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Os deveres do coração
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E-book623 páginas13 horas

Os deveres do coração

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Sobre este e-book

Os Deveres do Coração é uma descrição sistemática de todas as obrigações religiosas que tocam o coração humano. Enfoca todas as forças do caráter, como o sentimento, o direcionamento da vontade e o conhecimento intelectual. Esta obra criou uma nova trilha na literatura religiosa: o caminho do Mussar (moral), que vê no amor a Deus o centro de tudo, desde a necessidade de conhecê-Lo e reconhecer Suas dádivas, até servi-Lo e amá-Lo. Assim, o amor aos seres humanos tem valor somente como reflexo do amor a Deus, e a meta é revelar o âmbito interior do homem e sua tendência em viver uma vida moral elevada, unindo sua vontade à do Criador.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de mar. de 2012
ISBN9788579310409
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    Os deveres do coração - Bachiá Ibn Pacuda

    Deveres do Coração

    ISBN 978-85-7931-040-9

    A tradução desta obra está baseada no livro

    DUTIES OF THE HEART

    Traduzido do árabe para o hebraico pelo Rabino Iehudá ibn Tibon

    e para o inglês por Daniel Haberman

    Copyright © 1996 by Feldheim Publishers

    Versão Eletrônica

    ©2012 - Todos os direitos para língua portuguesa reservados à

    EDITORA E LIVRARIA SÊFER LTDA.

    Produção: LCT Informática Editorial

    Versão Impressa

    ©2011 - Todos os direitos reservados à

    EDITORA E LIVRARIA SÊFER LTDA.

    Alameda Barros, 735

    CEP 01232-001 — São Paulo - SP — Brasil

    Tel. 11 3826-1366 Fax 11 3826-4508

    sefer@sefer.com.br

    Livraria Virtual: www.sefer.com.br

    Tradução (do inglês e Hebraico) Paulo Rogério Rosenbaum

    Edição Final Betty Rojter, Jairo Fridlin

    Revisão David Gorodovits, Rabino Raphael Shammah

    Agradecimento Sr. Ovadia Horn

    Capa Dagui Design

    Nota:

    Nesta obra, as citações da Torá foram extraídas do livro TORÁ – A LEI MOISÉS, do Rabino Meir Matzliah Melamed (Editora Sêfer, 2001); dos Salmos, do livro Salmos - com tradução e transliteração, de David Gorodovits, Vitor Fridlin e Jairo Fridlin (Editora Sêfer, 1999).

    Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio, sem a autorização expressa da Editora e Livraria Sêfer Ltda.

    Prefácio à Edição Brasileira

    Rabênu Bachiá é o primeiro filósofo do judaísmo hispânico. Com o declínio das comunidades judaicas da Babilônia, no século XI, começa a brilhar a luz dos sábios da Espanha judaica, que ocuparam um lugar tão importante em nossa cultura.

    Praticamente, não conhecemos os dados biográficos de Rabênu Bachiá. Do tradutor desta obra (o original foi escrito em árabe, que era a língua falada pelo povo), Iehuda ibn Tibon, aprendemos que seu nome era Rabênu (nosso Mestre) Bachiá ben Iossef Ibn Pacuda, um juiz que vivia na cidade de Saragossa, a mesma do poeta Ibn Gabirol. Seu livro foi provavelmente divulgado por volta do ano 1040.

    Em contraste com a falta de dados sobre sua vida, podemos conhecer seu mundo interior através desta vasta obra, aqui apresentada. Sua completa devoção a Deus e pureza interna é notável! Não é à toa que, de todos os filósofos judeus, justamente ele recebeu a alcunha de Chassid (devoto). É claro e transparente também o grande amor a Deus contido em seu coração e que extravasa em muitos trechos de seu livro. As dificuldades e sofrimentos que experimentou na vida são aparentes. Em suas palavras, muitas vezes sentimos suas lágrimas ainda quentes, jorrando de um coração alquebrantado, que encontra apoio e proteção na Graça Divina.

    Embora Rabênu Bachiá tenha escrito muito sobre a beleza da Criação e o esplendor que envolve a natureza, podemos notar as feridas de sua alma, que geme como uma pomba e suplica perante Deus. Desta alma ouvimos também a frase citada em nome de um devoto: Se me queimares no fogo, somente aumentarei meu amor por Ti (Décimo Portal, Amar a Deus).

    Possivelmente, esta tendência em seus escritos originou-se nas dificuldades de emigração do início de estabelecimento judaico na nova diáspora da península ibérica, ou talvez no sofrimento particular do autor.

    Sua cultura e seu domínio das fontes dos Sábios do Talmud (tradição judaica) são muito abrangentes. Nota-se sua tendência para o pensamento lógico e filosófico, característicos de sua época. Pode-se notar também seu domínio sobre muitos campos da ciência, como a geometria de Euclides e a filosofia neoplatônica. Rabênu Bachiá é o primeiro a se basear nas palavras dos sábios de outros povos, citando-os quando julga suas palavras compatíveis com o espírito do judaísmo.

    Sobre o Livro

    A obra de Rabênu Bachiá criou uma nova trilha na literatura religiosa, o caminho do Mussar (moral) judaico. Em sua concepção de moral e ética, o autor vê no amor a Deus o centro de tudo. Em sua obra, Deus ocupa o lugar central: a necessidade de conhecê-Lo, reconhecer suas dádivas, serví-Lo e amá-Lo. O amor aos seres humanos tem valor somente como reflexo do amor a Deus. Assim, as obrigações Ben Adam Lechaverô (entre o homem e seu semelhante) aparecem no livro num plano secundário.

    O raciocínio lógico é sentido tanto no conteúdo como na forma sistemática de apresentação dos tópicos e da argumentação. Esta tendência vem abraçada ao desprezo aos valores mundanos e aos prazeres passageiros do materialismo. Contudo, Rabênu Bachiá lembra, de forma esporádica, frases quase místicas, como os portões dos Céus que se abrem para o homem, da visão sem olhos e da audição sem ouvidos, e do desvendar de obstáculos que separam o homem de seu Deus.

    Não faltam frases de Sábios de todas as gerações em louvor à obra Chovot Halevavot (Deveres do Coração) e seu autor.

    O livro Maguid Mesharim cita que o anjo que estudava todas as noites com o rabino Iossef Caro (autor do código judaico de leis, o Shulchan Aruch) disse-lhe que estudasse diariamente o livro Chovot Halevavot para dominar o Ietser Hará (mau instinto) e diminuir sua intensidade.

    Sobre o grande cabalista Ari ZL foi escrito: Ele obrigava seus alunos a estudar este livro diariamente, para despertar seus corações para Deus".

    Muitos outros, como o Rabino Elimelech MeLizensk, o Rabino Iecheskel Landau (conhecido como Noda BiYehuda), o Gaon de Vilna e o Chatam Sofer, elogiaram muito o livro e indicavam-no aos seus discípulos.

    Sobre a Introdução

    A Doutrina dos Deveres do Coração – como é chamado na tradução de ibn Tibon – é uma descrição sistemática de todas as obrigações religiosas que tocam o coração humano, em complementação aos deveres do corpo e da prática religiosa. O livro enfoca todas as forças do caráter: o sentimento, o direcionamento da vontade e o conhecimento intelectual.

    Anteriormente, os profetas diferenciaram os deveres morais dos mandamentos práticos, lastimando que, muitas vezes, o povo seguia os estatutos da Torá mas desprezava as exigências éticas; viam neste comportamento um desvio da Vontade Divina e dos caminhos da Torá. Os sábios do Talmud também enfatizaram em suas interpretações e no seu testemunho de vida a importância do comportamento religioso, mas foi o autor dos Deveres do Coração o primeiro a fazer esta diferenciação de forma clara e a definir detalhadamente este campo de foro íntimo da pessoa.

    O livro, centrado nos valores morais do homem, é de certa forma desligado do mundo prático e fala pouco sobre o plano nacional ou do sonho de redenção do povo de Israel.

    Nosso povo viu neste livro um dos alicerces do pensamento judaico, sentindo que ele vinha convencer os que procuravam se aproximar e reforçava os que já se encontravam nos caminhos da Torá. Am Israel reconheceu Rabênu Bachiá como um expert das forças psicológicas e das entranhas da alma humana, além de reconhecer nele um homem que superou as barreiras que distanciam o ser humano de seu Criador.

    O Enfoque Moral

    Enquanto Rabi Iehuda Halevi, em seu livro O Cuzarí, enfoca o contato existencial com Deus, e Maimônides, no Guia dos Perplexos, analisa esta ligação do ponto de vista intelectual, Rabênu Bachiá nos ensina o lado moral do Serviço Divino.

    Reconhecer as bondades do Criador é o alicerce ético para o cumprimento da Vontade de Deus. Este ponto é enfatizado no início do Terceiro Portal (Servir a Deus), quando explica as razões psicológicas para a omissão dos homens no tocante às dádivas Divinas. Entre estas razões está a rotina, que nos faz sentir estes presentes como óbvios. O autor vê na outorga da Torá o maior dos presentes de Deus, assim como as provas fiéis e os milagres que nos fazem acreditar nela. Como evidência recente das bondades de Deus para conosco, traz a existência de nosso povo, que sobreviveu à diáspora entre povos de culturas diferentes da nossa.

    No Portal Servir a Deus, o autor desenvolve a ideia de que os homens costumam retribuir aos seus companheiros que lhe fizeram favores por interesse, e deduz daí nossa obrigação em retribuir a Deus a bondade que Ele nos concede, desde o nascimento, em todos os instantes de nossa vida, através do Serviço Divino.

    Os devotos não se contentam em fazer as Mitsvót (mandamentos) explícitas na Torá, mas se esforçam por fazer a vontade de Deus de forma completa, e esta só pode ser alcançada através da perfeição dos deveres do coração.

    A meta é revelar o âmbito interior do homem, sua tendência em viver uma vida moral elevada, juntando assim sua vontade à do Criador. A Torá é o meio que desperta forças adormecidas em nossa alma, e as limitações da Torá vêm trazer uma educação externa, porém visando chegar à vontade mais profunda do homem, que é fazer a vontade de Deus, gravada por Ele em nossas almas, ao criar-nos à Sua imagem.

    Advertência Importante

    No Portal da Unicidade Divina, Rabênu Bachiá traz provas de lógica filosófica sobre a existência e unicidade Divina. Ele baseia a fé numa visão racionalista-filosófica. Muitos de nossos sábios se opuseram ferozmente ao estudo deste capítulo, pois nem todos estão preparados intelectualmente para este enfoque, mesmo entre os sábios da Torá. Veja Rambam, Hilchot Iessodê Hatorá 2:1,2 e Rema, Shulchan Aruch, Iore Deá 146:5.

    Embora outros apoiassem a pesquisa e a procura de provas para a fé, enfatizando que só depois de elucidar intelectualmente a fé em Deus pode-se dizer que cumprimos a Mitsvá de Emuná (crer em Deus), a grande maioria dos sábios se opõe a este caminho.

    Traremos aqui somente algumas citações para reforçar esta ideia.

    O Gaon de Vilna escreveu: A filosofia em relação a assuntos espirituais baseia-se somente na mente humana que, por si só, está longe dos caminhos da Torá e da Emuná (Aliot Eliahu, pág.12). Em outro livro, escreve: E pelo mérito de se distanciar daqueles que estudam filosofia teológica, e outras filosofias, merecerão a Luz Divina no mundo vindouro (Even Shelema 11:4). E diz ainda o Gaon: No lugar onde termina a filosofia, começa o estudo da Cabalá" (Sidur HaGra 61).

    É citado em seu nome, que o Gaon de Vilna apreciava muito os livros Menorat Hamaor e o Chovot Halevavot, porém, no lugar do Portal da Unicidade Divina, dizia para se estudar o livro O Cuzarí, que é santo e puro, e contém a base da Emuná de Israel e da Torá (obra que será lançada em breve nesta coleção), e também o livro Messilat Iesharim (O Caminho dos Justos), já publicado em português pela Editora Sêfer.

    Não iremos aqui citar os inúmeros rabinos que também se opuseram ao estudo do primeiro capítulo do Chovot Halevavot, e é nossa sugestão também que, após a introdução, o leitor passe direto para o Segundo Portal.

    Elul 5762.

    Rabino Raphael Shammah

    Bibliografia: Amudê Hamach'shava Haisraelit, Simcha Bunam Ourbach, Histadrut Tsionit Olamit, Jerusalém, 1961. Chovot Halevavot Lev Tov, Pinchas Iehuda Liberman, Jerusalém, 1990.

    Observação: Os intertítulos foram elaborados pelos editores e acrescentados à obra apenas para facilitar sua leitura.

    Introdução do Autor

    Bendito seja o Eterno, Deus de Israel – o único e o verdadeiro Uno – que antecede toda a existência, cuja bondade é infinita, que criou todo o Cosmo para confirmar Sua Unicidade, articulou a Criação para anunciar o Seu poder e renova sem cessar o Universo como prova de Sua inteligência, como está escrito: Cada geração transmitirá à seguinte o louvor de Tuas obras, e narrará a grandeza de Teus poderosos feitos. (Salmos 145:4). Hão de agradecer-Te todos os frutos da Tua Criação, e abençoar-Te todos os que Te são devotados. Sobre o Teu reinado de glória falarão e sobre Teu poder narrarão, para dar a conhecer a todos os seres humanos Teus atos poderosos e o glorioso esplendor do Teu reino. (Salmos 145:10-12).

    A maior benesse com a qual o Criador brindou as criaturas falantes foi a habilidade de aprender, que nos permite perceber Sua magnitude e servi-Lo. Aprender é conhecer, e o conhecimento ilumina os caminhos que levam ao Eterno, livrando-nos das agruras deste mundo e do Mundo Vindouro. Disse Salomão: Porque é Deus quem concede o saber e a compreensão, de Sua boca emana o saber e o discernimento. (Provérbios 2:6). E Elihu disse: Apesar do homem possuir uma alma pensante, é Deus quem lhe dá a compreensão (Jó 32:8). E Daniel disse (2:21): Deus alimenta o sábio com sabedoria e os que são dotados de compreensão, com conhecimento. E Isaías disse (48:17): Eu sou o Eterno, teu Deus, que te ensina o caminho e mostra qual deves escolher para teu bem.

    O conhecimento pode ser dividido em três partes: as chamadas Ciências Naturais, que lidam com propriedades e eventos relacionados aos corpos físicos; as Ciências Matemáticas, que incluem a álgebra, a aritmética, a geometria, a música, a astronomia etc, e a Teologia, que trata do conhe-cimento de Deus, bendito seja Seu Nome, da Sua Torá e de temas relaciona-dos à alma, às raízes do intelecto e às coisas espirituais.

    Deus revelou estas disciplinas ao homem para que ele pudesse explorar material e espiritualmente o Universo. As Ciências Naturais e Matemáticas são estudadas com mais frequência, devido à sua aplicação cotidiana. No entanto, o conhecimento realmente essencial ao homem é aquele contido na Torá. Devemos estudá-la com amor e dedicação em busca de uma compreensão cada vez mais profunda de seu conteúdo, como está escrito: amando ao Eterno, teu Deus, ouvindo a Sua voz e te achegando às Suas qualidades. (Deuteronômio 30:20).

    O estudo da Torá jamais deve ter outra finalidade, como bem advertiram nossos Sábios: "O homem não deve dizer: estudarei para que me chamem de sábio, para que me chamem de Rabino, para que eu seja um dos anciãos que frequentemente se sentam à Ieshivá, mas puramente por amor ao Divino, e é Ele quem ao final te honrará" (Tratado Nedarim 62a). E: Faz tudo em nome do Criador e que não te seja uma coroa para te engrandeceres com ela, nem um instrumento de trabalho para dele comeres. (ibid, 62 a). Diz o Salmo112:1: Bem-aventurado o homem que tem ao Eterno e ardentemente se dedica a cumprir Seus preceitos. Rabi Elazar elabora: "Seus 'preceitos' e não o 'benefício dos Seus preceitos' '' (Tratado Avodá Zará 19:1). E nossos Sábios acrescentam: Não sejam como os servos que buscam somente o benefício, mas sirvam ao Mestre por amor, sem buscar recompensa (Pirkê Avot 1:3).

    As Mitsvót da Torá Oculta

    Deus abriu ao homem três grandes portas para o entendimento de Seus ensinamentos:

    A inteligência para buscar o bem e se afastar do mal,

    A Torá revelada a Moisés,

    As tradições e explicações que recebemos de geração em geração, desde o tempo dos nossos profetas, amplamente ministradas pelo grande sábio Saádia Gaón, de abençoada memória

    A Torá contém dois grupos de mandamentos, ou Mitsvót: o primeiro compõe a chamada de Torá revelada, e inclui as Mitsvót referentes ao corpo físico; o segundo trata dos Deveres do Coração, ou Chovot Halev, e é conhecido como a Torá oculta, ou interior.

    As Mitsvót que dizem respeito ao corpo dividem-se em duas categorias: aquelas que, mesmo sem terem sido ordenadas por Deus, podem ser compreendidas por nosso intelecto, e as que jamais saberíamos cumprir se não nos tivessem sido ditadas, como a proibição de misturar e comer carne com leite, de vestir lã e linho juntos, e de plantar sementes diferentes no mesmo lugar, entre outras. Estas, nós não abordaremos, pois são de conhecimento geral. Cuidaremos aqui das Mitsvót relativas ao coração – Chovot Halev. Elas são totalmente fundamentadas na razão, como veremos adiante. Que o Eterno nos ajude em nosso intento.

    As Mitsvót podem ser classificadas como positivas e negativas. A seguir, os mandamentos positivos do coração: acreditarmos que o mundo tem um Criador; que não há como Ele; aceitarmos sua Unicidade; servi-Lo com toda a nossa capacidade de dedicação; contemplarmos a maravilha de Sua Criação, para que O tenhamos sempre em mente; confiarmos Nele; nos anularmos perante Ele; temer a Ele e sermos recatados em Sua presença, tanto a sós quanto em público, pois Ele é Onipresente; desejar ouvi-Lo; atuar em Seu Nome; amá-Lo e às Suas criaturas; aproximá-las Dele; odiar aos que O odeiam, e tudo o que se assemelhe a cada um destes mandamentos e não possa ser realizado fisicamente.

    Entre as proibições, ou Mitsvót restritivas do coração, estão as de não cobiçar (Êxodo 20:14); não buscar transgredir a Torá, não pensar em transgressões, não aceitar praticá-las, e tudo o que se assemelhe a isto. Mais alguns dos mandamentos restritivos do coração: Não cobiçarás a mulher do próximo, nem sua casa e nem os seus campos; nem os seus servos e servas; nem o seu gado e seus burros e tudo o que pertence ao próximo (Deuteronômio 5:18); Não te vingarás e nem guardarás ódio contra os filhos de teu povo (Levítico 19:18); Não guardarás ódio do teu irmão em teu coração (Levítico 19:17); Não seguirás teus olhos nem o teu coração (Números 15:39); Não endurecerás o teu coração e não fecharás a tua mão a teu irmão mendigo (Deuteronômio 15:7). O Altíssimo está sempre nos observando, e sabe o que se esconde em nossos corações, como está escrito em Jeremias (17:10): Eu Sou o Eterno, que enxerga dentro dos corações e investiga dentro das entranhas, e em Provérbios (20:27): A vela de Deus é a alma do homem; Ele a busca até nas paredes do ventre.

    Posto que a ciência das Mitsvót se divide em duas áreas, uma delas física, de caráter externo, e a outra espiritual, de caráter interno, pesquisei o que chamamos de Torá oculta em obras da literatura pós-Talmúdica, e tudo o que encontrei poderia ser:

    a. Explicado pela Torá dos Profetas, através dos significados das palavras e dos temas, como fez Saádia Gaón com a maior parte das Escrituras Sagradas, ou por meio das nuances idiomáticas e gramaticais, como fizeram Ibn Ianach e os Massoretas, cada qual segundo sua tradição e método.

    b. Publicado em um sumário das Mitsvót, como o que elaborou o Rabino Chéfets ben Iatslíach, sob a forma de Halachot (leis) e assuntos pertinentes a elas, como fazemos em nossos dias, ou ainda como os livros de perguntas, respostas e decisões legais dos nossos Gueonim (eruditos).

    c. Ilustrado com evidências e respostas dirigidas aos descrentes, como acontece no Livro das Crenças e Doutrinas, no Livro dos Fundamentos da Fé, em "Hamecamêts", e tantas outras obras com o mesmo objetivo.

    Investiguei tais livros e não encontrei em nenhum deles nada sobre a ciência dos Deveres do Coração, também chamada de ciência da consciência. Foi uma grande surpresa para mim. Cogitei a possibilidade do assunto não ser de fato um conjunto de Mitsvót da Torá, mas apenas uma espécie de adendo opcional ensinando o caminho da moral e da boa conduta, e que não estudá-lo não acarretaria punição. Mas, não satisfeito, decidi examinar o tema à luz da lógica pura, das Escrituras e de textos rabínicos, e cheguei à conclusão de que a ciência dos Deveres do Coração é a base fundamental da nossa fé, inclusive para tudo o que se relaciona aos mandamentos no plano físico.

    Porque sendo o homem composto de corpo e alma, do visível e do não visível, ambos dádivas do Criador, devemos servi-Lo tanto através de manifestações exteriores quanto interiores.

    Como exemplos do serviço Divino externo ou físico, podemos citar a oração, o jejum, a caridade, o estudo e ensinamento da Torá, a construção da Sucá e a bênção do Lulav, o uso de Tsitsit, a colocação da Mezuzá etc, e tudo o mais que demanda a utilização de alguma parte do nosso corpo para sua realização. Já o serviço Divino interno se constitui em termos o Eterno como Uno absoluto dentro de nossos corações, em acreditarmos Nele e na Sua Torá, em aceitarmos Seu jugo, temê-Lo, nos anularmos perante Ele, amá-Lo, confiarmos em Sua providência, nos entregarmos de corpo e alma à Sua vontade, nos afastarmos de tudo o que O contraria, realizarmos tudo em prol do Seu Nome, e contemplarmos a Sua bondade. Tudo isto acontece dentro de nós, sem que nenhum órgão ou membro do corpo seja ativado.

    Harmonia entre Corpo e Alma

    Creio firmemente que as Mitsvót físicas, cumpridas com nosso corpo, não serão completas se a nossa vontade e o nosso coração não estiverem em plena sintonia com ele. Se não desejarmos de coração cumprir a Vontade Divina, nossas ações físicas se dissiparão. Sem um coração voltado para Deus, os mandamentos referentes ao corpo físico ficam deturpados. Na verdade, seria até surpreendente que o Eterno nos ordenasse tantas Mitsvót físicas se elas tivessem um caráter puramente físico - e não fossem determinadas pelo coração e pela mente de modo a torná-las parte de um serviço Divino pleno, íntegro, e originado por nosso mais profundo desejo de servir ao Santíssimo, bendito seja.

    Quando compreendi que deveria ensinar este tema, pensei comigo mesmo: será que ele não tem sido tratado em público por não estar descrito explicitamente na Torá? Investiguei mais atentamente, e encontrei inúmeras referências na própria Torá, tais como: E amarás ao Eterno teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, e com todas as tuas posses (Deuteronômio 6:5); Amando ao Eterno, teu Deus, ouvindo a Sua voz e te achegando às Suas qualidades (Deuteronômio 30:20); E amarás ao Eterno, teu Deus, com todo o teu coração e servi-Lo-ás com toda a tua alma (Deuteronômio 11:13); Atrás do Eterno, teu Deus, irás e a Ele temerás (ibid. 13:5); Amarás ao próximo como a ti mesmo (Levítico 19:18); E agora, ó Israel, qual é a coisa que pede o Eterno de ti? Senão que temas ao Eterno (Deuteronômio 10:12); E amareis ao peregrino, porque peregrino fostes na terra do Egito (Deuteronômio 10:19). Citações como estas deixam totalmente claro que o temor e o amor a Deus estão entre os Deveres do Coração.

    Exemplos similares podem ser encontrados em todas as Escrituras Sagradas, e nos levam a concluir que o serviço Divino está sempre vinculado ao coração e ao dom da fala, como está escrito no Deuteronômio (30:11). Porque este mandamento que Eu hoje te ordeno, não te é encoberto nem está longe de ti. Não está nos céus para dizeres: Quem subirá por nós aos céus, que o traga a nós e nos faça ouvi-lo, para que o observemos? Nem está além do mar, para dizeres: Quem passará por nós além do mar, para que o traga a nós e nos faça ouvi-lo, para que o observemos? Pois a coisa está muito perto de ti, na tua boca e no teu coração, para que a observes.

    Quando ficou claro para mim que o estudo dos Deveres do Coração é obrigatório pela Torá, decidi procurar uma confirmação na literatura talmúdica. Qual não foi minha surpresa quando encontrei um número ainda maior de citações, tais como: O Eterno e Misericordioso almeja o coração (Tratado San'hedrin 106b); O coração e os olhos são os dois agentes do pecado (Talmud de Jerusalém, Berachot 1:8); Por que mérito chegastes a uma idade tão avançada? (Tratado Meguilá 27b). Também encontrei o tema tratado de maneira detalhada na Ética dos Pais. Nossas Escrituras dizem que quem matou o próximo sem intenção não será julgado segundo as leis da pena de morte, nem incorrerá em morte sentenciada por um Bêt Din (Corte Rabínica), e nem mesmo à morte por Caret (banimento da alma), pois o motivo que levou a pessoa a cometer o crime está no seu coração. Os pecados não intencionais são tratados pela Torá de maneira diferente dos propositais. E nossos Sábios afirmam que os mandamentos não observados única e exclusivamente com o coração voltado para Deus não serão tão recompensados. Uma vez compreendido que a base das nossas ações se encontra nos desígnios do coração e da consciência, é imperioso que estudemos Chovot Halev, a ciência dos Deveres do Coração, antes de nos aprofundarmos no estudo das Mitsvót de natureza física.

    Mesmo depois de estar ciente da importância dos Deveres do Coração, ponderei que talvez não fôssemos obrigados a cumpri-los durante todo o tempo, como fazemos no Ano Sabático, no Jubileu e com as oferendas do Templo em Jerusalém. Mas uma pesquisa mais profunda provou estarmos frequentemente obrigados a nos ocupar das Mitsvót do coração, sem descanso nem intervalos, e que não temos desculpa alguma para deixá-las de lado.

    A natureza ininterrupta da obrigação está contida nos próprios mandamentos. Por exemplo, acreditar inabalavelmente na Unicidade de Deus; servi-Lo com nossa consciência; temê-Lo, amá-Lo e desejar cumprir Seus preceitos, como está escrito: Desejo que meus caminhos estejam sempre a postos para cumprir Teus estatutos (Salmos 119:5). Somos também ordenados a ter plena confiança Nele, e a nos entregarmos a Ele de corpo e alma, como está escrito: Confiem Nele todo o tempo, ó povo, e despejem seus corações perante Ele (Salmos 62:9).

    Temos ainda o dever de remover o ódio e a inveja dos nossos corações e de abandonar as futilidades mundanas que nos desviam do serviço Divino. São obrigações constantes, presentes todo o tempo, em todas as horas e lugares, e em todas as situações - enquanto nossa alma habitar nosso corpo.

    Com o que isto se parece? Com um servo a quem o patrão ordenou realizar duas tarefas: uma em casa; a outra, no campo. Ele deveria vigiar o campo durante horários determinados, e poderia interromper este trabalho se houvesse um motivo justo. Mas, ao mesmo tempo, estava proibido de paralisar a tarefa feita em casa, qualquer que fosse a razão (a menos que algum fator externo o impedisse de cumpri-la). E isto valia para as vinte a quatro horas do dia.

    O mesmo se aplica aos Deveres do Coração. Não temos desculpas para evitá-los, a não ser o apego às coisas mundanas e o pecado de ignorarmos nosso Criador, como disse Isaías (5:12): Os violinos, as harpas, as flautas, o vinho e as festas abundam, por isto eles não contemplam a Criação e suas Maravilhas.

    Cheguei a pensar que estes deveres não se desdobrassem em outros e que, talvez por isto, tivessem deixado de dedicar um livro especialmente a eles. Mas constatei que existe uma gama de outros deveres originados dos deveres básicos do coração.

    Parece até que quando o rei David disse, Vi que todas as coisas tem limites, mas Teus mandamentos tem ramificações ilimitadas (Salmos 119:96), ele estava se referindo aos Deveres do Coração. Os mandamentos relativos aos órgãos e membros do corpo são 613, mesmo número das Mitsvót contidas na Torá. O número dos Deveres do Coração é praticamente infinito.

    Talvez as Mitsvót do coração sejam tão enraizados e conhecidas que não haja necessidade de se escrever uma obra sobre elas. Mas provam as Escrituras Sagradas que a maioria das gerações falhou no seu cumpri-mento, e que somente alguns poucos iluminados lograram preservá-las. Todos nós precisamos de muita orientação e conhecimento sobre o tema, mais ainda aqueles que entre nós se descuidam tanto dos mandamentos físicos quanto dos mandamentos do coração.

    Quem se dedica ao estudo da Torá com o objetivo de ser considerado sábio pelos ignorantes e erudito pelos sábios adquire apenas conhecimen-tos que não levam à formação do caráter e à boa conduta. Ao negligenciar o estudo dos fundamentos da religião, algo que jamais deve ser feito, tal pessoa não terá êxito algum no cumprimento dos preceitos da Torá.

    Um bom exemplo é a crença na Unicidade Divina. Será que temos de investigar o assunto e aceitá-lo somente se e quando o nosso intelecto estiver disposto a fazê-lo, ou temos que aceitá-lo incondicionalmente, como prova da nossa fé? Deveríamos investigar a diferença entre o ser absoluto e o ser relativo, para poder distinguir entre estas duas unidades existenciais? De fato, é proibido pela própria Torá ficar à margem deste conhecimento: E saberás hoje, e considerarás no teu coração que o Eterno, Ele é o Deus (Deuteronômio 4:39).

    O mesmo é válido para todos os Deveres do Coração. Nossa fé não será plena a menos que os conheçamos e os pratiquemos. Conhecer nosso íntimo é a luz do coração e a irradiação da nossa alma. É a isto que o versículo se refere quando diz: Desejas a verdade oriunda das profundezas do espírito; ensina-me pois estes segredos. (Salmos 51:8).

    Conta-se de um erudito que se dedicava aos seus negócios até o raiar do sol. Mas só quando se recolhia às suas quatro paredes, dizia: Agora sim, vamos ter alguma luz!. Ele se referia aos Deveres do Coração.

    Uma vez fizeram a um grande estudioso uma pergunta hipotética sobre as leis do divórcio. Ele respondeu da seguinte maneira: "Você pergunta algo que não lhe causará mal algum se não vier a saber. Já sabe tudo o que realmente precisa saber das leis da Torá para que não as transgrida, perdendo tempo com perguntas tolas, que nada lhe acrescentarão, e com as quais não vai aprimorar seu caráter? Há trinta e cinco anos me dedico a estudar o que preciso saber para poder cumprir as Mitsvót da Torá, e você sabe o quanto eu me esforço nisto. Pois ainda não tive tempo para me ocupar com a pergunta que você fez.". E continuou a repreender quem o questionava.

    Outro estudioso disse: Durante vinte e cinco anos me dediquei a aperfeiçoar minha conduta. Outro, ainda, declarou: Há conhecimentos escondidos nos corações dos Sábios, e eles são como tesouros ocultos. Se decidirem ocultá-los, jamais os conheceremos. Mas se optarem por revelá-los, ninguém poderá negar a sua veracidade. Isto é o que expressa o versículo: Bons conselhos são como água no fundo do poço dos corações, mas os Sábios sabem como drená-los (Provérbios 20:5). Em outras palavras: o conhecimento que leva à formação do caráter é inerente à natureza humana, e trazê-lo à tona é como prospectar as águas ocultas nas profundezas da terra. O homem sábio procura este conhecimento dentro do seu ser para dar-lhe expressão e com ele irriga o seu coração, assim como alguém que descobre um lençol d'água e faz com que ela chegue à superfície.

    Conversei com um erudito em Torá sobre os temas que abordei com você, caro leitor, até agora. Ele disse acreditar que nossa tradição substitui a pesquisa, a investigação. Respondi: Isto pode ter se aplicado aqueles que foram, em outros tempos, impossibilitados de estudar, como as mulheres, as crianças e os iletrados. Mas os que dispunham, e dispõem hoje, de capacidade intelectual para estudar e elucidar a tradição e não o fazem, seja por indolência, seja por negligência, estes acabam sendo punidos por sua atitude.

    Com o que isto se parece? Como um servo cujo rei mandou cobrar uma soma em dinheiro dos outros servos do reino, contá-la e pesá-la, para evitar fraudes. Era um servo especialista neste tipo de tarefa. Entretanto, os outros servos o ludibriaram com bajulações e ganharam sua confiança. Então, lhe trouxeram o dinheiro, assegurando a ele que o total estava correto. O coletor acreditou neles, não verificando a quantia e o peso por preguiça, contrariando assim as ordens que havia recebido. Quando isto chegou aos ouvidos do rei, este mandou que o dinheiro lhe fosse trazido. Perguntou ao coletor qual era a quantia que ali estava, e o servo não soube responder. O rei culpou-o por não ter examinado com cautela cada pagamento, e disse que ele seria considerado culpado mesmo se a quantia e o peso total estivessem corretos, por não ter ele se dado ao trabalho de verificar os fatos. (Se aquele servo não fosse um especialista no assunto, não poderia ser culpado pelo erro).

    O mesmo se aplica a você: se não conseguir compreender os Deveres do Coração por meio do intelecto, seu não cumprimento torna-se aceitável. E se tua capacidade de compreensão for limitada por qualquer razão, ou, como no caso de mulheres e crianças, você estiver isento de certas obrigações, também não será punido por não cumpri-los. No entanto, se possui capacidade e discernimento, e através destas faculdades for capaz de examinar os preceitos da nossa fé, assim como os fundamentos que recebemos dos nossos Sábios em nome dos nossos profetas, então você tem o dever de usar estes meios, até que entenda bem o objeto do estudo. Assim, terá certeza de sua veracidade, tanto por meio da tradição, quanto da verificação. Se neglicenciar este dever, estará falhando para com seu Criador.

    Isto pode ser demonstrado de duas maneiras. A primeira delas, através do seguinte versículo: Quando alguma lei te for desconhecida em juízo – se um sangue for puro ou impuro, se uma causa for justa ou injusta, se uma chaga for pura ou impura, ou se surgirem causas que provoquem divergências de opiniões em tuas cidades – levantar-te-ás e subirás ao lugar que escolher o Eterno, e cuidarás de fazer de acordo com tudo o que te ensinarem (Deuteronômio 17:8-10).

    Quando você observa bem a primeira parte do versículo, vê que ele precisa ser explicado de acordo com a metodologia da nossa tradição, e não de uma averiguação baseada na lógica. Note que, entre os exemplos citados, não é feita menção alguma a assuntos que possam ser verificados intelectualmente. O versículo não diz que quando você tiver perguntas sobre a Unicidade Divina, Seus Nomes e atributos, ou sobre os funda-mentos da religião, tais como servir a Deus, acreditar Nele, anular-se perante Ele, devotar-se a Ele, refinar suas boas ações, seu amor por Ele, ou envergonhar-se ante Sua presença, você deve aceitar estes preceitos em nome da nossa tradição e, pura e simplesmente, acreditar neles por conta dos ensinamentos dos Sábios.

    Mais do que isso. As Escrituras ensinam que é mandatório utilizar tua mente para refletir sobre estes e absolutamente todos os outros mandamentos da Torá, seus princípios, detalhes, e desdobramentos – examinando-os, compreendendo-os e julgando-os – até que a verdade esteja clara para você e a falsidade, totalmente rejeitada, como esta escrito: E saberás hoje, e considerarás no teu coração, que o Eterno, Ele é o Deus em cima nos céus e embaixo na terra; não há nenhum outro (Deutero-nômio 4:39).

    Este princípio se aplica a tudo aquilo que podemos entender com nosso intelecto, como ensinaram nossos Sábios de abençoada memória: Qualquer termo incluído em uma proposição geral e depois mencionado separadamente, e se acrescido de alguma particularidade... isto afeta o termo dentro do todo. (Tratado Iebamót 7:1).

    Como o conhecimento da Unicidade de Deus pode ser entendido pelo intelecto humano, tudo o que é pertinente ao tema deve ser estudado, obrigatoriamente. O mesmo vale para questões correlatas.

    A segunda demonstração do seu dever de estudar e compreender está em Isaías (40:28): Você ainda não sabe? Você ainda não ouviu? Que o Santíssimo é o Deus do Universo e Criador de todos os confins da terra! A primeira frase, Você ainda não sabe?, se refere ao conhecimento adquirido por meio da argumentação racional; a segunda, Você ainda não ouviu?, enquadra-se no que recebemos como tradição. Um outro versículo do mesmo texto diz: Ainda não sabe? Ainda não ouviu? Tudo isto foi-te explicado desde o início! (ibid, 40:41). Aqui também o profeta declara o saber anterior ao ouvir, ou seja, coloca a argumentação racional antes da tradição e da transmissão oral.

    Moisés, nosso mestre, disse: É assim que pagais ao Eterno, povo insensato e não inteligente? Lembra-te dos dias da antiguidade, atentai para os anos das gerações sucessivas; pergunta a teu pai e ele te informará; aos teus anciãos e eles te dirão (Deuteronômio 32: 6-7). Isto prova o que afirmei anteriormente. Apesar da tradição ser naturalmente a primeira coisa que ensinamos aos jovens, não podemos nos apoiar exclusivamente nela, se temos a capacidade de chegar ao conhecimento por meios racionais. Devemos refletir sobre tudo aquilo que aprendemos intelec-tualmente. Quem pode fazê-lo deve procurar provas irrefutáveis, que deem suporte à lição transmitida através da tradição.

    Deveres que nos Elevam

    Sinto-me plenamente convicto da obrigatoriedade do conhecimento das Mitsvót do coração, com base em tudo o que já foi apresentado aqui. Ao observar que nenhum livro versando exclusivamente sobre o assunto foi escrito até o momento, e constatando até que ponto homens desta geração tornam patente sua incapacidade de compreendê-las (tanto mais de praticá-las), por graça Divina encontrei a motivação para investigar em profundidade o conhecimento da consciência.

    Aprendi dos nossos Sábios de abençoada memória, de tudo o que deles recebi, de como se esmeravam e se aplicavam ao cumprimento dos próprios deveres mais do que à explicação das leis, e das respostas a perguntas hipotéticas que lhes eram formuladas. Concentravam-se nos princípios gerais da lei e apenas aclaravam o que era proibido ou permitido, mas imergiam no aperfeiçoamento de sua conduta, e nos deveres de seus corações.

    Quando lhes era feita uma pergunta bizarra, que requisitasse nova aplicação e legislação, não se envolviam demasiadamente no assunto. Derivavam seu parecer baseados em princípios conhecidos e, aos seus olhos, triviais. Se precisavam tomar uma decisão, e viam-na como evidente, baseavam-se nos princípios fundamentais recebidos dos profetas, e promulgavam os decretos de acordo com suas tradições.

    Mas, quando se deparavam com uma questão complexa, sem precedentes, nossos Sábios submetiam-na a uma análise conceitual. Se o parecer fosse unânime, um decreto era emitido. Quando havia divergên-cias de opinião, seguia-se a maioria, como conta o Tratado San'hedrin (88b): Se lhes era formulada uma pergunta, se conheciam a tradição, legislavam de acordo com o que sabiam; caso contrário, seguiam a maioria: caso a maioria dissesse que algo era ritualmente puro, seria considerado puro, caso considerasse ritualmente impuro, seria considerado impuro. Em síntese, quando a minoria discordava da maioria, a Halachá seguia a maioria. Desta maneira, eles preservaram seus pontos de vista sobre os ideais da moral e do caráter e os transmitiram a nós através da Ética dos Pais, ou Pirkê Avot, cada qual de acordo com os ensinamentos da sua geração, e do local em que vivia.

    Os Sábios do Talmud relatam histórias sobre seus mestres que nos dão uma ideia do alcance de suas mentes privilegiadas e dos grandes esforços empreendidos em busca do aperfeiçoamento de sua conduta pessoal e moral. Um exemplo: "Nos tempos de Rabi Iehudá, os estudos se limitavam ao Tratado de Danos e Prejuízos, por ser uma área de estudo mais prolon-gada. Certa vez, quando Rabi Iehudá tirou seus sapatos (para iniciar um jejum), começou a chover. Então exclamou (como que indignado): 'Nos aplicamos tanto e ninguém (nos Céus) presta atenção a isto?' E seus alunos responderam: 'Nossos predecessores ofereciam suas vidas para santificar o Nome de Deus, mas nós não oferecemos nossas vidas para santificar o Seu Nome.' [Este relato é um exemplo da disparidade entre as gerações. Os discípulos de Rabi Iehudá surpreendem-se com a reclamação do Mestre. Afinal, tinham consciência de que sua geração não se equiparava à de seus predecessores em relação ao Serviço Divino. O que dizer então das gerações futuras? (N. do T.)] (Tratado Berachót 20a).

    Disse Rav Huna (Tratado Avodá Zará 17b): Aquele que está envolvido apenas no estudo da Torá, é como se não tivesse um Deus. Está escrito (2 Crônicas 15:3): Durante um longo período, o povo de Israel permaneceu sem o seu verdadeiro Deus. Por isto, devemos nos envolver na mesma medida com o estudo da Torá e com atos de bondade.

    Fica claro que os fundamentos de todos os atos que se destinam a servir a Deus se situam no coração e na consciência.

    Caso nossos pensamentos e sentimentos se corrompam, nossas ações não serão aceitas, ainda que as pratiquemos inúmeras vezes, como vemos em Isaías (1:15): Mesmo que rezem continuamente, não vos escuto, pois vossas mãos estão cheias de sangue. Lavem-se, purifiquem-se, removam a maldade da frente dos Meus olhos, cessem o mal!. E como está em Deuteronômio (30:14): Pois a coisa está muito perto de ti, na tua boca e no teu coração para que a observes. E em Provérbios (23:26): Meu filho, de-Me teu coração e deixe teus olhos seguirem os Meus caminhos.

    Nossos Sábios interpretaram o versículo acima da seguinte maneira Se você me der teu coração e teus olhos, então Eu saberei que você é realmente Meu (Talmud de Jerusalém, Tratado Berachót 1:5). As Escrituras seguem: Não errareis, indo atrás dos pensamentos do vosso coração e atrás de vossos olhos (Números 15:39); Como me prostrarei perante o Deus nas alturas?

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