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A carícia do guerreiro
A carícia do guerreiro
A carícia do guerreiro
E-book284 páginas3 horas

A carícia do guerreiro

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Sobre este e-book

Ela curaria o seu corpo, mas só ele podia deixar que o espírito sarasse…

Connor MacEgan era um guerreiro; tinha-o no sangue. No entanto, quando lhe destroçaram as mãos de uma forma brutal, pensou que nunca mais poderia empunhar uma espada… nem acariciar uma mulher.
Embora tendo de desobedecer às ordens do chefe do seu clã, Aileen O' Duinne, uma mulher tão decidida como Connor, encarregou-se de cuidar dele, porque Aileen não podia deixar de lado uma pessoa que sofria, assim como Connor não podia deixar de ser um guerreiro.
Mas Aileen guardava um segredo do passado que estava em perigo de se desvendar quanto mais tempo permanecessem juntos…
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de ago. de 2011
ISBN9788490006009
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    A carícia do guerreiro - Michelle Willingham

    Glossário de expressões irlandesas

    A chroí: meu coração.

    A dalta: expressão carinhosa para um filho adoptado; literalmente: «meu pupilo».

    A ghrá: meu amor.

    A iníon: minha filha.

    A stór: tesouro, meu amor.

    Aernach: duende irlandês.

    Aite: adoptivo.

    Bean-shide: fada mensageira que anuncia a morte de um parente (banshee em inglês).

    Brat: xaile de lã usado tanto por homens como por mulheres.

    Brehons: juízes.

    Cailín: rapariga.

    Corp-dire: preço do corpo, uma multa que se paga por danos corporais.

    Craibechan: estufado muito saboroso feito com carne e hortaliças.

    Dia-dhúit: olá; literalmente: «Que Deus te acompanhe».

    Ech: cavalo de guerra.

    Eraic: indemnização.

    Flaiths: nobres.

    Léine: vestido comprido que as mulheres usam ou camisa comprida que os homens usam.

    Méirge: estandarte de muitas cores.

    Níl: não.

    Rath: fortaleza.

    Sibh: duendes.

    Sibh dubh: duendes malignos.

    : sim.

    Tuatha: vila ou aldeia que pertence a um clã; literalmente: «a vila».

    Um

    Irlanda, 1175

    – Aileen! Está um homem morto no campo!

    Lorcan, muito agitado, irrompeu na cabana de pedra. Aileen O’Duinne largou os alhos que tinha apanhado naquela manhã e levantou-se.

    – Tens a certeza de que está morto? – perguntou ela, com a leve esperança de que estivesse vivo. – Não se mexia – Lorcan encolheu os ombros. – Além disso, há sangue por todo o lado.

    O mais provável era que o rapaz tivesse razão. Aileen tentou não albergar demasiadas esperanças, mas, se não estivesse morto, talvez pudesse salvá-lo.

    – Onde o encontraste?

    – Eu mostro-te – Lorcan pensou durante um instante, com a preocupação reflectida nos seus olhos castanhos. – Meter-me-ei numa confusão por to dizer? Está morto.

    – Não te preocupes – Aileen abanou a cabeça. – Fizeste bem em vir ter comigo. Ela lembrou-se de que lho tinham proibido. Se

    Seamus O’Duinne, o seu chefe, descobrisse, castigá-la-ia. Não estava autorizada a curar os membros do clã.

    No entanto, não tinha tempo para se preocupar com aquilo naquele momento. Fez uma prece a Belisama para que estivesse vivo.

    Lorcan entrara na cabana quando ela enchia uma cesta com ligaduras limpas, milefólio e outras plantas medicinais. Virou-se e dirigiu-se a Lorcan:

    – Leva-me.

    O rapaz saiu a correr para os prados do norte, seguido de Aileen. Passaram junto das cabanas de pedra de alguns vizinhos. Um dos homens deixou a sua tarefa no campo e olhou-a com desagrado. Aileen evitou o seu olhar. Não podia importar-lhe o que ele pensasse. Não fizera nada de mal. Mesmo assim, as suas faces coraram pela humilhação. Os aldeãos não tinham esquecido o azar que a tinha açoitado.

    O orvalho molhou-lhe o vestido enquanto seguia Lorcan. O rapaz continuava a correr e a apontar para a ladeira da colina. O vento agitava as poucas ervas que restavam do Verão. O homem estava de barriga para baixo. A posição dos membros indicava que podia ter caído de um cavalo. A erva estava suja de sangue e Aileen tocou-lhe com as mãos trémulas.

    Ele deixou escapar um lamento. Estava vivo. Graças aos deuses, tinha outra oportunidade para mostrar o seu valor e pensava aproveitá-la.

    – Vai chamar Riordan – ordenou a Lorcan. – Precisarei de ajuda para o levar. Diz-lhe que traga um dos seus cavalos.

    Não ia permitir que aquele homem morresse. Tratá-lo-ia, independentemente do que os outros pensassem.

    Quando Lorcan se foi embora, virou-se para o homem. Parou-lhe o coração ao ver o seu rosto. Reconhecê-lo-ia em qualquer lugar, apesar das feridas. Era Connor MacEagan. Nunca esperara voltar a vê-lo.

    O medo e um desejo incontrolável apropriaram-se dela. De todos os homens que o destino podia ter colocado nas suas mãos, porque tivera de ser ele?

    O seu rosto, o rosto de um anjo, tinha-a perseguido em sonhos desde criança. Tinha uns lábios firmes, um nariz recto e um queixo sólido que faziam com que as suas origens viquingues da parte do avô fossem evidentes. O sangue que brotava de uma ferida na têmpora cobria-lhe o cabelo dourado.

    Tinha-o amado em tempos. A dor atravessou-a ao recordá-lo, mas afastou-a. Desatou-lhe a túnica com mãos trémulas e cortou-lhe a lã parda com a faca para deixar a descoberto o seu peito de guerreiro. Tinha vários cortes, mas eram pouco profundos, quase como se o tivessem torturado.

    Preferiu não pensar em algo tão horrível. Há quanto tempo estaria ali? Estava pálido e também se questionou quanto sangue teria perdido. Talvez fosse demasiado tarde para o tratar.

    Não podia pensar nisso. Limpou-lhe as feridas do peito e pressionou-lhe a têmpora para que deixasse de sangrar. Então, reparou que tinha as mãos e os pulsos inchados e arroxeados. Teria de lhe entalar os ossos partidos.

    Não podia morrer. Tinha de o levar para a cabana dos doentes para lhe tratar as mãos e suturar-lhe as feridas mais profundas, mas não podia fazê-lo sem ajuda. Onde estava Riordan?

    O horizonte era uma linha vazia e não havia sinal de nenhum dos dois. Não podia esperar que mais alguém ajudasse. Quase todos os aldeãos acreditavam que fora amaldiçoada.

    Tirou alguns dentes de alho da cesta e apertou-os com delicadeza contra o peito de Connor. Vendou a ferida com firmeza e rezou para que os alhos afastassem os demónios da febre.

    Finalmente, ouviu um cavalo a aproximar-se. Respirou fundo de alívio. Cumprimentou Riordan com a mão enquanto ele desmontava do cavalo.

    Riordan, um homem robusto habituado às tarefas do campo, era mais alto do que a maioria dos homens. Tinha as faces coradas e a cor vermelha brilhante do cabelo fazia com que se distinguisse facilmente.

    A julgar pela expressão do seu rosto, estava contente por ela o ter chamado. Como era viúva, procurava qualquer desculpa para estar com ela e era o único homem em quem confiaria para que a ajudasse.

    – Está vivo? – perguntou ele.

    – Por pouco. Preciso que me ajudes a levá-lo para a cabana dos doentes.

    Ela levantou o corpo de Connor até ficar sentado. Quando Riordan viu o rosto, a sua compaixão transformou-se em fúria e ciúmes.

    – Connor MacEagan – o ressentimento foi evidente. – Devias deixá-lo onde está. O canalha...

    – Sou curandeira – argumentou Aileen. – Se o próprio diabo precisasse dos meus cuidados, dar-lhos-ia.

    Pensou que Connor também podia ser o diabo. Com ele, não conseguia retirar-se para o mundo tranquilo onde só existiam as suas curas. A simples presença dele alterava-a.

    Riordan resmungou, mas ajudou-a a colocá-lo sobre o cavalo. Enquanto levavam o cavalo de volta, ela apercebeu-se de que queria ir mais depressa.

    – Porque terá voltado? – perguntou Riordan. – Pensava que se fora embora com os seus.

    – Se sobreviver, poderás perguntar-lhe. O seu rosto obscureceu.

    – Ajudo-o por ti, Aileen. Não tenho nenhuma vontade de falar com ele.

    Ela disfarçou o desespero, embora apressasse um pouco o cavalo.

    – Temos de nos despachar. Tem de sobreviver.

    – Porquê? Porque sentes alguma coisa por ele?

    – Porque, se morrer, provará que fui amaldiçoada. Não posso perder outra pessoa. Se sobreviver, é possível que Seamus me deixe tratar das pessoas outra vez.

    – Ninguém sabe que o encontraste – comentou Riordan.

    – Lorcan encontrou-o primeiro. Todos saberão ao anoitecer – tinha a certeza disso. – Mandaste-o para casa?

    – Sim.

    – Óptimo. Ela sentiu um medo gélido de que Connor não voltasse a acordar. Não se tinha mexido em todo o trajecto.

    – Continuo sem gostar dele. Devíamos levá-lo a Seamus.

    Aileen não estava disposta a perder aquela oportunidade por causa dos ciúmes de um homem. Apoiou a mão no seu ombro.

    – Fica descansado, Riordan. Partirá assim que acordar.

    Aquele contacto provocou um brilho de interesse nos olhos dele e ela desejou não ter feito aquele gesto impulsivo.

    Agarrou-lhe a mão e o seu rosto voltou a expressar desejo. Aileen recordou a si mesma que um marido bom e equilibrado como Riordan era uma escolha sensata. Há muito tempo que deixara de sonhar com guerreiros atraentes. Os homens como Connor MacEagan não reparavam nela.

    Chegaram ao pequeno terreno que considerava seu. Ao passar junto das plantações, pensou na calêndula, caso as feridas de Connor piorassem. Em silêncio, fez uma prece tanto ao Deus cristão como aos deuses dos seus antepassados.

    – Trá-lo para dentro da cabana dos doentes – ordenou-lhe.

    A cabana de pedra, muito perto da sua cabana, fora construída para cuidar dos membros feridos ou doentes do seu clã.

    Há duas luas que nenhuma pessoa confiara o suficiente nela para entrar ali. No entanto, tinha-a mantido escrupulosamente limpa, com a esperança de que um dia os aldeãos recorressem a ela.

    Receava que o seu chefe a obrigasse a ir para outro lugar quando outra curandeira ocupasse o seu lugar. Seamus não a tinha perdoado.

    O desconsolo apropriou-se dela. Alguns homens tinham morrido por serem demasiado orgulhosos ou supersticiosos para lhe pedirem ajuda.

    Abriu a porta e passou por debaixo dos ramos secos pendurados para afugentar os espíritos maus. Lá dentro cheirava a terra molhada e o ambiente era fresco. Riordan deixou o corpo inerte de Connor sobre um dos colchões de palha. Embora a falta de reacção de Connor indicasse que os ferimentos eram graves, ela mantinha a esperança.

    – Precisas de lume? – perguntou Riordan.

    Aileen hesitou. Sabia que ele queria ajudar, mas preferia trabalhar sozinha.

    – Eu acendo-o.

    – Não me importo.

    Ele foi apanhar turfa para levar para dentro da cabana, mas Aileen impediu-lhe a passagem, porque não queria que o cheiro do fumo a incomodasse.

    – Obrigada, Riordan, mas desenvencilho-me sozinha.

    – Não quero que fiques sozinha com ele. Não é digno de confiança. Ela conteve um suspiro.

    – Está inconsciente, Riordan. Não creio que conseguisse levantar a cabeça mesmo que quisesse. Ele pareceu tranquilizar-se e largou a turfa.

    – Queres que volte esta tarde? – perguntou ele, com tom esperançado.

    – Noutra altura... Encolheu os ombros.

    – Devíamos mandar uma mensagem à família

    MacEagan. Eu fá-lo-ia com todo o prazer. Ela olhou para ele com um certo receio.

    – Estás assim tão desejoso de o ajudar? Riordan olhou para a cabana e cruzou os braços.

    – Quero que o levem para longe daqui.

    – Não tens nada a recear dele.

    – Voltarei amanhã de manhã, para ver se precisas de mim. Ela conseguiu esboçar um sorriso.

    – Ficarei bem, obrigada.

    Quando se foi embora, respirou fundo de alívio. Ele só queria ajudá-la, mas a sua presença impedia-a de se concentrar. Acendeu uma fogueira no exterior, deitou a turfa e pôs alguns seixos grandes para que aquecessem. Também pôs a aquecer uma tigela com água.

    Entrou na cabana e sentou-se ao lado de Connor. Por um instante muito fugaz, abriu os olhos. Ela ficou petrificada, porque não sabia o que ele pensaria do seu alojamento, mas, na penumbra, não pareceu distinguir onde estava.

    Aileen conteve a sensação de desilusão quando ele voltou a fechar os olhos. Pô-lo mais cómodo. Tinha as mãos muito inchadas. No Inverno, poderia diminuir-lhe o inchaço com neve. Em vez disso, encheu duas tigelas de madeira com água fria e colocou-lhe as mãos lá dentro.

    Foi a correr até à sua cabana para ir buscar ligaduras e talas para lhe imobilizar as mãos, mas caiu-lhe tudo com a pressa. Então, apercebeu-se de que lhe tremiam as mãos. Tinha de acalmar o seu coração descontrolado e concentrar-se no tratamento. Tinha de deixar de se comportar como uma donzela néscia. Certamente, ele não se lembraria dela.

    Utilizou o xaile para levar as ligaduras e as talas. Parou junto da luz e encheu uma terrina com água quente. Os seixos! Quase se esquecera deles. Atirou o xaile com as ligaduras e as talas para dentro da cabana e deixou a terrina com água quente junto das ervas medicinais. Depois, foi até à fogueira e utilizou uma barra de ferro para empurrar as pedras para dentro da cabana e, assim, aquecê-la.

    Connor continuava inconsciente. Aileen respirou fundo para se recompor. Ajoelhou-se ao lado dele e rasgou-lhe a túnica suja de sangue com a sua faca. Ele não se mexeu. As dúvidas começaram a minar a sua confiança. Já teria atravessado a fronteira entre a vida e a morte?

    Tinha de deixar de se preocupar com o que não podia fazer e concentrar-se no que podia fazer. Tentou lembrar-se dos conselhos de Kyna, a curandeira idosa. As raízes de íris ou as folhas de malva serviriam se o inchaço piorasse. Seria suficiente? Connor era filho adoptivo do chefe e a família amava-o muito. Se o salvasse, poderia servir para acabar com a aversão a ela.

    Aileen tirou-lhe as ligaduras e os dentes de alho. Limpou-lhe o sangue da cara e molhou o pano em água fria. Entoou um cântico para tentar serenar os seus sentimentos desenfreados.

    Voltou a limpar-lhe as feridas do peito e decidiu quais teria de suturar. Quando os dedos lhe percorreram o peito, as lembranças apoderaram-se dela sem lhe pedirem permissão.

    O sabor proibido do beijo dele chegara a ocupar todos os seus sonhos. O corpo poderoso de Connor tinha-a abraçado numa noite de Lua cheia. Os músculos dele tinham apertado a pele ofegante dela. Tremeu e teve de abafar o desejo. Levantou-se e voltou a concentrar-se nas feridas.

    Ao afastar-se dele, passou junto dos molhos de ervas secas que pendiam do tecto. O seu cheiro ajudou-a a ordenar as ideias. Foi até à mesa pequena onde guardava os remédios e escolheu a consolda para tratar as feridas. Usou um almofariz para desfazer a raiz e deitou-lhe água quente.

    Sentou-se ao lado de Connor, com o almofariz à frente. Enfiou linha numa agulha de osso e começou a suturar-lhe o corte profundo da têmpora. Como não reagiu aos pontos e estava tão pálido, ela questionou-se se estaria morto.

    Sentiu um leve arrependimento no fundo do coração. Tinha tentado odiá-lo, tinha tentado aniquilar os seus sentimentos. No entanto, uma parte dele permaneceria sempre dentro dela, mesmo que ela tentasse esquecer o passado.

    Aileen segurou-lhe a carne aberta do peito enquanto a suturava. Embora já tivesse suturado inúmeras feridas e de todo o tipo, foi como se a agulha atravessasse a sua própria carne.

    Porque não conseguia permanecer impassível enquanto fazia o seu trabalho? Porque a assustava vê-lo entre a vida e a morte? Pensara que aqueles sentimentos já tinham desaparecido há muito tempo.

    Espalhou o emplastro de consolda pelo peito e voltou a vendá-lo. Devia concentrar a sua atenção nos ossos partidos. O ângulo do osso e a mão direita arroxeada indicaram-lhe que tinha o pulso partido. A mão esquerda tinha os dedos inchados e os nós dos dedos em carne viva. Era muito estranho. Aquelas feridas não se deviam a uma luta. Alguém tinha tentado partir-lhe os ossos intencionalmente. Voltou a pensar em tortura. Sentiu um nó no estômago e as dúvidas apoderaram-se dela. Teria conhecimentos suficientes para tratar ferimentos tão complicados? Pior ainda, teria coragem de lhe amputar as mãos se tivesse de o fazer para lhe salvar a vida? Se a pele ficasse verde ou preta, não teria outra alternativa. Sentiu náuseas perante a ideia de lhe fazer tanto mal. Fez outra prece contra os demónios da doença.

    – Mãe, passa-se alguma coisa?

    A sua filha Rhiannon entrou e Aileen deixou o que estava a fazer ao vê-la. Não se lembrara dela. A sua filha, embora tivesse sido adoptada e vivesse noutro lugar, visitava-a com frequência para aprender as artes da cura. Aileen olhou para Connor e viu que continuava inconsciente. Rodeou a sua filha com um braço e tirou-a da cabana.

    – Não se passa nada. O rosto de Rhiannon obscureceu.

    – Queres que te ajude? Aquele homem...

    – Hoje, não – Aileen fez um esforço para o dizer com serenidade. – No entanto, podes rezar por ele. Rhiannon adoptou uma expressão crítica.

    – As preces vão curá-lo?

    Torceu a trança castanho-escura e voltou a fazer uma expressão de preocupação.

    – Não lhe farão mal.

    – Deixa-me ajudar-te – suplicou-lhe a sua filha.

    – Não – o tom foi mais cortante do que quisera e Aileen fez um esforço para sorrir. – Melhorará depressa. Não é tão grave como parece – a mentira aliou-se ao peso do remorso.

    – És uma boa curandeira, mãe. Tanto faz o que digam. Quero ser como tu – consolou-a Rhiannon, com brilho nos olhos.

    Aileen reparou que corava.

    – Espero que chegues a ser melhor do que eu.

    Alegrava-a ter aquele vínculo com a sua filha. Muitas crianças acabavam por sentir mais afecto pelos pais adoptivos do que pelos que as tinham concebido. As visitas frequentes de Rhiannon faziam com que fosse assim e Aileen amava-a cada vez mais.

    – Vão trazer outra curandeira – reconheceu Rhiannon, com o sobrolho franzido. – Ouvi Tómas a dizê-lo.

    – Quando?

    – Dentro de uma semana – Rhiannon agarrou a mão da sua mãe. – Mas não pode ser tão boa como tu. O que aconteceu não foi culpa tua. Eles...

    – Não importa – interrompeu-a Aileen. – Os teus pais adoptivos devem estar à tua espera. Tens de te ir embora.

    – Venho ver-te amanhã?

    – Não até que este homem se vá embora.

    – Porquê? Já te ajudei outras vezes.

    – Não discutas comigo. Quando tiver voltado para a sua gente, poderás voltar – Aileen abraçou a sua filha e acariciou-lhe o cabelo. – Até então.

    Rhiannon abraçou-a com força.

    – Voltarei em breve para te ver, mãe.

    – Adoro-te, a iníon. Porta-te bem – acariciou-lhe a ponta do nariz.

    – Fá-lo-ei.

    Aileen esperou que a sua filha chegasse ao cimo da colina e, depois, voltou para junto de Connor. Graças aos deuses, não fizera mais perguntas.

    Connor estava imóvel. Agarrou-lhe a mão direita e ele fez uma expressão de dor. Foi a primeira reacção física que lhe viu. Talvez sobrevivesse. Era como se alguém lhe tivesse magoado os dedos com um maço, tal como o pulso.

    Eram ferimentos muito pouco comuns. Se o inimigo tivesse querido matá-lo, teria bastado cravar-lhe uma seta ou uma faca no coração. Parecia um castigo. Connor não estava armado, o que dava a entender que o tinham feito prisioneiro. Tinham-no abandonado no meio do campo, onde poderia continuar se Lorcan não o tivesse encontrado.

    Tinha de o tratar. Enquanto procurava entre as talas de madeira para encontrar as mais apropriadas, voltou a lembrar-se de Rhiannon. Sentiu um amor transbordante pela sua filha de rosto angélico. Não podia imaginar a sua vida sem ela. Ninguém lhe arrebataria Rhiannon e menos ainda Connor MacEagan, o homem que a tinha concebido.

    Ardiam-lhe as mãos e nunca tinha sentido uma dor parecida. Connor teve uma convulsão, os músculos contraíram-se pela dor terrível.

    – Não te mexas. Tenho de te entalar os ossos.

    Connor não conseguiu conter os seus movimentos, como também não conseguiu conter o grito que lhe escapou. A mulher mexeu noutro osso e ele rezou para que a bendita escuridão se apropriasse outra vez dele.

    O auxílio da mulher fez com que fosse impossível. Ele concentrou-se no que tinha acontecido, nas imagens fugazes dos homens de Flynn O’Banníon. Lutara enquanto o esfaqueavam. A dor não fora nada em comparação com o que acontecera depois. Aqueles que tinham sido seus amigos seguraram-no contra o chão e o chefe levantara um maço de pedra.

    Sentira uma dor enorme na mão e no pulso. Um grito arrasador surgira da sua garganta quando lhe tinham batido na outra mão. Felizmente, desmaiara.

    No entanto, a tortura da curandeira era muito pior do que a do seu inimigo. Não se lembrava de como escapara, mas as palavras de O’Banníon enchiam-lhe a cabeça: «Nunca mais voltarás a tocar numa mulher».

    A curandeira tocou noutro osso e ele lamentou-se.

    – Tem cuidado.

    – Estou quase a acabar.

    – Graças a Deus...

    – Depois, tratarei a outra mão.

    A outra mão? Meu Deus, os sibh dubh tinham enviado aquela mulher para o atormentar! Os espíritos malignos eram mais compassivos do que ela. Nunca tinha sofrido uma tortura como aquela. Manteve os olhos fechados para controlar a dor.

    – Onde estou? – perguntou, com a respiração lenta para que não lhe doessem as

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