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Histórias e Crónicas
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E-book215 páginas3 horas

Histórias e Crónicas

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Sobre este e-book

Histórias contadas e crónicas pensadas.
IdiomaPortuguês
EditoraM-Y Books
Data de lançamento10 de jul. de 2021
ISBN9781526046734
Histórias e Crónicas

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    Histórias e Crónicas - Nelson Santrim

    NELSON

    SANTRIM

    HISTÓRIAS e CRÓNICAS

    Sonho de Reconciliação

    Não pensava nela tão intensamente, quer dizer, nos meus sonhos há algum tempo, mas nunca deixara de pensar nela totalmente no dia-a-dia. Sempre que parava um pouco, no intervalo de qualquer tarefa, era frequente ela vir-me à ideia. Já não estava tão obcecado por ela, como no início, mas uma noite aconteceu-me sonhar vividamente com a minha ex-namorada.

    No sonho ela caminhava sempre à minha frente e eu observava-a. Tinha um casaco cinzento e calças de ganga em azul marinho. Era alta e magra, como a recordava. O cabelo era para o curto, como o usava quando brevemente estivemos juntos. Havia alturas, no sonho, em que ela olhava por cima do ombro mas nunca me fixava nos olhos. Parecia que a dada altura conversava com alguém. Parecia estar bem, pelo menos no sonho.

    Via-a de perfil também e, estranho, muito estranho, havia uma criança, uma rapariguinha, a quem ela dava a mão e parecia orientar. Ela nunca foi mãe e até pensava que passara da idade limite para o ser, pelo menos naturalmente, mas havia uma criança. Que significava aquela menina e por que tive este sonho que vivi muito intensamente? Porquê sonhar com ela ao fim de tanto tempo?

    Acordei e mantinham-se vívidas na minha mente as imagens dela e da criança. Uma criança é uma vida em construção, ainda com muitos aspetos a aperfeiçoar, muito mais do que um adulto formado. A criança é um sinal de esperança de um futuro que vai crescer, em que a criança se vai desenvolver e tornar-se adulta. Será que devia interpretar o sonho como um indicador de que ainda havia esperança de retomar a relação?

    O nosso relacionamento acabou abruptamente. Um dia ela decidiu que eu não era quem ela queria; que não era comigo que ela queria construir uma vida. Tudo o que falámos antes, todos os projectos que aflorámos, ainda tudo tão incipiente, foi bruscamente cortado cerce. Não havia mais lugar para mim na vida dela, deixei de fazer parte dos seus planos. Foi tão de repente que demorei a assimilar.

    Andei um certo período a importuná-la. Ela mudou de número de telemóvel e ignorou os meus emails. Encontrámo-nos pessoalmente algumas vezes, no início, e ela insistiu em que eu não a procurasse mais. Não consegui desistir dela imediatamente. Não compreendia o que tinha feito de errado. Como é que se cria intimidade e depois uma pessoa exige afastamento? Não me entrava na cabeça. Mais do que um problema do coração, era um problema mental para mim. Não conseguia compreender a decisão dela. Não interiorizava que tinha acabado tudo.

    Demorou até deixar de me doer a separação. Consegui desistir de procurá-la pessoalmente. Tornou-se constrangedor ver a má cara dela. Antes eu era, mesmo que brevemente, o seu rei e agora nem para moço de estrebaria. Passei a valer e a importar zero para ela. Bloqueou-me nas redes sociais e a mensagem era clara: queria apagar-me das suas relações. Pensei que pudéssemos ter ficado amigos, mas nem isso ela me concedia. Era mesmo um passar uma borracha no nosso caso.

    O sonho veio lembrar-me de que ainda me sentia tocado por ela. Talvez ainda a desejasse. Talvez devesse procurá-la, tentar uma reconciliação. Tinha passado muito tempo e isso poderia ter suavizado o quer que a tenha perturbado na nossa relação. Resolvi procurá-la.

    Comecei a rondar o apartamento dela até a ver de facto. Havia uma criança. Seria mesmo filha dela? Um dia surpreendi-a e o instinto dela foi colocar-se à frente da menina, protegendo-a ou escondendo-a. Perguntei-lhe como estava, havia passado algum tempo. Muito tempo, aliás. Ela disse que tinha de deixar a miúda no infantário. Tinha cinco anos e andava no pré-escolar. Fomos até um café conversar.

    Contou-me que acabou com o nosso namoro, porque pouco antes de mim satisfizera um último pedido do namorado que me precedeu. Quando começámos a namorar ela não sabia que estava grávida. Quando soube, achou que não me devia envolver e por isso rompeu comigo. Disse-lhe que isso era um disparate, que tudo se podia ter arranjado. Eu podia ter sido um pai para a criança dela. Ainda havia um clique entre nós. Talvez ainda tudo se pudesse consertar. Estivéramos juntos pouco tempo, mas deu para perceber que podíamos ter um entendimento muito forte. A reconciliação aconteceu. A menina do meu sonho, que tinha mãe, passou a ter um pai também.

    Na Terra do Mel

    Tinham passado quinhentos mil anos desde a era antropocêntrica e agora eram os ursos os seres da natureza mais avançados sobre a Terra. A civilização dos ursos estava pujante e os ursos haviam-se tornado na espécie dominante e mais inteligente à face do planeta. Contudo, eram ursos e os ursos seriam sempre ursos, por mais sofisticados que se tornassem. Havia os que trabalhavam no circo ou no zoo e também aqueles muito fofinhos, quase de peluche, que gostavam muito de dar abraços, os chamados abraços de urso.

    A vida dos ursos, os seres mais avançados na nossa galáxia depois dos humanos, era ocasionalmente complexa e muito stressante. A tecnologia humana havia passado para os sucessores dos homo sapiens, que se autodesignavam de ursus sapiens. Havia uma teoria que dizia que os animais omnívoros dominariam sempre os destinos deste nosso planeta Terra e, como tal, depois dos humanos ficaram os ursos no comando.

    Ainda existiam alguns focos de humanos a viver entre os ursos, mas estes últimos eram dominantes. Aproveitando a tecnologia deixada no pós-era humana, os ursos tinham uma vida agitada, tanto no emprego como no trânsito, sendo por isso frequente haver lutas de ursos no meio das auto-estradas e os basbaques humanos ficavam a ver e a fazer apostas sobre quem iria vencer cada contenda.

    Havia ursos pardos e ursos parvos. Por seu turno, os humanos haviam regredido todos para parvos. Os humanos pardos, os índios, estavam extintos. A civilização ursa tornara-se dominante com o declínio da humanidade e agora reinava a ursidade. Esta era, como já disse, uma civilização pujante e em todos os domínios os ursos davam cartas. Havia uma preocupação ambiental que os ursos resolveram, ao contrário dos humanos que tiveram grandes problemas com os efeitos nefastos por si provocados no meio ambiente, e como os ursos conseguiam viver em harmonia com os salmões e as abelhas estava tudo bem. A desgraça dos humanos fora o seu descontrolo com a natureza. Quase que arruinaram o planeta. Felizmente, meio milhão de anos depois dos humanos os ursos estavam na vanguarda.

    Isto era felizmente, mas também havia uma parte problemática. Os ursos tinham um fascínio pela antiguidade e admiravam a humanidade no auge do seu potencial técnico e científico. Acontece só que os ursos cuidavam melhor da natureza, mas também eram stressados, depressivos e infelizes como os humanos dos últimos decénios de predomínio da humanidade. Era frequente um urso sentir que não tinha ninguém a quem recorrer para um pouco de atenção. Sentia que não tinha amigos e que a família se desinteressara dele. Com frequência um urso sentia-se isolado e sem ninguém a quem recorrer. Tudo se resolvia com a prescrição de uma dose de mel.

    É claro que os ursos não tinham uma linguagem articulada como a tiveram os humanos anteriores, e que os humanos atuais já não praticavam, pois os ursos sabiam que as palavras só conduzem a mal-entendidos. Resolviam todas as questões, a bem e a mal, sempre à patada e depois com o incontornável mel.

    A civilização dos ursos era sazonal, pois havia uma época do ano em que todos eles hibernavam. Nessa altura os humanos sobreviventes ficavam entregues a si próprios e os que sofriam de Alzheimer eram felizes porque bebiam a sua cerveja e apenas esqueciam que a tinham bebido, e estava tudo bem para a seguinte, e os que sofriam de Parkinson eram infelizes porque entornavam a cerveja toda. Os ursos, esses eram felizes o tempo todo, acordados na sua vidinha ou a dormir quando hibernavam, pois sabiam que teriam sempre o doce mel das suas abelhas. Haviam mesmo transformado o planeta na terra do mel.

    O planeta dos ursos era realmente de uma harmonia melíflua e o mel era o seu derradeiro antídoto contra o stress e as depressões da vida moderna. De alguma forma, o mel mantinha os ursos bem e tranquilos e assim a sua civilização era estável e segura. Na Terra do mel, os ursos eram felizes e os sobreviventes humanos não maçavam demasiado se, pelo menos, tivessem sempre a sua cervejola e se, claro, não sofressem de Parkinson.

    Que Absurdo!

    Os meus amigos já me andavam a aborrecer há algum tempo, sempre com as mesmas sandices de que Deus não existe. Mas quem são eles para dizer que Deus não existe? Sinceramente, quem é que eles se julgam? Nunca vi maior arrogância ou prosápia do que a daqueles que negam a existência de Deus. Como O podem negar?! Acho que, fundamentalmente, não passam de uns hedonistas que vivem para a próxima festa de sexta-feira à noite para engatar mais uma miúda desmiolada.

    Desde que ando na faculdade que é isto. O Nestor e o Araújo passam a vida a dizer-me para eu me deixar de rezas, que parece mal. Mas o que é que parece mal? Desde quando, porventura, a oração a Deus passou a ser pecado? Ou um análogo do pecado – o mau gosto, de que me acusam? Não dá para acreditar que tenha sido feita, na modernidade, uma tal deturpação do que é rezar, orar e estar alinhado com o divino e o sagrado.

    São jovens, poderiam dizer as minhas tias, mas eu também sou jovem (completo vinte anos para o próximo mês) e não sou nenhum increu. Francamente, é um absurdo negar-se que Deus de facto existe. Para mim, é inconcebível pensar-se que não há Deus. Como explicar tudo o que existe? Alguma coisa pode originar-se do nada? É claro para mim que Deus existe e que tem um plano para cada um de nós!

    Não sei o que ganham o Nestor e os outros, além do Araújo, quando me importunam com a conversa deles.  Acusam-me de ser um beato e alcunham-me de «o padreco». É assim que se me referem! Tenho pena por eles, porque não compreendem nada de nada, e sem Deus, uma crença firme e inabalável n’Ele, os meus amigos não vão a lado algum. Vão ser uns falhados, é o que vão ser.

    Ainda noutro dia o Araújo me disse que a Becas anda de olho em mim. Pois eu olho para ela e fico estarrecido de a ver com aquelas minissaias e seios a tremer como gelatina sempre que solta uma daquelas suas gargalhas diabólicas. Vão todos para o Inferno! Boa viagem! Eu prefiro nunca me esquecer de que a vida se perde no prazer e que só confiando a nossa vida em Deus podemos realmente ter vidas com sentido. Que iria eu fazer com a Becas? Nem quero pensar numa coisa dessas. Tenho quase vinte anos, não sou nenhum garoto.

    Lamento muito que os meus amigos estejam num caminho para a perdição, mas não vou deixá-los arrastar-me com eles. Vou manter-me puro e intacto. Assim que tirar o meu curso de agronomia, com mestrado e doutoramento, vou seguidamente tirar um pós-doutoramento em teologia.

    Deus nem sequer despreza quem não quer saber d’Ele, porque Ele é assim, perfeito e não há como O mudar, mas eu vou dar ao desprezo quem me tenta desencaminhar. Sou um homem e um homem não vacila, sobretudo quando tem Deus a cobrir-lhe as costas. Confio plenamente em Deus. Os meus amigos vão acabar mal, é claro. É a fé que nos salva, que nos salva até de sermos uns falhados. Tenho pena pelos meus amigos, se lhes posso chamar isto. Vão acabar muito mal.

    Se a Becas me fizer olhinhos, juro que a vou processar por assédio. Não admito que me tentem desencaminhar. Deus quer o nosso bem, mas de certeza que não quer que andemos a perder o nosso tempo com namoricos. Quando chegar a altura de casar e de ter filhos, tudo isso será feito dentro das normas e das leis instituídas por Deus, tudo será feito segundo os ditames do Senhor. A Becas que não pense que me mete medo com as suas ameaças de perdição. Não vão ser as suas longas pernas e seios pronunciados que me vão fazer cair em tentação.

    Quanto ao Nestor, o Araújo e os outros, rezo por eles e peço a Deus que lhes dê algum vislumbre do verdadeiro caminho. Se troçam de mim por me benzer ou por me verem a rezar, eu perdoo-lhes porque não sabem o que dizem. Temos de ser compassivos e acho que eles só me gozam porque estão em sofrimento. Acredito piamente que eles estão em grande sofrimento, porque andar arredado de Deus só pode trazer desespero e angústia. Eles sofrem, os meus amigos sofrem. Rezo para que se emendem e percebam o absurdo do que apregoam. Não há maior blasfémia e erro mortal do que afirmar a inexistência de Deus. É um perfeito absurdo!

    Os Jornais

    Estava cansado de tanto dormir. Dormir demasiado também cansa, demasiadas horas prostrado, adormecido, fazem-me sentir depois muito cansado. Mas lá acordei. Saí e estava um chuveirinho matinal. Puxei o carapuço do casaco de inverno para cima, a cobrir-me totalmente a cabeça, e caminhei debaixo de chuva.

    Ainda era cedo e fiz uns minutos de espera até a estação de serviço abrir e eu poder comprar os jornais. Escapara do mau-humor matinal da minha mãe, sempre rezingona, e a acordar mal-disposta logo pela manhã, a barafustar por tudo e por nada. Deixei-a em casa para ter um momento de paz comigo mim mesmo.

    Após ter comprado os jornais, um generalista e um desportivo, fui até à confeitaria que fica próxima da estação de serviço. Era o segundo freguês àquela hora tão matutina. De alguma forma conseguia ouvir a minha mãe a rezingar, apesar de ela ter ficado em casa. Peguei no telemóvel e pus música nos ouvidos para deixar de ter a ilusão de estar a ouvir ininterruptamente uma pessoa zangada.

    Vieram-me perguntar com simpatia se era o costume. Eu respondi que sim. Estive a folhear os jornais e vieram trazer-me a minha meia-de-leite e a torrada. Continuei a folhear os jornais, primeiro o generalista e só depois o desportivo. É verdade que o jornal generalista também fala de desporto, mas gosto de folhear o desportivo também.

    Eu gosto apenas de folhear um jornal e tomar atenção, compenetrado, apenas ao que mais me chama a atenção. Não o leio, pelo menos não de uma ponta a outra, apenas o folheio. Fui anotando mentalmente as informações que iam penetrando a minha mente e guardando-as numa qualquer gaveta do meu cérebro, mas não lia a fundo toda e cada notícia publicada nos jornais.

    Quando cheguei ao fim, fui pagar e disse o que tinha consumido. A funcionária tratou-me por jovem:

    «Vamos ver isso, jovem.»

    Ser tratado por jovem quando se tem quarenta e seis anos de idade pode ser lisonjeador. Senti simpatia pela funcionária, mas depois ela interpelou-me mais diretamente e perguntou-me:

    «O senhor lê mesmo o jornais que compra?»

    Na minha ingenuidade, e apanhado de surpresa, retorqui-lhe que os ia passar à minha mãe, que não sai de casa há três anos, e que depois os deito fora no dia seguinte. Pensei que os quisesse, mas foi uma suposição descabida. A funcionária somente estranhou eu folhear apenas os jornais e não os ler de facto. Achei que tinha feito figura de otário, mas vim, de qualquer maneira, a rir-me para mim mesmo durante o caminho de regresso a casa.

    Contei à minha mãe que me perguntaram se leio os jornais que lhe entrego todas as manhãs, para ela passar o tempo na cama. Ela ignorou completamente a minha estupefação por me perguntarem se leio os jornais que compro. Comecei a achar um atrevimento a pergunta da funcionária, mas não sabia bem o que pensar. Que interessava a outra pessoa o que faço com o que compro? Não fiz mal a ninguém.

    Passado algum tempo, comecei a pensar que a funcionária queria meter-se comigo. Mas não, talvez fosse mesmo curiosidade. Achou mesmo estranho que eu apenas folheasse os jornais que compro. Fiquei a sentir-me desconfortável na minha própria pele. Não queria que passassem a considerar-me maluquinho nos sítios onde vou constantemente.

    Fiquei a pensar que gostava de me ter explicado melhor. Podia ter dito, «Olhe, gosto de folhear, e de prestar atenção a alguns assuntos, mas não leio os jornais de uma ponta à outra.» E depois rematava, «Quem faz isso é a minha mãe, que está acamada há três anos. Ela é que lê os jornais de fio a pavio. São para ela os jornais.» Mas creio que perdi uma oportunidade de manter a minha imagem pública intacta.

    Não gosto de ser comentado pela vizinhança. Pensei que se calhar devia de deixar de frequentar aquela confeitaria, mas isso também podia ser observado como uma reação inusitada. Gostava de ter uma outra oportunidade de me explicar, e por essa razão iria voltar à confeitaria com os jornais. Será que os jornais me iriam fazer parecer esquisito novamente?

    Sou Mais Que Animal

    Não aceito o darwinismo, não sou apenas um animal, sou muito mais do que apenas um animal. Posso ir contra corrente, mas sou humano e acredito no valor de se ser humano. Toda a gente me diz que sou um animal,

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