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A Descoberta Crista do Tibete
A Descoberta Crista do Tibete
A Descoberta Crista do Tibete
E-book372 páginas6 horas

A Descoberta Crista do Tibete

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Sobre este e-book

A história de Cristo, transmitida desde Jerusalém, chegou a todo o mundo conhecido na época. As mais longínquas distâncias foram percorridas em direção a leste, sendo a primeira viagem realizada pelo apóstolo Tomé que alcançou o sul da Índia, onde ainda se encontram reminiscências da sua passagem.
Ao longo dos séculos muitos missionários caminharam para leste por entre as diversas tribos que se estendiam desde Jerusalém a toda a China. Estes percursos atingiram o auge quando, no sec. XV, os portugueses iniciaram as suas expedições por estes locais, na companhia de missionários Jesuítas que chegaram a alcançar o Japão, fundando mais de 800 missões ao longo da sua jornada.
Este livro relata a surpreendente história do Padre António de Andrade, que percorrendo os Himalaias, chegou ao Tibete onde fundou uma missão em 1625.
A partir do primeiro quarto do seculo xvi, várias ordens religiosas enviaram os seus missionários aumentando significativamente o seu número nestas regiões, chegando alguns a competir com os jesuítas na difusão da palavra de Cristo. Outros foram para novas áreas abertas à conversão ao cristianismo e ao estabelecimento de atividades comerciais.

IdiomaPortuguês
EditoraJoe Abdo
Data de lançamento4 de fev. de 2015
ISBN9780990918325
A Descoberta Crista do Tibete
Autor

Joe Abdo

Joseph, or Joe, Abdo has a background in health care as a lab technician, strategic planner and hospital administrator; college level instructor in microbiology and English as a second language; translator from Portuguese and French into English; acting on stage and in films; and writer.His first writing experience was developing plans for the health care delivery system in Los Angeles and Orange Counties and the west San Francisco Bay area. Taking a mid-life break, he moved to Portugal where he lived for many years. He developed a great interest in Portuguese history and culture and started writing articles related to Portugal. He soon became a regular contributor to several magazines in Portugal and abroad, publishing more than 80 articles.His writing evolved from magazines to books and the first book he wrote was Tram Tours of Lisbon, which described places of interest along Lisbon’s century-old electric tram routes. This was totally rewritten and published in 2014.During a vacation to the Azores, Joe discovered the Dabney family from Boston, Massachusetts. They provided three generations of American Consuls to the Azores in the 19th century. He told the story of this important, but relatively unknown, American family in the book On the Edge of History.This was followed by The Quiet Radical, the biography of Samuel Longfellow. He had been tutor to the Dabney children and was the youngest brother of America’s important poet Henry Wadsworth Longfellow. Samuel was influential in the more radical social and religious movements in America during the 19th century.Joe’s third historical nonfiction book, The Christian Discovery of Tibet, was the story of Portuguese Jesuit Padre Antonio de Andrade. He was the first European to cross the Himalayas to the city of Tsaparang in the kingdom of Guge in western Tibet. Padre Adrade established a mission there that functioned for 14 years. The mission was closed not long after the conquest of Guge by the neighboring kingdom of Ladakh, partly to stop the Christian influence of the Jesuits.Trying his hand at film scripts, he wrote Mary, a story about a freed slave who was placed as a spy in the home of Jefferson Davis, President of the Confederate States during the American Civil War. It was made into a short film and was released in mid-2013.Joe is now making his first foray into the realm of fiction.He continues to enjoy writing.

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    Pré-visualização do livro

    A Descoberta Crista do Tibete - Joe Abdo

    INTRODUÇÃO E AGRADECIMENTOS

    CONTEXTUALIZAÇÃO

    Praticamente durante séculos, os únicos viajantes a entrar no Tibete eram mercadores que forneciam os tibetanos com géneros alimentícios e bens que o país não possuía. A informação acerca do misterioso país atrás das montanhas chegava através destes mercadores. Também chegavam algumas notícias através dos exércitos invasores dos países em redor do Tibete, bem como dos exércitos dos reinos no Tibete que levavam a cabo incursões fora do país. Estas incursões eram, geralmente, bem-sucedidas e incluíam zonas como a China e a Índia do Norte. Outra fonte importante de conhecimento provinha dos monges Budistas que viajavam para outros países e que foram fundamentais no desenvolvimento das estreitas relações entre o Tibete e a Mongólia.

    Os sacerdotes cristãos que viajavam desde Ocidente ouviram falar da terra escondida atrás das montanhas nevadas pelos outros viajantes que encontravam ao longo da estrada. Alguma da informação era partilhada em forma de histórias acerca de reinos, pessoas e animais fantásticos. Os primeiros missionários a chegar vieram do Médio Oriente, mas as histórias estenderam-se até à europa e, ao longo dos séculos, o número de missionários cristãos vindos da europa ocidental tornou-se dominante.

    Contudo, estes primeiros viajantes cristãos ficaram-se pelas fronteiras do país, uma vez que não existem registos a indicar que eles tenham chegado mesmo a atingir o planalto do Tibete.

    À medida que as histórias iam passando de pessoa para pessoa foram sendo ligeiramente alteradas, tal como no jogo do telefone estragado, e algumas aproximavam-se mais a voos da imaginação humana do que à realidade. Entre algumas dessas histórias estavam aquelas que tratavam de reinos cristãos escondidos nas altas montanhas e outras áreas isoladas. A procura por estes reinos perdidos tornou-se um dos principais objetivos dos missionários.

    Os viajantes pensavam que alguns dos reinos perdidos estavam no Tibete e nos países em seu redor. Um dos missionários que estava convicto de que existia um reino cristão no Tibete era o padre jesuíta português António de Andrade que era Padre Superior na região Mogol na Índia do Norte. Este livro é acerca da sua viagem desde essa região, passando pelos Himalaias, até à cidade de Tsaparang no reino de Guge, um poderoso reino no Tibete Ocidental, onde fundou uma missão que continuou a funcionar mesmo após a sua morte. O período compreendido é de 1625-1641.

    O escopo deste livro é reduzido. Após descrever a história do início do Tibete e do Oriente, o livro começa com a difícil viagem do padre Andrade nos Himalaias acompanhado pelo Irmão leigo Manuel Marques e dois acompanhantes nativos. A sua viagem levou-os até Tsaparang, que era a cidade capital do Reino de Guge. Aí tornaram-se amigos do Rei e adquiriram conhecimentos sobre o Tibete Ocidental. Após uma pequena estadia regressaram à Índia do Norte, prometendo regressar no ano seguinte.

    No seu regresso, o padre Andrade renovou a sua amizade com o rei, que mostrou interesse no Cristianismo. O rei contribui para a construção de uma igreja e de casas para os padres. Durante vários anos os missionários vieram para Tsaparang para trabalhar na missão por períodos diferentes de tempo e com vários graus de dedicação. Alguns aprenderam a língua tibetana, algo que o padre Andrade considerava essencial para o trabalho dos missionários. Em 1630, o rei de Ladakh, do reino vizinho, atacou e conquistou o reino de Guge. O rei de Guge foi levado para Ladakh e muitos dos convertidos ao Cristianismo fugiram ou foram feitos prisioneiros. Os padres foram proibidos de pregar e, no início de 1630, os que estavam em Tsaparang foram convidados a abandonar a missão. A última tentativa de recativar a missão foi em 1641 e os dois missionários que o tentaram fazer foram capturados. Um escapou e o outro morreu em cativeiro.

    A história da missão de Tsaparang nunca foi contada na sua totalidade num único livro. Os outros autores centraram-se em partes da história de acordo com a sua área de especialização. Este livro concentra as várias linhas de investigação e espera, eventualmente, instigar novas áreas de pesquisa.

    FONTES DE INFORMAÇÃO

    A informação acerca da missão em Tsaparang, do que se passava no Tibete e na Índia do Norte, proveio maioritariamente de cartas escritas pelos padres, que estavam na missão em Tsaparang, da missão jesuíta no Império Mogol e da sede jesuíta em Goa. Também foram usadas algumas cartas de outras missões jesuítas na Índia, da sede jesuíta na Cidade do Vaticano e cartas raras dos governantes nativos no Tibete e na Índia do Norte.

    As principais fontes de informação primária foram as cartas que se encontram nos Arquivos Jesuítas na Cidade do Vaticano e, as que foram consultadas, estão listadas na Bibliografia. As cartas foram traduzidas do original em português e italiano do séc. XVII para português e inglês contemporâneo. As versões inglesas das cartas ou, mais corretamente, dos relatórios, escritas pelo padre António de Andrade e padre Francisco de Azevedo estão incluídas nos anexos. Contudo, para além das cartas que estão nos Arquivos Jesuítas em Roma, parece não haver qualquer outro repositório de documentos relacionados com a missão em Tsaparang.

    Foram consultadas várias fontes secundárias, mas estas estão maioritariamente relacionadas com a história do Tibete, com o Cristianismo ou o Budismo neste país e na Índia ou sobre indivíduos ou grupos ativos no séc. XVI e XVII. As fontes secundárias que forneceram grande parte da informação acerca do padre Andrade e da missão no Tibete são as obras de Hughes Didier e do padre C. Wessels. Embora estas obras proporcionem excelente informação, bem como uma visão alargada do Tibete, elas não descrevem a história completa da missão em Tsaparang.

    Para além dos textos referidos acima, existem ainda outros livros desde o séc. XVII ao XX que fazem referência à missão em Tsaparang, cada um adicionando um pedaço de informação que se foi acrescentando à história dos principais acontecimentos que tiveram lugar. Contudo, alguns textos contêm erros que, infelizmente, foram copiados por outros e só foram corrigidos nos documentos mais recentes.

    CONSIDERAÇÕES LINGUÍSTICAS

    Um dos problemas que tanto os missionários como os investigadores a trabalhar na missão de Tsaparang enfrentam, e em geral em tudo o que está relacionado com o Tibete, é como expressar o tibetano noutras línguas. Desde o séc. XI que o tibetano escrito basicamente não sofreu alterações. Contudo, a pronúncia mudou ao longo dos séculos, como aconteceu noutras línguas, incluindo o caso do inglês.

    Turrell V. Wylie desenvolveu um sistema de transliteração tibetano usando as letras numa máquina de escrever com teclado inglês. Embora o método de transliteração de Wylie ajude nos estudos que envolvem o tibetano escrito, ele não foi desenhado para lidar com o tibetano falado.

    Como resultado, o tibetano oral cria problemas com os falantes de outras línguas, porque as palavras são ouvidas e interpretadas com base nos sons do ouvinte. Quando as palavras são escritas noutra língua, as letras ou caracteres podem não ter os sons equivalentes e a palavra sai com um som diferente quando pronunciada por alguém que não tenha ouvido o original. Isto agrava-se à medida que entram mais línguas. O resultado final é que duas pessoas podem estar a falar acerca de reis e palácios e não se aperceberem que estão a falar da mesma pessoa ou lugar por causa da diferença na perceção da pronúncia.

    OUTRAS CONSIDERAÇÕES

    As complicações que surgiram ao escrever este livro não deveram unicamente aos problemas relacionados com a língua. Os autores consultados discordam em relação a nomes, lugares e datas que envolvem a missão, o Tibete, a Índia do Norte e as terras em volta dessas áreas. A informação utilizada no texto foi selecionada de acordo com o que é aceite pela maioria dos autores.

    Também houve alguns problemas com as cartas do arquivo. Para ilustrar este ponto refira-se que nem sempre era possível dizer quantos missionários estavam na missão em Tsaparang, ou noutras eventuais missões secundárias, num determinado momento ou em que altura estavam lá. Por exemplo, numa carta existe a referência a dois missionários no Tibete e noutra, escrita pouco tempo depois, o mesmo autor refere cinco missionários, sem qualquer menção a novas chegadas ou aos seus nomes. Embora não haja a certeza de que todos os missionários na missão em Tsaparang tenham sido identificados, uma pequena biografia daqueles que se sabe terem feito parte da missão encontra-se no Anexo I.

    Para além disso, nos últimos anos da década de 30 do séc. XIX, os padres na missão de Tsaparang escreveram relatórios conflituosos sobre o sucesso da missão e da distribuição dos fundos usados para apoiar o funcionamento das missões. Um padre chegou mesmo a acusar o padre Andrade de falsificar as suas afirmações de sucesso, algo que será tratado pormenorizadamente neste texto.

    AGRADECIMENTOS

    Gostaria de expressar o meu profundo apreço à equipa dos Arquivos da Ordem de Jesus na Cidade do Vaticano. Foram um contributo precioso ao ajudarem-me a encontrar os documentos acerca da missão em Tsaparang, bem como os documentos nos arquivos na sede administrativa dos Jesuítas e das missões.

    Também gostaria de agradecer a Enzo Gualtero Bargiacchi pelas suas úteis sugestões, à Sara Campbell, Ronnie French e Willow Hale pelos seus comentários ao texto que fizeram com que uma história complexa se tornasse mais clara e mais fácil de seguir.

    CAPÍTULO I

    CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

    Tibete. Só ouvir a palavra traz à mente uma terra com ricos costumes sociais e religiosos, uma terra de mistério, uma terra tomada por forasteiros que não se preocupam minimamente com os habitantes do país e com as suas vidas. A curiosidade relativamente ao Tibete não é novidade. Desde bastante cedo na história que as pessoas sabiam da Terra das Neves localizada num planalto detrás da barreira da mais alta cadeia de montanhas do mundo, juntamente com outras não tão altas.

    Existem várias versões acerca dos primórdios da história do Tibete, mas essas avaliações são algo que está fora do propósito deste livro. O que é significante é que todas as versões ligam intimamente a história do Tibete às religiões praticadas no país e essa história é normalmente passada através do bardo da aldeia, tal como aponta Francke no seu livro A History of Western Tibet publicado em 1907:

    Diferente dos épicos nacionais de outros países, o épico nacional tibetano não foi preservado numa única versão. Quase todas as aldeias do Tibete Ocidental possuem uma versão própria que, geralmente, difere, em muito, da versão da aldeia que se lhe segue. Mas existe uma versão que é usada à qual podemos chamar versão oficial. O lamaísmo pegou neste tópico famoso e foi composto um poema em que o antigo sistema religioso pré-Budista se reconciliou com o Budismo. O poema, contudo, não atingiu qualquer popularidade no Tibete Ocidental. Aqui as pessoas preferem ouvir o bardo da aldeia, quando ele lhes canta as canções antigas, curiosamente misturadas com passagens em prosa [A History of Western Tibet, p. 53]

    Isto não significa que não se soubesse nada acerca do Tibete. Desde os primeiros tempos que a informação acerca do país e da vida atrás das Montanhas chegava gradualmente, através dos desfiladeiros, até aos reinos circundantes. A maior parte provinha dos mercadores que viajavam pelos altos desfiladeiros até ao Tibete para fornecer as muitas coisas de que o povo precisava, uma vez que conseguiam cultivar pouco e não tinham os recursos para produzir muito. Para além disso, embora em menor grau, as notícias também chegavam quando os exércitos de um ou mais reinos do Tibete atacavam um vizinho, bem como dos mercadores do Tibete que trocavam as suas mercadorias com os seus vizinhos.

    No século XI A.E.C. Tampo (Senhor) Shenrab Miwo fez mudanças no animismo praticado pela população indígena e estabeleceu a religião Bön na maior parte do reino de Zhang Zhung, no Tibete Ocidental. Bön era a religião tibetana original e estava organizada como um conjunto primitivo de crenças e rituais nativos. Era xamanista e os seguidores acreditavam que o mundo estava cheio de espíritos bons e maus e que os deuses Dagpa, Salba e Sepa guiavam a humanidade e traziam os ensinamentos de Bön em três eras sucessivas.

    O reino de Zhang Zhung tornou-se poderoso e difundiu-se por todo o Tibete e Bön tornou-se a religião em todo o planalto do Tibete. Existiam 18 reis Zhang Zhung, mas, ao longo dos séculos, o poder do reino foi enfraquecendo. No séc. VIII E. C., o rei do Tibete central Sognsten Gampo conquistou Zhang Zhung e criou o reino de Bod, nome que os Tibetanos ainda usam para o seu país. De forma a assegurar a unificação do reino, o rei casou com três princesas. A primeira acreditava na religião Bön de Zhang Zhung. Mais tarde, casou com uma budista da China e, depois, uma budista do Nepal. O rei foi influenciado pelas duas mulheres budistas e instaurou o Budismo enquanto religião real, embora por esta altura ainda não se tivesse expandido para a população em geral.

    A principal manifestação da fé estrangeira foi um conjunto de 13 templos budistas que o imperador mandou construir em locais geomânticos específicos em volta do seu reino, incluindo o Butão. Com o Tibete imaginado como uma demónia deitada de costas e os templos cuidadosamente selecionados de acordo com as regras da acupunctura chinesa aplicadas ao corpo da demónia, Songtsen-gampo esperava neutralizar qualquer oposição dos espíritos malévolos locais à sua governação. [The History of the Early Period of Buddhism and Bön in Tibet, Berzin, 1996]

    O templo mais importante dos 13 foi construído a 150 km da capital do Tibete no vale de Vale de Yarlung. Localizava-se em Rasa, que significa local das cabras, mas mais tarde o nome foi mudado Lhasa ou local dos deuses.

    O Budismo e o Tibete

    Siddhartha Gautama nasceu em Kapina, Índia do norte em 563 A.E.C. e morreu por volta de 483 A.E.C. O seu pai governava o reino de Sakhya. Quando Siddhartha nasceu o seu pai perguntou aos astrólogos acerca do futuro do seu filho. Os astrólogos disseram-lhe que ia ser ou monarca ou um monge, o último caso aconteceria se ele visse um velho, um homem doente, um morto e um monge. Como resultado o seu pai manteve-o fechado dentro dos limites do palácio onde ele gozou de todos os confortos que a riqueza da família pôde providenciar. Com 16 anos casou com a princesa Yashodâra, com quem teve um filho, Rahula, continuando a viver no palácio. Um dia, pouco depois do seu filho ter nascido, Siddhartha decidiu ver como era a vida fora do palácio e foi até à cidade.

    Enquanto explorava a cidade encontrou-se com um homem velho, um homem doente, um homem morto, bem como um monge, que tinha um modo que o impressionou bastante. A miséria que ele viu entre o povo chocou-o e deixou-o enojado. Como consequência, quando tinha 29 anos decidiu que iria aprender como ultrapassar o sofrimento humano e deixou o seu reino, optando por uma vida ascética enquanto estudava uma variedade de religiões, nenhuma das quais correspondendo às suas necessidades. A história conta que, passados 6 anos, ele alcançou a Iluminação quando estava sentado debaixo da árvore de Bodhi. A partir desse momento, e com a idade de 35 anos, tornou-se conhecido como Buda e passou os seus ensinamentos a cinco companheiros e, durante 45 anos, ensinou o caminho a seguir a todos aqueles que quisessem aprender.

    Um Buda, que significa, acordado em sânscrito, é alguém que se tornou iluminado, experienciou o nirvana e ajuda toda a humanidade a tornar-se iluminada. Após a sua Iluminação, Gautama, também conhecido como Sakyamuni, tornou-se o principal mestre espiritual e fundador do Budismo. Existe um grande número de histórias acerca da vida de Gautama e alguns dos seus discursos e doutrina foram recolhidos e passados oralmente até cerca de 400 anos depois da sua morte, altura em que foram registados por escrito. Estes estão facilmente disponíveis para quem esteja interessado. Contudo, eles não são o principal objetivo deste livro. O ponto de interesse deste texto é a difusão do Budismo, com enfoque no Tibete.

    Enquanto o Bön e o Budismo estavam a tentar ultrapassar-se um ao outro, o Budismo acabou por se tornar a religião aceite pela maioria da população. Contudo, ao longo do seu caminho, o budismo tibetano foi absorvendo alguns aspetos do Bön e os líderes desta religião tomaram medidas para modificar a religião Bön, de modo a que não desaparecesse por completo. O especialista em estudos tibetanos, Berzin, atribui as atividades anti-budistas a xenofobia contra uma religião estrangeira mais do que à oposição à religião em si. Apesar dos esforços do primeiro Tibete Budista para eliminar a religião Bön, ela ainda existe hoje em alguns grupos no Tibete e o Dalai lama reconheceu-a como a quinta tradição religiosa do país.

    Sob a governação de Songtsen Gampo o Tibete tornou-se uma grande potência militar na ásia Central e chegou ainda a conquistar partes da China e de alguns países a noroeste do Tibete. À parte de usar a força para unir o seu reino, Songtsen Gampo, mandou o seu ministro Tonmi Sambhota obter um alfabeto a Khotan, um reino a norte do Tibete Ocidental. Quando o ministro passava por Caxemira, encontrou li Chin, o mestre de Khotan. Após ter aprendido o sistema de escrita do próprio mestre, Tonmi Sambhota levou-o para o Tibete, onde foi usado para traduzir textos budistas do sânscrito. Songsten Gampo morreu em 650.

    Em 755, um grupo xenófobo, cansado da forte influência dos chineses, envenenou o rei, cujo filho era ainda uma criança. No mesmo ano, este grupo iniciou uma limpeza do Budismo que durou seis anos. No ano seguinte, Trisong Detsen ocupou o trono, mas só dirigiu o governo quando atingiu a maioridade, em 761. Ele declarou-se budista e tornou o Budismo a religião oficial do estado. Também afirmou a autoridade do Tibete Budista sobre as terras na ásia Central e invadiu a China, tomando a capital Chang-an, hoje conhecida como Xi’an. O rei expulsou a escola chinesa de budismo e aceitou a tradição indiana como aquela a seguir. Em 766, Trisong Detsen, construiu o Mosteiro de Samye, o primeiro mosteiro budista no país para uso dos tibetanos. [The History of the Early Period of Buddhism and Bön in Tibet, Berzin, 1996] Os primeiros sete monges tibetanos nativos foram ordenados e o número de monges nativos cresceu para mais de 300 por volta de 775, altura em que o mosteiro ficou construído. Embora os monges fossem ordenados de acordo com a tradição indiana, Trisong Detsen seguia uma política que sintetizava as culturas tibetanas, indianas e chinesas. Isto levou ao convite de mestres indianos e chineses Han para ensinarem no Mosteiro de Samye. [The History of the Early Period of Buddhism and Bön in Tibet, Berzin, 1996]. A política de combinação cultural estendeu-se, possivelmente, aos cristãos, especialmente no Tibete Ocidental. Esses grupos já lá estavam, pelo menos, desde o séc. VI e VII e eram relativamente fortes. O patriarca Timóteo I escreveu uma carta no séc. VIII a referir a necessidade de nomear outro bispo para o Tibete, pois considerava-a uma comunidade significante da Igreja do Oriente.

    Apesar dos esforços de Trisong Detsen, a corte real ainda era composta por uma facão xenofóbica que se opunha às suas ações. A grande maioria desta facão apoiava a doutrina religiosa Bön, mas a sua oposição era mais política do que religiosa. Não existe uma fonte que diga que os seguidores da tradição nativa:

    Foram forçados a renunciar aos seus costumes e crenças e a converterem-se ao Budismo. É muito mais provável que a tradição indígena Tibetana e o Budismo se tenham misturado pelo menos desde do tempo do Imperador Songtsen-gampo... A mútua influência de cada sistema religioso iria acabar por ocorrer naturalmente e crescer, graças à presença dos mestres espirituais de ambas em Samyay. [The History of the Early Period of Buddhism and Bön in Tibet, Berzin, 1996]

    Isto indica que os problemas religiosos foram resolvidos através da mistura das crenças e que os conflitos entre os grupos derivava das suas diferenças políticas. O braço de ferro entre as facões budistas e bön durou muitos anos. Para além das disputas internas, o Tibete tinha de enfrentar as pressões externas dos uigures a norte e dos quirguizes a noroeste, bem como dos árabes islâmicos e dos turcos orientais a Oeste. O Tibete também continuava com os seus conflitos pontuais com a China.

    Em 815, Tri Relpachen tornou-se o governante e foi um dos apoiantes mais fervorosos do Budismo no Tibete. Foi considerado um dos três principais patronos reais do Budismo, juntamente com Songtsen Gampo e Trisong Detsen. Mandou criar um dicionário de sânscrito-tibetano e trabalhou na uniformização dos textos budistas. Durante o seu reinado o Tibete e a China assinaram um tratado de paz em 851, assegurando a tranquilidade por mais de vinte anos. Porém, Tri Relpachen era, provavelmente, demasiado entusiasta em relação ao seu apoio ao Budismo e zeloso em relação aos apoiantes da religião Bön do seu irmão Langdarma, que o viria a assassinar. [The History of the Early Period of Buddhism and Bön in Tibet, Berzin, 1996]

    Langdarma começou a perseguir os budistas, fechando todos os mosteiros, obrigando os monges a despir as suas vestes, assassinando todos aqueles que se recusavam a fazê-lo [The Revival, Berzin, 1991]. No entanto, não destruiu os mosteiros, nem as suas bibliotecas. O seu reinado foi curto e terminou em 842, quando o antigo abade do Mosteiro de Samey o assassinou. [The History of the Early Period of Buddhism and Bön in Tibet, Berzin, 1996]

    Após a sua morte, não havia um forte poder central no Tibete. Por causa dos muitos conflitos internos o país dividiu-se em pequenas e numerosas regiões autónomas. Só 400 anos mais tarde é que uma governação central regressou ao Tibete.

    Todavia, o Budismo sobreviveu e a tradição monástica foi mantida por três monges que tinham fugido de Lhasa. As fontes mogol referem que eles fugiram em direção ao norte para o lago Baikal, na Sibéria, onde praticavam a sua religião. Outras fontes indicam que eles fugiram para o reino de Tsongka, no norte de Amdo, localizado no noroeste do Tibete. [The Revival. , Berzin, 1991] Após alguns anos os monges partiram para Kham, ainda no Tibete, onde, ao longo dos anos, vários jovens foram estudar para se tornarem monges, ao mesmo tempo que preparavam o seu regresso ao Tibete Central.

    Outro espaço onde o Budismo conseguiu encontrar refúgio foi com a dinastia Ladakh, fundada por Nyima-Gon, com o seu centro localizado a este do que é hoje Ladakh, uma área rochosa, deserta, no limite oeste do planalto do Tibete, entre os Himalaias, a sul, e as montanhas Karakoram, a norte. Os filhos de Nyima-Gon governavam o oeste do Tibete e fundaram os reinos de Guge e Pu-hrang. Mais tarde, o filho do rei de Guge tornou-se Budista e enviou estudiosos a Caxemira para estudar e estabelecer um novo rumo para o Budismo no oeste do Tibete. A linhagem real continuou a governar neste reino budista por muitos anos. Este seria o local onde os jesuítas iriam criar a sua missão várias centenas de anos mais tarde, no séc.. XVII. Em 1624, o jesuíta padre António de Andrade chegou à cidade de Tsaparang, capital do reino de Guge, e fundou uma missão que durou cerca de 20 anos. Ele e os seus irmãos jesuítas converteram uma parte da população com a anuência do rei. O irmão do rei era o responsável do mosteiro e não lhe agradava a influência cristã e, no fim, falou com o rei de Ladakh no sentido de enviar as suas tropas contra o seu irmão.

    Consequentemente, o reino de Guge foi destruído. A missão e os acontecimentos seguintes estão descritos nas cartas após o material introdutório.

    Embora o Tibete Ocidental servisse de localização remota para o renascimento do Budismo, a parte oriental foi muito mais importante na história do país. Alguns dos monges que estavam a ser treinados em Kham, no sudeste do Tibete, eram enviados para Amdo, no noroeste do país, para aprofundarem os seus estudos antes de irem para a parte central do Tibete. Entre eles estava Sherab Tshulthrim, chefe da família Khun. O seu irmão mais novo Konchog Gyalpo foi enviado das escolas da zona oriental para a Índia para aprofundar o seu estudo. Regressou ao Tibete e, em 1073, construiu um importante templo chamado Gorum zimei Karpo, mas conhecido como Sakya por causa do pedaço de terra branca que está acima do templo (sa-skyn significa terra branca em tibetano). O filho de Sherab era Sachen Kunga Nyingpo, que se tornou num monge extraordinário. Sachen teve quatro filhos, o seu terceiro filho, Jetsun Dakpa Gyaltsen, também se tornou num monge excecional. O pupilo mais importante de Jetsun Dakpa era Sakya Pandita Kunga Gyaltsen, que era seu sobrinho, filho do seu irmão mais novo. Sakya Pandita era um aluno singular e tornou-se monge com 27 anos, trabalhando em inúmeros escritos e traduções que foram importantes no Budismo Tibetano.

    Em 1244, Koton Khan convidou Sakya Pandita para ir à Mongólia. Koton era neto de Ghengis Khan, filho do sucessor Ogodei e irmão de Guyug Khan, que era o Grande Khan na altura do convite. O velho monge viajou para a Mongólia com os seus sobrinhos Drogon Chagyal Phagpa e Chagma Dorj. Sakya Pandita ensinou Koton e converteu-o ao Budismo. Apesar de contactos prévios entre os mongóis e tibetanos, este foi o verdadeiro início da influência entre as duas culturas.

    O primeiro mosteiro da seita Gelug foi fundado em 1409 por Tsong Kapa Losong Dragpa, que organizou a seita para poder pratica o Budismo, tal como é praticado hoje no Tibete. Foi por esta altura que a ideia de sucessivas encarnações foi desenvolvida e instituída no lamaísmo. Duas das conceções acerca da reencarnação são a aparição de uma divindade na forma humana e o renascimento de um grande mestre num mosteiro, escola ou seita. Frequentemente, a alma renascida é identificada com uma encarnação de Buda ou Bodhisattva. Um bom exemplo é o Dalai lama. O Dalai lama é membro da seita Gelug, mas não é o chefe da seita. Esta posição pertence ao Ganden Tripa. O Dalai lama é o líder temporal da seita Gelug e uma das muitas encarnações do Bodhisattva Avalokitesvara, o Bodhisattava da Compaixão.

    Tsong Kapa morreu em 1417 e Gendum Drupa, o seu sobrinho e sucessor, reclamou direito igual de liderança da seita porque era a encarnação do líder divino da igreja [Hinduism and Buddhism, p. 226, 1991] Como tal, tornou-se no primeiro Dalai lama, mas não chegou a ser portador do título, porque lhe foi atribuído muito depois de ele ter morrido. O segundo título de Dalai lama, também atribuído postumamente, pertenceu a Gendum Gyatso. O terceiro Dalai lama, e o primeiro a receber o título em vida, foi Sonam Gyatso, nascido a 1543, da seita Gelug.

    Após a sua morte ele encarnou em Yonten Gyatso (1589-1616), que fazia parte da casa real da Mongólia, uma vez que era o bisneto de Altan Khan. O quarto Dalai lama morreu em 1616, mas o quinto Dalai lama só obteve o seu título em 1642, dada a agitação política no Tibete. Coincidentemente, foi neste período de 26 anos que António de Andrade e os Jesuítas entraram no Tibete Ocidental e estabeleceram uma missão em Tsaparang, no reino de Guge.

    As religiões do Tibete continuaram as suas práticas e tradições até aos dias de hoje, mesmo com a chegada de António de Andrade e outros missionários mais tarde e noutras partes do Tibete. Presentemente, existem cinco tradições religiosas no Tibete. Uma é a Bön e as outras quatro são escolas do Budismo, todas elas em existência antes do Jesuítas entrarem no Tibete, no início do séc. XVII.

    O atual Dalai lama prestou tributo ao Bön, a religião original do Tibete, ao reconhecê-la como a quinta religião do país. Tal como descrito anteriormente, o Budismo mudou ao longo dos séculos. Contudo, uma descrição detalhada das quatro seitas, algumas com sub-seitas, não faz parte do estudo deste texto. Em todo o caso, as seitas baseiam-se em princípios dos ensinamentos dos mestres. Estes divergem dos ensinamentos iniciais, mas todas usam como base os ensinamentos de Buda, com algumas linhas de ensino a aglutinarem-se em seitas.

    Existem alguns métodos pouco complicados de classificação das várias seitas, talvez demasiado simplistas, uma vez que não têm em conta as diferenças nas suas crenças. A seita mais antiga do Budismo é a Nyingmapa, a Kagyupa é uma seita cujos ensinamentos são transmitidos apenas oralmente, os Kakyapa são reconhecidos pela sua abordagem estudiosa e todos os Dalai lama foram escolhidos da Gelugpa.

    Uma das divisões usada é Velha Tradução e nova Tradução. A divisão é baseada, não só nas traduções usadas, mas também na linhagem das seitas. Nyingmapa é uma escola da Velha Tradução enquanto que as outras três pertencem à nova Tradução. Outra forma de distinção é a escola do Chapéu Vermelho, pertencente a Nyingmapa, Kagyupa e Sakyapa, enquanto que Gelugpa é a escola do Chapéu Amarelo. As seitas são nomeada pela cor que usam, especialmente por causa dos chapéus e das cintas. As seitas que não sofreram uma reforma usam vestes vermelhas.

    Os cristãos e os muçulmanos acreditam que a religião um do outro é feita de infiéis e, mesmo dentro do Cristianismo e do Islamismo, as diferentes seitas chegam a extremos, por vezes até de forma violenta, para mostrar que a versão de fé deles é a correta, desprezando todos aqueles que acreditam no contrário. Os budistas tibetanos escolhem uma escola, mas após atingirem um nível suficientemente elevado podem começar a estudar num mosteiro ou com um mestre de outra seita e talvez com mais do que um mestre ao longo dos anos. Desta forma, os budistas tibetanos são tolerantes para com aqueles cuja a lealdade pertence a outra escola, pois todos reconhecem que a sua crença básica está nos ensinamentos de Buda.

    Esta tolerância não se limita apenas às outras seitas do Budismo, pois alargou-se a todos aqueles que praticam outras religiões, especificamente o Islamismo e o Cristianismo. Os mercadores muçulmanos e os missionários cristãos tinham autorização para entrar no Tibete para trabalhar ou pregar. Contudo, às vezes havia problemas, como no caso do irmão do rei de Guge, referido anteriormente, que apelou ao vizinho rei de Ladakh para expulsar os cristãos de Guge, resultando na destruição da missão jesuíta formada por António de Andrade.

    OS MONGÓIS E O TIBETE

    O Budismo e a tolerância religiosa por parte do Tibete eram importantes nos negócios com outros reinos, especialmente na relação das transações com as tribos Mongóis. Os tibetanos e os mongóis desenvolveram relações importantes que começaram quando as tribos ainda estavam nas terras do norte, enquanto governavam a China durante a dinastia Yuan de 1276 a 1368, e até os Mongóis terem ido para a Índia do norte, fundando o Império Mogol, e o Tibete, onde surgiria um Dalai Lama.

    Para os jesuítas na Índia, o Império Mogol era importante, pois o acesso à região dos Himalaias e ao Tibete estava controlado por eles.

    Até ao final do séc. XII os mongóis estavam divididos numa série de tribos nómadas e independentes frequentemente em guerra umas com as outras. Em 1162 nasceu Temuchin, que mais tarde iria obter o título de Genghis Khan, filho do chefe Yesugei Baatur. Em 1197, Temuchin começou a forjar alianças com outras tribos que se juntaram a ele na conquista das restantes tribos. Como resultado das suas capacidades e sucesso militares Timuchin foi declarado líder pelas outras tribos. Em 1206 convocou as principais figuras mongóis e estabeleceu formalmente a nação Mogol, adotando o nome de Genghis Khan. [The Mongols and Tibet, p. 5, 1996]

    Os mongóis praticavam uma religião xamanista, mas permitiam a entrada de outras religiões no seu território, incluindo o Cristianismo. Alguns monges viajaram para

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