Família - Novo sinal dos tempos
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Família - Novo sinal dos tempos - Padre Rafael Solano
nós.
Parte I - A caridade: mandamento e dom
1. O amor e a prática da caridade
Na Encíclica Veritatis Splendor (VS), escrita pelo Papa João Paulo II, afirma-se: O amor e o Evangelho não podem ser pensados na linha do dever; se for assim, isto supera as próprias forças humanas
(n. 28).
Aqui, vale a pena nos determos em dois termos exigentes que, mesmo depois do aparecimento da Encíclica, causam sérias dificuldades: pessoa e lei natural. Até hoje, muitos moralistas seguem a doutrina proposta por Santo Agostinho de Hipona ou inclinam-se a seguir a proposta de São Tomás de Aquino¹².
Quando se fala em amor, faz-se necessário desenvolver com urgência as dimensões do ser, pessoa que ama e é amada, e do lugar onde se desenrola este amor; quer dizer, no mundo natural, mesmo que ele tenda ao seu fim último, o sobrenatural.
Para dar início a esse assunto, temos presente um esquema, apresentado pelo teólogo espanhol Juan Jose Perez-Soba. Um dos seus artigos – no qual faz referência à VS – nos ajudará a descobrir qual a relação entre pessoa e lei natural, bem como a dinâmica do nosso trabalho em relação aos próprios conceitos já enunciados. Onde nasce o amor? Qual é o seu princípio? Esta pergunta, que já tínhamos feito na introdução do nosso texto, vai nos guiar por todo o nosso percurso.
O amor é um dom e, ao mesmo tempo, um mandamento. Não se pode seguir a quem não se conhece, não se pode obedecer àquilo que não faz parte da vida íntima e consciente da pessoa. O primeiro resgate que nos urge fazer é o da consciência moral e da relação que esta estabeleceu desde os primórdios da vida humana com a caridade. Na VS estabelece-se uma ordem bastante particular ao tratar do tema da consciência. Vejamos o esquema que possui:
1. Verdade;
2. Liberdade;
3. Lei;
4. Consciência;
5. Ato concreto.
O papel da Lei, neste caso, não é determinar o fim do ato, e sim de iluminar o caminho que levará até este fim. Por isso mesmo, deve ficar claro que o horizonte, através do qual o Magistério expressa o seu interesse ao falar em lei natural, sempre é um horizonte teológico.
Sendo assim, a verdade moral não é outra coisa senão o produto de uma relação com o próprio Deus. Aqui é onde se estabelece o lugar da consciência e seu primado. Não se pode falar em liberdade sem que ela seja acompanhada da verdade. Este é o ponto onde está o maior dos problemas da teologia moral atual. Em muitos ambientes, fala-se o suficiente sobre a liberdade moral, contudo, de forma indiscriminada e falsa. Por exemplo, quando se fala de amor
nas relações de pessoas do mesmo sexo. Para muitos, a realidade do amor não leva consigo limites e, assim, esquecem que existem princípios fundamentais que não podem ser violentados. Um homem não pode amar outro homem com amor de paixão, já que os dois possuem uma natureza masculina, através da qual se manifesta o ser homem, e não o ser mulher. Neste caso, a perda do sentido da lei natural desapareceu da própria consciência, e, sem esta, cai-se em um amor concupiscente e, portanto, desordenado. Tenhamos presente que isto pode acontecer em relação a objetos ou até com pessoas. Eu posso amar profundamente a minha amiga, mas entre nós não pode existir uma relação carnal, pois, neste caso, a relação se transformaria num mero adultério, sendo que, além de ultrapassar o limite proposto pelo mandamento da Lei Divina, romper-se-ia com a bondade que a amizade traz em si mesma.
A lei, compreendida como aquela que guia inteiramente a ação humana, contribui para uma compreensão muito mais clara de quem é o agente ou o responsável dos atos morais no momento em que realizamos nossas opções. Entre a Lei Nova da caridade e a lei natural, existe uma correspondência que vai muito alem do conteúdo¹³.
Mais uma vez, podemos afirmar que a caridade – mandamento e dom – somente poderá ser compreendida sob a luz da verdade moral. Lembremos que a verdade moral é uma verdade a ser realizada. Aqui é onde, por assim dizer, esta verdade se rende à razão humana, àquilo que nós consideramos ser a autonomia. O conflito frequente entre liberdade e autonomia se especifica no momento no qual a pessoa deve decidir se age desta ou daquela forma. Para agir através do amor, a verdade estabelece muito mais do que um critério racional; ela se fundamenta no próprio encontro entre Deus e o homem, o assim chamado êxtase
. O amor verdadeiro, muito mais do que dinâmico, muito mais do que criativo, é um amor extático
.
Quando se fala em mandamento, lei e amor, a primeira impressão que temos é que os dois primeiros não têm a ver com o amor em si, constituindo uma aparente oposição. Junto a tantos outros, poderíamos nos perguntar se aquele que ama é livre da lei. E, por isso, o próprio Cristo afirma que o maior dos mandamentos é o amor¹⁴ (cf. Jo 15,13; Mc 12,28-31). Alguns autores coincidem na dúvida se o amor elimina a obrigação ou a transforma em algo inútil.
Como o problema estabelecido desde o início é saber se entre a lei e o amor existe certa antipatia, temos agora que nos dirigir não apenas a uma oposição, mas a um sinal de complementaridade e, ao mesmo tempo, de concordância.
Tudo aquilo que realizamos corresponde à nossa pessoa, ao nosso decidir; por isso, quando em cada um de nós se estabelece o critério da ação, podemos exercitar o que de mais íntimo nós possuímos. Os nossos atos cotidianos e singulares, mesmo aqueles que podem passar como insignificantes, têm na sua raiz tudo de nós, aquilo que é chamado de unidade