar de que coloquei um pouco mais da minha parte na bolsa de caça de Ethan quando ele não estava vendo; ele precisava mais do que eu, mesmo que não comentasse sobre isso, e eu não tinha muito com o que gastar, de qualquer maneira.

          O pôr do sol já estava desaparecendo, mas as cores vibrantes e coloridas eram incríveis ainda assim, se misturando ao azul cobalto que aos poucos ocupava o lugar do azul claro diurno. Após mais um dia de trabalho, Ethan e eu seguimos para nosso lugar favorito da cidade de Enora, na divisa da Água: a Colina Cristalina. Ela não era transparente, e nem brilhante, não exatamente; não sabia por que foi nomeada de acordo com aquelas características, mas o lugar não deixava de ser incrível. A grama cintilava levemente, com tonalidades diferentes de verde, escurecendo em progressão até alcançar o topo do lugar; isso sem mencionar a vista privilegiada, onde toda a cidade era visível, e as estrelas brilhavam mais que diamantes acima de nós. Se estendendo sob nossos pés, as luzes brancas e fantasmagóricas começavam a ser acesas na cidade, mas isso não impedia que as estrelas ou os detalhes que apareciam no céu noturno deixassem de aparecer.

    – Então. – Ethan começou

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