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Lulismo: carisma pop e cultura anticrítica
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Lulismo: carisma pop e cultura anticrítica
E-book93 páginas1 hora

Lulismo: carisma pop e cultura anticrítica

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Sobre este e-book

Como explicar o sucesso político quase hegemônico do governo Lula ao final de seu segundo mandato?

Aqui, o psicanalista e ensaísta Tales Ab'Saber faz um balanço das condições políticas e da natureza do pacto social realizado naqueles oito anos, que impulsionou a renovação do carisma do líder petista. Tal movimento histórico é pensado aqui como a emergência de um carisma pop, uma ordem avançada de dominação política, em que a figura do homem público é investida dos poderes próprios da forma mercadoria e seu fetichismo endógeno.
IdiomaPortuguês
EditoraHedra
Data de lançamento23 de set. de 2015
ISBN9788577154449
Lulismo: carisma pop e cultura anticrítica

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    Lulismo - Tales Ab'Sáber

    prelo.

    Nota introdutória

    Este trabalho foi escrito no último instante do governo Lula, no final do ano de 2010. Seu impulso foi o descontentamento do autor com as análises e interpretações que então surgiam, com o que parecia uma incapacidade comum de olhar o fenômeno tanto do ponto de vista do todo, quanto com visada crítica de maior tensão ou corte.

    Passado algum tempo, e após uma série de discussões em universidades e grupos de estudos sobre o pequeno ensaio, ele me parece restar como um documento de fim de um tempo, como um balanço e como uma interpretação. A posteriori talvez se explique aqui algo dos curiosos teatros ideológicos e imaginários petistas e tucanos durante as eleições presidenciais de 2010, em um tempo histórico no qual a economia e a política reais já há muito haviam se deslocado para outra pista. A natureza particular desta interpretação — seguindo uma tradição crítica presente e esquecida simultaneamente entre nós — está em não dissociar o movimento da cultura do movimento da política, como se tornou tendência mais ou menos dominante no universo de nossas ciências humanas.

    Lulismo, carisma pop e cultura anticrítica: Política e cultura 2003–2010

    Como imaginar um pensamento crítico hoje que não seja crítica do fetichismo da mercadoria?

                     Roberto Schwarz (1994)

    Lula deu início a seu governo¹ declarando de modo desafiador e irônico que surpreenderia fundamentalmente tanto a direita quanto a esquerda. Afora o que havia da nova autocomplacência lépida e da velha demagogia comum à política brasileira na frase, de resto dimensões narcísicas do discurso que o político e seu governo jamais aboliram, havia nela também, em seu fundo, uma verdade política explícita forte, que acabou por se confirmar historicamente.

    O principal da frase não é o seu tom paradoxal e triunfante, a célebre tendência falastrona do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da qual ele próprio foi autoconsciente, mas a clara referência a fazer uma política que intervenha nos dois polos opostos da vida nacional, o claro desejo de articular os extremos em seu governo, e desde já podemos dizer em seu corpo, de modo que as posições políticas limites acabassem por suspender, rever e inverter os seus próprios critérios, uma a favor da outra. E de fato este projeto foi desenvolvido, consciente ou inconscientemente, de modo determinado e também por golpes de acaso, ao longo de seus dois governos, de seus oito anos.

    Este foi o paradoxo social e político real do governo Lula. Ele foi expresso em uma dimensão do país, junto à massa de pobres que aderiu pessoalmente ao presidente, como lulismo e em outra face das coisas nacionais como pragmatismo e grande liberdade liberal, tanto para a economia quanto para os velhos e conhecidos bons negócios da fisiologia e do amplo patrimonialismo brasileiro mais tradicional — a vida privada incrustada na vida pública, nas palavras de Otávio Paz — renovado agora pelas novas demandas de um capitalismo financeirizado.

    O fato de um novo grupo, o do partido do presidente e dos sindicalistas ligados a ele, adentrar o tradicional condomínio do poder não representava problema suficiente para as velhas estruturas de controle político nacional, ainda mais se isto significasse, como acabou por se confirmar, o fim radical da tensão classista e contestatória própria à tradição histórica petista. Tal movimento poderia significar simplesmente, como já foi bem notado, uma circulação de elites paretiana, fundamentalmente conservadora, mas também, em alguma medida, que ainda resta determinar, renovadora.² Podemos evocar apenas o importante e expressivo fato de, no último ano de seu governo, Lula sustentar pessoalmente, como sempre ocorre em seu modo singular de fazer política, um velho oligarca da política nacional, José Sarney, praticamente um símbolo do arcaísmo político brasileiro, um homem incomum segundo o presidente,³ então muito combalido por mais uma das inúmeras crises de descontrole, nepotismo e baixa corrupção no Senado brasileiro. Este dado histórico é forte o suficiente para compreendermos a liberalidade e o pragmatismo para com o atraso político do presidente, o seu quase cínico, quase irresponsável e bastante astucioso laissez-faire. Nesta dimensão das coisas Lula apenas confirmou o manejo tradicional brasileiro da vida política, nunca inteiramente expurgada de clientelismo e patrimonialismo desde o longo fim da ditadura militar.

    E este gesto, longe de ser mera incompetência ou irresponsabilidade histórica comum, tinha valor político certeiro. O fim incondicional da perspectiva de luta de classes do Partido dos Trabalhadores, e sua adesão como partido no poder à tradição política imoral e particularista brasileira, foi o primeiro e muito importante movimento político realizado pelo governo Lula, em sua ativa busca de consenso em todo espectro da vida nacional. Ele teve início nos expurgos sumários à esquerda do partido realizados durante o processo de ascensão ao poder e logo após a primeira vitória em 2003,⁴ e se completou com a plena decisão conservadora sobre a gestão econômica. Já nos primórdios do governo Lula, Chico de Oliveira chegou a notar em tal movimento — o abandono da tradição de esquerda do partido de esquerda — algo muito mais profundo e real, a criação de uma nova classe, a dos sindicalistas controladores dos grandes fundos de pensão públicos, e que a partir de 2003 tornaram-se também governo. De fato uma nova agregação à velha classe dos controladores do vínculo especial estado–capital entre nós, em uma ascensão ao poder econômico claramente simétrica ao financismo tucano.⁵

    Nesta mesma dimensão das coisas, do modo lulista de gerir a vida pública, a crise do mensalão de junho de 2005, episódio que beirou o fantástico de irresponsabilidade e delinquência política,⁶ produziu três grandes movimentos no governo lulo-petista, que podemos dizer que teve então um legítimo segundo início: em primeiro lugar, o presidente entrou de vez e definitivamente na gestão de seu próprio governo, deixando finalmente de ser uma espécie de símbolo extático de si mesmo, uma rainha da Inglaterra pau de arara-sindicalista, inimputável, embevecido com o ineditismo do próprio percurso e seu efeito midiático quase universal, que de fato fora até então; em segundo lugar, o pmdb entrou definitivamente para o governo, se tornando a partir de então cada vez mais o fiel da balança do equilíbrio político do governo Lula; e por fim, mas não menos importante, o pt, profundamente abalado e punido na figura do fracasso exemplar de José Dirceu, ficou imensamente menor do que Lula, que acabou por ser, de modo paradoxal — e amoroso político, a grande e muito interessada fidelidade geral ao grande líder — o grande vitorioso de todo quiproquó.

    Derrotado de modo profundo o próprio habitus de oposição de seu partido, que chegava ao poder através do corpo

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