Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

A vilã da história (Série Um conto de uma fada - 1)
A vilã da história (Série Um conto de uma fada - 1)
A vilã da história (Série Um conto de uma fada - 1)
E-book587 páginas9 horas

A vilã da história (Série Um conto de uma fada - 1)

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Não há dúvidas sobre a normalidade de Caetana Pimenta, sendo a garota mais comum que você já ouviu falar. A garota de dezesseis anos mais chata que existiu, desprovida de atrativos e defeitos. Porém, as impressões enganam, e ela sabia muito bem disso só de olhar um rosto. Isso porque tinha a habilidade de saber o desejo, a necessidade mais profunda, de alguém antes de saber seu nome. O problema era que esse desejo a atormentava até que ela o realizasse.
Em um dia comum, cruzou o próprio caminho com o de uma mulher que mudaria o seu destino próprio para sempre: aquela desconhecida precisava que outro certo desconhecido morresse. Só que Caetana não sabia de quem se tratava... e nem se deveria realizar esse desejo. Nada que não pudesse piorar, pois logo em seguida recebeu a notícia de que sua mãe paraplégica entrou em coma, sem motivos aparentes.
Não, poderia sim piorar ainda mais! Os desastres de sua vida completaram quando foi perseguida por uma figura encapuzada, que aparentava saber do desejo da desconhecida e afirmam que o colar que sua mãe sempre usou era amaldiçoado. E que acreditavam que quem deveria ser morta era ela!

Primeiro volume da série "Um conto de uma fada", inspirada em contos de fadas clássicos.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de mai. de 2016
ISBN9781310908750
A vilã da história (Série Um conto de uma fada - 1)
Autor

Valentina Linz

Valentina Linz está na casa dos vinte e é mineira de nascença, criação e coração. Quando criança teve problemas para aprender a ler e escrever, de modo que quando quando perguntavam oque queria ser quando crescer, respondia que qualquer profissão que não teria de escrever. Só que essa história mudou na adolescência, com uma paixão pela leitura e escrita, nascendo nesse momento o seu sonho de ser uma escritora de literatura juvenil. Já escreveu fanfics e esse é seu passado sombrio! É uma chocolatara em recuperação, seu bem mais precioso é o seu kindle e almeja ser a versão canina da mulher dos gatos.

Autores relacionados

Relacionado a A vilã da história (Série Um conto de uma fada - 1)

Ebooks relacionados

Fantasia para adolescentes para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de A vilã da história (Série Um conto de uma fada - 1)

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    A vilã da história (Série Um conto de uma fada - 1) - Valentina Linz

    Não há nada mais difícil do que começar uma história. Na verdade, já escrevi e apaguei a primeira frase pelo menos dez vezes antes de decidir começar não com afirmações falsas de uma história não-verídica como é qualquer fantasia, mas sim com o sentimento sincero de uma escritora. Li e então pareceu ser o certo a se fazer. Afinal, você pode ser uma pessoa que julgue uma história pela primeira frase, e caso ache que essa seja estúpida, iria abandoná-la. Já escrevi uma primeira frase estúpida e deixei-a, o que vai definir se vai continuar a ler o próximo parágrafo ou não. Então, o que colocarei a seguir?

    Deveria começar com o que aconteceu antes do que acho que começou a história? Deveria fazer um prólogo ou começar no primeiro capítulo? Se bem que coisas como prólogos e capítulos não são nada além de colocar começos e fins ao longo da leitura, assim não ficará com a agonia de saber que só terá um término depois de dezenas de milhares de letras. O que talvez nem seja muito, considerando que já leu até esse momento mais de cem letras, quase duzentas... Mas se olhar para o topo da página, já percebeu que tomei uma decisão, estamos no primeiro capítulo, de muitos.

    Deveria começar a história com uma descrição do lugar, para que possa construir um cenário na sua mente? Algo como a descrição do que se via na janela do cômodo em que se está, se é que havia alguma janela, ou ainda se estivesse em algum cômodo, o que não é o caso. Já sei! Vou ser uma pessoa espirituosa e vou fazer uma incrível descrição do cheiro do local. É comum começarem as suas descrições com imagens e sons, mas não com cheiros.

    Só que sou muito incompetente para falar de cheiros... Uma vez fui descrever o cheiro de um perfume e tudo o que consegui exprimir foi que tinha cheiro de perfume. Tenho minha defesa: poucos perfumes são especiais o suficiente para falarmos diferente de tem cheiro de perfume.

    Pensando bem, cenários mudam. Seria interessante começar com aquilo que vai ser comum em toda esta história. Teremos uma protagonista aqui. Sim, vou começar com uma admirável descrição sobre ela. Talvez não seja melhor começar deste modo, porque de nenhuma maneira ela é interessante, e é a protagonista! O que já pode ser considerado um começo nada bom. Porém, já que devemos começar de alguma maneira, fiz minha decisão. Como você já conseguiu ler até aqui, mesmo que tenha dito basicamente nada, talvez eu tenha a capacidade de envolver você. Quem sabe consiga improvisar algum charme nela...

    Peço que acredite que existem pessoas que são invisíveis. Não invisíveis em um sentido que remeta a ser transparente, mas sim que não são notadas mesmo que passe ao seu lado usando o tal perfume sem esse cheiro de perfume. Sua máxima interação seria um me desculpe depois de um esbarrão, e tal sujeito nem sequer teve a competência de te derrubar. Vamos chamar estas pessoas de comuns.

    Oh, sim! Infelizmente tenho de fazer este discurso, senão nunca vai entender a alma da Caetana. É o nome da protagonista. Caetana Pimenta.

    Digamos que pessoas comuns são aquelas que gostamos, usando a palavra correta. Gostamos delas porque temos de gostar, e por não darem um motivo para desgostarmos, nem um para amá-las. Nunca fizeram algo de tão horrível que vá ganhar a apatia de alguém, nenhum agrado para despertar a sua animação. Sua cara não teria nem beleza nem feiura, com dois olhos e sobrancelhas, que só os têm porque uma cara supostamente deveria ter olhos e sobrancelhas; uma boca e nariz da maneira que uma boca e um nariz devem ser. São aqueles indivíduos cinzentos, que não são nem brancos, nem negros e muito menos coloridos.

    Talvez possa melhorar esta descrição: pessoa comum é aquela que você nunca, jamais, em hipótese alguma, quer acompanhar para jantar. Porque não há companhia mais pavorosa em uma mesa do que essas, não em um grupo de amigos, mas sim quando estão sozinhos. É certo que comer com aquele que você mais odeia no mundo resultará em muitas brigas, e quem sabe uma azia, mas uma pessoa comum provocaria dores piores. Você mastigaria um pouco e a seguir viria o seguinte diálogo:

    – Está gostoso, foi você quem fez?

    – Não. – É isto que você responde. E depois de minutos de silêncio: – Você assistiu a aquele programa de ontem?

    – Não.  – É isto o que uma pessoa comum responde. E depois de minutos de silêncio: – Você gosta daquela banda?

    – Sim. – Mas não importa se aquela banda seja sua banda favorita, aliás, não importa se você secretamente estivesse planejando seu casamento com um dos membros dela, não conseguiria falar mais do que um simples sim. Sequer haviam respostas além desta. Não sairiam da sua boca, ou das suas mãos caso use a língua de sinais.

    E no final, seu grande sonho será que ela odeie doces e vá embora antes que sirva a sobremesa, o que infelizmente você sabe que se trata de uma mentira.  Pessoas comuns têm gostos comuns, e é de comum opinião que a sobremesa seja a melhor parte de qualquer refeição. Provavelmente passará a sobremesa pensando em todas as outras pessoas com as quais já interagiu para tentar escapar do aborrecimento que só uma ocasião dessas pode proporcionar.

    O comum é entediante, e não gostamos nada de ficar entediados, até contamos carneirinhos para escaparmos de pensamentos em branco antes de dormir. Daí nós ignoramos o comum e essas pessoas de carne e osso, nada translúcidas, tornam-se transparentes. Com nome e presença, sem voz nem tato, e muito menos volume.

    Pois Caetana poderia ser tida como uma pessoa bem comum, talvez a mais comum que já ouviu falar. As únicas coisas que todos podem considerar especial nela são seu nome e sobrenome, isto porque provavelmente seria a primeira mulher que conhecem com menos de cinquenta anos, dezesseis para ser exata, que se chama Caetana. Um nome incomum nos dias de hoje, pouco popular com os pais há dezesseis anos atrás. E ainda devemos confessar que Pimenta era um sobrenome forte, pelo menos na categoria de sobrenomes de plantas, com frutas e árvores maçantes como Pera ou ainda Pereira. Desculpem-me os Peras ou Pereiras.

    Era dona de um dos melhores nomes da chamada do colégio, os pais não eram muito criativos para nomear na redondeza. Só perdeu uma vez para um garoto na sétima série cujo nome formava um péssimo trocadilho. Para a sorte do menino, naquele ano ele finalmente conseguiu mudá-lo legalmente para outro menos ofensivo. Ela poderia sempre contar com o fato de ter um nome interessante. Isso no meu ponto de vista, claro! Você está livre para ter suas próprias opiniões sobre nomes e sobrenomes, afinal gostar de um nome é bem subjetivo. Lembre-se que estou me esforçando para torná-la interessante, e ao dizer que tem um bom nome, talvez você se convença que o dela seja incrível, o melhor que você já escutou na vida, a ponto de ofender qualquer Pera ou Pereira.

    A verdade era que mesmo que tenha vivido na mesma cidade desde quando nasceu, habitado a mesma casa na mesma vizinhança, estudado no mesmo colégio com as mesmas crianças, pouco poderiam de fato dizer que conheciam-na. Sabiam seu nome, que nasceu naquela cidade, vivia naquela casa e estudava naquele colégio, mas nada além disso. Pedro – não se preocupe em decorar este nome, pois só vai aparecer uma vez – sabia que ela ganhou uma corrida quando eram crianças, mas só porque ficou em segundo lugar, e ele ainda sentia-se inconformado por ter perdido para uma menina tão normal.

    Sequer era por ter sido excluída pelas outras crianças, ou pela falta de amigos, agora em sua adolescência. Não disse que inexistiam motivos para se odiar uma pessoa comum? Caetana sempre foi amiga de todos, íntima de ninguém. Algo como ser um membro de todos os grupinhos, mas não saber dos segredos. Ser convidada par todas as festas, mas nunca para ir ao cinema à dois. Não tinha nada de tão odiável para ser amada, nem de amável para ser odiada.

    Não conseguia ser cativante, sua conversa tinha a propriedade de ser aborrecedora para a maioria. Era provável que havia alguma coisa na sua entonação, que fazia qualquer assunto se tornar monótono quando saísse da sua boca. Não que fosse irritante, sequer chegava a despertar algo de tal magnitude, estava mais para sempre ser irrelevante. Uma habilidade única de só falar sobre o que era irrelevante na vida de qualquer um, e consequentemente ser a personificação de tal.

    Até mesmo aquilo na sua aparência que poderia chamar a atenção, seus olhos, passava despercebido para a maioria. Só sua mãe lhe dissera que tinha olhos bonitos. Não que sejam verdes ou azuis, e infelizmente não se tratava de uma cor tão bizarra quanto vermelho ou um arco-íris completo. Era dona de olhos castanhos, mas não aqueles tons comuns que se vê em todo lugar, mas uma cor bem clara, sendo que olhos de mel venha a calhar como um título adequado, já que era a cor exata de um fio de mel, de um marrom suave e quase amarelo.

    Por mais que eu deseje que você goste dela, devo dizer que esta cor de olho se encontre entre uma das minhas menos favoritas. Talvez você se simpatize, mas creio que futuramente encontrará outras características em Caetana mais interessantes, e quem sabe passe até a apreciar nossa heroína.

    Ninguém notaria que tinha olhos exóticos, isto por causa da inexistência de motivos para percebê-los. De resto, tinha tudo parecido com a maioria que compunha o seu cotidiano, mas que remetia ao chato. Pele amorenada que poderia ser a definição de um fenótipo brasileiro, o nem branca e nem negra. Dona de cabelos castanhos escuros, sem encanto o suficiente para fazer uma comparação com qualquer coisa. Cor de chocolate meio amargo, mas não chamaria esta cor de marrom-chocolate-meio-amargo, pois não me lembra chocolate, ele era esquisito. Caso você for vaidoso com certeza me entenderá, nem é enrolado para ser encaracolado muito menos reto para ser liso, ficando no caminho da indefinição.

    O porte dela também era médio, de um-e-sessenta-e-alguma-coisa, essa variando de zero a nove dependendo da sua definição de médio. Seu corpo também era mediano, mas não vou colocar valores numéricos aqui para que possa aguçar sua imaginação. Se o número for muito pequeno, podem considerar como um padrão anoréxico, o contrário será adoravelmente chamado de saudável, o que pode ser ofensivo dependendo da tonalidade usada.

    Como toda pessoa comum, tinha dois olhos e sobrancelhas, só porque uma cara tem de ter olhos e sobrancelhas, e uma boca e nariz da maneira que uma boca e um nariz devem ser.

    Estou desgostando dessa conversa. Caetana está tendo uma descrição tão depreciativa que estou começando a ter pena dela! Talvez seja a hora de encontrar uma saída alternativa para que ela fique mais apreciável, que não seria pelo seu físico. Para começar, devo quebrar esta teoria, que eu mesma criei, de que pessoas comuns são tediosas e invisíveis e blá, blá, blá.

    Imagino que todos já ouviram uma certa frase uma vez na vida, mas caso não tenha, prazer, sou aquela que a apresentou. Todos nós somos especiais. E creio nisso, ou pelo menos em parte disso. É tudo uma questão de potencialidade!

    Imaginemos que uma destas pessoas comuns por acaso se encontre com alguém que está prestes a soltar uma bomba na fila enorme, porque filas enormes são estressantes e ele tem uma bomba para direcionar sua raiva, que ao menos seria uma justificativa plausível. Imagine que mencione que quer solta esta bomba em uma dessas trocas de palavras que costumam surgir nessas situações. Não importa se saiu correndo ou tentou negociar fervorosamente para que a soltasse em outro lugar, essa pessoa comum vai se tornar interessante em questão de segundos. Todos vão querer saber como se sentiu, sobre o que falou e como teve a capacidade de tropeçar três vezes durante a fuga, ou talvez algo menos vergonhoso como gritar solta lá fora, solta lá fora! O importante é que nunca deram uma oportunidade para ela enfrentar um terrorista antes!

    Talvez aquela desagradável companhia para o jantar seja o amor perdido de infância do membro da sua banda favorita. Ainda quem sabe eles tenham se reencontrado e se casaram no dia anterior, em segredo. Talvez aquele dito-cujo com a aparência tão comum que viu na rua seja seu ídolo, só que não se destacava em uma multidão sem todo o apetrecho de palco, mas cantava que era uma maravilha.

    Enfim, não é que todas as pessoas são especiais, elas possuíam potenciais. Poderiam ser interessantíssimas, mas ninguém sabia disso, ou ainda não tiveram uma boa oportunidade para provarem.

    Este era o caso de Caetana.

    Diria ainda que ela era um tanto quanto mais interessante que as outras pessoas comuns, ou até mesmo que aquelas que se destacam. Digamos que você depois de um jantar entediante ficaria feliz em dispensar a sobremesa para ir embora. Perderia a oportunidade de saber que ela tinha uma incrível habilidade em fazer pudins. Esta era a única coisa que sabia fazer na cozinha, mas vejamos por um outro ângulo, especializou-se.

    Ninguém olharia para Caetana na rua, com olhos de mel e o resto mediano, andando como se fosse uma parte da paisagem, e falaria:

    - Sabe aquela menina lá? Ela faz um ótimo pudim. – Ao menos se não quiser ser uma piada para o seu companheiro de caminhada.

    Ela também tinha uma habilidade de estralar dos dedos fora da média. De fato, quando entediada, costumava formar boas melodias. Mas ao contrário de tocar um violão ou cantar bem, ninguém se importa em escutar uma boa música feita de estalos de dedos. Esta pode ser uma atividade que só diverte a si mesmo, como por exemplo, ser um ótimo jogador de paciência. Teria algo mais entediante que observar um jogo de paciência?

    Sim, comer com uma pessoa comum, ou Caetana, sem esperar seu pudim de sobremesa!

    Como já havia mencionado, tinha olhos proeminentes que ninguém olhava duas vezes para notar seu destaque. Valorizam pouco o castanho por aqui, ou em todos os lugares do mundo.

    O que mencionei pode até colocá-la como uma garota que se deva olhar duas vezes, digna de um leve interesse. Entretanto, ela tinha uma coisinha especial, que era bem incomum.  O que ela chamaria de segredo, graças ao fato de que ninguém levaria a sério se ela falasse isso em voz alta, ou ainda a levaria para um tratamento. Ah, já chegou a pensar que era louca bem mais de uma vez!

    Foi o que a fez olhar para o outro lado da rua naquela tarde, diretamente para uma mulher que aparentava ter cerca de vinte e alguns anos, bem vestida e carregando uma sacola de plástico. Bonitinha, olhos claros e cabelos encaracolados, que se encontravam amarrados com um lenço. Tinha a pele morena num tom mais escuro, porém tinha vários traços caucasianos que indicavam mestiçagem. Na verdade, era bonitona, bonitíssima. Essa habilidade obrigou-a a ficar parada e olhando-a passar, encarando o nada quanto a mulher virou a esquina. E a fez descobrir que as pessoas ficam sim boquiabertas e perdidas em pensamentos, pois era assim que estava. Aquela mulher, Caetana tinha certeza disso, não era uma pessoa comum, pelo menos não para ela. Era uma pessoa muito, muito e muitíssimo incomum.

    Isto porque interessante seria um eufemismo para alguém que aquilo que mais necessitasse no mundo fosse que outra pessoa estivesse morta!

    Existem fatos do mundo que você sabe. Você soube desde os primeiros segundos de vida que tinha que respirar e inspirar, respirar e inspirar e que nunca poderia falhar nessa tarefa. Talvez tenha aprendido que se não fizer isso, sentirá mal, mas não pode negar que ninguém te deu a aula dos sete métodos mais eficazes de respiração no seu primeiro dia de vida, jamais ensinaram como seria sua primeira respiração. Só respirou e continuou a fazer isso até desperdiçar seu tempo em tal aula. Certo, talvez depois de um acidente alguém necessite reaprender a respirar, o não era o caso para alguém saudável.

    Mas creio que pelo que quero explicar, tenho um exemplo que seja mais fácil de entender: você sabe o seu nome. Eu sei meu nome. Caetana sabe o nome dela. O louco não sabe porque o chamam de uma palavra desconhecida, mas sabe que seu nome é Da Vinci e que tinha uma habilidade musical acima da média. Isso é fácil para nós porque logo ao nascemos, alguém escolheu dentre uma série de fonemas, uma que seria utilizada quando quer se referir a nós, e desde esse dia nós a ouvimos direto. Quando alguém fala seu nome, você não faria um esforço enorme para descobrir quem se tratava, sabe que significava você. Saber que o seu nome era você seria algo tão corriqueiro quanto saber que tem de respirar.

    Mais interessante do que isso – se é que podemos chamar algo tão chato desse modo – é estar com fome, sede ou frio. Uma sensação que você tem certeza saber, mas que ninguém te ensinou.

    Então, basicamente você sabe algumas coisas nessa vida. Vamos juntar isso a outro fato.

    Há algo sobre você que só você mesmo sabe, ou ainda nem saber percebeu. Todos nós temos um sonho, algo que desejamos acima de tudo que aconteça conosco, ou ainda que precisamos desesperadamente. Como um emprego para um desempregado, um empurrão em direção da calçada para alguém que vai ser atropelado. Também pode ser algo que nem nós sabemos o que seria. Como por exemplo, descobrir que o amor da sua vida que você ama tanto te trai, e infelizmente você precisa tomar conhecimento disso antes que ele se case contigo para aplicar um golpe para e todo o se dinheiro, o que te fará cair em depressão e precisar levar o tal empurrão, porque andava tão cabisbaixo que nem sequer percebeu um caminhão vindo em sua direção. Isso tudo seria algo que precisamos muito que aconteça.

    Vamos chamar isto de desejo, essa necessidade de algo que sabemos ou não, mas que precisamos. Caetana sabia o desejo das pessoas, e sabia disto desde a primeira vez que olhava para elas.

    Começou a acontecer quando ela tinha dez ou onze anos, faltando alguns dias para os onze. Tinha conhecimento dessas coisas tão íntimas de desconhecidos do mesmo modo ela sabia seu próprio nome, ainda que ninguém tenha contado para ela. Era como uma informação que sempre esteve em sua memória. Algo no mesmo instante que vesse um homem na rua pela primeira vez, fosse capaz de se apresentar deste modo:

    - Olá! Meu nome é Caetana e meu sobrenome é Pimenta. Tenho dezesseis anos e você precisa aprender a tocar violoncelo. Acredite, você vai ser o melhor violoncelista que já viveu!

    Não que ela fez isso, conseguia esconder muito bem o que era.

    Saber os desejos das pessoas era tido como o seu segredo. Daqueles que sejam um segredo de fato, nada que fosse correndo para contar para alguém, uma informação que sequer poderia sair de sua boca.

    Para seu alívio, eram poucos aqueles que a garota sabia desse algo a mais, assim não conhecia necessariamente o desejo de qualquer um que aparecesse na sua frente. Também uma pessoa poderia apresentar um desejo que envolvia outra. O que não aliviava o fato de que independente se eram conhecidos ou estranhos, ela sempre poderia olhar para um rosto e descobrir coisas a mais do que uma simples feição. Contudo, saber que uma pessoa precisa sair do armário e assumir-se gay publicamente antes mesmo de saber seu nome tinha lá suas bizarrices.

    Não fazia a menor ideia de onde tal habilidade veio, mas nunca dedicou muito tempo para descobrir, afinal seu dom tinha a estranha propriedade de mantê-la sempre ocupada. O único luxo que se permitia era perguntar alguns porquês, sem tempo de apurar nada, esquecendo logo por necessidade. Nem ao menos tinha comido algo estranho ou presenciado um evento misterioso antes de saber seu primeiro desejo. Nenhum raio caiu nela, nenhuma névoa colorida a envolveu e muito menos viu um sujeito falando palavras estranhas por perto.

    De fato, a primeira vez que soube de um desejo foi num dia comum de escola, quando no meio de uma aula de matemática soube de algo que a professora não havia contado nem para ela, nem para nenhum dos seus colegas. Caetana sabia que a velha tia Magda precisa muito de alguns gatos. Posso dizer que foi uma sensação estranha, porque era isto que era sentido quando você olhava para alguém falando de números e no próximo segundo você olhava para essa mesma pessoa que continua falando de números, mas por algum motivo sabia que ela precisa de ter gatos. No entanto, devemos concordar que provavelmente era o mais interessante que poderia acontecer em uma aula de matemática. Matemática era algo nada emocionante, sendo misteriosa em seu pior sentido. De onde vêm aqueles números, esse era o mistério. Ao menos para pessoas, como Caetana e eu, que compomos a massa, o que nos torna bem comuns nesse quesito. Existem aqueles extraordinários que a entendem, e ainda gostam da tal da matemática, assim devem ser admirados por tal.

    Caso pergunte-me porque dos gatos, ela também se perguntou a mesma coisa.

    Esta habilidade vinha em um pacote com outros conteúdos, por exemplo o tormento. Seria fácil olhar para alguém e saber seus desejos e ignorar, se quiser ter uma vida normal, sentindo apenas culpa passageira, talvez em alguns momentos pensar porque justo eu? Acontece que no segundo seguinte da descoberta sobre tia Magda, a garota sabia que sonharia com aquilo à noite, e na noite seguinte, e também de dia se não fizesse nada. Ao descobrir um desejo, Caetana adquiria ainda a noção de que era seu dever ajudar a realizar o seu desejo.

    Vamos chamar o ato dela fazer tudo o possível para tornar o desejo uma realidade de ajudar. E a realização de realização mesmo. São as palavras que ela começou a usar na sua cabeça com o tempo, não minhas. Resultado de pensar muito na sua habilidade, mesmo que jamais tenha a verbalizado.

    Não era apenas uma vontade, era uma obsessão! Atormentava-se até que conseguisse realizar o tal desejo; era como se ele ficasse cutucando o seu pensamento toda hora. Mesmo que por alguns segundos pensasse que não tinha responsabilidade com problemas alheios, daqueles que talvez nem conhecesse, a garota sempre chegará a mesma resposta. Haveria um motivo para que fizesse saber desses desejos, por existir aqueles que precisassem de ajuda e ela soubesse.

    Ela ajudaria e poderia fazê-lo pelo simples fato de que podia fazê-lo. Se você pode fazer algo bom, algo que só você saiba que tem de ser feito, porque não fazer? O que poderia te impedir?

    Naquele dia, no fim da aula, Caetana perguntou à professora se ela gostava de gatos e ela disse que gostava. Depois perguntou se tinha um gato e tia Magda disse que não. E perguntou porque não tinha um. Depois de receber meias respostas, foi embora. A menina pensou por muito tempo em como fazer sua professora ter um gato, então depois das sete horas da noite parou de se preocupar.

    Do mesmo modo que de repente ela descobria que alguém tinha um desejo, quando se realizava, a sua vontade de ajudar desaparecia, dando o seu lugar para uma gostosa sensação de satisfação. Tia Magda tinha de algum modo arranjado um gato, ou dois, ou mais.

    Foi tão estranho que Caetana fez questão de tentar não pensar sobre aquilo e muito menos saber qualquer informação sobre o que aconteceu, ou seja, ela não perguntou para a professora sobre os gatos. Pelo menos naquele momento, já que alguns anos depois veio a procurar saber mais sobre o porquê do gato. Descobriu que o marido da Tia Magda morreu fazia pouco tempo, descobriu que ela não tinha filhos, e por fim não descobriu, mas supôs que sentia uma solidão de noite. Pode parecer depressivo para alguns, mas agora ela tinha oito gatos e se encontrava feliz. Quem poderia julgar o que cada um chamava de felicidade? Naquele dia Caetana fez alguém feliz, e soube que ela durou muito tempo.

    Entretanto, enganou-se sobre poder deixar aquilo de lado, não sendo uma anormalidade passageira. No mês seguinte, viu um senhor na rua, e o que fez por dois meses você pode imaginar. Foi um desejo trabalhoso!

    Devido ao fato de ter criado nomes, fez você perceber que Caetana já não era mais uma amadora na arte de ajudar os desejos. Depois de seis anos fazendo isto já não se poderia mais ser chamada de principiante. Ainda mais se envolver atividades trabalhosas, cansativas, difíceis e ainda por cima, fazendo tudo isto escondida, no tempo livre e na limitada liberdade que era concedida a uma pré-adolescente, posteriormente uma adolescente comum. O que significava que não era típico dela sumir por alguns dias, e ganhava como recompensa poder ficar fora de casa um bocado tarde sem levantar suspeitas.

    Logo aprendeu que só era possível ajudar utilizando uma... metodologia vamos assim dizer, para lidar com desejos difíceis. Existiam aqueles que poderia resolver em minutos, mas não era a regra. Nem era que Caetana tenha se preocupado em criar regrinhas que devesse seguir, mas depois de algum tempo notou que estava fazendo sempre as mesmas coisas, e tinham sempre um ótimo resultado. Era sistemático, sempre deveria seguir à risca algumas regras, e caso não o fizesse, corria o risco de acontecer algo embaraçoso. Ou talvez que fizesse questionarem sua sanidade.

    A primeira coisa a se fazer ao descobrir que alguém tinha um desejo era descobrir o que de fato seria o desejo. Aquela informação que teria só de olhar no rosto era muitas vezes limitada. Aprendeu que quanto mais se sabia sobre o desejo, mais fácil seria colocá-lo em prática. Saber que tia Magda precisa de gatos e conseguir perguntar se não poderia ter uns foi muito fácil, usualmente não era assim. Algumas vezes só sabia que, por exemplo, a pessoa tinha que se reencontrar com um amigo de infância. O grande problema surge não por desconhecermos o nome desse amigo, mas sim ao deparar com um senhorzinho de oitenta anos...

    Neste momento foi uma sorte ela ter tida por todos como uma pessoa comum, porque esta pode ser uma virtude caso seja um detetive. Esqueça a imagem de um homem alto e bonito de sobretudo, ser sorrateiro nessa área era a melhor virtude. Talvez esteja correto ao afirmar que sua habilidade a tornou uma pessoa invisível. Era um bocado introvertida antes, então piorou. Só que houve um porém: ao longo de sua carreira furtiva, descobriu que não desenvolveu grandes habilidades de sociais. Soube desde cedo que ninguém falava nada do que desejava saber, e Caetana não era persuasiva. Era melhor na arte de ficar calada e observar. Em compensação, conseguia entrar em lugares que não deveria estar sem ser notada, e com isso conseguia informações preciosas no arquivo do jornal, prédios da prefeitura ou em casas vazias, por exemplo.  Entrava e saía de lugares sem que notem que ela estivesse.

    Também não era nenhuma estúpida, logo aprendeu a fazer diversas coisinhas legais e ilegais as quais você não deveria saber e nem repetir em casa. Espiar conversas dos outros era uma das suas especialidades. Algumas vezes falavam o que não deveriam enquanto ela sentava-se ao seu lado, mas outras vezes precisava do ouvido pregado em uma porta, e aquele gravador que conseguiu era perfeito para deixar em locais mais complicador, mesmo que sempre tivesse o trabalho de colocar e depois buscar, um risco duplo. Teve de seguir desconhecidos para lugares ainda mais desconhecidos. E, é claro, encontra-se em uma das suas especialidades a arte de arrombar a porta sem danificar fechaduras e andar sem fazer barulho!

    Creio que eu esteja melhorando a imagem de nossa protagonista. Todos gostam de um personagem que consegue espiar e não ser notado, e ainda que tinha alguns princípios, ao menos até esse fazer uma idiotice...

    Poderia não ser inteligente no sentido de aprender matemática com facilidade, mas tinha uma certa esperteza. Há não ser que tenha que depender de sua péssima conversa, a garota tinha um talento especial para sair de situações muito complicadas, e rápido. Uma vez teve a infelicidade de estar invadindo uma casa quando a família – que tinha só cinco crianças inquietas – chegou em casa. Demorou uma hora para conseguir escapar, mas conseguiu se esconder sempre que aparecia um moleque correndo!

    Aliás, nada agora superava suas recém-descobertas habilidades como hacker, que era o nome legal que deu para saber onde fazer pesquisas na internet e sentir-se transgressora. Pessoas idiotas gostam muito de registrar coisas que não deveriam na internet nesses dias. Havia cada informação que podia ser encontrada online... E era incrível o quanto você conseguia saber de certas pessoas pelo próprio computador, que a deixava sempre admirada de alguma forma!  Foi desta maneira que consegui ajudar a realizar um desejo nada desejável. Ele precisava mesmo de algum tempo preso para o próprio bem, se quer saber minha opinião.

    Depois de reunir todas as informações possíveis, começava a imaginar todas as formas que poderia agir.  Assim criava várias rotas que tinham como destino final o desejo, e elegia aquela que parecia ser o mais rápido e eficiente. Também o mais seguro para ela, já que não teria tempo de ajudar a próxima pessoa se estivesse hospedada em um manicômio, ou com um tiro no meio do peito. Sempre teria um próximo desejo, essa lição ela captou bem.

    Escolhia também a maneira que iria agir. Seria melhor tentar se aproximar da pessoa ou agir nas sombras? Ela quase sempre escolhia a segunda opção, mandando cartas, telefonemas anônimos ou ainda não tendo contato algum.

    A terceira etapa era personalizada, nesta aplicava a forma que escolheu. Não há muito o que falar de tão variada a forma de acontecer. Com tia Magda foi uma pequena conversa, com o futuro detento foi uma ligação anônima para a polícia e o senhorzinho de oitenta anos, esse ela tinha pesadelos só lembrar tudo o que teve de fazer para o convencer a viajar até Manaus para reencontrar com o velho amigo.

    E isto, para relembrar, começou quando tinha cerca de onze anos de idade. Teve sorte quando completou quatorze anos, o presente que ganhou parecia ser uma liberdade infinita agora que virou mocinha, mas nunca abusava da sorte e era discreta até com a mãe. Nunca chegou em casa sozinha depois das quatro da madrugada, no máximo umas dez da noite, e isso foi somente uma vez na sua vida. Como já disse, graças a isso ninguém desconfiava dela. Era um primor de garota, acima de suspeitas.

    Muito se devia ao tamanho da cidade que vivia. Era uma cidade média, daquelas que era chamada de grande pelos moradores de cidades pequenas e de pequena por moradores de cidade grande. Como toda boa cidade média, possuía alguns prédios que remetem metrópoles e alguns moradores que parecem viver na zona rural. Digamos que mesmo para uma garota mais chamativo, existem olhos de gavião esperando para que tenham um ótimo assunto na fofoca da rua.

    Ah, esqueci de mencionar que era uma cidade média e mineira, o que deve agravar de algum modo.

    Voltando ao assunto, esse método que criou era eficaz. Primeiro saber onde estava, depois criar uma rota confiável, por fim seguir o caminho e não se perder. Não importava o caso, nunca falhou, sem bem que ela desconhecia o que era falhar. Poderia demorar meses, mas Caetana sempre sentia por fim aquela sensação boa que vinha quando um desejo era realizado. Aliás, o não sabia o que era falhar tem um duplo sentido, pois ela nunca teve um caso não resolvido e não fazia a menor ideia o que aconteceria em uma falha.

    Talvez significasse que a pessoa morreu, pelo menos era seu melhor palpite. Ninguém morreu ainda para saber.

    Por algum motivo, parecia que descobriria ao menos o que poderia ser um desejo terminando com a morte de alguém. Porque esse era o seu atual palpite da razão pela qual alguém desejava a mesma coisa, sua vida corria risco. Era dever de Caetana ajudá-la realizar o seu desejo, e isso era sim assustador.

    Ela que quase sempre considerou a sua habilidade como algo bom, perguntou-se por alguns segundos porque teve tanto azar de vê-la. Afinal havia coisas horríveis acontecendo no mundo nesse exato momento, mas pela nossa própria sanidade esquecemos disso a todo momento. Havia uma mulher que precisava de alguém morto. Precisava tanto disso que esse era até mesmo o seu desejo.

    No começo do dia soube da nota de uma prova de matemática. Acho que já deu para perceber que nunca teve uma boa relação com ela, mas receber uma nota quatro de dez não era uma boa notícia, principalmente se essa foi sua primeira do ano, assim passaria o semestre tentando concertá-la. Tudo bem que sendo uma avaliação difícil, aquela ainda era a média que sua turma conseguiu, mas ainda deveria lidar individualmente com as consequências. Encontrava-se agora sem tempo para importar com isso. No começo do dia, achou que ficaria preocupada até anoitecer com esta maravilhosa nota, já que estava sem desejos para trabalhar. Ledo engano!

    Não que tivesse planos para a ocasião. Planejava fazer aquilo que quando nos perguntam o que estamos fazendo, chamamos de nada, e estava infinitamente contente com seu combinado. Era impossível deixar de pensar naquela mulher: pensou nela enquanto voltava para casa, pensou nela a tarde inteira e ainda pensava na hora do jantar. Caetana já sabia que, como todos os casos, a imagem do desejo dela iria atormentá-la até que fosse realizado.

    Este era especial. Os pensamentos que a garota teve enquanto fazia nada eram muito ilógicos para serem explicados. Algo que começava com pragas para aquela mulher por aparecer no seu caminho, desespero porque a partir daquele momento pensaria no desejo dela a todo momento e, de vez em quando, pânico por saber que uma pessoa precisava ser morta pelo bem de outra e só ela sabia disso. E oficialmente deveria ajudar a realizar todos os desejos. Também pensou muito que não queria matar ninguém nessa vida.

    Por alguns segundos, imaginava como seria matar alguém. Era isso que ela sempre fazia, afinal. Saber desejos e ajudar que se realizem, e aquele era um desejo que não saída da sua cabeça como qualquer outro...

    Creio que você possa entender o motivo dela estar com tamanho mal-humor. Algumas vezes nossos pensamentos ficam estampados em nossas caras, assim remexendo a boca como se em um momento estivesse puxando de um lado, no seguinte no outro. Soltou um puff emburrado quando se lembrou de que tinha que fazer o jantar e para piorar, comê-lo. Não que alguém fosse ouvir suas lamúrias, ninguém além dela estava em casa naquela hora e tinha ciência disso, mas queria garantir que se existissem fantasmas, eles soubessem.

    Residiam naquela casa sua mãe e ela. Nem era uma ruim no sentido de ser miserável, mas podemos afirmar que era um tanto quanto modesta. Não era uma mansão, nem de longe! Sofás descombinados e enfeites baratos na sala, eletrodomésticos nada novos na cozinha e o quarto de Caetana tinha espaço só para sua cama, o seu guarda-roupa e ela mesma. Ao menos possuíam isso, e a casa tinha aquela cara de que com uma ajeitada, ficaria encantadora. Aquela de classe média média, beirando mais para baixo do que para cima. Apesar disso, ficava em uma boa localização na cidade. Não excelente, boa.

    E tinha o mais importante para a família Pimenta: era adaptada para sua mãe.

    Sua mãe, dona Clarice Pimenta, estava longe de ser uma lamentável. Era professora de música de uma escola de arte, a melhor da cidade. Não que tenha muitas, e não que fosse prestigiada nacionalmente, mas ganhava um salário razoável para viver sendo econômica. Dava aulas de piano e violino, por isso tinham um violino e um teclado em casa, já que pianos de verdade eram caros demais, além de não terem espaço para tal. Era uma boa educadora e boa musicista, um grande talento e de incrível simpatia. Tinha aquele bom temperamento que acalmava qualquer um. Também era bem bonita de rosto, tinha uma curvinha na ponta dos lábios que fazia parecer que sempre estava sorrindo e era dona de cabelos longos e cacheados que sempre pintava de loiro. Parecia ser sua única vaidade.

    Dona Clarice também era cadeirante. Paraplégica. Disse que perdeu o movimento das pernas em um acidente de carro quando tinha dezoito, o mesmo que matou seus pais, avôs de Caetana, e seu recém-casado marido, o pai da garota. Foi sorte por ter saído viva e grávida, só com um defeito nas pernas. Era basicamente aquele tipo que todos gostavam. Tinha uma história triste, dificuldade física e uma filha para criar sozinha, mas conseguia ser adorável, nunca reclamando das dificuldades da vida ou se exibindo para parecer superiora.

    Caetana sabia bem que ela mesma não era normal, afinal ninguém sabia os desejos dos outros, assim algumas vezes imaginava que não foi só um acidente de carro que a mãe sobreviveu. Afinal, não era nenhuma ignorante. Afinal, não era nenhuma ignorante. Já viu filmes e leu livros, assim já era uma conhecida do inacreditável, ela sendo prova viva. Haveria de ter algo a mais, que pudesse gerar o que quer que ela era. Suspeitava que houvesse algo mal contado. Era a única teoria que ponderou sobre a origem da sua habilidade.

    Sequer tinha uma foto dos seus avós maternos ou paternos, muito menos do seu pai. Nem ao menos sabia o nome deles, sendo que o espaço que deveriam estar na sua certidão de nascimento estava vazio. Desconhecia qualquer história sobre sua mãe antes dela chegar na cidade, grávida. Desconversando sempre que tocava no tema, esse parecia ser o assunto menos favorito dela.

    As únicas pessoas que conheceram Clarice antes foram a família Martinis. Seu Edgar e dona Sônia eram um casal de agora idosos que tinham uma fazenda que ficava há cerca de trinta minutos da cidade, lugar no qual mãe e filha viveram até a menina completar três anos. Se tiver alguém no mundo que Caetana chamaria de vô e vó, seriam seu Edgar e dona Sônia, e também o contrário parece ser considerado por eles. Era na casa deles que passavam o natal, os quatro juntos. Não tinham filhos, casaram-se quando ambos já estavam aposentados.

    Não perca seu tempo imaginando que talvez eles sejam avós mesmo da moça. Apesar da pele dela estar longe de ser clara como a neve, não tinha nenhum traço nela que sugerisse que tivesse avós com uma pele tão escura como os Martinis. Nem uma cumplicidade que sugerisse que o casal seja os pais adotivos de Clarice, havia só uma boa amizade que surgiu em um momento da vida.

    Eles também não falavam muito sobre o passado de Clarice.

    No presente momento faltava menos de um mês para o concerto anual da escola e os preparativos estavam bem atrasados, de modo que sua mãe teria que ficar no trabalho após suas aulas. Pode parecer exagerado para um simples concerto escolar, mas não eram comuns eventos interessantes na cidade delas, então iam pessoas que não eram somente pai-ou-irmão-ou-namorado, ou o feminino desses títulos. O jornal sempre fazia uma reportagem, então era provável que tinha uma relevância.

    Assim, estava sem a mãe em casa até a noite, algo que poderia dar alguma espécie de liberdade que ela rejeitava naquele momento. Não queria ficar a sós com seus pensamentos. Para piorar, deveria fazer o jantar e costumava pensar muito enquanto cozinhava, também pensava muito quando tomava banho, mas decidiu fazer este último quando estivesse morrendo de sono, para quem sabe estivesse cansada demais para pensar.

    Havia o agravante de ser uma péssima cozinheira. Fora os pudins.

    Depois de se queimar duas vezes e se cortar uma, tomou uma decisão. Estava sendo bem estúpida com todas estas preocupações sobre esta mulher. Não era ela, Caetana, aquela que tinha criado para si mesma um método para otimizar sua realização de desejos? A garota sempre controlada que conseguiu esconder por anos uma habilidade tão estranha? Era um bom começo voltar a ser racional.

    Como nunca houve um desejo que prejudicasse qualquer pessoa ao redor, talvez existisse algo que os regulasse, e isto incluiria machucar ninguém. Talvez tudo o que tenha a fazer era ajudar um ente querido a morrer em dignidade, ou algo assim. Talvez um adoentado que a mulher amasse precisasse morrer porque sofria muito. Talvez até fosse ela mesma, pois aquilo que Caetana sabia nem sempre era claro, mais de uma vez se confundira. Havia uma alta probabilidade de que fosse no sentido figurativo, matar alguém. Seria cortar os laços de um relacionamento?

    Ademais, pensou ela enquanto comia no sofá assistindo TV, antes de uma atitude deveria fazer sua usual pesquisa. Não era justamente essa que dizia o que fazer, como fazer, quando fazer e neste caso em especial, com quem fazer? E deveria lembra-se também que morrer foi usado no sentido figurativo. A única certeza sobre aquela mulher era sua aparência. Vinte e alguns anos, pele morena, cabelo enrolado a perfeição, bonita. Nunca a vira, mas estava andando na sua vizinhança. Com alguma sorte, ela mudou para alguma casa por perto, no mínimo tinha ido visitar alguém conhecido e voltará em breve. Carregava uma sacola de compras, deveria ser mesmo isso!

    Todos os pensamentos se voltaram para bem longe de uma possibilidade, para a garota já remota, de que o desejo daquela mulher seja mesmo um assassinato cruel.

    Foi bem estúpida! Tudo que fez foi ficar olhando a mulher andar, de boca aberta! Por que não foi a usual perseguidora?

    Caetana decidiu que a partir de amanhã, iria rondar aquela área por todo o tempo que conseguisse, por pelo menos uma semana. Se não desse certo... isto era impossível. Quando uma pessoa que coloca tanta inquietação dentro de outra era porque estavam destinadas a se reencontrarem, e isso o mais rápido possível. Achou que essa afirmação tinha base sólida. Boa resolução, porque enquanto havia uma sensação de que ao menos estava com algo planejado, o desejo sumia de sua mente por algum tempo.

    Talvez esses desejos ficassem espetando sua mente para que a garota faça algo, e quando acontecia, era recompensada com uma merecida paz.

    Quando se lembrou de que não havia um dever de casa para amanhã, relaxou. Nenhuma outra obrigação para hoje. Pegou o seu material, que tinha jogado em cima da mesa de jantar, ajeitou o que necessitaria para as aulas de amanhã, olhou para o quatro em matemática e percebeu que pouco se importava. Tão pouca coisa! Foi ver algo inútil na TV para ocupar o seu tempo. Conseguiu a distração.

    Percebendo que estava com sono, olhou para o relógio e viu que já eram mais de dez horas. Foi um dia emocionalmente cansativo. Foi quando percebeu que a mãe ainda não tinha chegado. Caetana sabia que demoraria para voltar, mas ela nunca tinha ficado depois do expediente até tão tarde. Ano passado, na véspera do concerto, Clarice acabou ficando na escola até as nove, mas ligou mais cedo avisando sobre um certo incidente. Ela sempre ligava quando sabia que teria de ficar fora até tarde, pensou. Ligou para o celular dela.

    Não atendeu e ligou mais duas vezes. Ligou depois para a escola de música também duas vezes, com ninguém atendendo. Bom, se ela tivesse saído há pouco tempo e foi a última a sair, isso significava que estava a caminho, e quem sabe o ônibus estava barulhento. Ela mesma já deixou de atender o celular diversas vezes por causa do barulho da multidão. Havia o modo silencioso. Mas só para garantir, não custava nada ligar de novo, e para todos que conhecia para saber se tinham alguma notícia da sua mãe.

    Seu Edgar disse que não sabia de nada e perguntou se Caetana estava bem, se já tinha ligado no celular de Clarice, se estava bem mesmo e se queria que ele fosse para dar uma olhada nela, só para ver se estava bem mesmo. Sim, sim, sim e não, não precisava se preocupar tanto. Então ele disse que estava indo para a cidade porque queria procurar por ela assim mesmo e para não falar nada com a Sônia. A senhora teve um sonho ruim nesses dias, e sempre que ela tinha um sonho ruim, pensava que iria acontecer algo com alguém, mesmo que nunca tenha se concretizado. Difícil argumentar contra o seu Edgar, afinal era um adulto, mais do que adulto, e poderia fazer o que quisesse.

    É provável que tenha sido uma bobagem me preocupar, ela pensou afundando no sofá que ficava do lado de telefone, olhando sem intenção para uma fotografia velha da mãe com ela. Quem sabe finalmente Clarice arrumou um namorado e estava tão empolgada que acabou esquecendo-se de tudo. Desde a morte do pai, que aliás aconteceu quando nem estava viva, não teve outro marido, noivo ou sequer um namorado. Sempre foram as duas, e quem sabe já não seriam mais a partir de agora, e quem sabe com alguém legal. Caetana esperou.

    Depois de cinco minutos de nada, bem... de umas dez ligações para o celular dela sem serem atendidas, decidiu que da mesma maneira que uma mãe tinha direito de saber com quem sua filha de dezesseis anos saía à noite, uma filha de dezesseis anos tinha o direito de saber com quem sua mãe saía à noite. Ligou para mais uns dez conhecidos, nenhum com notícias. Descobriu que não houve nada de anormal no fim do expediente pelos colegas de trabalho. Ligaria para o décimo primeiro, no entanto o telefone foi mais rápido, na realidade um alguém que descobriria ao atender:

    – Alô.

    – Alô. – Respondeu uma voz masculina desconhecida. – A senhora conhece uma Clarice... Pimenta? – Esse era o tipo de frase a qual não se deve esperar nada de bom depois.

    – Sou filha dela.

    – Sinto dizer isto, mas ela foi encontrada desacordada e está na ambulância a caminho do hospital. A senhora poderia se encaminhar para lá, por gentileza?

    Demorou um pouco para fazer sentido para ela, porém depois disso, sentiu o teto desmoronar, o chão afundar e as paredes ruírem. A única atenuação daquele dia foi seu Edgar tocar a campainha naquele instante. Como possuía as chaves da casa, era só uma formalidade, já que com uma mão apertava o botão e com a outra abria a porta.

    Vamos pular a parte que a garota grunhia o que havia ouvido no telefone e o esforço de seu Edgar em entender qualquer palavra. Vai parecer uma cena engraçado, mas uma garota que acabou de descobrir que sua mãe estava a caminho do hospital estava longe de ser um motivo de risadas.

    Seu Edgar levou-a para o hospital imediatamente. Não foi uma boa viagem, todos os carros pareciam

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1