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Adágio dos Elfos: O Livro de Oto
Adágio dos Elfos: O Livro de Oto
Adágio dos Elfos: O Livro de Oto
E-book525 páginas10 horas

Adágio dos Elfos: O Livro de Oto

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Sobre este e-book

Além da morte misteriosa de seu avô materno, do enlouquecimento de sua prima Aurora, e da mudança para a Irlanda, Vincent também passa a ser perseguido por uma aeromoça sinistra depois de comprar um livro antigo numa lojinha do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, no Brasil. Mas o pior desperta quando os pais do rapaz revelam a ele e a seus irmãos o maior segredo da família: Eles são Elfos!
Junto de sua avó e dos irmãos mais novos, Vincent acaba por chegar ao Outro Mundo, um planeta chamado Havilá; a terra natal dos elfos e de outras dezenas de raças mágicas, tais como fadas, Anões, gigantes, centauros, duendes, Notívagos e os mais terríveis Salamandras, o povo-serpente.
Vincent vai precisar ser corajoso para resolver todos os mistérios que o envolvem! 
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de jul. de 2023
ISBN9789895724017
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    Pré-visualização do livro

    Adágio dos Elfos - Pedro Cristo

    O ECLIPSE

    E quando o caos dominar, e não houver mais esperança, o Sol brilhará outra vez. E desta vez para sempre. E não sozinho, pois a Lua com ele se unirá, e serão como um, pensarão juntos e farão o que tem de ser feito.

    Está se aproximando o tempo onde a união falará mais alto. Entretanto, chega o momento de se escolher entre o bem e o mal, pois nunca houve nem haverá um meio termo. Não haverá como fugir. Por Ôlaim eu digo. É inevitável!

    Oto Érquion

    PRÓLOGO

    Mil e Quinhentos Anos Élficos Atrás

    O olhar dele oscilava em todas as direções. Um pavor lhe cobria a face pálida. O suor escorria pelas têmporas de seu rosto e o coração disparava como uma manada de cavalos selvagens. Seus longos cabelos negros serviam de repouso para uma pomposa coroa de ouro fino. Em seu maxilar crescia uma barba curta que, pela cor escura, deixava sua pele ainda mais clara. Suas orelhas pontudas e finas estavam prontas a captar qualquer movimento próximo. Quem o visse logo saberia que se tratava de um elfo.

    Ofegante, ele corria numa floresta assombreada por altas árvores. O dia ainda estava claro. Seus passos rápidos esmagavam folhas e galhos ao chão em estalinhos. Estava fugindo. Mas de quem?

    Lutava constantemente contra o medo e, por outro lado, contra o ódio por seus perseguidores.

    – Oto, seu tolo! – esbravejou uma voz forte e masculina ao longe que falava ao pobre elfo. Parecia brava. – Nós ainda vamos te achar, não há como fugir! – acrescentou firme zombando dele.

    O rei elfo chamado Oto se deparou com a entrada de uma caverna no meio da floresta. Seria sua chance. Uma parte dele queria desistir e se entregar.

    Talvez a morte seja melhor do que viver como um moribundo fugindo de tudo e todos! Certa voz lhe repetia à mente.

    – Não! – ele disse alto e com firmeza a fim de espantar aquela voz.

    Olhando uma última vez para trás e ignorando o medo e o desespero, Oto desapareceu na escuridão da caverna.

    Dentro daquele breu ele sussurrou poucas palavras antes de lhe surgir à frente uma fogueira bastante primitiva. O fogo tremulava rapidamente. Com o rosto iluminado pelas chamas ele arremessou um livro ao chão, tirando-o de suas vestes. Caiu de joelhos à frente do objeto. Era um sujeito alto, de olhos escuros e resolutos, embora torneados pelo cansaço de quem pouco dormira. A opção de desistir ficara para trás, teria de ir até o final agora.

    Muitos confiaram em você e o que fez? Quando realmente precisaram você abandonou seu reino e como um cão medroso embrenhou-se no meio do mato. O que será de sua esposa? Uma mulher tão corajosa não lhe merece mais!

    – É mentira! – ele exclamou lutando contra seus pensamentos. – Eu estou fazendo o melhor. É a única maneira de proteger a todos... – terminou fungando forte.

    – Oto? Onde você está? Apenas me diga onde você os escondeu. Prometo não lhe fazer mal... – A voz que o perseguia jurou em falso. – Sou eu, seu amigo Crépos. Diga-me onde os escondeu – a voz gritou mais uma vez querendo rir ao dizer amigo. Desta vez ela veio acompanhada de uivos e risadas altas, todas de homens, que por sinal pareciam ser dezenas.

    Oto colocou uma das mãos sobre o livro. Seus joelhos fracos doíam ao entrar em contato com o chão de pedra da caverna. Sabia que restava pouco tempo para ser encontrado. Arfou uma vez bem forte quando decidiu realmente o que faria.

    – Minha vida a ti passará e ela o protegerá. Tenho o Hamorá por testemunha. E por Ôlaim, guiarás tu com cuidar aquele que meus erros há de apagar! – exclamou o rei, desta vez não se preocupando com o tom de voz. Que diferença faria se alguém o ouvisse? Tentariam matá-lo de qualquer forma!

    Um clarão verde iluminou a caverna e saiu pela floresta. Algo como um espectro fluiu do homem direto para o livro. Então ele suspirou uma última vez e caiu para trás com um baque no chão da caverna. Sua coroa rolou para fora.

    As chamas da fogueira desapareceram aos estalos da madeira em brasas. Aconteceu um grande terremoto, mas nada em todo o Outro Mundo, que se chama Havilá, foi danificado. Mas os seres que por lá vivem puderam sentir o tremor.

    – O que você fez, seu doido? – vinda de fora a voz de Crépos gritou agora preocupada, mas não com o elfo.

    Na escuridão da caverna jazia o corpo do elfo e o livro encantado à sua frente permaneceu caído, porém sua forma mudou, ficando menor. Estava ali um ato que mudaria a história dos mundos.

    Novamente a escuridão tomou conta da caverna e se ouviram passos adentrando o lugar.

    01 - COISAS SINISTRAS COMEÇAM

    Dias atuais

    Eram duas horas da tarde. O céu estava claro e com pouquíssimas nuvens; uma brisa fresca acariciava as árvores floridas.

    Vincent Stanford, um rapaz de dezassete anos, alto e claro, de cabelo ruivo e liso, observava a cidade e seus moradores da janela de seu quarto. Ele morava com sua família em Petrópolis, no Rio de Janeiro, que para quem não sabe, fica no Brasil.

    Seu quarto, assim como toda a casa, estavam completamente desmobiliados. Haviam vendido tudo, inclusive as camas. Passaram a noite em colchonetes finos, pois estavam de mudanças. Para ser mais exato, mudavam de país.

    A discutida mudança que planejavam há dois meses era o assunto principal durante as refeições dos Stanford. De um lado os filhos batiam os pés e diziam: Não! Do outro lado os pais batiam os pés e diziam: Sim! E tanto ouviu de seus pais sobre as maravilhas da Irlanda que Vincent acabou se conformando com a ideia. Afinal, seus pais eram irlandeses e ansiavam por um regresso à terra natal, e a oportunidade chegara.

    Tudo começou com a misteriosa morte de seu avô materno há meses (É melhor se preparar!). O homem fora encontrado morto, amarrado de cabeça para baixo no galho de uma árvore, numa pacata cidade da Irlanda (Santo Deus! Eu avisei!). Incrivelmente não havia ferimento algum.

    O rapaz se recordava com detalhes do funeral: O senhor fora velado numa das igrejas de Cashel, uma cidadezinha na Irlanda. O templo era elegantemente clássico, com enormes janelas e uma torre de telhado pontudo, como rege a norma.

    Kevin, como se chamara seu avô, estava lá, rodeado de parentes. As pessoas o olhavam num silêncio saudosista. Vincent observara aquela multidão ruiva, sentado num dos primeiros bancos. Não tivera coragem de se aproximar do caixão. Não tinha medo, mas era uma dor impossível que lhe sugara as forças.

    Entretanto, algo chamou sua atenção. Aurora, sua prima preferida, estava afastada dos parentes, e em seu rosto ele não pôde ver nenhuma tristeza. Ela conversava num canto junto às velas com um homem bem mais velho, e ele nem de longe devia ser parente deles, pois não tinha as sardinhas no rosto.

    Aurora sempre fora como uma irmã para Vincent, sendo assim, ele sentia-se na obrigação de ir ver o que acontecia. Talvez o homem a estivesse a incomodar.

    A jovem tinha sua idade, os olhos claros, mas que não chegavam nem a ser verdes nem azuis. Tinha também longos cabelos ruivos e lisos, sempre presos por uma fita verde num rabo-de-cavalo. Não havia ninguém que não gostasse dela e não ouvisse de sua sagacidade.

    Vincent pensou em ficar de pé e ir até ela, mas recuou ao ver o que houve.

    O homem e Aurora riram. O estranho logo lhe entregou um pedaço de papel que tirou de seu grande casaco ocre. Parecia um pergaminho quando a moça o desenrolou discretamente. O sujeito também lhe passou um embrulho retangular, mas a moça o guardou na bolsa que pendia de seu ombro com uma pressa suspeita.

    Estranho, Vincent observara.

    Em seguida eles olharam para os lados para certificarem se eram vistos. Por um triz Vincent desviou o olhar. Então ambos saíram pela porta dos fundos da igreja. Apesar de tudo, o estranho sequer tocava em Aurora. Era como se a respeitasse ou tivesse medo dela. Vincent os seguiu, escondendo-se por trás das pilastras.

    O que aconteceu depois disto o rapaz nunca pôde afirmar se fora verdade (pelo menos não até hoje). Ele viu Aurora e o homem caminhando em direção às árvores, e por um instante a maior delas abriu seu tronco lhes dando passagem. Em seguida não estavam mais lá.

    O rapaz sentiu um arrepio na espinha e não se atreveu a se aproximar. Ele tentou contar o ocorrido uma vez para a irmã, mas ela logo o ignorou; pois quem em sã consciência acreditaria numa tolice dessas?! Então resolveu deixar em segredo o fato. Procedendo assim imaginou fazer o correto. Entretanto, mal sabia ele do erro que cometia.

    Desde o funeral as coisas começaram a ficar bastante estranhas na vida do jovem Vincent. Às vezes ele dizia em seus pensamentos que tudo não passava de uma fase:

    Coisas do último ano da escola. Muitos jovens se desesperam, Vincent pensava sempre como uma forma de defender-se de tudo o que acontecia ao seu redor.

    Depois do fato com seu avô, sua prima Aurora acabou sendo internada num sanatório, segundo seus pais contaram. Ele nunca mais a viu desde então. Também falavam algo sobre ela não ter superado a morte do senhor. Eram próximos demais. Essa parte Vincent não quis entender, só sabia que ficara definitiva sua mudança para a Irlanda. Sua avó, agora viúva, ficara morando sozinha e precisavam ajudá-la, e além do mais, eles eram descendentes de irlandeses, sendo assim, seus parentes estavam todos por lá. Inclusive o tal sanatório onde Aurora estava.

    Não seria tão difícil assim... Pensara.

    Vincent sentia muito pela companhia da prima que sempre os visitara. Sofria por ela ter tido a vida mudada de forma tão terrível. Aurora num hospício... Ela não merece isso, sei que não é maluca, ele dizia a si mesmo tentando superar aquela época terrível.

    Entretanto, bom seria se seus problemas fossem esses e as simples crises do início da vida adulta. Na verdade, as proporções das coisas eram enormes, e ele não era o único atingido.

    Vez ou outra percebia seu pai andar de um lado para o outro de frente para a lareira após ler os jornais. Notícias como: Baleias foram encontradas mortas em praia de Santa Catarina, ou até mesmo aquelas nas quais pessoas afirmavam terem visto lobisomens durante as noites nas cidadezinhas de Minas Gerais, o deixavam perturbado. Vincent sempre se sentia incomodado com essas notícias também, mas não conseguia saber porquê. Então tentava fugir ao máximo dos assuntos, porém, para todo o lado elas eram comentadas.

    – Ei, Vincent! Você ouviu falar na televisão dos morcegos vistos voando durante o dia sem problema algum? – certa vez lhe perguntara um amigo da escola, para seu desgosto.

    Talvez fosse bom terminar o último ano da escola num lugar diferente, longe desses sentimentos confusos, Vincent pensava. Mas ao lembrar-se disso sentia uma pontada de saudade dos antigos amigos da classe. Particularmente ele nunca fora o mais inteligente de sua turma, mas também não ficava entre os, digamos, desinteressados nos estudos. E, também, começar tudo o que conquistou numa outra escola em apenas um ano seria impossível, mas sua avó ficara sozinha; querendo ou não (torno a repetir), teriam de se mudar para a Irlanda.

    Mas de volta à história, Thomas Stanford, pai de Vincent, um dos renomeados maestros da Orquestra Sinfônica do Rio, estava na calçada na frente da casa. Conversava com um senhor de boina que rapidamente se retirou. O Sr. Stanford, como era conhecido pelos vizinhos, mostrava fisicamente que Vincent era seu filho, pois seu cabelo também era ruivo e os olhos escuros. Além disso, ele era alto e um tanto corpulento.

    Após a retirada do senhor de boina, Thomas olhava de dez em dez segundos para seu relógio de pulso. Seus cabelos estavam alvoroçados por uma rajada fresca que cortou a rua. Vincent o via da janela de seu quarto.

    Dentro da casa, Anne, a única filha da família Stanford, sentava-se em sua cama (na verdade um colchonete estendido no chão) e, abraçando suas pernas junto ao peito, admirava o papel de parede floral do quarto, o qual deixaria de ser seu em instantes. Anne tinha quatorze anos e, ao contrário do irmão, era loira e com olhos azuis. A jovem era o tipo de pessoa que sempre tinha uma má resposta na ponta da língua. Isto não significava que seus pais não a tenham ensinado direito, mas é como se diz: As ovelhas de um rebanho nunca são iguais.

    Anne se levantou depressa e mudou de roupa. Tirou sua blusinha e o short que formavam o baby doll, vestindo uma calça jeans e uma blusa amarela bem fresca, como dita a moda durante a primavera tropical. Setembro estava chegando ao fim. O calendário marcava o dia vinte e nove.

    Martha Stanford, mãe de Vincent, vestia o filhinho Peter, o mais novo da família com seis anos, que acabava de sair de um bom e quente banho. Estavam no quarto ao lado. A mulher era loira e de olhos azuis, Peter a mesma coisa, assim como Anne.

    Ainda com o cabelo húmido, o garotinho correu do quarto seguido pela mãe. Ela levava as roupas e a toalha.

    – Cuidado, meu bem – pediu Martha gentilmente para o filhinho que descia a escada veloz. Uma das qualidades dela era a paciência infinita na criação dos filhos.

    Vendo a agitação, Anne, segurando a roupa que usara durante a noite, acompanhou sua mãe e o irmão para o andar debaixo.

    Martha era o exemplo da perfeita dona de casa e da mulher atual. Durante as manhãs e noites cuidava da casa e da família, porém às tardes lecionava música num colégio particular no centro de Petrópolis. Entretanto, algo nela sempre intrigara seus filhos, é que antes de preparar qualquer refeição, a mulher se trancava na cozinha e fazia tudo aos sussurros, como se conversasse com alguém. Nesses momentos os filhos olhavam para o pai esperando uma atitude, mas ele, sentado no banquinho do piano, rabiscava algumas notas na pauta naturalmente.

    É bom dizer que o casal Stanford era admirado pelos filhos e vizinhos em suas estranhezas. Uma delas era a paixão deles por poços. Ao verem um poço ou mesmo uma fonte chafariz corriam e provavam de sua água. Tão grande era essa paixão que mandaram construir um bem nos fundos da casa da família, embaixo de algumas árvores. E um dia antes da mudança contrataram um pessoal bastante estranho para entulhá-lo.

    Em seu quarto, Vincent continuava vidrado na imagem clara que via pela janela. Petrópolis havia sido sua casa a vida inteira. Telhados novos e velhos davam um toque a mais na paisagem, contrastando com o verde dos das serras e matas ao fundo. O rapaz trocou-se vestindo uma roupa dobrada ao lado do colchonete, debaixo de seu Tablet.

    Dando uma última olhadinha no cômodo vazio ele fechou a porta com cuidado. Observando cada canto da casa vazia, lembranças lhe vinham à mente. Eram boas e também más, mas isso não importava. O importante era o fato de serem lembranças.

    Quando descia a escada deixou escapar uma risadinha ao se lembrar de um Natal ali na sala, quando uma tia dele, chamada Ellen, bebeu mais vinho do que devia e foi dançar. A mulher acabou caindo sobre a árvore de Natal e os presentes. Foi uma confusão e uma algazarra geral naquele dia.

    Thomas entrou pela porta da frente e se encontrou com a família na sala, no primeiro andar.

    – O Sr. Alberto já chegou – o homem lhes avisou. – Vincent, ajuda-me com a bagagem – acrescentou seu pai.

    O rapaz apressou-se em guardar a roupa usada na única mala aberta no cômodo, também sem móveis. Fechando-a, ele apanhou outras malas e caminhou para a porta de entrada. Antes teve de se desviar do irmãozinho Peter que tentava carregar uma mala enorme, arrastando-a pelo chão. Seu pai foi pegar mais malas.

    A viagem seria mais simples, pois não levariam nada além das malas. Até o piano de Thomas fora vendido com os outros móveis e instrumentos da família.

    Do lado de fora havia uma picape prata onde o Sr. Alberto, com sua boina e óculos no nariz, acomodava as malas na parte traseira. Olhando assim ele parecia bem fraquinho, porém aguentava as malas sem reclamar.

    Sr. Alberto, um irlandês de idade bem avançada, era amigo da família há muitos anos. Ele os levaria ao Aeroporto Internacional Tom Jobim, mais conhecido por Rio Galeão, de onde a família apanharia um voo para a Irlanda, seu novo lar.

    Olhando para o céu, Vincent avistava algumas mechas de nuvens. Os olhos escuros do rapaz brilhavam ao refletirem os raios do sol. Ele pensava sobre a vida que estava deixando para trás: amigos, escola, vizinhos, lugares e, principalmente, lembranças.

    – Boa tarde, Sr. Alberto – Vincent disse passando ao velho as malas.

    – Boa tarde! – o senhor respondeu.

    Sua mãe deixou a casa por último, pois sempre fora muito apegada ao lugar. Depois de apagar as luzes e não trancar as portas, ela desceu os degraus da escadinha de entrada. Deu uma última espiada por cima dos ombros. Então saiu para a calçada.

    – Não chore sua boba... Não chore! – Ela disse a si mesma com certo humor.

    A frente da casa era cercada por grades brancas e havia dois salgueiros, um à esquerda e outro à direta, plantados na calçada.

    Um senhor gordo e muito rosa chegou correndo, estava ofegante, fisicamente cansado, usava um terno preto que quase estourava em seu corpo. Sinceramente, quem o visse, logo se lembraria de um leitão rechonchudo e rosado. O homem parou e olhou para Vincent durante alguns instantes. O rapaz percebeu e desviou o olhar incomodado. O homem secou a testa com um lenço e olhou para a casa.

    – Quem é ele mamãe? – sussurrou Anne.

    – Deve ser o comprador da casa, mas não me lembro do nome dele – respondeu Martha ao entregar a última mala ao Sr. Alberto. Estava bastante distraída.

    Thomas apareceu de trás da picape e levou o tal comprador para dentro da casa. A cena foi engraçada, pois todos acompanharam com olhar o homem roliço e rosa até ele desaparecer fechando a porta.

    No mesmo instante um táxi estacionou atrás da picape. Martha Stanford fez um sinal com as mãos para que o taxista esperasse. O homem pareceu impaciente e não desligou o motor. Nesse momento Thomas saiu sozinho da casa, trazia um envelope em mãos. Aproximando-se da esposa sussurrou algo sobre O Dinheiro, beijando-a na testa. Depois ele foi ajudar a cobrir as malas com uma espécie de lona muito resistente.

    Logo o Sr. Alberto deu a partida na picape e saiu com Thomas. Vincent, Anne, Peter e a mãe deles foram de táxi.

    – Por favor, para o aeroporto Galeão – pediu Martha que sentara no banco de trás entre os filhos mais novos. Vincent ia ao lado do motorista.

    O taxista fez um olhar de poucos amigos, vendo a mulher pelo espelho do carro.

    Antes de saírem Vincent percebeu o comprador da casa o observando através das grades do portão, mas ignorou o olhar curioso e virou-se para frente colocando o cinto.

    O trajeto até o aeroporto foi rápido, o problema foi uma tempestade que surgiu do nada. Sendo assim, o voo da família atrasou e o trânsito na capital do estado tornou-se uma zona de guerra.

    – Oi... Que chuva... Você está com os passaportes, Thomas? – perguntou Martha ao se aproximar do esposo e do Sr. Alberto, ambos tinham os cabelos molhados e as malas da família ao redor. Eles já estavam de pé na fila de embarque do aeroporto, esperando pelo fim da tempestade.

    A mulher chegava com os filhos.

    – Sim, com o de todos – o marido respondeu mostrando os papéis que tinha em mãos. Pareceu animado.

    – Então vamos! – exclamou Vincent ansioso.

    – Mas não era você que queria ficar? – perguntou seu pai rindo.

    – Eu superei – Ou vocês me forçaram a superar... O rapaz pensou com um meio sorriso.

    – O voo de vocês foi adiado por causa da chuva... – explicou o Sr. Alberto erguendo as duas sobrancelhas. Segurava a boina húmida com a mão esquerda, enquanto olhava o relógio de pulso no outro braço.

    Um trovão ecoou assustando o pequeno Peter.

    Correndo o olhar pelo saguão, Vincent pôde observar de longe várias lojinhas. Elas vendiam de tudo, inclusive bugigangas de grandes nomes da música brasileira e miniaturas do Cristo Redentor (a paixão dos turistas). Uma das coisas que mais chamou a atenção do rapaz foi uma pequena loja com obras de autores brasileiros.

    – Mãe, eu vou dar uma olhada naquela livraria. Posso? – disse o rapaz apontando para o lugar.

    Sua mãe assentiu com a cabeça.

    – Vá, mas você tem exatos quinze minutos. Não sei quando eles liberam a pista de decolagem... É melhor estarmos preparados – ela o alertou.

    A livraria não era muito grande. Logo de entrada havia um balcão cheio de papéis, e atrás dele um quadro enorme com uma cópia do retrato em pintura da princesa Isabel do Brasil. Ao redor o lugar era ocupado por vários corredores pequenos, mas divididos por seções. Vincent foi recebido por uma senhora. Ela era alta e magra, carregava uma pilha de grandes livros com os braços tremendo e exibindo as veias azuis. Mostrava muita dificuldade.

    – Posso ajudá-lo? – ela perguntou ao colocar os livros sobre o balcão. Com o dedo agora livre ajeitou os óculos que escorregavam pelo nariz e respirou aliviada. – Que tipo você procura?

    – Então... Na verdade, eu só passei para dar uma olhada mesmo – respondeu o rapaz meio sem graça.

    – Ah sim! Fique à vontade. Chegaram alguns livros novos. Talvez você queira olhá-los – apontou para o fundo dos minúsculos corredores. – Se não se importa, tenho de conferir estes aqui... – colocou as mãos na enorme pilha sobre o balcão e forçou um sorriso desesperado.

    Vincent passou os olhos por uma estante com livros indígenas, depois por alguns de Monteiro Lobato. Logo encontrou os tais livros novos. Ainda estavam no plástico, e outros em pilhas no chão. Pegou um depois outro, e assim por diante. Nada lhe chamou atenção. Isto não significava que os livros fossem ruins, mas é coisa que só quem gosta de livros entenderia.

    – Gostou de algum? – a dona da loja comentou sorrindo de forma enigmática, aparecendo atrás dele de repente, justamente quando Vincent desistia de escolher um.

    Ele não pôde negar que se assustara com o aparecimento repentino da mulher.

    – Ah, meu Deus! – ele dissera baixinho na hora do susto.

    – Me perdoe por aparecer assim – a senhora ficou envergonhada.

    – Tudo bem – o rapaz riu.

    – Gostou de algum? – a mulher repetiu.

    – Na verdade, não. Desculpe. E meu tempo é curto demais para continuar a procurar... – eles ouviram o alto-falante no saguão avisar em no mínimo cinco idiomas que as pistas estavam outra vez liberadas. – Viu?

    – E se eu te indicasse um realmente bom? – ela propôs

    – Pode ser – Vincent concordou. – Mas de fantasia, por favor.

    – Já volto – disse ela, e em poucos segundos aparecia com um embrulho em mãos. – Você vai gostar deste aqui. Também chegou à livraria hoje... – ela explicou, pois o livro ainda estava envolto por um plástico cinza, como se a pouco tivesse chegado pelos correios. Apenas um pedacinho da embalagem fora rasgado, exibindo uma parte da capa.

    Vincent apanhou o livro das mãos pálidas dela, viu que a capa era marrom e bonita. A mulher parecia olhá-lo como se esperasse algo, mas logo se dececionou, murchando os ombros. Por um instante, ao fitá-la nos olhos, pareceu a Vincent que eles tivessem ficado vermelhos, mas o rapaz ignorou esta ideia irracional, piscando com força.

    – Pode abrir se quiser. Ainda está lacrado – ela disse apontando.

    – É bom? – ele perguntou.

    – Muito! Um lançamento de fantasia, coisa inédita – ela assentiu.

    – Então vou confiar. Deixo para abrir no avião, assim será uma surpresa. Vou levar! – disse o rapaz com pressa. Afinal, iria precisar de algo para se distrair durante o longo voo.

    Depois de pagar pelo livro, ele o guardou em sua mochila. Vincent olhou para trás assim que saiu da loja, e a senhora o acompanhou com o olhar por trás da vitrine. Ela acenou sorrindo. Ele acenou com a cabeça de volta, e assim que virou para frente, sussurrou:

    – Maluquinha! – e riu sozinho.

    E ela continuou observando-o até não poder mais vê-lo entre as pessoas que ziguezagueavam apressadas.

    – Você demorou – disse o pequeno Peter com seu jeito espoleta ao irmão que chegava num passo apressado.

    – Verdade, mas é culpa da dona da loja – Vincent sorriu e bagunçou os cabelos amarelos do irmão.

    O garotinho divertiu-se erguendo a cabeça para vê-lo.

    Sr. Alberto já nem estava ali. Despedira-se e fora. Não gostava de chorar na frente dos outros.

    A fila finalmente começou a andar. As malas já haviam sido embarcadas antes; agora Vincent levava sua mochila, onde colocara suas coisas mais importantes e o livro novo. Era como seu pai. O homem também levava uma mala em mãos com suas partituras e a flauta. Não conseguia se separar delas. Eram cópias em primeira mão de obras originais de Bach e Beethoven.

    – Seria uma tragédia perdê-las num extravio de bagagem – Thomas dissera no dia anterior.

    O céu já estava um pouco mais claro. Era possível ver um pedaço do sol. Aquela chuva realmente pegara a todos de surpresa, inclusive os meteorologistas da televisão que haviam previsto um dia de sol sem nuvens.

    Pela janela do avião Vincent observou outra aeronave menor que pousava suavemente na pista. Ele e Anne sentaram-se na frente dos pais. O rapaz ia perto da janela, separado da irmã por uma poltrona vazia onde sua mochila descansava. A jovem conferia suas últimas mensagens em seu Smarthphone. Nas poltronas detrás o casal Stanford sentou-se com Peter que, vidrado, olhava tudo pela janela. Vez ou outra ele soltava palavras como Uau!, Que maneiro!, e todos da família tinham de prestar atenção enquanto ele contava suas descobertas.

    Quando todos já estavam acomodados, um grupo de aeromoças deu instruções sobre como reagir em cada situação durante o voo. Enquanto isso as turbinas eram ligadas e a voz do capitão enchia o avião. Ele dava informações sobre o clima e o tempo que a viagem duraria.

    –... Cerca de dez horas até Lisboa, de onde vocês serão transferidos para outro avião direto para Dublin. Cruzaremos por cima do oceano... – dizia a voz do capitão, mas Vincent não prestou muito atenção. Queria mesmo era ler seu livro novo.

    Por último, o capitão pediu que se assentassem e colocassem os cintos. Os passageiros e as comissárias de bordo, seguindo as ordens, fizeram como ele mandara. Anne colocara seu telemóvel no modo avião. Eram por volta de quatro horas da tarde.

    Vincent sentiu um frio na barriga durante a decolagem como sempre, mas quando a aeronave se estabilizou pode relaxar e curtir a vista. Lá embaixo as construções se erguiam ao redor da famosa Baía de Guanabara e diminuíam a cada instante que subiam. Os pequenos montes despontavam em pedra nua por todas as direções, e o mar era um com o céu. Aquela natureza era testemunha da história do Rio.

    Agora, já calmo e sem a preocupação da pressa, o rapaz pôde tirar o livro da mochila e olhá-lo com atenção. Rasgou o plástico e logo tocou na capa, fitando-a.

    Instantaneamente ele sentiu o livro chacoalhar de leve em suas mãos. Assim que olhou para frente viu uma cara engraçada, verde e peluda, de olhos miúdos que o observavam do banco da frente, como uma criança curiosa tentando escalar a enorme poltrona. No entanto, de uma coisa Vincent sabia, aquilo não era criança, e muito menos gente.

    Instintivamente o rapaz deixou sair um pequeno grito assustado. É bom dizer que o grito foi grave, mas não o privou de sua vergonha. Ele deixou o livro cair e a criatura desapareceu de repente.

    Seus pais apareceram do banco detrás. Sua irmã e algumas outras pessoas o olhavam como se fosse um maluco.

    – Vincent, o que houve? – sua mãe perguntou preocupada.

    – Não foi nada, eu só pensei ter... – Melhor não dizer nada..., ele concluiu. – Não é nada – ele disse por fim.

    Martha o olhou por alguns segundos.

    – Tem certeza? – perguntou seu pai.

    – Sim. Já disse que não foi nada. Não se preocupem... Eu só olhei pela janela e... E me assustei com a altura – Vincent inventou. Que desculpinha mais fajuta!

    Anne riu com vontade. As pessoas ao redor pareceram se divertir um pouquinho. Sorte que ninguém pensou em usar o telemóvel naquela hora, senão ele ficaria famoso na internet por seu grito maluco.

    – Certo então... – disse sua mãe assentando-se, mas não se deu por satisfeita.

    Apanhando o livro do chão com cautela, o rapaz olhou rapidamente para cima, mas logo respirou com alívio por não tornar a ver a criatura bizarra.

    Virando a capa, ele se deparou com uma página em branco. Um cheiro de livro novo subiu lentamente até suas narinas. Virou então mais uma página. Estava em branco. Virou mais uma. Adivinha? Sim, também estava em branco. Continuou a folhear uma por uma até que passava aos montes. Todas as páginas estavam em branco. O rapaz olhou indignado para a irmã, concentrada numa música em seu telemóvel.

    – Anne – ele chamou meio sem jeito.

    – Oi... – disse a jovem virando-se para ele com uma cara péssima, não gostava de ser interrompida, ainda mais por ele. Mas então voltou a rir lembrando-se do grito do irmão. – Não sabia que você tinha tanto medo de altura assim, Vincent – e soltou uma gargalhada por fim.

    – Deixa de graça Anne. Olha, o livro que eu comprei está em branco! Não há nada! Nem mesmo título! – explicou indignado ao folheá-lo para a irmã.

    Anne revelou um leve sorriso sarcástico e tirou os fones do ouvido.

    – Você não sabe a diferença de um caderno para um livro até hoje?! Da próxima vez olhe antes de comprar ao invés de sair a correr. Preciso voltar às minhas músicas. Depois conversamos sobre isso – concluiu o assunto colocando os fones de ouvido e escolhendo uma música que colocou quase no último volume.

    – Qualquer dia você fica surda – Vincent pensou até achando graça.

    Convivendo é que realmente se conhece as pessoas. No caso, Anne mostrou ser bastante irónica.

    Ignorando a arrogância da irmã, ele fechou o livro se sentindo roubado pela senhora da loja. Voltou o olhar para o céu, o qual se tornava levemente em trevas manchadas pelo sol que já desaparecia, deixando um vermelho nas nuvens. Eles cruzavam o Atlântico neste mesmo instante. O primeiro dia da nova vida de Vincent avançava, e isto não tinha nada a ver com a mudança de casa ou de país, era algo extremamente complexo, algo que sequer passara por sua limitada mente humana.

    Sentia-se um tolo por ter comprado um livro em branco. Afinal, a senhora da loja lhe dissera que era um livro. Ele sabia a diferença de um caderno para um livro. Algo estava errado. Estava zangado consigo mesmo por não o haver conferido antes de comprar.

    Assim que apanharam o outro voo em Lisboa, a família sentou-se em lugares parecidos com os do avião anterior.

    Entediado pelas mais de dez horas de viagem o rapaz pegou o livro novamente. Folheou-o numa esperança forçada de encontrar algo escrito, nem que fosse uma frase. Sentia-se um imbecil. Entretanto, dessa vez teve, curiosamente, obteve sucesso. Em uma das páginas do meio ele encontrou um pedacinho de papel, onde pôde ler um pequeno parágrafo escrito à tinta preta numa caligrafia bastante floreada. E leu:

    Caro leitor, neste livro você não encontrará apenas uma história fictícia, como provavelmente espera, mas sim fatos, verdades, vitórias, frustrações e pesquisas de uma vida inteira. Tenha cuidado, pois se ele cair em mãos erradas o nosso mundo e o dos humanos estará em perigo. E como afirmam as profecias: O sol nasceu. O Eclipse começou!

    Agora mais confuso pela leitura deixou tudo de lado e acabou adormecendo. Teve um sonho estranho. Via-se correndo numa floresta escura com o mesmo livro em mãos. Repetidas vezes olhava para trás, mas não conseguia ver do que exatamente corria. Até o momento em que tropeçou numa rocha e caiu. Um ser encapuzado e escuro como a madrugada correu para cima do livro. Ao redor de Vincent lobos enormes, escuros e bípedes o fitavam. Babavam ao mostrar os dentes. Alguns desses seres rosnavam. Pareciam famintos.

    O rapaz acordou com um pulo na poltrona. Passou a mão na testa, estava suado e ofegante.

    A irmã o olhou assustada pela agitação.

    – O que houve? Teve outro pesadelo?! Isso não me importa – ela estalou a língua impaciente. – Nós já chegamos – disse Anne com rispidez. – Levanta. Papai e mamãe já estão lá fora com Peter. Ele precisou ir à casa de banho. Ei! Acorda! – estalou a língua outra vez. – Estamos te esperando lá fora, não demore – terminou saindo.

    Vincent esfregava a testa. Estava um pouco perturbado pelo pesadelo. Não escutara nada que sua irmã dissera além do vou te esperar lá fora, ou algo assim, não tinha certeza.

    Enquanto se levantava, o piloto e as aeromoças caminhavam para a saída. Eles passaram estranhamente por ele sem percebê-lo. Sem querer acabou ficando a sós com a última aeromoça. Com o livro nas mãos e a mochila nas costas ele caminhou meio zonzo na direção da jovem que o esperava com um sorriso no fim do corredor.

    Ela era nova, devia ter uns vinte anos no máximo. Uma europeia de cabelos ruivos e ondulados. Aparentemente muito bonita. O rosto fino e pálido destacando seus olhos castanhos. Isto deixou Vincent um tanto constrangido e nervoso. Eles sempre encontravam os olhares, mas desviavam para os lados. A caminhada até o fim do corredor parecia enorme.

    As luzes do avião se apagaram. O rapaz encarou as luminárias no teto. Voltou então o olhar para frente. A aeromoça ruiva não estava mais na porta, por onde entrava a claridade outonal do sol. Para assombro dele, uma voz feminina e suave ecoou pelas paredes do avião chamando-o pelo nome. Vincent!

    Como atraído por um imã, o rapaz virou-se para trás. Estava a poucos centímetros da jovem. Ele podia sentir a respiração quente dela. Ela se aproximou ainda mais e chegando os lábios cor de cereja na orelha direita dele, sussurrou suavemente:

    – Me entregue o livro.

    Vincent a fitou nos olhos. Era impossível recusar qualquer coisa para ela. Aqueles olhos... Espera!

    – O que? – o rapaz perguntou para confirmar se tinha entendido direito. – Como sabe meu nome?

    – Me dê o livro – disse a jovem com um sorriso falso fixando seus olhos aos dele, parecia querer hipnotizá-lo.

    – Mas antes me diga ao menos seu nome – ele insistiu.

    A jovem não respondeu. Continuou quieta.

    – Por que você o quer? Não há nada escrito no livro. Para te falar a verdade eu acho que é mais um caderno para desenhos do que um livro – o rapaz disse sem conter sua frustração.

    O semblante da jovem mudou de repente. Impaciente ela colocou as mãos no livro e fez força para arrancá-lo das dele, porém sem tirar o sorriso do rosto.

    – Solte! – mandou Vincent acordando de um transe. Ambos faziam muita força, e apesar da meiguice física a moça mostrava uma forca descomunal.

    – Me dê o livro! – vociferou ela. Seus olhos mudaram para um vermelho intenso que brilhava na escuridão do avião como dois espectros de fogo.

    Empurrando-a – apesar do peso na consciência – Vincent correu para a porta do avião.

    A aeromoça caiu com força produzindo um som alto. Ela levantou cerrando os dentes. Com um grito avançou na direção do rapaz que naquele instante já havia desembarcado.

    Ainda correndo ele olhou para trás e enxergou uma fumaça cinzenta se dissipando exatamente na porta da aeronave. Ele segurou o livro com firmeza. O coração disparou. Sua mochila quase se soltou de seus ombros pelo sacolejo. Amanhecia.

    02 - PASSANDO VERGONHA EM PÚBLICO

    – O que aconteceu, Vincent? Já estávamos preocupados – perguntou a sua mãe inquieta ao vê-lo cruzando pela multidão de pessoas.

    Ele andava com passos rápidos pelo saguão do aeroporto de Dublin. Então parou onde sua família o esperava. Havia escondido o livro na mochila.

    – Você está gelado... – observou Martha colocando a mão pálida na testa suada dele.

    O rapaz tentava ouvi-la, mas seu pensamento estava longe. Ainda podia ver os olhos maldosos da aeromoça.

    – É... Você está mesmo estranho Vincent... – concordou Anne. Mas sem querer demonstrar preocupação, lançou algumas perguntas. – Parece que correu... Você correu Vincent? Mas porquê?

    As duas ficaram em silêncio esperando por respostas. Enquanto isto ele tentava normalizar a respiração. Olhava para os outros lados a fim de não as encarar e ao mesmo tempo assegurar-se de que não era seguido.

    Graças a Deus ela sumiu, ele pensou num suspiro.

    Thomas o encarava com desconfiança.

    – Já estamos atrasados. Depois vocês continuam com as perguntas... – sugeriu o pai num tom seco e apressado ao cortar o interrogatório.

    – Não. Tudo bem pai... Elas têm direito de perguntar... Eu... Eu tive outro pesadelo... É! Eu tive outro pesadelo – inventou Vincent já menos ofegante, apesar de realmente ter tido um pesadelo antes do encontro com a aeromoça sinistra.

    Peter analisava a cena em silêncio. Apenas mirando o irmão com seus olhinhos miúdos e azuis, os quais mostravam certa preocupação. Era criança, mas não parvo. Sabia mais do que os outros que Vincent omitira algo.

    – De novo? Isso não é certo meu filho. Desde que

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