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E-book822 páginas10 horas

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Sobre este e-book

Publicado em 1886, numa Itália pós-união, visando um público de jovens, Cuore  - Coração -  se tornou um sucesso absoluto desde a sua primeira edição, passando a ser lido por jovens e adultos nas mais diversas línguas.  A narrativa gira em torno do cotidiano do garoto Enrico Bottini que registra o seu dia a dia tecendo reflexões acerca das suas vivências, anexando ao seu diário as cartas do pai, da mãe e da irmã, todas elas com propósitos de boa formação. O autor italiano Edmondo de Amicis escreveu diversos livros, mas foi a obra Cuore que o tornou conhecido internacionalmente.  Trata-se de um livro escrito com muita sensibilidade e que emociona o leitor em diversas passagens. A presente edição da LeBooks Editora apresenta as duas versões: português e italiano, para os leitores da lingua portuguesa bem como conhecedores da lingua italiana e estudantes em fase de aprendizado desta belíssima lingua.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento11 de nov. de 2019
ISBN9788583864110
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    CUORE - Edmondo de Amicis

    cover.jpg

    Edmondo de Amicis

    CUORE

    – Coração –

    1a edição

    Bilíngue

    Português - Italiano

    img1.jpg

    Isbn: 9788583864110

    LeBooks.com.br

    A LeBooks Editora publica obras clássicas que estejam em domínio público. Não obstante, todos os esforços são feitos para creditar devidamente eventuais detentores de direitos morais sobre tais obras.  Eventuais omissões de crédito e copyright não são intencionais e serão devidamente solucionadas, bastando que seus titulares entrem em contato conosco.

    Prefácio

    Prezado Leitor

    Cuore – Coração – tem como pano de fundo o quotidiano de Enrico Bottini, um menino que vive com a família em Turim. Tendo iniciado há pouco tempo a vida escolar ele registra o seu dia a dia tecendo reflexões acerca das suas vivências, anexando ao seu diário as cartas do pai, da mãe e da irmã, todas elas com propósitos formativos.

    O autor italiano Edmondo De Amicis inspira-se na vida escolar dos seus dois filhos, Ugo e Fulvio, para redigir este belíssimo romance que encanta jovens e adultos há muitas gerações. Publicado em 1886, numa Itália pós-união, visando um público de jovens, Coração tem sido um sucesso absoluto desde a sua primeira edição, e passou a ser conhecido em praticamente todo o mundo

    Uma excelente e apaixonante leitura.

    LeBooks

    Sumário

    CORAÇÃO

    Prefácio do autor

    OUTUBRO

    O PRIMEIRO DIA DE AULA

    O NOSSO PROFESSOR

    UM ACIDENTE

    O MENINO DA CALÁBRIA

    OS MEUS COLEGAS

    UM CARÁTER GENEROSO

    A MINHA PROFESSORA DO PRIMEIRO ANO

    NUM SÓTÃO

    A ESCOLA

    CONTO MENSAL

    NOVEMBRO

    O LIMPA-CHAMINÉS

    O DIA DOS MORTOS

    O MEU AMIGO GARRONE

    O CARVOEIRO E O SENHOR

    A PROFESSORA DO MEU IRMÃO

    A MINHA MÃE

    O MEU COLEGA CORETTI

    O DIRETOR

    OS SOLDADOS

    O PROTETOR DE NELLI

    O PRIMEIRO DA TURMA

    CONTO MENSAL

    OS POBRES

    DEZEMBRO

    O TRAFICANTE

    VAIDADE

    O PRIMEIRO NEVÃO

    O PEDREIRINHO

    UMA BOLA DE NEVE

    AS PROFESSORAS

    EM CASA DO FERIDO

    CONTO MENSAL

    A FORÇA DE VONTADE

    GRATIDÃO

    JANEIRO

    O PROFESSOR SUBSTITUTO

    A BIBLIOTECA DE STARDI

    O FILHINHO DO FERREIRO

    UMA LINDA VISITA 

    O FERIADO DA MORTE DE VITTORIO EMANUELE

    FRANTI EXPULSO DA ESCOLA

    CONTO MENSAL

    O AMOR À PÁTRIA

    INVEJA

    A MÃE DE FRANTI

    ESPERANÇA

    FEVEREIRO

    UMA MEDALHA BEM MERECIDA

    BONS PROPÓSITOS

    O COMBOIO A VAPOR

    ARROGÂNCIA

    OS ACIDENTES DE TRABALHO

    O PRISIONEIRO

     CONTO MENSAL

    A OFICINA

    O PALHACINHO

    O ÚLTIMO DIA DE CARNAVAL

    OS CEGUINHOS

    A DOENÇA DO PROFESSOR

    A RUA

    MARÇO

    A ESCOLA NOTURNA

    A LUTA

    OS PAIS DOS MENINOS

    O NÚMERO 78

    A MORTE DE UM MENINO

    A VÉSPERA DE 14 DE MARÇO

    A ENTREGA DE PRÊMIOS

    DISCUSSÃO

    MINHA IRMÃ

    O CONTO MENSAL

    O PEDREIRINHO MORIBUNDO

    O CONDE DE CAVOUR

    ABRIL

    PRIMAVERA

    O REI UMBERTO

    O JARDIM DA INFÂNCIA

    NA AULA DE GINÁSTICA

    O PROFESSOR DO MEU PAI

    CONVALESCENÇA

    OS AMIGOS OPERÁRIOS

    A MÃE DO GARRONE

    GIUSEPPE MAZZINI

    CONTO MENSAL

    MAIO

    A CRIANÇAS RAQUÍTICAS

    SACRIFÍCIO

    O INCÊNDIO

    CONTO MENSAL

    VERÃO

    POESIA

    A SURDA MUDA

    JUNHO

    GARIBALDI

    O EXÉRCITO

    ITÁLIA

    32 GRAUS

    O MEU PAI

    NO CAMPO

    A ENTREGA DE PRÊMIOS AOS OPERÁRIOS

    A MINHA PROFESSORA MORREU

    OBRIGADO

    CONTO MENSAL

    JULHO

    A ÚLTIMA PÁGINA DA MINHA MÃE

    OS EXAMES

    O ÚLTIMO EXAME

    ADEUS

    Sobre o autor e obra

    CUORE

    OTTOBRE

    II primo giomo di scuola 17, lunedi

    II nostro maestro 18, martedi

    Una disgrazia 21, venerdi

    II ragazzo calabrese 22, sabato

    I miei compagni 25, martedi

    Un tratto generoso 26, mercoledi

    La mia maestra di prima superiore 27, giovedi

    In una soffitta 28, venerdi

    La scuola 28, venerdi

    II piccolo patriotta padovano Racconto mensile 29, sabato

    NOVEMBRE

    II giomo dei morti 2, mercoledi

    II mio amico Garrone 4, venerdi

    II carbonaio e il signore 7, lunedi

    La maestra di mio fratello 10, giovedi

    Mia madre 10, giovedi

    II mio compagno Coretti 13, domenica

    II Direttore 18, venerdi

    I soldati 22, martedi

    II protettore di Nelli 23, mercoledi

    II primo delia classe 25, venerdi

    La piccola vedetta lombarda Racconto mensile 26, sabato

    I poveri 29, martedi

    DICEMBRE

    II trafficante 1, giovedi

    Vanità 5, lunedi

    La prima nevicata 10, sabato

    II muratorino 11, domenica

    Una palia di neve 16, venerdi

    Le maestre 17, sabato

    In casa dei ferito 18, domenica

    II piccolo scrivano fiorentino Racconto mensile

    La volontà 28, mercoledi

    Gratitudine 31, sabato

    GENNAIO

    II maestro supplente 4, mercoledi

    La libreria di Stardi

    II figliuolo dei fabbro ferraio

    Una bella visita 12, giovedi

    I funerali di Vittorio Emanuele 17, martedi

    Franti, cacciato dalla scuola 21, sabato

    II tamburino sardo Racconto mensile

    La giomata fini con la vittoria dei nostri.

    L'amor di patria 24, martedi

    Invidia 25, mercoledi

    La madre di Franti 28, sabato

    Speranza 29, domenica

    FEBBRAIO

    Una medaglia ben data 4, sabato

    Buoni propositi 5, domenica

    II vaporino 10, venerdi

    Superbia 11, sabato

    I feriti dei lavoro 13,lunedi

    II prigioniero 17, venerdi

    L'infermiere di Tata Racconto mensile

    L'officina 18, sabato

    II piccolo pagliaccio 20, lunedi

    L'ultimo giomo di camevale 21, martedi

    La strada 25, sabato

    MARZO

    Le scuole serali 2, giovedi

    La lotta 5, domenica

    Un piccolo morto 13, lunedi

    La vigilia dei 14 marzo

    La distribuzione dei premi 14, marzo

    Litigio 20, lunedi

    Mia sorella 24, venerdi

    Sangue romagnolo Racconto mensile

    APRILE

    Primavera 1, sabato

    Re Umberto 3, lunedi

    L'asilo infantile 4, martedi

    Alia ginnastica 5, mercoledi

    Convalescenza 20, giovedi

    Gli amici operai 20, giovedi

    La madre di Garrone 29, sabato

    Giuseppe Mazzini 29, sabato

    Valor civile Racconto mensile

    MAGGIO

    I bambini rachitici 5, venerdi

    Sacrifício. 9, martedi

    L'incendio 11, giovedi

    Estate 24, mercoledi

    Poesia 26, venerdi

    La sordomuta 28, domenica

    GIUGNO

    Garibaldi

    L'esercito

    14, martedi

    32 gradi Venerdi, 16

    Mio padre Sabato, 17

    In campagna 19, lunedi

    La distribuzione dei premi agli operai 25, domenica

    La mia maestra morta Martedi, 27

    28, mercoledi

    Ultimo racconto mensile

    LUGLIO

    L'ultima pagina di mia madre 1, sabato

    Gli esami 4, martedi

    L' ultimo exame

    Addio 10, lunedi

    CUORE

    Prefácio do autor

    Este livro é especialmente dirigido aos alunos das escolas do ciclo com idades compreendidas entre os 9 e os 13 anos, e poderia intitular-se: História de um ano letivo, escrita por um aluno do terceiro ano de uma escola municipal italiana. Quando digo escrita por um aluno do terceiro ano, não quer dizer que tenha sido propriamente ele a escrevê-la, tal como foi publicada.

    Ele ia anotando num caderno, como sabia, o que tinha visto, sentido, pensado, dentro da escola e fora dela; e o seu pai, no final do ano, redigiu estas páginas sobre aquelas notas, tentando não alterar o pensamento, e tentando manter, o mais possível, as palavras do filho. Este, quatro anos mais tarde, quando já estava no sétimo ano, releu o manuscrito e deu-lhe um cunho pessoal, servindo-se da memória ainda fresca de pessoas e de coisas.

    Agora leiam este livro, meninos: espero que este vos alegre e vos faça bem.

    Edmondo De Amicis

    CORAÇÃO

    OUTUBRO

    O PRIMEIRO DIA DE AULA

    Dia 17, segunda-feira

    Hoje foi o primeiro dia de aula. Aqueles três meses de férias no campo passaram como num sonho! A minha mãe levou-me esta manhã à Escola Baretti para me matricular no terceiro ano. Eu estava a pensar no campo, e ia de má vontade. Todas as ruas fervilhavam de crianças, as duas livrarias estavam apinhadas de pais e de mães que compravam mochilas, pastas e cadernos, e em frente da escola aglomerava-se tanta gente que o contínuo e o guarda civil tinham alguma dificuldade em manter a entrada livre. Perto da porta, senti que me tocavam no ombro. Era o meu professor do segundo ano, alegre como sempre, com seus cabelos ruivos desgrenhados, que me disse:

    — Então Enrico, despedimo-nos para sempre?

    Eu já sabia disso; e mesmo assim aquelas palavras encheram-me de pena. Foi um custo para conseguirmos entrar. Senhores, senhoras, mulheres do povo, operários, oficiais, avós, criadas, todos com uma criança numa das mãos e os certificados de passagem de ano na outra, apinhavam a sala de entrada e as escadas, fazendo um burburinho que dava a impressão de se estar a entrar num teatro. Revi com prazer aquele enorme átrio do pavimento do chão, com as portas das sete salas de aula, por onde passei durante três anos quase todos os dias. Havia uma enchente de gente, as professoras iam e vinham A minha professora do primeiro ano cumprimentou-me da porta da sala de aula e disse-me:

    — Enrico, tu vais para o andar de cima este ano: nem sequer vou voltar a ver-te passar!  E olhou-me com tristeza.

    O Diretor estava rodeado de mulheres muito agitadas porque já não havia lugar para os seus filhos, e pareceu-me que ele tinha a barba um bocadinho mais branca do que no ano passado. Encontrei alguns meninos mais crescidos, e mais gordos. No pavimento, onde já tinham sido agrupados, estavam meninos do primeiro ano que não queriam entrar na sala e estacavam como burros. Era preciso empurrá-los para dentro à força. E alguns fugiam das carteiras¹, outros quando viam que os familiares se estavam a ir embora, desatavam a chorar, e estes tinham de voltar para trás para consolá-los ou apanhá-los, e as professoras estavam de cabelos em pé. O meu irmãozinho foi colocado na turma da professora Delcatti; eu na do professor Perboni, no primeiro andar, em cima. Às dez estávamos todos na sala cinquenta e quatro. Apenas quinze ou dezesseis colegas do segundo ano, entre os quais Derossi, o que recebe sempre o primeiro prêmio.

    A minha escola pareceu-me tão triste e tão pequenina, ao pensar nos bosques e nas montanhas onde passei o verão! Também relembrava o meu professor, tão bom, que ria sempre conosco, e tão jovem, que até parecia nosso colega, e lamentava-me por não voltar a vê-lo lá, com os seus cabelos ruivos, desgrenhados. O nosso professor é alto, sem barba, tem cabelos grisalhos e compridos, e tem uma ruga vertical na testa, tem voz grossa, e olha-nos a todos fixamente, um a um, como se quisesse ler-nos por dentro. Nunca se ri. Eu dizia para os meus botões:

    — Este é o primeiro dia. Ainda faltam nove meses. Muitos trabalhos, muitos exames mensais, muito cansaço!

    Estava mesmo a precisar de encontrar a minha mãe à saída, e corri para lhe beijar a mão. Ela disse-me:

    — Coragem, Enrico! Vamos estudar juntos.

    E voltei para casa contente. Mas já não tenho o meu professor, com aquele sorriso bondoso e alegre, e a escola já não me parece bonita como antes.

    O NOSSO PROFESSOR

    Dia 18, terça-feira

    Também já gosto do meu novo professor, desde esta manhã. Durante a entrada, quando ele já estava sentado no seu lugar, de vez em quando aparecia à porta algum dos seus alunos do ano passado, para o cumprimentar; apareciam, de passagem, e cumprimentavam-no.

    — Bom dia, senhor professor. Bom dia, senhor Perboni.

    Alguns entravam, davam-lhe a mão e fugiam. Via-se que gostavam dele e que teriam gostado de voltar a ter aulas com ele. Ele respondia:

    — Bom dia.

    Apertava as mãos que lhe estendiam, mas não olhava para nenhum deles. Permanecia sério de cada vez que o cumprimentavam, com a sua ruga vertical na testa, virado para a janela, olhando o telhado da casa em frente.

    E em vez de se alegrar com aquelas saudações, parecia que sofria com elas. Depois olhava para nós, um a seguir ao outro, com atenção. Durante o ditado, começou a passear no meio das carteiras, e ao ver um menino que tinha a cara toda vermelha, cheia de bolhas, interrompeu o ditado, segurou a cara dele entre as mãos e olhou-o. A seguir perguntou o que é que ele tinha, e passou-lhe uma mão na testa para ver se tinha febre. Entretanto, um menino atrás dele levantou-se sobre a carteira, e pôs-se a fazer palhaçadas. O professor virou-se de repente. O menino sentou-se logo, e ficou ali, de cabeça baixa, à espera do castigo. O professor pôs-lhe uma mão sobre a cabeça e disse-lhe:

    — Não voltes a fazer isso.

    Não disse mais nada. Voltou à sua mesa e acabou o ditado. Quando acabou o ditado, olhou-nos por um momento em silêncio; depois disse muito lentamente, com a sua voz grossa, mas bondosa:

    — Escutem! Vamos passar um ano juntos. Vamos tentar passá-lo da melhor forma. Estudem e portem-se bem! Eu não tenho família. Vocês são a minha família. No ano passado ainda tinha a minha mãe: mas perdi-a. Fiquei só. Só vos tenho a vocês no mundo, não tenho nenhum outro afeto, nem mais ninguém no pensamento. Vocês vão passar a ser os meus filhos. Gosto de vocês, e vocês vão aprender a gostar de mim. Não quero ser obrigado a castigar ninguém. Demonstrem-me que têm bom coração. A nossa escola vai ser uma família, e vocês serão a minha consolação e o meu orgulho. Não vos peço que façam uma promessa em voz alta. Tenho a certeza que, no fundo do coração, vocês já me disseram que sim. E agradeço-vos.

    Nessa altura o contínuo entrou para dar indicação que a aula terminara. Saímos dos nossos lugares muito calados. O menino que se tinha levantado sobre a carteira aproximou-se do professor e disse-lhe com voz trêmula:

    — Senhor professor, desculpe!

    O professor beijou-o na testa e disse-lhe:

    — Vai, meu filho!

    UM ACIDENTE

    Dia 21, sexta-feira

    O ano começou com um acidente. A caminho da escola, esta manhã, repetia ao meu pai as palavras do professor, quando vimos a estrada cheia de gente que se concentrava em frente da porta da Repartição. O meu pai disse logo:

    — Houve um acidente! O ano começa mal!

    Foi difícil entrarmos. O grande átrio estava cheio de pais e de alunos, que os professores não conseguiam enfiar para dentro das salas, e todos estavam voltados para o gabinete do Diretor, e ouvia-se dizer: Pobre menino! Pobre Robetti!

    Por cima das cabeças, no fundo da sala cheia de gente, via-se o capacete de um guarda civil e a cabeça calva do Diretor. A seguir entrou um senhor comum chapéu alto, e todos disseram:

    — É o médico.

    O meu pai perguntou a um professor:

    — Que aconteceu?

    — Uma roda passou-lhe por cima do pé — respondeu este.

    — Partiu-lhe o pé — disse outro.

    Era um aluno do segundo ano, que vinha para a escola pela Rua Dora Grossa, e ao ver um menino do primeiro ano que fugira da mãe, cair no meio da rua, a poucos passos de um ónibus² que vinha em sua direção, tinha acorrido prontamente, agarrara-o por um braço e pusera-o a salvo. Mas como não foi tão rápido a retirar o pé, a roda do ônibus tinha-lhe passado por cima. É filho de um capitão de artilharia. Enquanto nos contavam isto, uma senhora entrou no salão como uma louca, abrindo caminho por entre a multidão. Era a mãe de Robetti, que tinham mandado chamar. Uma outra senhora veio ao seu encontro, pôs-lhe as mãos em volta do pescoço soluçando. Era a mãe do menino que se tinha salvado. Ambas se lançaram para o quarto, e ouviu-se um grito desesperado:

    — Oh Giulio! Meu filho!

    Naquele momento uma carruagem parou em frente da porta, e pouco depois apareceu o Diretor com o menino nos braços, este tinha a cabeça deitada no seu ombro, cara branca e olhos fechados. Todos se calaram. Ouviam-se os soluços da mãe. O Diretor deteve-se um momento, pálido, e levantou ligeiramente o menino com ambos os braços para mostrá-lo a toda a gente. Este abriu os olhos, e disse:

    — A minha pasta!

    A mãe do menino que se tinha salvado mostrou-lhe chorando e disse-lhe:

    — Eu levo-te, meu querido anjo, levo-te eu. — Ao mesmo tempo que segurava a mão do menino ferido, que cobria o rosto com as mãos.

    Saíram, acomodaram o menino na carruagem, a carruagem partiu. E então voltamos a entrar todos na escola, em silêncio.

    O MENINO DA CALÁBRIA

    Dia 22, sábado

    Ontem, enquanto o professor nos dava as notícias do pobre Robetti, que vai ter de andar durante algum tempo com muletas, o Diretor entrou com um novo aluno, um menino de cara muito morena, de cabelos pretos, com uns olhos grandes e negros, de sobrancelhas grossas e unidas na testa; vestido de escuro da cabeça aos pés, com um cinto de couro preto em volta da cintura. O Diretor saiu, depois de ter falado ao ouvido do professor, deixando a seu lado o menino, que nos olhava com aqueles grandes olhos negros, como se estivesse assustado. Então o professor segurou-lhe uma das suas mãos, e disse à turma:

    — Vocês vão ficar contentes. Hoje entra nesta escola um menino italiano nascido em Reggio-Calabria, a mais de quinhentas milhas de cá. Tratem bem o vosso irmão vindo de longe. Ele nasceu numa terra gloriosa, que deu a Itália homens ilustres, e que lhe dá fortes trabalhadores e soldados corajosos; nasceu numa das mais bonitas regiões da nossa pátria, onde existem grandes florestas e grandes montanhas, habitadas por um povo cheio de engenho e de coragem. Tratem-no bem, de modo que ele nem se aperceba que está longe da cidade onde nasceu; mostrem-lhe que um menino italiano, qualquer que seja a escola italiana onde ponha os pés, encontra irmãos.

    Depois de dizer isto levantou-se e indicou no mapa de Itália o ponto onde fica Reggio-Calabria. Depois chamou em voz alta Ernesto Derossi - o que recebe sempre o primeiro prêmio. Derossi levantou-se.

    — Vem aqui - disse o professor.

    Derossi saiu do seu lugar e foi pôr-se ao lado da mesa, em frente do calabrês.

    — Como melhor aluno desta escola - disse-lhe o professor - dá um abraço de boas-vindas em nome de todos, ao novo colega. O abraço do filho de Piemonte ao filho da Calábria.

    Derossi abraçou o calabrês dizendo com a sua voz clara:

    — Bem-vindo!

    E este deu-lhe um beijo em cada bochecha, de supetão. Todos bateram palmas.

    — Silêncio! - Gritou o professor - Não se batem palmas na escola!

    Mas via-se que estava contente. O professor indicou-lhe o seu lugar e acompanhou-o até lá. Depois voltou a dizer:

    — Lembrem-se bem do que vos estou a dizer. Para poder acontecer uma coisa assim, um menino da Calábria estar em Turim como se estivesse em casa, e um menino de Turim estar em Reggio-Calabria como em sua casa, o nosso país teve de lutar durante cinquenta anos, e trinta mil italianos perderam a vida. Vocês têm de se respeitar uns aos outros, e estimarem-se uns aos outros. E aquele que ofender este colega, só porque não nasceu na nossa região, não será digno de voltar a levantar os olhos do chão quando passar pela nossa bandeira.

    Assim que o calabrês acabou de se sentar no seu lugar, os seus vizinhos ofereceram-lhe canetas e una gravura, e um menino, da última carteira, mandou-lhe um selo da Suécia.

    OS MEUS COLEGAS

    Dia 25, terça-feira

    O menino que mandou o selo ao calabrês é o meu preferido, chama-se Garrone, é o mais velho da turma, tem quase catorze anos, cabeça grande, e ombros largos. É bondoso, vê-se quando sorri. Mas parece que está sempre a pensar, como um adulto. Agora já conheço muitos dos meus colegas. Há um outro de quem gosto, que se chama Coretti e usa uma camisola cor de chocolate e um barrete de pelo de gato. Está sempre alegre, é filho de um negociante de lenha que foi soldado na guerra de 1866, na formação do quadrado do príncipe Humberto, e dizem que ganhou três medalhas. Há também um pequenino, o Nelli, um pobre corcunda, franzino e de cara pálida. Há um muito bem-vestido, que anda sempre a alisar a roupa e se chama Votini. Na carteira à minha frente há um menino que chamam de Pedreirinho, porque o seu pai é pedreiro. Tem uma cara redonda como uma maçã e um nariz em forma de bola. Ele tem um talento especial, sabe fazer focinho de coelho, e todos lhe pedem que faça focinho de coelho, e riem-se. Usa um chapeuzinho de pano, que guarda amarrotado no bolso como um lenço de mão. Ao lado do pedreiro fica o Garoffi, um garoto comprido e magro, com nariz em bico de coruja e olhos muito pequeninos, que anda sempre com aparos de caneta, gravuras e caixas de fósforos, e escreve a matéria na ponta dos dedos para poder ler às escondidas. A seguir há um menino do papai, o Cario Nobis, que parece muito arrogante, e fica entre dois meninos com quem simpatizo: o filho de um ferreiro, ensacado num casaco que lhe chega aos joelhos, tão branquinho que até parece doente, e anda sempre cornar assustado e nunca se ri; e um menino de cabelos ruivos, que tem um braço paralisado, e o traz pendurado ao pescoço: o seu pai foi para a América e a sua mãe anda a vender produtos de ervanária. O meu colega da esquerda também é um tipo esquisito, o Stardi, pequeno e atarracado, sem pescoço, um narigudo que não fala com ninguém, e que parece que não percebe nada, mas que presta atenção ao professor sem pestanejar, de testa franzida e dentes cerrados. E se alguém lhe pergunta alguma coisa enquanto o professor está a falar, à primeira e à segunda não responde, mas à terceira dá um pontapé. E a seu lado fica um tipo com cara de safado, um tipo que se chama Franti, que já foi expulso de outra escola. Há também dois irmãos, vestidos de igual, tão parecidos que parecem a cópia um do outro. Ambos usam um chapéu calabrês, com pena de faisão. Mas o mais bonito de todos, o que tem mais capacidades, que vai ser com certeza o melhor aluno outra vez este ano, é o Derossi. E o professor, que já percebeu isso, está sempre a fazer-lhe perguntas. Mas de quem eu gosto é do Precossi, o filho do ferreiro, o que usa casaco comprido, e que parece doente. Dizem que o pai lhe bate. É muito tímido, e de cada vez que pergunta alguma coisa a alguém ou que toca em alguém, diz desculpa e fica a olhar com olhos bondosos e tristes. Mas o Garrone é o mais velho e o mais bondoso.

    UM CARÁTER GENEROSO

    Dia 26, quarta-feira

    E o Garrone deu-se a conhecer precisamente esta manhã. Quando entrei na escola — um bocadinho atrasado, porque a professora do primeiro ano me fez parar para me perguntar a que horas podia passar em casa para nos fazer uma visita — o professor ainda não estava, e três ou quatro meninos estavam a atormentar o coitado do Crossi, o menino dos cabelos ruivos que tem um braço paralisado e cuja mãe vende produtos de ervanária.

    Espicaçavam-no com as réguas, atiravam-lhe cascas de castanha para a cara, e chamavam-lhe maneta e monstro, imitando-o com o braço ao pescoço. E ele sozinho ao fundo na carteira, sem expressão, ouvia o que diziam, olhando ora para uns, ora para outros com olhos suplicantes, a pedir que o deixassem em paz. Mas os outros gozavam-no cada vez mais, e ele começou a tremer e a ficar vermelho de raiva.

    A dada altura o Franti, aquele das ventas feiosas, subiu para uma carteira e começou a fazer de conta que levava dois cestos nos braços, a troçar da mãe do Crossi, quando vinha esperar o filho à porta; porque agora está doente. Muitos puseram-se a rir às gargalhadas. Então o Crossi perdeu as estribeiras, e agarrando num tinteiro atirou-lhe à cabeça com toda a força; mas o Franti armou-se em esperto e o tinteiro acabou por ir atingir no peito o professor que estava a entrar.

    Todos fugiram para os seus lugares, e ficaram calados, cheios de medo.

    O professor, pálido, foi para a sua mesa, e com voz alterada perguntou:

    — Quem foi?

    Ninguém respondeu.

    O professor gritou mais uma vez, levantando mais a voz:

    — Quem é?

    Então o Garrone, cheio de pena do pobre Crossi, levantou-se de repente, e disse resolutamente:

    — Fui eu!

    O professor olhou-o, olhou para os alunos estupefatos; depois disse calmamente:

    — Não és tu! — E após um instante — O culpado não vai ser castigado. Levante-se!

    O Crossi levantou-se, e disse a chorar:

    — Estavam a bater em mim e a gozar, e eu perdi a cabeça, atirei...

    — Senta-te! — disse o professor. — Os que o provocaram que se levantem!

    Levantaram-se quatro, de cabeça baixa.

    Vocês — disse o professor — insultaram um colega que não vos estava a provocar, troçaram de um infeliz, bateram num fraco que não se pode defender. Cometeram um dos atos mais baixos, mais vergonhosos com que se possa macular um ser humano. Patifes!

    Dito isto, foi até o meio da sala, levou a mão ao queixo de Garrone, que estava com os olhos postos no chão, olhou-o nos olhos e disse-lhe:

    — Tu és uma alma nobre!

    Garrone, aproveitando a oportunidade, recompôs-se, murmurou não sei que palavras ao ouvido do professor; e este, virando-se para os quatro culpados, disse bruscamente:

    — Estão perdoados.

    A MINHA PROFESSORA DO PRIMEIRO ANO

    Dia 27, quinta-feira

    A professora cumpriu a sua promessa, hoje veio à nossa casa, na altura em que estava a sair com a minha mãe, para levar roupas a uma pobre mulher que tinha sido mencionada pela Gazzetta. Havia já um ano que não vinha a nossa casa. Fizemos-lhe todos uma festa. É sempre a mesma, pequenina, de renda verde em volta do chapéu, vestida de qualquer maneira e mal penteada, porque não tem tempo de se arrumar; mas com pior cor do que no ano passado, com alguns cabelos brancos, e sempre a tossir. A minha mãe disse-lhe:

    — E a sua saúde, querida professora? A senhora não se cuida como deve ser!

    — Bem, não importa! — respondeu ela, com o seu sorriso alegre e ao mesmo tempo melancólico.

    — A senhora fala muito alto — acrescentou a minha mãe — cansa-se demasiado com os seus alunos.

    É verdade; ouve-se sempre a sua voz; lembro-me de quando tinha aulas com ela; está sempre a falar, fala para que os alunos não se distraiam, e nunca fica um minuto sentada. Tinha a certeza absoluta de que ela viria porque nunca se esquece dos seus alunos, recorda-se dos nomes deles durante anos; nos dias de exame mensal, vai a correr perguntar ao Diretor que notas tiveram; espera-os à entrada, e pede que lhe mostrem as composições para ver se fizeram progressos; e muitos ainda vêm ter com ela da escola secundária, quando já usam calças compridas e relógio. Hoje mesmo tinha voltado muito agitada da Pinacoteca, onde tinha levado os seus alunos, porque todas as quintas-feiras os levava todos a algum museu, e lhes explicava tudo. Pobre professora, está ainda mais magra. Mas continua cheia de energia, e entusiasma-se quando fala da escola. Quis voltar a ver a minha cama onde me viu doente há dois anos atrás, e que agora é do meu irmão; olhou-a durante algum tempo sem conseguir falar. Teve de se ir embora cedo para ir visitar um aluno da sua turma, filho de um seleiro, que tem rubéola, e além disso tinha um monte de páginas para corrigir, a noite inteira para trabalhar, e ainda tinha de dar uma aula privada de aritmética a uma merceeira, antes de anoitecer.

    — Muito bem, Enrico — disse-me ela ao ir embora — agora que sabes resolver problemas e fazer composições compridas, ainda gostas da tua professora?

    Deu-me um beijo e ainda me disse do fundo das escadas:

    — Enrico, não te esqueças de mim, ouviste?

    Oh minha querida professora, nunca, mas nunca mesmo te irei esquecer. Mesmo quando for grande, ainda me vou lembrar de ti e irei visitar-te no meio dos teus alunos; e de todas as vezes que passar perto de uma escola e ouvir a voz de uma professora, vai ser como se estivesse a escutar a tua voz, e vou recordar os dois anos que passei na tua escola, onde aprendi tantas coisas, onde te vi tantas vezes doente e cansada, mas sempre disponível e tolerante, e desesperada quando algum de nós apanhava um mau jeito nos dedos a escrever, a tremer quando os inspetores nos examinavam, feliz quando fazíamos boa figura, e sempre bondosa e carinhosa como uma mãe. Nunca, nunca me esquecerei de ti, minha querida professora.

    NUM SÓTÃO

    Dia 28, sexta-feira

    Ontem à noite fui com a minha mãe e a minha irmã levar as roupas à mulher pobre de que o jornal falou; eu levei o embrulho, Silvia tinha o jornal, com as iniciais do nome e a morada. Subimos até o cimo de uma casa alta, através de um corredor comprido onde havia muitas portas. A minha mãe bateu à última porta: apareceu-nos uma mulher ainda nova, loura e macilenta, e pareceu-me logo que já a tinha visto de outras vezes, com o mesmo lenço turquesa que tinha na cabeça.

    — A senhora é a do jornal, assim e assim? — Perguntou a minha mãe.

    — Sim senhora, sou eu.

    — Bem, nós trouxemos-lhe algumas roupas.

    E ela começou a agradecer-nos e a bendizer que nunca mais acabava. Mas, entretanto, vi num canto do quarto vazio e escuro, um menino ajoelhado em frente de uma cadeira, de costas voltadas para nós, que parecia estar a escrever: e estava mesmo a escrever, com o papel sobre a cadeira, e tinha o tinteiro sobre o chão. Como é que ele conseguia escrever assim às escuras? Enquanto me perguntava isto, eis que subitamente reconheço os cabelos ruivos e o casaco de fustão do Crossi, o filho da vendedora de ervas, o do braço paralisado. Disse isto baixinho à minha mãe, enquanto a mulher arrumava as coisas.

    — Cala-te! — Foi a resposta da minha mãe. — Pode ficar envergonhado de te ver a fazer esmola à sua mãe, não o chames.

    Mas naquele momento Crossi virou-se, fiquei embaraçado, ele sorriu, e então a minha mãe deu-me um empurrão para que eu fosse correr a abraçá-lo. Abracei-o, ele pôs-se de pé e deu-me a mão.

    — Cá estou eu — dizia naquele momento a sua mãe à minha — só com este menino, com o marido na América há seis anos, e eu, ainda por cima doente, que já nem posso andar a vender ervas para ganhar alguns trocos. Nem sequer nos sobrou uma mesinha para o meu pobre Luigino poder fazer os seus trabalhos de casa. Quando tinha o banco lá embaixo no portão, podia pelo menos escrever sobre o banco: agora já me levaram. Nem sequer há um pouco de luz para ele estudar sem estragar os olhos. É um milagre ainda poder mandá-lo à escola, porque a câmara dá-lhe os livros e os cadernos. Pobre Luigino, que estuda com tanta vontade! Pobre de mim!

    A minha mãe deu-lhe tudo o que tinha na bolsa, beijou o menino e estava à beira das lágrimas quando saímos. E tinha muita razão quando me disse:

    — Olha aquele pobre menino, é obrigado a trabalhar daquela maneira, e tu que tens todos os confortos, e ainda te parece difícil estudar! Ah! Meu querido Enrico, o seu trabalho de um dia tem mais valor do que o teu trabalho de um ano. É a meninos assim que se deviam dar prêmios!

    A ESCOLA

    Dia 28, sexta-feira

    Sim, querido Enrico, para ti estudar é difícil, como diz a tua mãe: ainda não te vi a ir para a escola de espírito decidido e cara sorridente, como gostaria. Tu ainda vais de má vontade. Mas ouve-me: pensa um bocadinho que coisa miserável e desprezível seria o teu dia se tu não fosses à escola! Ao fim de uma semana, ias pôr as mãos para o céu, ias pedir-nos para voltar, roído de aborrecimento e de vergonha, insatisfeito com tuas brincadeiras e com a tua existência. Toda a gente, toda a gente estuda hoje em dia, meu querido Enrico. Pensa nos operários que vão à escola à noite depois de terem batalhado arduamente durante todo o dia, pensa nas mulheres, nas raparigas do povo que vão à escola no domingo, depois de terem trabalhado toda a semana; pensa nos soldados exaustos que pegam em livros e cadernos quando acabam os exercícios de treino; pensa nos meninos mudos e nos meninos cegos que também estudam; e até mesmo nos presos, porque esses também aprendem a ler e a escrever. Pensa que de manhã, quando sais, nesse mesmo momento, na tua própria cidade, há outros trinta mil meninos que vão como tu fechar-se durante três horas numa sala a estudar. E mais! Pensa nos inúmeros meninos que mais ou menos àquela hora vão à escola em todos os países; imagina-os a caminhar, a ir pelas vielas de aldeias pacíficas, pelas ruas de cidades ruidosas, ao longo das margens de mares e de lagos, quer sob um sol escaldante, quer por entre o nevoeiro, de barco em lugares que são atravessados por canais, a cavalo por grandes planícies, de trenó sobre a neve, por vales e montanhas, através de bosques e torrentes, a subir veredas solitárias de montanhas, sós, aos pares, em grupos, em longas filas, todos com livros por debaixo do braço, vestidos de mil maneiras, a falar mil línguas, das mais remotas escolas da Rússia, quase perdidas entre o gelo, até às mais remotas escolas da Arábia, à sombra de palmeiras: milhões e milhões, todos a aprenderem de mil e uma maneiras diferentes as mesmas coisas; imagina este vastíssimo formigueiro de meninos de cem povos, este movimento imenso do qual fazes parte, e pensa: Se este movimento cessasse, a humanidade voltaria a cair na barbárie; este movimento é o progresso, a esperança, a glória do mundo. Assim, enche-te de coragem, pequeno soldado desse imenso exército. Os teus livros são as tuas armas, a tua turma é a tua equipa, o campo de batalha é a terra inteira, e a vitória é a civilização humana. Não sejas um soldado covarde, meu querido Enrico.

    O teu pai

    CONTO MENSAL

    O pequeno patriota de Pádua

    Não vou ser um soldado covarde, não; mas iria de melhor vontade para a escola se o professor nos contasse todos os dias uma história como a desta manhã. Todos os meses, disse ele, vai contar-nos uma história, e vai dá-la por escrito, e será sempre uma história de uma ação bonita e verdadeira, executada por um menino. O pequeno patriota de Pádua é o título desta. Como se segue.

    Um paquete francês zarpou de Barcelona, uma cidade espanhola, para Gênova, e a bordo havia franceses, italianos, espanhóis, suíços. Entre estes encontrava-se um menino de onze anos, malvestido, só, que se mantinha sempre afastado de todos, como um animal selvagem, olhando para toda a gente com ar desconfiado. E tinha toda a razão em olhar toda a gente com ar desconfiado. Dois anos antes, o seu pai e a sua mãe, camponeses dos arredores de Pádua, tinham-no vendido ao chefe de uma companhia de saltimbancos que, depois de lhe terem ensinado a executar números à custa de murros, de pontapés e de fome, o tinham levado através de França e Espanha, batendo-lhe constantemente sem nunca lhe darem de comer.

    Chegado a Barcelona, não conseguindo suportar mais as agressões e a fome, reduzido a um estado lastimável, fugiu dos seus algozes, e foi pedir proteção ao cônsul de Itália que, cheio de pena, o tinha embarcado naquele paquete, dando-lhe uma carta para o comandante da polícia de Gênova, que devia mandá-lo aos seus pais; os pais que o tinham vendido como um animal. O pobre menino estava destroçado e adoentado. Tinham-lhe dado uma cabina em segunda classe. Todos olhavam para ele; se alguém lhe fazia perguntas, não respondia e parecia que odiava e desprezava toda a gente, de tal modo o haviam amargurado e entristecido as privações e as tareias. Até que três passageiros, à força de insistir, conseguiram desatar-lhe a língua e em poucas palavras rudes, misturadas de dialeto veneto, de espanhol e de francês, ele contou a sua história. Esses passageiros não eram italianos, mas perceberam; e um pouco por compaixão, um pouco devido à excitação causada pelo vinho, deram-lhe dinheiro, gracejando e espicaçando-o para que contasse outras coisas; e algumas senhoras que acabavam de entrar na sala naquele momento, em conjunto, para se fazerem notar, deram-lhe ainda mais dinheiro, gritando:

    — Agarra esta! Apanha esta aqui! — fazendo tilintar as moedas sobre a mesa.

    O menino meteu nos bolsos todas as moedas, murmurando agradecimentos, na sua maneira rude, mas pela primeira vez com um olhar sorridente e amistoso. Depois trepou para o seu beliche, puxou a cortina, e ficou quieto pensando na sua vida. Com aquelas moedas podia provar alguma coisa saborosa a bordo, havia dois anos que sobrevivia a pão; podia comprar um casaco, assim que desembarcasse em Gênova, havia dois anos que andava vestido de farrapos; e, levando as moedas para casa, também podia ser recebido pelo seu pai e pela sua mãe mais humanamente do que se chegasse com os bolsos vazios.

    Aquelas moedas eram uma pequena fortuna para ele. E era nisto que pensava, consolado por detrás da cortina da sua cabina, enquanto os três passageiros conversavam, sentados à mesa de almoço, no meio da sala da segunda classe. Bebiam e discorriam acerca das suas viagens e dos países que tinham visto e, de discurso em discurso começaram a falar de Itália. Um começou a lamentar-se das estradas, outro dos hotéis, um outro das linhas férreas, e a seguir todos juntos, entusiasmados, começaram a dizer mal de tudo. Um teria preferido viajar até à Lapónia; outro dizia que só tinha encontrado em Itália trapaceiros e bandidos; o terceiro afirmava que os empregados italianos não sabem ler.

    — Um povo ignorante — repetiu o primeiro.

    — Sujo — acrescentou o segundo.

    — De lá... — exclamou o terceiro.

    E queria dizer ladrões, mas não pôde acabar a palavra: uma tempestade de ruídos e de meias-liras derramou-se sobre as suas cabeças e sobre os seus ombros, e um rebuliço infernal desencadeou-se sobre a mesa e sobre o pavimento. Os três levantaram-se furiosos, olhando para cima, e receberam mais uma mão cheia de dinheiro sobre a cara.

    — Fiquem com o vosso dinheiro! — disse o rapaz cheio de menosprezo, com a cabeça fora da cortina do beliche. — Eu não aceito esmola de quem insulta o meu país.

    NOVEMBRO

    O LIMPA-CHAMINÉS

    Dia 1, terça-feira

    Ontem fui à escola de raparigas, ao lado da nossa, para entregar o conto do menino de Pádua à professora Silvia que queria lê-lo. Há lá setecentas meninas! Quando cheguei estavam a começar a sair, todas contentes, para o feriado do dia de Todos os Santos e dos mortos; e eis que vejo uma coisa bonita. Em frente da porta da escola, do outro lado da rua, estava um limpa-chaminés, muito jovem, com a cara toda preta, com o seu saco e o seu raspador, com o braço apoiado à parede e com a testa apoiada no braço, a chorar copiosamente, aos soluços. Duas ou três meninas do segundo ano aproximaram-se e perguntaram:

    — O que é que tens para estares a chorar assim?

    Mas ele não respondia e continuava a chorar.

    — Vá lá, diz o que tens, por que estás a chorar? - Repetiram as meninas.

    E então ele levantou a cara do braço — uma cara de menino — e disse a chorar que tinha estado em várias casas a limpar chaminés, onde tinha ganhado trinta moedas, e que os tinha perdido, que tinham saído por um buraco do bolso que estava descosido — e mostrou-nos o buraco — e já não se atrevia a voltar a casa sem o dinheiro.

    — O patrão vai me bater — disse a soluçar, e voltou a deixar cair a cabeça sobre o braço, num gesto de desespero. As meninas ficaram a olhar para ele, muito sérias, mais velhas e mais novas, pobres e ricas, com as suas pastas por baixo do braço, e uma mais velha, que tinha uma pena azul no chapéu, retirou do bolso duas moedas, e disse:

    — Eu só tenho duas moedas, vamos fazer uma recolha.

    — Eu também só tenho duas moedas — disse outra vestida de vermelho. — Vamos conseguir arranjar trinta entre todas nós.

    E então começaram a chamar umas pelas outras:

    — Amália! Luigia! Annina! Uma moeda! Quem tem moedas? Aqui tens!

    Muitas tinham dinheiro para comprar flores ou cadernos, e trouxeram-nos: algumas mais pequenas deram centavos; a da pena azul juntava tudo, e contava em voz alta:

    — Oito, dez, quinze!

    Mas ainda era preciso mais. Então apareceu uma que era mais velha do que as outras, e que até parecia uma pequena professora, e deu meia-lira, e todas a fazerem-lhe uma festa. Faltavam ainda cinco moedas.

    — Agora estão a chegar as do quarto ano, que têm dinheiro — disse uma delas.

    As do quarto ano chegaram e o dinheiro começou a chover. Amontoavam-se todas. E foi tão lindo ver aquele pobre limpa-chaminés no meio de todos aqueles vestidinhos de tantas cores, no meio daquela roda-viva de penas, fitinhas, de caracóis. Já havia trinta moedas, mas ainda estavam a chegar mais, e as mais pequeninas que não tinham dinheiro, abriam caminho por entre as mais velhas estendendo os seus raminhos de flores, só para terem alguma coisa para dar. A dada altura aparece a porteira:

    — A senhora Diretora!

    As meninas fugiram para todos os lados como um bando de passarinhos. E então vi o pequeno limpa-chaminés que secava os olhos, sozinho, no meio da rua, todo contente, com as mãos cheias de moedas, e tinha nos botões do casaco, nos bolsos e no chapéu imensos ramos de flores, e também havia flores espalhadas por terra, a seus pés.

    O DIA DOS MORTOS

    Dia 02, quarta-feira

    Este dia é dedicado à celebração dos mortos. Sabes, Enrico, a que mortos todos vós, meninos, deveriam dedicar um pensamento neste dia? Aos que morreram por vós, pelas crianças e pelos bebês. Quantos morreram e quantos continuam a morrer! Já alguma vez pensaste quantos pais consumiram a sua vida a trabalhar e quantas mães desceram à sepultura antes do tempo, debilitadas pelas privações a que tiveram de se condenar para sustentar os filhos? Sabes quantos homens enfiaram uma faca no coração por causa do desespero de verem os próprios filhos na miséria, e quantas mulheres se afogaram ou morreram de dor ou endoideceram por terem perdido um filho? Pensa em todos esses mortos, neste dia, Enrico.

    Pensa nas muitas professoras que morreram jovens; enfraquecidas pelo cansaço da escola, por amor às crianças, das quais não tiveram coragem de se separar; pensa nos médicos que morreram de doenças contagiosas que desafiaram corajosamente para curar meninos; pensa em todos aqueles que nos naufrágios, nos incêndios, em momentos de escassez, em momentos de extremo perigo, cederam às crianças o último naco de pão, a última tábua de salvação, a última corda para escapar das chamas, e expiraram contentes pelo seu sacrifício, que mantinha a salvo um pequenino inocente. São inúmeros, Enrico, estes mortos; todos os cemitérios albergam centenas destes seres santos, que se pudessem levantar-se do túmulo por um instante, gritariam o nome de um menino pelo qual sacrificaram os prazeres da juventude, a paz da velhice, os afetos, a inteligência, a vida; noivas de vinte anos, homens na flor do seu vigor, velhas octogenárias, jovens — mártires heroicos e anônimos da infância — tão grandiosos e tão generosos, que a terra não produz flores em número suficiente como o que seria necessário depor sobre as suas sepulturas. Vocês são tão amadas, ó crianças! Pensa hoje nesses mortos com gratidão, e serás melhor e mais amável para com todos os que te querem bem e que labutam por ti, meu querido filhinho, não sabes a sorte que tens por ainda não teres de chorar ninguém no dia dos mortos!

    A tua mãe

    O MEU AMIGO GARRONE

    Dia 04, sexta-feira

    Só tivemos dois dias de férias, e fiquei com a impressão de ter estado muito tempo sem ver o Garrone. Quanto mais o conheço, mais gosto dele, e acontece o mesmo aos outros, menos aos mandões, que não se dão bem com ele porque ele não os deixa mandar em nada. De cada vez que algum levanta a mão contra um dos pequeninos, o pequenino grita: Garrone! E o maior já não lhe bate. O seu pai é maquinista de comboio; ele começou a andar na escola mais tarde porque esteve doente durante dois anos. É o mais alto e o mais forte da turma, levanta uma carteira só com uma mão, come tudo, é bondoso. O que quer que seja que lhe peçam, um lápis, uma borracha, papel, apontador, empresta ou dá-o a todos, e não fala nem ri na escola: está sempre quieto na carteira demasiado pequena para ele, com a coluna curvada e a grande cabeça entre os ombros, e quando olho para ele, faz-me um sorriso com os olhos entreabertos como se me quisesse dizer: então, Enrico, somos amigos? Faz-me rir, de tão alto e grande que é, o seu casaco, os calções e as mangas ficam-lhe todos demasiado apertados e demasiado curtos, tem um chapéu que não lhe serve, a cabeça rapada, os sapatos grandes, e uma gravata sempre retorcida como uma corda.

    Querido Garrone, basta olhar para a sua cara uma vez para ficar a gostar dele. Todos os meninos menores gostariam de ser seus colegas de carteira. Sabe tudo de aritmética. Anda com os livros empilhados, amarrados com uma correia de couro vermelho. Tem uma navalha com punho de madrepérola que encontrou no ano passado na Praça d’arma, e um dia cortou um dedo até ao osso, mas ninguém na escola se apercebeu, e não abriu o bico em casa para não assustar os pais. Aceita que lhe digam seja o que for por brincadeira, mas ai de quem lhe disser Não é verdade quando afirma uma coisa: nessa altura deita chispas pelos olhos, e dá murros que conseguem desfazer uma carteira. No sábado de manhã deu um soldo a um menino do primeiro ano que estava a chorar no meio da rua porque lhe tinham tirado o seu, e já não podia comprar um caderno. Há três dias que está a trabalhar numa carta, para o dia do onomástico³ da sua mãe, que vem com frequência buscá-lo, e é alta e grande como ele, e simpática. O professor olha sempre para ele, e de cada vez que passa a seu lado dá-lhe uma palmada no pescoço, como se ele fosse um bezerro bom e calmo. Eu gosto dele. Fico contente quando aperto a minha mão na sua mão grande que parece a mão de um homem. Tenho a certeza absoluta que arriscaria a vida para salvar um colega, que até se deixaria matar para defendê-lo: vê-se tão claro nos seus olhos; e apesar de parecer que nos ralha com aquele vozeirão, é uma voz que vem de um coração bondoso, sente-se.

    O CARVOEIRO E O SENHOR

    Dia 7, segunda-feira

    O Garrone certamente não teria chamado o que o Cario Nobis chamou ontem ao pai do Betti. O Cario Nobis é arrogante porque o seu pai é um senhor muito importante; um senhor alto, de barba preta, muito sério, que vem quase todos os dias acompanhar o filho. Ontem de manhã o Nobis zangou-se com o Betti, um dos menores, filho de um carvoeiro, e já não sabendo o que lhe responder, porque não tinha razão, disse-lhe a gritar:

    — O teu pai é um esfarrapado.

    O Betti enrubesceu até à raiz dos cabelos, e não disse nada, mas vieram-lhe as lágrimas aos olhos, e quando voltou para casa repetiu aquelas palavras ao seu pai; e assim o carvoeiro, um homem baixinho e todo preto, apareceu nas aulas da tarde com o filho pela mão para fazer as suas reclamações ao professor. Enquanto fazia as suas reclamações, e todos se mantinham calados, o pai do Nobis que tinha trazido a capa ao filho, como era habitual, à entrada da porta, ao ouvir o seu nome a ser pronunciado, entrou e pediu explicações.

    — É este operário — respondeu o professor — que veio queixar-se porque o seu filho Cario disse ao seu: o teu pai é um esfarrapado.

    O pai do Nobis franziu a testa e corou ligeiramente. A seguir perguntou ao filho:

    — Tu disseste isso?

    O filho — muito direito no meio da sala de aula, de cabeça baixa, diante do pequeno Betti — não respondeu.

    Então o pai agarrou-o por um braço e empurrou-o mais para a frente do Betti, ao ponto de quase se tocarem, e disse-lhe:

    — Pede-lhe desculpa.

    O carvoeiro quis interferir, dizendo:

    — Não, não.

    Mas o senhor não lhe deu ouvidos, e voltou a dizer ao filho:

    — Pede-lhe desculpa. Repete as minhas palavras. Peço-te desculpa pelas palavras ofensivas, insensatas e desprezíveis que disse contra o teu pai, ao qual o meu pai tem a honra de apertar a mão.

    O carvoeiro fez um gesto decidido, como se quisesse dizer Não quero. O senhor não lhe deu atenção, e o seu filho disse lentamente, num fio de voz, sem levantar os olhos do chão:

    -Eu peço-te desculpa... pelas palavras ofensivas... insensatas... desprezíveis, que disse contra o teu pai, ao qual o meu pai tem a honra de apertar a mão.

    Então o senhor estendeu a mão ao carvoeiro, que por sua vez lhe apertou com força, e logo a seguir com um empurrão lançou o seu filho para os braços de Cario Nobis.

    — Peço-lhe o favor de os sentar juntos — disse o senhor ao professor.

    O professor pôs o Betti na carteira do Nobis. Quando já estavam no seu lugar, o pai do Nobis cumprimentou e saiu.

    O carvoeiro permaneceu alguns instantes a pensar, olhando para os dois rapazes juntos; depois aproximou-se da carteira e fixou o Nobis com uma expressão de afeto e remorsos, como se lhe quisesse dizer alguma coisa; mas não disse nada; estendeu a mão para lhe fazer um afago, mas nem sequer se atreveu, e apenas lhe roçou a testa com os seus grandes dedos. Em seguida aproximou-se da saída e, virando-se mais uma vez para olhar para ele, desapareceu.

    — Lembrem-se bem do que acabaram de ver, meninos — disse o professor — Esta é a lição mais bonita do ano.

    A PROFESSORA DO MEU IRMÃO

    Dia 10, quinta-feira

    O filho do carvoeiro foi aluno da professora Delcati que hoje veio visitar o meu irmão adoentado, e que nos fez rir ao contar-nos que a mãe desse menino, há dois anos, lhe levou para casa um avental cheio de carvão, para lhe agradecer por ter dado a medalha ao filho; e teimava, pobre mulher, que não queria voltar a levar o carvão para casa, e quase que desatava a chorar quando teve de regressar com o avental cheio. Também nos falou de outra mulher que lhe levou um ramo de flores muito pesado; e que tinha dentro um pé-de-meia de dinheiro. Divertimo-nos todos a escutá-la e assim o meu irmão acabou por tragar o medicamento que antes não queria. Que paciência devem ter com os meninos do primeiro ano, todos desdentados como velhinhos, que não pronunciam o erre ou o esse, e enquanto uma tosse, o outro perde sangue pelo nariz, outro perde os tamancos por baixo da carteira, outro bale porque se picou com a caneta e outro choraminga porque comprou um caderno número dois em vez de número um cinquenta numa sala, que não sabem nada de nada, com aquelas mãozinhas moles, e ter de ensinar todos a escrever!

    Eles levam nos bolsos pedaços de alcaçuz, botões, rolhas de frascos, migalhas de tijolo, todo o tipo de coisas minúsculas, e é preciso que a professora os reviste; mas escondem os objetos até nos sapatos. E são tão distraídos; se um moscardo entra pela janela põe todos em alvoroço, e no verão levam para a escola erva e joaninhas que andam a voar ou caem nos tinteiros e a seguir riscam os cadernos com tinta. A professora tem de lhes fazer de mãe, ajudá-los a vestirem-se, pôr pensos nos dedos picados, apanhar os barretes que caem, assegurar-se que não trocam os casacos de abafo, porque senão depois miam e guincham. Pobres professoras!

    E as mães ainda se lamentam: como é possível, menina, que o meu filho tenha perdido a caneta? Por que é que o meu filho não aprende nada? Por que é que não dá a menção honrosa ao meu que sabe tanto? Por que é que não manda tirar aquele prego que rasgou os calções do meu Piero da carteira? A professora do meu irmão às vezes zanga-se com os meninos, e quando já não pode mais,

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