Um Pequeno Passo em Direção ao Outro Lado
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Sobre este e-book
Quem somos nós de verdade?
O que são ou onde estão os limites entre o que acreditamos ser real e o que imaginamos?
Culturas antigas e tribais davam igual crédito a sonhos, visões e palavras em movimento, tratando-as como graus distintos de uma mesma realidade abrangente.
De fato, conhecemos a nós mesmos ou a nossa verdadeira natureza?
Quantas vezes reagimos por impulso apenas para arrependemo-nos de nossos atos depois, em geral com um pedido de desculpas: “Sinto muito, não sou eu mesmo hoje” ou “Eu não sei o que aconteceu comigo”?
Nesses momentos de sentimentos intensos, se não somos nós mesmos, então quem ou o que somos?
Onde vivemos de verdade?
A realidade suscitada por essa questão forma o “outro” implícito dentro de nós. Qual o significado desse “outro”? Dualidade? Pluralidade? O eu dividido? Estamos possuídos por outro elemento além de nós mesmos ou estamos em negação de nossos outros “eus” pelo fato de considerarmos esse comportamento inaceitável?
Nós os possuímos ou eles nos possuem?
Esse dilema tornou-se o tema de um antigo programa de rádio que começava dessa forma: “Quem sabe o que está oculto nos corações dos homens? As Sombras sabem”.
De que forma nós conhecemos nossas sombras, como seres individuais e coletivos? Melhor dizendo, de que forma nossas sombras nos conhecem?
Independentemente de quem “está no comando” em qualquer momento no espaço e no tempo, todas as escolhas que fazemos podem alterar nossas vidas para sempre, junto com as vidas e os destinos de outras pessoas. Um lapso de atenção momentâneo enquanto dirigimos pode nos aleijar, nos mutilar ou nos levar a uma morte rápida e repentina
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Um Pequeno Passo em Direção ao Outro Lado - Matthew Pallamary
DEDICATÓRIA
––––––––
Este livro é dedicado a Colleen Kennedy, Barnaby Conrad, Ken Reeth, Joan Oppenheimer, Eric Hart, Chuck Champlin, Charles M. Schulz e Ray Bradbury.
ÍNDICE
Introdução
Vilarejo Enrugado
Vítima do Amor
Quando Mais de Um se Reúne em Nome Dela
Amor Não Retribuído
Item de Colecionador
Excelência
Sussurros Noturnos
Mudança de Canais
Vestido Para Matar
Dormir, Talvez Sonhar
Aos Trancos e Barrancos
Fusão
Uma Rosa para Emory
Retornos Decrescentes
Drogas Sintéticas
Amor Cibernético
Magnetismo Animal
Ponte dos Suspiros
Fome
Dieta Radical
INTRODUÇÃO
––––––––
Quem somos nós de verdade?
O que são ou onde estão os limites entre o que acreditamos ser real e o que imaginamos?
Culturas antigas e tribais davam igual crédito a sonhos, visões e palavras em movimento, tratando-as como graus distintos de uma mesma realidade abrangente.
De fato, conhecemos a nós mesmos ou a nossa verdadeira natureza?
Quantas vezes reagimos por impulso apenas para arrependemo-nos de nossos atos depois, em geral com um pedido de desculpas: Sinto muito, não sou eu mesmo hoje
ou Eu não sei o que aconteceu comigo
?
Nesses momentos de sentimentos intensos, se não somos nós mesmos, então quem ou o que somos?
Onde vivemos de verdade?
A realidade suscitada por essa questão forma o outro
implícito dentro de nós. Qual o significado desse outro
? Dualidade? Pluralidade? O eu dividido? Estamos possuídos por outro elemento além de nós mesmos ou estamos em negação de nossos outros eus
pelo fato de considerarmos esse comportamento inaceitável?
Nós os possuímos ou eles nos possuem?
Esse dilema tornou-se o tema de um antigo programa de rádio que começava dessa forma: Quem sabe o que está oculto nos corações dos homens? As Sombras sabem
.
De que forma nós conhecemos nossas sombras, como seres individuais e coletivos? Melhor dizendo, de que forma nossas sombras nos conhecem?
Independentemente de quem está no comando
em qualquer momento no espaço e no tempo, todas as escolhas que fazemos podem alterar nossas vidas para sempre, junto com as vidas e os destinos de outras pessoas. Um lapso de atenção momentâneo enquanto dirigimos pode nos aleijar, nos mutilar ou nos levar a uma morte rápida e repentina.
Um momento de paixão desenfreada pode tornar-nos responsáveis por outra vida ou findar imediatamente nossa existência por meio de algumas doenças aterrorizantes. Um breve momento passional de raiva pode levar-nos à prisão, pelo resto de nosso dias, nesse plano terreno.
Por quais portas nós passamos escolhemos como queremos agir e quais são as consequências de nossos atos? Melhor dizendo, para onde elas nos levam?
Coincidências, momentos de sinergia, oportunidades, atitudes, emoções e atenções podem mudar tudo em um espaço de um único respiro. O que realmente se passa nas mentes e nos corações dos seres humanos?
Sentimos repulsa quando ouvimos falar de – ou testemunhamos – condutas hediondas e seres desumanos e cruéis que exterminam uns aos outros com infinitas e engenhosas armas mortais, geralmente em nome de um poder maior.
Tamanho desprezo pela vida é de difícil compreensão, ainda que os homens matem uns aos outros mais do que qualquer outra espécie. Somos todos humanos, portanto somos capazes de fazer uma escolha que altere nossas vidas e nos leve a algum lugar estranho e inesperado.
A maioria das pessoas criou raízes profundas com a cultura vigente. Como elas se sentem seguras e sãs dentro de uma rotina, evitam viver nos extremos, pois creem que jamais poderiam chegar a um nível tão baixo nem criariam pensamentos e atitudes estranhos e aterrorizantes, porém todos somos humanos e vivemos na mesma esfera de possibilidades. Todos temos sombras de nós mesmos.
Em quanto tempo essas sombras nos levam ao limite?
A verdade é que existe um passo em direção ao outro lado mais curto do que gostaríamos de imaginar.
VILAREJO ENRUGADO
––––––––
Mary Anne sentiu em primeiro lugar o câncer que insinuava-se no corpo de Vovó quando viu a cabeça da senhora caída como uma flor murcha, com os olhos fechados e respiração fraca e curta. Um toque de Mary Anne trouxe Vovó à vida, porém a deixou cansada. Ela achava que poderia ser uma curadora. No entanto, à medida que o câncer progredia, todas as vezes que despertava Vovó com o que a senhora chamava de toque mágico
, Mary Anne pagava o preço com mais exaustão.
Ver a Sra. Johnson na cadeira de rodas incitava aquelas memórias. Ela até se parecia com Vovó: uma mulher frágil, de cabelos brancos, olhos azuis esbranquiçados e mãos trêmulas que pareciam secas e finas como papel. Se Mary Anne puxasse pela memória, os outros moradores de Willowbrook também achariam a Sra. Johnson parecida com Vovó.
* * *
Tinha a Sra. Wickers, vestida com um roupão de banho de flanela vermelha, cabelos prateados, pernas bambas e mãos retorcidas. A Sra. Buckley, de feição amarga e mordaz, furtava cigarros para fumar toda vez que havia uma oportunidade. O Sr. Ford jogava suas cartas. E Sherman Hamilton era o rei jogo de damas.
Willowbrook. Mary Anne chamava esse lugar de Vilarejo Enrugado. Há três semanas ela trabalha como assistente de enfermagem e já sente-se conectada aos pacientes.
— Você se parece com um anjo, disse a Sra. Johnson, interrompendo os devaneios de Mary Anne. — Um anjo, lindo, loiro e de olhos azuis.
Mary Anne sentiu o rosto corar. — Muito obrigada, Sra. Johnson. Ela tirava com um lenço o resto de sopa de galinha do queixo da idosa. — Há algo que posso fazer para ajudá-la?
Os olhos da idosa brilhavam ao acariciar o braço de Mary Anne. — Não, minha querida, obrigada. A sua presença já é suficiente.
Mary Anne sorriu e começou a tirar os pratos de sopa quando sentiu uma onda de vertigem.
— Você está bem, querida?
Mary Anne vislumbrava os olhos azuis brilhantes e o sorriso comportado da Sra. Johnson. A visão estava borrada.
— Estou bem. Um pouco cansada, só isso. Meu turno está quase no fim. Vou para casa e descansar um pouco.
A Sra. Johnson acenou com a cabeça. — É uma boa ideia.
Mary Anne realizou as visitas, verificando as obrigações restantes e, arrastando-se, chegou até sua casa. Após a refeição, ela rastejou-se até a cama, onde um sono profundo e sem sonhos a engoliu.
* * *
Na manhã seguinte, o Sr. Wickers e a Sra. Buckley cumprimentaram Mary Anne na porta de Willowbrook, onde estavam sentados com outros pacientes.
O peso dos olhares expectantes dos idosos deixou Mary Anne desconfortável. Ela olhou para as bengalas e andadores espalhados entre as cadeiras de jardim. Por quanto tempo alguns desses objetos estavam ali?
— Bom dia, disse ela, afastando pensamentos mórbidos da mente. A maioria acenou para ela. Ela dirigiu-se para o saguão e reconheceu o cabelo e o uniforme engomado brancos da Enfermeira Beckett assim que saiu do escritório. Os olhos cinza encontraram os de Mary Anne por trás dos óculos com armação de aço. — Bom dia, querida. Como vão as coisas?
— Ótimas.
A Enfermeira Beckett deu um sorriso de aprovação e saiu do saguão.
Mary Anne verificou rapidamente os afazeres matinais, sentindo-se ágil até que deparou-se com o Sr. Wickers na sala de estar do andar de cima, assistindo uma telenovela com a Sra. Johnson.
— Como vocês estão hoje?, ela pergunta, puxando uma cadeira para perto deles. Olhos sonolentos a cumprimentaram antes de brilharem em um reconhecimento tardio.
— Oh, Mary Anne!, disse a Sra. Johnson com uma voz aguda.
— É tão agradável ver você! Disse a senhora, exibindo dentes amarelados e pousando a mão esquelética no braço de Mary Anne. — Você está fazendo um trabalho maravilhoso, não é mesmo, Sr. Wickers?
Ele girou o bigode e disse sim com a cabeça. — Você traz vida a um bando de velhos antiquados. Ele e a Sra. Johnson trocaram olhares. Mary Anne abriu a boca, porém esqueceu o que iria dizer. A Sra. Johnson estava animada: os olhos azuis lampejavam, a voz estalava em uma monotonia cadenciada, falando de jardinagem, tricô, as últimas telenovelas e o tempo. Enquanto que a idosa falava com uma energia infinita, Mary Anne mal conseguia manter os olhos abertos.
Cada palavra parecia acrescentar um peso extra às pálpebras já oscilantes. Ela fez um esforço para escutar as frases, já incapaz de encontrar sentido nelas.
— Com licença, disse ela, reprimindo um bocejo. — Preciso voltar ao trabalho.
* * *
Mary Anne arrastou-se para fora da cama na manhã seguinte, com o sentimento de que uma gripe a acometeu durante a noite. Após o banho, ela parou em frente ao espelho. O rosto parecia cansado e, pela primeira vez na vida, ela reparou em diminutos pés de galinha nos cantos dos olhos. Estou trabalhando demais
, ela pensou. Preciso diminuir o ritmo
.
Depois de beber duas xícaras de café, ela seguiu para Willowbrook, onde encontrou o Sr. Wickers e a Sra. Johnson no lugar de sempre com os outros pacientes. Quando Mary Anne os viu, forçou um sorriso e entrou no prédio.
Ela reconheceu um homem um pouco discreto com cabelos brancos e lábios finos no saguão fora do escritório. O Dr. Hunter falava com uma voz baixa e quieta.
— Você está fazendo um ótimo trabalho, ele disse com alegria.
— Somos sortudos em ter você.
Mary Anne sentiu-se acanhada. — Obrigada, doutor.
— Se você precisar de algo ou se algo incomodá-la, vem aqui falar comigo, disse o médico.
Ela o agradeceu e correu até o elevador. Um cheiro de fumaça de cigarro chegou nela quando as portas se abriram no segundo andar. Ela o seguiu até deparar-se com a Sra. Buckley sentada no pátio exterior. Um roupão de banho azul desbotado pendurava-se na figura magra da idosa como trapos em um esqueleto. Os olhos cinza-pálido pareciam desvanecidos, fazendo com que Mary Anne se lembrasse do que estava sentindo.
— Oi, disse Mary Anne, tentando soar amigável.
A Sra. Buckley respondeu com uma tosse seca. — Você parece um pouco pálida, disse a idosa com uma voz esganiçada.
— Sente-se aqui. Vamos conversar.
— Eu adoraria, mas preciso terminar...
— Você pode passar alguns minutos com uma velha rabugenta, não pode?
O olhar fixo da Sra. Buckley distanciou-se, então os olhos de Mary Anne voltaram ao foco. A idosa pousou a mão frágil na enfermeira. — Minha memória não é mais aquilo que costumava ser, mas ainda me lembro de algumas coisas.
Com uma voz monótona, ela começou a falar sobre a vida, capturando Mary Anne com seu discurso. A enfermeira lutava para manter abertas as pálpebras já caídas e por fim juntou todas as forças para levantar-se da cadeira. Ela saiu correndo do quarto, olhando brevemente para trás para pedir desculpas à idosa. A Sra. Buckley sorriu. Mary Anne agarrou-se à batente da porta, acometida por uma onda de vertigem.
Com a respiração lenta e profunda e os movimentos instáveis, ela seguiu pelo corredor à procura do Dr. Hunter. Quando ela chegou ao escritório do medico, parou até restaurar o equilíbrio e então bateu na porta.
— Entre, ele disse.
Ela o encontrou debruçado sobre a mesa, escrevendo. — Falo com você em um instante, ele murmurou.
Mary Anne desabou em uma cadeira.
Doutor Hunter olhou para a moça e um franzido de preocupação vincou-se na testa. — Você está bem? Ele saiu da parte de trás da mesa antes que ela pudesse esboçar uma resposta. — Talvez você precise deitar-se. Ele a ajudou a levantar-se da cadeira.
Ela levantou-se com as pernas cambaleantes, permitindo que ele a colocasse em um divã. — Quando essas sensações começaram?, ele perguntou.
— Desculpe-me, disse ela, reprimindo um bocejo. — Me sinto tão cansada. E com tontura. Provavelmente estou trabalhando demais. Tudo que eu quero é dormir.
Dr. Hunter inclinou-se sobre ela e colocou a mão na testa. Ela virou-se e dormiu. — Durma agora, disse o médico com voz suave.
— Descanse um pouco.
Ela mal podia ouvi-lo.
* * *
Ela acordou na manhã seguinte em casa, incapaz de recordar como chegou ali ou por quanto tempo dormiu. Uma vaga lembrança de ter falado com o Dr. Hunter perambulava pela mente, porém não conseguia recordar o que tinha conversado com ele. Quanto mais ela tentava lembrar, mais os pensamentos lhe escapavam.
Aturdida, ela circulava pelo apartamento, colocando os objetos no chão para depois esquecer onde os havia deixado. A sensação de que alguma coisa estava errada ressonava nela como uma buzina muda. Ela correu para Willowbrook, na ânsia de falar com o Dr. Hunter.
Como sempre, a Sra.