Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Léopold Senghor e Frantz Fanon: Intelectuais (pós) coloniais entre o político e o cultural
Léopold Senghor e Frantz Fanon: Intelectuais (pós) coloniais entre o político e o cultural
Léopold Senghor e Frantz Fanon: Intelectuais (pós) coloniais entre o político e o cultural
E-book347 páginas4 horas

Léopold Senghor e Frantz Fanon: Intelectuais (pós) coloniais entre o político e o cultural

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

A obra Léopold Senghor e Frantz Fanon: intelectuais (pós)coloniais entre o político e o cultural, de Gustavo de Andrade Durão, aborda o pensamento anticolonial de dois importantes intelectuais, apresentando suas críticas e posicionamentos acerca dos processos de descolonização nos Estados africanos.
Organizado em cinco capítulos, o livro apresenta relevantes questões tratadas pelo pensamento desses dois intelectuais, discutindo desde o conceito de negritude, passando pela crítica da assimilação, até o contexto político e cultural da nação africana.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de jun. de 2022
ISBN9786558405764
Léopold Senghor e Frantz Fanon: Intelectuais (pós) coloniais entre o político e o cultural

Relacionado a Léopold Senghor e Frantz Fanon

Ebooks relacionados

Relações Internacionais para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Léopold Senghor e Frantz Fanon

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Léopold Senghor e Frantz Fanon - Gustavo de Andrade Durão

    1. INTRODUÇÃO

    O segundo capítulo visa contextualizar as movimentações culturais e políticas dos escritores trabalhados, definindo brevemente suas trajetórias e contribuições para a História da África. Busca-se ainda a realização de análises sobre os autores no que diz respeito às suas produções para que sejam feitas as comparações nos capítulos que se seguirão. Não se pretende realizar uma revisão da literatura, mas uma apresentação dos textos característicos do período colonial, por isso, nesta seção será inserido breve debate sobre as suas produções no campo da crítica pós-colonial.

    Nesse contexto específico, objetiva-se mostrar as trajetórias, dificuldades e caminhos escolhidos pelos autores visando auxiliar a justaposição dos seus percursos e discursos que podem ser analisados mais concretamente, respeitando suas especificidades. Dessa maneira, essas interpretações de Léopold Senghor e Frantz Fanon demonstram de que modo estiveram ligados ao campo das produções culturais e como, apesar de suas diferenças, tiveram papel preponderante para a historiografia. As manifestações culturais e mesmo o Movimento de Négritude aparecerão como análises relevantes, findando o capítulo e abrindo caminho para análises posteriores.

    1. Interpretações do discurso pós-colonial

    Analisar a questão do colonial e do pós-colonial não é tarefa fácil, mas faz-se necessário na medida em que o assunto continua na pauta das pesquisas em ciência política, geografia, filosofia, letras e relações internacionais. As produções de escritores como Léopold Senghor e Frantz Fanon atingiram maior representatividade depois da consolidação das independências das colônias africanas e asiáticas em relação às grandes potências mundiais, e hoje são vistas como bases importantes do pensamento das ciências humanas e sociais contemporâneas.

    Em parte, atribui-se uma maior vinculação dos textos dos autores em situação colonial a uma maior demanda pelas análises dos autores. Desde a década de 1960, suas obras ganharam traduções para o francês, o inglês e o espanhol, ocupando as bibliotecas das universidades do mundo inteiro. O fim do colonialismo institucionalmente estabelecido suscitou também a procura pelas suas práticas e pelo discurso que conseguiu cooptar grande parte dos indivíduos que eram minoria em relação ao colonizador (Mamdani, 2004, p. 43).¹

    Uma das principais justificativas do colonialismo era a necessidade de levar a civilização para os continentes tidos como atrasados. Contudo, a penetração imperialista em regiões não capitalistas do mundo ocorreu com o objetivo de estabelecer outras formas de organização social, voltadas aos interesses econômicos e políticos das nações.

    A partilha da África ilustrou bem o projeto colonial quando, a partir dos séculos XIX e início do XX, as nações europeias dividiram entre si os países do continente visando a novos mercados, bem como a tentativa de monopolizar esses mercados e afastá-los das interferências das outras nações (Chrisman; Williams, 1994, p. 2).

    O imperialismo foi interpretado como um período em que uma forma de dominação acabou se perpetuando de maneira mais concreta sob o estigma do colonialismo. Assim, as relações de controle formal ou informal não se extinguiram com o pós-colonial ou com o fim do colonialismo político, administrativamente conhecido. O colonialismo foi uma maneira de exercer a continuidade no desequilíbrio das relações econômicas e políticas entre os países, majoritariamente para a manutenção do controle e superioridade do Ocidente (Chrisman; Willians, 1994, p. 4).

    O colonialismo existiu como uma forma de relação desigual do poder político e econômico, representou algo muito mais profundo do que se poderia conceber. O Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente (1978), de Edward Said, teve grande importância, pois realizou uma análise séria (e precursora) da relação entre as esferas de poder e de saber intelectual. Como exaltam Chrisman e Williams (1994, p. 5):

    Orientalismo de Edward Said, publicado em 1978, sozinho, inaugura uma nova área de pesquisa acadêmica: o discurso colonial, também conhecido como teoria do discurso colonial ou a análise do discurso colonial. [...] Orientalismo focado no que poderia ser chamado de discurso colonial - a variedade de formas textuais em que o Ocidente produziu e codificou o conhecimento sobre áreas não-metropolitanas e culturas, especialmente sob controle colonial. (Chrisman; Williams, 1994, p. 5 – tradução livre do autor)²

    Além disso, pode-se encontrar na análise do discurso colonial a relação entre o contexto histórico e a sociedade da época, entre as formas particulares de conhecimento, ideologias, instituições e práticas sociais. Torna-se, assim, essencial o estudo dos textos produzidos no tempo do colonialismo para que esse tipo de apreciação pondere mais claramente sobre os sistemas mais amplos e contínuos de dominação e exploração econômica (Chrisman; Williams, 1994, p. 4).

    Isto implica na compreensão das circunstâncias presentes bem como nas formas em que estas são informadas, perpetuam-se e diferem-se das situações que as precederam, e da complexa inter-relação da história e do momento presente propiciando um terreno em que o discurso colonial e a teoria pós-colonial funcionam. (Chrisman; Williams, 1994, p. 4 – tradução livre do autor)³

    A primeira novidade, recente em termos históricos, esteve na necessidade de analisar-se as produções do período colonial, fossem elas escritas por colonizadores ou por colonizados. Como exemplificado anteriormente, o trabalho de Said em Orientalismo esteve centrado no que se chama de discurso colonial. Entretanto, o discurso colonial constitui-se na variedade de formas textuais produzidas pelo Ocidente e em um conhecimento codificado por áreas que não fazem parte da metrópole e das culturas, especialmente aquelas sob domínio colonial (Chrisman; Williams, 1994, p. 5).

    A segunda percepção que se tem é a de que o ponto de vista do outro está em destaque na análise da expressão do colonizado. A alteridade é concebida já que lá estiveram expostas as perspectivas dos colonizados, seus projetos e suas maneiras de se relacionarem com a realidade da época. Ou seja, a abordagem da análise do discurso colonial comporta elementos que exprimem uma nova maneira de se pensar o mundo, sob o ponto de vista do outro.

    Análise do discurso colonial e teoria pós-colonial são, portanto, processos críticos de produção de conhecimento sobre o Outro. Como tal, eles produzem formas de conhecimento, mas outros conhecimentos, um melhor conhecimento é esperado, sensível à pergunta central de Said: ‘Como podemos saber e respeitar o Outro?’. (Chrisman; Williams, 1994, p. 8 – tradução livre do autor)

    Ressalta-se que algumas tendências dessa nova teoria representaram uma postura precursora dentro da pesquisa sobre os escritores coloniais. Enfatizando o período de 1940 até o fim da década de 1950, percebe-se uma nova rede de intelectuais que elaboraram seus textos sobre o mundo colonial na tentativa de compreendê-lo. Sob esse aspecto, nossa interpretação buscou estabelecer a relação de Léopold Senghor (dialogando com a administração colonial) e Frantz Fanon (e suas intensas restrições em relação à metrópole) em comparação vis-à-vis as suas posturas enquanto produtos da empresa colonial e produtores da contestação dela.

    As estratégias dos discursos, as posturas diante das restrições da administração colonial e decepções com o colonialismo francês também estão representadas nos discursos de ambos os intelectuais. Os projetos idealizados por eles e as manobras políticas que tiveram que realizar também contribuem para uma profunda análise do discurso do outro. Ou seja, havia um desejo colonial de representar o outro (Said, 2001, p. 32-3).

    Uma das primeiras obras que ressaltam as escritas de Senghor e Fanon como representantes do discurso colonial foi o livro The Empire Writes Back (O Império Escreve de Volta). Foi uma empreitada de três autores preocupados com a relação entre a produção literária, a língua e o contexto sociocultural dessas obras (Ashcroft et al., 2004, p. 122-4). Como expressam Chrisman e Williams (1994, p. 13):

    Uniformidade, continuidade, a homogeneização das especificidades geográficas, históricas e culturais dos pós colonialismo – estes estão entre os aspectos mais problemáticos do pós colonialismo que The Empire Writes Back propõem. (tradução livre do autor)

    Uma de suas reflexões entre as mais relevantes foi designar a Négritude como movimento literário, representando a relação entre a produção escrita e a condição colonial, graças ao surgimento de uma consciência crítica e (outra) literária que surgia dentre os pensadores negros realizando seus estudos na metrópole.

    Até a década de 1920, todo o enquadramento dos estudos sociais africanos era consistente com a fundamentação de um campo epistemológico e das suas expressões sociopolíticas de conquista. Mesmo as realidades sociais, como a arte, línguas ou literatura oral, que poderiam ter constituído uma introdução à alteridade, foram reprimidas pelo apoio às teorias da similaridade. [...] Neste contexto, a negritude, um movimento estudantil que emergiu na década de 1930 em Paris, constitui um círculo literário, não obstante as suas implicações políticas. (Mudimbe, 2013, p. 112)

    O Movimento de Négritude foi considerado como uma das primeiras tentativas de se criar uma teoria da escrita moderna africana por meio da poesia. Desse movimento surgiu uma moderna conscientização negra e, entre as décadas de 1920 e 1930, uma crítica francófona surgia da necessidade de se exaltar as culturas negras que a colonização buscou rejeitar e suprimir (Ashcroft et al., 2004, p. 123).

    A apreciação do escritor nigeriano Wole Soyinka de que o tigre não preci­saria proclamar a sua tigritude, soou como a não aceitação do conceito por parte de uma intelectualidade compondo ex-colonizados anglófonos. Dessa forma, vê-se que négritude foi recebida com desconfiança no pós-1960, já que ela parecia reproduzir algumas categorias da cultura colonizadora (Ashcroft et al., 2004, p. 123).

    […] Na falha essencial do pensamento Négritudinista, está uma estrutura que se deriva da réplica, afirmando não a sua diferença, uma vez que essa seria a sua intenção, mas sim uma dependência das categorias e características da cultura colonizadora. (Ashcroft et al., 2004, p. 123 – tradução livre do autor)

    Os autores ressaltam o conjunto da obra de Frantz Fanon como um dos fatores responsáveis pelo refinamento da crítica colonial em língua francesa. Nesse sentido, percebe-se, segundo os autores, o quanto Fanon desenvolveu uma análise mais profunda (psicológica e sociologicamente) sobre as consequências da colonização. Ou seja, sua abordagem ressaltou os terrenos do social, político e psicológico pelos quais todos os colonizados precisariam passar. Disso decorre a aceitação e o reconhecimento de uma Blackness, vale dizer, uma condição de ser negro em consonância com os pensadores afro-americanos e anglófonos (Ashcroft et al., 2004, p. 123).

    As reflexões feitas por Fanon, principalmente em sua obra Pele Negra, Máscaras Brancas (1952), demonstravam algumas práticas coloniais e exaltavam o projeto de assimilação da missão francesa (que era geralmente de inferiorizar o negro). Nesse sentido, as máscaras brancas significavam a representação da cultura do branco que poderiam conferir aos colonizados um espaço privilegiado caso soubessem se submeter às regras do colonizador (Ashcroft et al., 2004, p. 123).

    A obra Empire Writes Back propõe uma comparação interessante entre as teorias da Négritude e as reflexões de Fanon. Se as primeiras reproduzem um campo cultural do saber que procura essencializar a figura do negro, as segundas afirmam-se na urgência de posicionamentos políticos (inspirados pelo marxismo) que serviriam de instrumentos ideológicos contra a alienação colonial (Ashcroft et al., 2004, p. 123).

    O pensamento de Frantz Fanon refinava a crítica elaborada pela Négritude, procurando identificar e neutralizar a construção de maniqueísmos tais como bom–mal, verdadeiro–falso, branco–negro. Acredita-se que essa seja uma das maiores contribuições de Fanon enquanto autor da crítica pós-colonial (Fanon, 1952; Ashcroft et al., 2004, p. 124).

    O debate sobre os escritores negros do período colonial e suas produções faz todo sentido na medida que se compreende o elemento mítico difundido pelo colonizador. Essa análise do discurso colonial demonstra em si mesma a ambiguidade dentro da dinâmica colonial, essa ambivalência tão discutida e debatida pelos escritores colonizados (Young, 2005, p. 197-8).

    Compreende-se uma boa definição do movimento como um nacionalismo cultural que continuava atrelado a uma contraidentificação que buscava reverter os termos e os argumentos do colonialismo (Appiah, 1998, p. 170).

    E uma vez mais o nacionalismo cultural seguiu uma alternativa genealogizante. Acabamos sempre no mesmo lugar; a conquista é ter-se inventado um passado diferente para ele. (Appiah, 1998, p. 170 apud Chrisman; Willians, 1993, p. 14 – tradução livre do autor)

    O estudo sobre a produção do saber colonial constatou que pouco se falava das estratégias utilizadas por esses escritores na tentativa de desconstruir o discurso colonizado (Parry, 2004, p. 18). A obra da crítica literária Benita Parry, Postcolonial Studies A Materialist Critique (Estudos Pós-Coloniais: uma Crítica Materialista) mostrou um caminho interpretativo possível para a teoria pós-colonial.

    Graças a Benita Parry (2004, p. 43), percebe-se as articulações do nacionalismo cultural marcadas pela reprodução de um etnocentrismo reverso, que repete o mesmo efeito do sistema de dominação colonialista. Interessante perceber como ela utiliza Fanon mais de uma vez para compreender a Négritude, pois esse escritor ressaltava os perigos dos discursos que trabalhavam com uma essencialização do negro e com a busca de um passado mítico imutável (Parry, 2004, p. 43).

    Minha rota será Fanon via Négritude, uma estrada nada segura uma vez que, apesar de suas linguagens heterogêneas e de suas interrogações do pensamento ocidental, este corpo de escrita é habitualmente desacreditado como a mais exorbitante manifestação de um essencialismo étnico mistificado, instalando noções de um discurso indiferenciado e retrógrado instalando noções de fundamental e fixa self nativo, e demagogicamente a recuperação de um passado imutável. Talvez isso explicaria a atual tendência de ignorar a viagem de Fanon em torno de Negritude e, em seguida, ou para rejeitá-lo como um desvio não mapeado sobre suas teorias. (Parry, 2004, p. 43 – tradução livre do autor)

    Fanon possivelmente muniu-se de elementos teóricos da Négritude (enquanto conceito e movimento), ou apenas tomou emprestado suas teorias para depois desconstruí-las (Parry, 2004, p. 43). As análises mais refinadas do autor da Martinica buscaram desconstruir o ideal colonial e as de Senghor também, contudo ambos perceberam as dicotomias e questões de inferioridade racial preconizadas pela colonização de modo diferenciado. O que se pode deduzir da união das análises de Fanon e Senghor? Que é possível compará-los por meio da análise de seus discursos ainda pouco explorados e dotados de ricas análises para o campo dos estudos pós-coloniais.

    2. Objetivos e análises estruturais

    Objetivou-se analisar as construções ideológicas para a África colonial francesa na visão de Léopold Senghor por meio de sua obra, Liberté II: Nation et voie africain du socialisme (1971), relacionando-a com as estruturas anticoloniais apresentadas por Frantz Fanon, tendo como base principalmente sua obra Pour la révolution africaine (1964).

    Por meio da análise comparativa, este estudo almeja entender algumas das reflexões de Senghor e Fanon acerca do colonial, mas também seus projetos políticos que ultrapassariam o espaço do Senegal e da Argélia atingindo uma perspectiva pan-africanista. A comparação das perspectivas de cultura (ou négritude), socialismo africano, ruptura e federalismo também foram levadas em conta para os pensadores aqui estudados.

    Foram analisadas as percepções passadas e futuras do continente africano, bem como de que maneira seus discursos impactaram nas medidas políticas importantes para o processo de descolonização. Considerou-se o levantamento entre os anos de 1946 e 1961, período fértil para a circulação dos saberes dos dois autores aqui trabalhados.

    Foi um objetivo secundário do presente estudo desfazer os mitos de que os dois pensadores nunca poderiam ser comparados, por uma diferença geracional ou ideológica. Portanto, por meio de uma relação interpretativo-comparativa entre os discursos de Senghor e de Fanon, buscou-se as características que fossem bastante semelhantes para os processos que garantiriam a emancipação. Aproximar as realidades do Norte da África e do Senegal foi outro objetivo destacado ao longo dessa narrativa, e com isso chegou-se a uma compreensão geral da atuação da colonização francesa, tanto na Argélia quanto na África Ocidental Francesa (AOF).

    O presente trabalho foi dividido em temáticas que foram importantes para esses autores e, desse modo, foi possível a abordagem de diversos artigos que, em comparação, representaram determinadas temáticas. Buscou-se respeitar a ordem cronológica, contudo, nem sempre de forma tão rigorosa.

    Neste primeiro capítulo se pretende estabelecer uma breve introdução dos autores estudados, demonstrando um pouco das trajetórias e percursos trilhados por eles, além de situar brevemente quem foram Senghor e Fanon. O capítulo buscou contemplar uma ilustração do contexto cultural do Pós-Segunda Guerra e das repercussões de uma ambiência cultural para os dois autores.

    O segundo capítulo trabalha a questão da négritude. Se, por um lado, ela foi essencial para Senghor, para Fanon foi apenas um ponto de partida para o debate acerca do cultural. Por outro lado, a interpretação de seus textos no plano da cultura aproximam ambos os autores do conceito de négritude, o que os torna muito semellhantes, como defensores de duas faces diferentes da mesma moeda. Referindo-se, sobretudo, ao início da década de 1950, essa seção defende que naquele momento os dois escritores se caracterizavam como escritores do Movimento da Négritude.

    O terceiro capítulo aborda a existência de um socialismo africano que foi muito debatido por Senghor, mas não explicitamente definido em Fanon. Como ideia central tem-se a construção de uma ideologia mais de esquerda na África Negra, a mudança da compreensão de socialismo em Senghor e as percepções de como a luta de classes auxiliaria a descolonização do Norte da África.

    O quarto capítulo levanta a questão da ruptura demonstrando, neste sentido, a questão da Guerra da Argélia. As análises priorizam o conflito e o papel de Fanon como divulgador da necessidade da guerra e sua justificativa para a utilização da violência. Ao fim, são analisados comparativamente dois textos, um de Senghor e outro de Fanon, no que diz respeito ao desligamento das instituições francesas.

    O quinto capítulo debate o tema do federalismo e busca ilustrar um sentido de unidade que esteve muito presente no período que antecedeu às independências. A percepção de Senghor diante da federação direcionou as análises para a conjuntura política da Federação do Mali, enquanto para Fanon eram importantes as definições de união (e pan-africanismo) que englobassem projetos revolucionários. Um projeto de integração da FLN para a África também representou parte dos anseios futuros para a emancipação, já que a vitória argelina representara o fim da colonização.

    Por meio dessas análises encontra-se um escopo de leituras, interpretações e discursos que representam um momento especial para o continente africano, pois ilustraram o despertar para as experiências democráticas e o rompimento com o domínio colonial propriamente dito. Ou seja, com a narrativa assim constituída encontra-se a legitimidade e o protagonismo de dois autores que atuaram político-intelectualmente, contribuindo para os valores humanos no continente e fora dele.

    3. Sobre o método

    A obra de Charles Tilly possui um aspecto metodológico fundamental (para este estudo), pois o autor retomou o tema da formação dos estados nacionais modernos no Ocidente e realizou a abordagem da comparação das classes sociais na Europa. Tilly teve grande aceitação entre os marxistas históricos das décadas de 70 e 80 do século XX por seu método e por demonstrar parte da estrutura da formação do proletariado europeu, além de sua relação com as instituições (Maier, 1993, p. 22).

    A principal obra de Charles Tilly, Grandes estructuras, procesos amplios, comparaciones enormes, de 1984, foi uma escolha metodológica, já que exemplificou a erudição e a sensibilidade na escolha das fontes que o historiador comparatista deve possuir. Além disso, demonstrou que ao realizar determinadas escolhas em detrimentos de outras estamos delimitando nosso campo de análise comparada (Tilly, 1984, p. 11-2). Destaca-se, neste trabalho, dois pontos fundamentais para o método de Tilly.

    Primeiramente, o autor aponta que, quando se percebe as mudanças nos processos, é possível entender as falsas noções que se espalharam no imaginário daquele fato ocorrido. Analisando os processos percebe-se mudanças sociais e as grandes estruturas que denotam elementos de similitudes entre sociedades, as quais passaram por transformações semelhantes nos campos econômico e social. Como destaca Tilly (1984, p. 25-6):

    Essas mudanças criaram um contexto em que cristalizaram nossas ideias atuais para a análise de grandes estruturas sociais, amplos processos e enormes comparações entre distintas experiências sociais.¹⁰

    O segundo aspecto complementa o primeiro, na medida em que aponta para as estruturas que são criadas pelos cientistas sociais e não são colocadas em questão por aqueles que os sucedem. Ou seja, tanto as estruturas quanto os processos analisados comparativamente possibilitam novas reflexões acerca de seus desdobramentos no tempo e no espaço dos quais fizeram parte. A comparação sistemática de estruturas e processos não só nos permitirá contemplar nossa situação em perspectiva, mas, além disso, nos ajudará a identificar as causas e os efeitos (Tilly, 1984, p. 26 – tradução livre do autor).¹¹

    O método de Tilly confere muita liberdade para o cientista social e assemelha-se ao de Marcel Detienne. Assim como o helenista belga, Tilly não temia o anacronismo, comparando sociedades não coetâneas, deixando claro que tanto as grandes estruturas como as pequenas escalas possuem um campo profícuo para a análise do historiador.

    Um projeto de investigação concreto e histórico deve implicar um trabalho na menor escala possível e pode muito bem referir-se ao nosso tempo. [...] Ele vai continuar o processo de criação e destruição de vários tipos de estruturas pelo capitalismo e pelo surgimento dos estados, e em seguida chamaria a relação de outros processos. (Tilly, 1984, p. 30 – tradução livre do autor)¹²

    Marcel Detienne e seu método comparativo fornece os alicerces para trabalhar com a perspectiva comparada em diferentes planos. Esse autor incentivou a pesquisa e o levantamento do fator social que era um conjunto complexo e infinito de elementos, pertencentes à dinâmica das relações e das práticas sociais pelas quais os homens se articulam uns com os outros (Theml; Bustamante, 2004, p. 3).

    O marco para as transformações das análises em História Comparada foi o seu livro Comparer l’incomparable (Detienne, 2000), em que propôs novas maneiras de se pensar o saber e o fazer história. O livro foi constituído com uma base interdisciplinar e a todo momento Detienne apontava para o afastamento entre historiadores e antropólogos, separação essa que atrapalhou bastante uma comparação produtiva entre sociedades globais ou locais.

    Ainda tendo como base a perspectiva de Detienne, percebe-se que ele não só legitima como estimula a procura por todo tipo de mecanismo de pensamento que possa criar uma condição para comparação, ou nas próprias definições comparáveis. Para que o método possa ter funcionalidade, criou-se o que ele caracterizou como placas de coerência em que era possível estabelecer relações de aproximação ou mesmo de distanciamento, mas de toda maneira realiza-se uma análise comparativa. Assim, quais seriam as comparáveis entre os historiadores e os antropólogos?

    Quais são as comparáveis entre historiadores e antropólogos? Não são temas, repitamos, mas os mecanismos de pensamento observáveis nas articulações entre elementos arranjados conforme a entrada: ‘figura inaugural que vem de fora, ‘não-início’, ou outras. A partir do momento uma característica significativa é identificada, atitude mental (alteração, rejeitar...), esse traço, desta atitude são parte de um todo, uma configuração". (Detienne, 2000, p. 53)¹³

    Pode-se dizer ainda que, devido ao trabalho de Detienne, foi possível pensar um valor ético ao trabalho comparativo, em que não seria

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1