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Damenndyn - O grimório de Esklaroth: Damenndyn, #1
Damenndyn - O grimório de Esklaroth: Damenndyn, #1
Damenndyn - O grimório de Esklaroth: Damenndyn, #1
E-book390 páginas4 horas

Damenndyn - O grimório de Esklaroth: Damenndyn, #1

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Sobre este e-book

Primeiro volume de uma série de dark fantasy (indicada para leitores acima dos 12 anos)
Damenndyn - O Grimório de Esklaroth [Volume 1]

E se tudo isso não passasse do princípio?

Alguns segredos ficaram por muito tempo guardados, seja por medo, seja por serem valiosos demais. Logo, somente uma ínfima parte das verdades contidas neles espalhou-se pelos reinos.

A história que estão por descobrir desenvolve-se no coração de Lythuste, uma das cinco ilhas do Grande Mundo. Damenndyn vive nela, e por lá leva uma vida tranquila, reclusa nas dependências de um orfanato das sacerdotisas da deusa Torgani, que acolheram-na quando ainda era criança.

Impulsionada por sua curiosidade, ela descobrirá, no decorrer das páginas de um misterioso grimório, a enigmática história de um castelo maldito, cujos moradores estão sofrendo nas mãos de forças malignas.

Numa velocidade alucinante, terríveis acontecimentos perturbarão a tranquilidade dos dias da garota, mergulhando tudo ao redor dela no caos.

Contando somente com dezoito anos de vida, Damenndyn ainda não se deu conta de que é uma das protagonistas da luta contra as Trevas, e de que deverá enfrentar forças desconhecidas, cujos poderes são aterradores...

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento12 de abr. de 2020
ISBN9781071538197
Damenndyn - O grimório de Esklaroth: Damenndyn, #1

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    Damenndyn - O grimório de Esklaroth - Rose Berryl

    Rose Berryl

    O grimório de Esklaroth

    Volume I

    CKR Éditions

    CP 4634

    Rawdon, Quebec, J0K 1S0

    CANADÁ

    Telefone: 514-900-3399

    www.ckr-editions.com

    Diretora literária e editorial: Delphine Splingard

    É ilegal reproduzir qualquer trecho deste livro sem a autorização da editora. A reprodução desta publicação, independentemente da natureza do método de cópia, será considerada violação dos direitos do autor.

    Dépôt légal — 4e trimestre 2017

    Bibliothèque et Archives nationales du Québec

    Bibliothèque nationale du Canada

    Copyright © CKR Éditions

    ––––––––

    Catalogage avant publication de Bibliothèque et Archives nationales du Québec et Bibliothèque et Archives Canada

    Berryl, Rose, 1982-

    Damenndyn

    Sommaire : 1.  Le grimoire d'Esklaroth.

    Pour les jeunes de 12 ans et plus.

    Publié en formats imprimé(s) et électronique(s).

    ISBN  978-2-924664-10-0 (couverture souple : vol. 1)

    ISBN  978-2-924664-09-4 (EPUB : vol. 1)

    I. Berryl, Rose, 1982-  .  Grimoire d'Esklaroth.  II. Titre.

    PZ23.B4785D35 2017 j843'.92 C2017-942038-0    C2017-942039-9

    Impresso nos Estados Unidos

    ––––––––

    Rose Berryl

    O grimório de Esklaroth

    Volume I

    Dedico esta saga a meu marido, Cédric, e a nosso filho, Kyle, a quem amo mais do que tudo.

    Que o caminho da vida nos reserve

    ainda mais momentos de alegria;

    como os que já conhecemos

    no decorrer de tantos anos.

    Rose Berryl

    Mapas

    Prólogo

    Seria tudo isso

    somente o princípio?

    Ouve minha voz?

    Sim, você mesmo, pobre criatura que folheia as primeiras páginas deste grimório maldito, impregnadas com o flagelo de um mundo obscuro, onde tudo não passa de traição, mistério e magia. Não, não feche-o...  É tarde demais para voltar atrás.

    Vê estas estátuas que circundam a entrada à esquerda? Suas sombras bruxuleiam desde os primórdios deste mundo, dançando sob a luz incessante dos archotes que estão apagando-se pouco a pouco, vítimas do frio invernal, arauto de um futuro pleno de terror, ódio e morte.  Um inferno que será instaurado por uma terrível força, cujo poder, sendo um pobre elfo, você pode sequer estimar.

    Pois, sem sombra de dúvidas, o Grande Mundo está fadado a mudar. E infelizmente, para vocês, o pior ainda está por vir...

    Desculpe, esqueço-me das boas maneiras. Chamo-me Oracio.  Sou um emissário de Melena, viajo de reino em reino para assustar os habitantes com as histórias de minhas aventuras mais sombrias.  Porém, parece que já está ciente disso, como bem percebo pelo que leva consigo debaixo do braço.  Que pena...

    Todavia posso lhe ensinar algumas coisinhas a mais...

    Tal como estas chamas que brotam do fogo aceso sob o altar, bem diante de você, a dualidade entre trevas e luz sempre existiu, tendo acontecido algumas vezes de uma delas ganhar terreno para perdê-lo logo em seguida... E tal dinâmica foi, na maior parte do tempo, o fio da história do Grande Mundo, desde sua criação até o exato momento em que me apresentei a você.

    Houve uma época, obviamente muito distante da nossa, em que uma jovem rainha demoníaca veio a nascer no coração da cidade de Segktra, que era considerada, com muita razão, a terra das almas condenadas. A inteligência e a sede de poder da moça eram tão grandes que, aos dezesseis anos, antes de percorrer os reinos para impor sua autoridade a eles, tratou de se livrar de sua família durante um sanguinário sacrifício. Aliás, ainda pode-se ver, logo atrás de você, alguns vestígios da passagem dela. Assustador, não é mesmo? Naturalmente, os planos dela não foram colocados em prática sem as devidas e prévias precauções. Sob as ordens de um de seus fiéis súditos, um exército de harpias das cinzas e alguns gigantes dos vales juntaram-se às forças dela.

    Como pode imaginar, Lythuste rapidamente se transformou em uma enorme chama ardente, suas terras dobraram-se sob o peso crescente das Trevas. As cidades e vilas foram saqueadas e os habitantes que se recusaram a submeter-se à autoridade de sua rainha foram massacrados.

    Tudo corria bem para a rainha, porém... surgindo do nada, um mago chamado Esklaroth levantou-se contra Melena, cuja queda não demorou. Usando sua magia, confinou-a no cerne de um rubi ancestral, e lançou-o às profundezas da terra...

    Como! Ousa gozar deste trágico fim? Que o mal caia sobre você!

    Ah, como sou estúpido... Não conhece ainda o desfecho de tudo isso.  Deixe-me explicar para você...

    Ela é minha vida, ela é nossa História...

    Capítulo I

    Para além dos sonhos

    −  Capitã Damenndyn! gritou um marinheiro que corria pelo convés, com a língua de fora e a fronte banhada de suor, lançado de um lado para o outro do barco pela tempestade que rugia.

    −  O que é?

    −  Um navio de três mastros nos segue. Ele... ele acaba de posicionar sua artilharia! Avistei alguns sarnóis a bordo dele, Capitã. Acho que a batalha vai ser feia desta vez.

    −  Preparem-se para contra-atacar, ordenou ela, com a voz abafada pelos estalos dos trovões. Não deixaremos que nos peguem.

    Damenndyn era uma moça maliciosa de um metro e sessenta dois, doce e sorridente, acabara de fazer dezoito anos. Seus longos cabelos pretos, presos por um pequeno laço alaranjado, caiam em selvagens mechas sobre um rosto de bochechas rosadas e olhos de um verde intenso. Seu imediato, um jovem intrépido, de dezessete anos e meio, nunca saía de perto dela.  Dairon manejava o timão, pensando em um meio de despistar os agressores o mais rapidamente possível. Os olhos castanhos e o rosto arredondado coberto por cabelos curtos e escuros davam-lhe traços doces, até mesmo divertidos. 

    Naquele momento, dois barcos cercavam-nos, bem próximos.  A tempestades intensificara-se ainda mais. A tormenta ressoava no horizonte e regularmente rasgava o céu obscurecido com relâmpagos. A chuva, fria e densa, caía torrencialmente sobre o convés, tornando qualquer movimentação difícil, além de reduzir consideravelmente a visibilidade. 

    Damenndyn avançou cuidadosamente em direção ao timão e interpelou um marinheiro no caminho.

    −  Preparem os canhões e estejam prontos para a abordagem.

    −  Às suas ordens, Capitã! aquiesceu o marinheiro, antes de fazer meia-volta e correr para o mastro principal.

    Alguns homens ocupavam-se com as velas, outros carregavam os canhões, enquanto o restante da tripulação preparava-se para o combate que cada vez mais parecia inevitável. O mar estava revolto e o barco sofria, maltratado por ondas de vários metros de altura, que  rebentavam violentamente contra o convés, e por grandes tornados que formavam-se à esmo ao redor da embarcação.

    −  Damenndyn!

    −  O que está acontecendo aí, Dairon?

    −  Que faremos? São muitos para nos livrarmos deles de uma só vez. Se atacarem, não teremos qualquer chance. E ainda temos de preocupar-nos com os canhões...

    −  Vamos levá-los à Laguna do Enforcado. A névoa nos servirá de camuflagem.

    −  Por acaso está louca! A grota é rasa, ninguém conhece suficientemente bem aqueles bancos de areia para querer arriscar-se por lá. O barco não vai suportar tais condições. Temos de encontrar outra saída!

    −  Não poderão nos seguir, os navios deles são pesados demais. Faça o que eu digo e tudo dará certo! Não deixe que nos percamos no meio desta tempestade, eu me ocupo do resto!

    −  Pode deixar comigo.  Avante, companheiros, mostremos a estes sarnóis do que somos feitos!

    Dairon fez o navio de três mastros virar-se para o norte. O Mar Temível fazia-o emborcar perigosamente nas ondas monstruosas, que provocavam sérias fraturas na estrutura do navio e desequilibravam os marinheiros que voltavam a seus postos o mais rapidamente possível, com a boca cheia de água salgada e os olhos semicerrados.

    Damenndyn foi em direção aos marinheiros que manejavam os canhões. 

    −  Prontos para fazer fogo?

    −  Sim, Capitã! Esperamos seu sinal. A jovem chamou dois outros marinheiros, que ocupavam-se do velame.

    −  Logo que acabarem, livrem o navio do máximo de carga possível. Lancem tudo de supérfluo ao mar, inclusive as balas de canhão. Deixem no máximo dez delas. De qualquer maneira, não teremos tempo para atirá-las mesmo. Então carreguem as balas encadeadas[1]. Está é nossa única chance de atrasá-los.

    Ao ouvir ordens tão radicais, alguns dos homens tremeram. Logo em seguida, Damenndyn subiu pela escada de corda e, à altura da mezena, observou o mar, antes de ordenar a Dairon que virasse à estibordo.

    −  Capitã, Capitã? chamou-a um marinheiro que observava os perseguidores do velame. 

    −  O que há?

    −  Em breve estarão ao alcance dos canhões.

    −  Esperem meu sinal!

    O primeiro dos barcos inimigos era um esplêndido navio de três mastros de velas acinzentadas, equipadas num tridente negro, avançava rapidamente à direita deles. Um dos outros navios dos sarnóis parecia estar passando por algumas dificuldades para lidar com o revoltoso mar.

    Damenndyn voltou à proa para observar as falésias da Laguna do Enforcado, que apareciam intermitentemente sob o clarão dos relâmpagos que preenchiam a atmosfera de ruídos surdos. 

    −  Dairon, evite os rochedos! O casco pode ser avariado!

    −  Não se preocupe..., respondeu ele de dentes cerrados, manobrando o timão com cuidado. Vou passar pela grota e logo em seguida voltar.

    −  Dairon, lembre-se que quem nos segue são guerreiros sarnóis!

    −  Eu sei, mas, se tivermos de combate-los corpo a corpo, correremos o risco de não sair vivos! Com cinco deles para cada um de nós, não teríamos qualquer chance.

    −  Faça o que eu digo, Dairon!

    −  Mas é loucura, você sabe tão bem como eu!

    −  Não discuta minhas ordens, ameaçou-o ela.

    −  Certo, você é a chefe! concluiu ele em um suspiro.

    Ela desembainhou a adaga que balançava em seu cinturão e foi em direção aos artilheiros. À bordo de um dos navios inimigos, guerreiros sanguinários batiam os pés ritmicamente nos conveses, impacientes pela abordagem. Eram monstros de mais de dois metros e giravam suas maças nas palmas das mãos grossas, sujas, cobertas de ferimentos.  Seus rostos taurinos, inchados e manchados de sujeira, somente acentuavam o aspecto bestial deles.

    Damenndyn entrou na cabine, procurou um caminho para o fundo do lugar iluminado por uma simples lanterna que se balançava presa a uma grossa corrente, abriu um enorme baú branco de dobradiças velhas e enferrujadas, e de lá tirou um machado de dois gumes, em cujo entalhe via-se um imponente unicórnio de prata. Logo em seguida voltou à toda velocidade para o convés, com um olhar sério.

    A hora do tão temido combate aproximava-se. A jovem, firme em sua posição, observou o navio que emparelhava com o seu, depois elevou sua arma por cima do ombro e dirigiu-se aos seus homens, grande parte deles aterrados, com uma voz firme, sem desviar o olhar: 

    Lutemos o quanto pudermos e façamos este barco afundar.  Fooooooooogo!

    As balas de canhão explodiram, e a luta começou. Rapidamente, a tática de Damenndyn revelou-se efetiva: todas as balas encadeadas disparadas atingiram na mosca, e o primeiro navio de três mastros sarnol afundou. Destroços de madeira, assim como inúmeros mortos e feridos, acabaram desaparecendo sob a vítrea superfície e sob as devastadoras ondas do Mar Temível ao serem atingidos pelos projéteis ou pelos mastros arrancados.

    Infelizmente, a desorganização do inimigo durou pouco tempo...

    Dairon mantinha o navio na rota da Laguna do Enforcado. Damenndyn observou atentamente os arredores, depois dirigiu-se à parte posterior do navio para ajudar um marinheiro a carregar seu canhão.

    À bordo do segundo navio, que mantinha-se afastado até então, os sarnóis gritavam de raiva. Assim que emparelharam com o Gerna, os guerreiros lançaram-se à abordagem, bradando seu grito de batalha. Cabeças humanas começaram a rolar, diante das afiadas lâminas dos demônios.  A tripulação de Damenndyn rapidamente sucumbiu... O navio foi completamente tomado, e o convés foi coberto por uma quantidade substancial de sangue e cadáveres.

    Damenndyn combatia valentemente, cortando o ar com seu machado. Dairon havia abandonado o timão, para ir ajudar a jovem da melhor forma que podia.  Costas com costas, protegiam-se mutuamente, em uma espécie de dança mortífera.

    Lentamente, os sarnóis recuaram para reorganizarem um novo ataque, emitindo terríveis urros de raiva, brandindo suas armas por cima das grandes cabeças encimadas por chifres, encharcados com o sangue de suas vítimas.

    Subitamente, sem ao menos ter tempo de ver de onde vinha, Dairon recebeu um violento golpe de bastão na parte posterior da cabeça e caiu pesadamente, inconsciente. Na ocasião, tudo passou-se muito rapidamente para Damenndyn. Frente a muitos inimigos, chamou como reforço dois marinheiros que lutavam à sua esquerda, evitando habilmente os golpes que passavam de raspão.

    Uma vez liberta dos que atacavam-lhe, esforçou-se para arrastar Dairon pelo colarinho até a cabine.

    −  Quer uma mãozinha, Capitã? disse um marinheiro que acabara de perfurar um adversário com um golpe de adaga.

    −  Não, obrigado, Garilt. Vá para a proa, precisamos urgentemente de ajuda por lá.

    −  Às suas ordens, Capitã!

    Damenndyn deu uma olhadela no marinheiro, que logo as ondas iriam levar embora, perto de onde os canhões cuspiam suas últimas balas encadeadas. Antes de retomar seu caminho foi impedida pela chegada de um sarnol de pelagem grisalha. Com um machado na mão esquerda, olhava a jovem com altivez, do canto de sua boca escorria uma baba suja, mistura de sangue e água. Damenndyn soltou seu imediato e encarrou o inimigo com uma expressão dura e um olhar fixo.

    −  Aonde pensa que vai assim, hein?

    −  Digo-lhe o mesmo, sarnol. De qualquer forma, iria fazê-lo em picadinhos, ameaçou ela, desembainhando sua adaga.

    −  Ah, é mesmo, e onde quer chegar com essa conversa mole? riu-se o ser taurino, esfregando o rosto em um gesto brusco.

    −  Ah, sarnol. Você vai ver logo logo. Vou somente mandar-lhe para junto de sua mãe, aquela porcaria que deu-lhe à luz...

    E lançou-se contra a criatura, de arma em riste. Infelizmente, um segundo sarnol a desequilibrou, fazendo-a bater a cabeça em um barril que estava à sua direita.

    Algumas horas mais tarde, enquanto a noite caía completamente sobre o Mar Temível, ela reabriu os olhos penosamente. Ofuscada pelas tochas acesas não muito longe dela, com a vista desfocada pela água salgada e a cabeça dolorida por causa da violência do choque, Damenndyn percebeu que ainda estava no seu navio. A carnificina finalmente chegara ao fim e a tempestade havia se afastado. Com os braços amarrados acima da cabeça, estava encostada no mastro principal. Em volta dela, os sarnóis terminavam de lançar cadáveres ao mar, não se contendo e desmembrando-os por pura diversão. Seus homens tinham sido derrotados, os sobreviventes foram trancafiados no fundo do porão. Dairon, algemado ao seu lado, permanecia inconsciente.

    Um dos sarnóis, visivelmente o chefe, avançou até ela rindo, com os lábios sujos e salivando. Sua respiração era quente e nauseabunda, o que não tardou a dar enjoos na capitã. Com um sabre na mão, o sarnol parou a menos de um metro da jovem, que virou o rosto enquanto ele se aproximava.

    −  Então, belezinha... O que vai fazer agora? Parece que serei eu que afinal de contas irei lhe fazer em pedacinhos, riu-se ele muito sonoramente, logo em seguida imitado pelos seus companheiros.

    −  Vou dar o troco, sua aberração. Vou lhe dar uma surra tão feia que nem chorar vai adiantar, arrematou ela, com uma voz suave.

    Todos explodiram de rir. O chefe sarnol, enfurecido, ordenou que se calassem. Reestabelecida a calma, virou-se novamente para Damenndyn, encostando no pescoço dela a lâmina extremamente afiada de seu sabre.

    Cometeu um erro ao nos enfrentar. Vão pagar pela insolência...

    Deu um passo para trás e, mordendo a boca, golpeou o ar na direção do pescoço da jovem...

    −  Damenndyn?

    −  Hum?

    −  Tudo bem?

    −  Acho que sim. Onde estou? Cadê o sarnol? 

    −  Como é? Vamos, Damenndyn..., sorriu Dairon. Você sabe muito bem que tais criaturas não vivem mais por aqui há muitos séculos.

    −  É verdade, você tem razão.

    −  Quer saber de uma coisa, você passa muito tempo na biblioteca. Todas estas histórias de capa e espada acabarão por lhe subir à cabeça.

    A jovem endireitou-se e compreendeu que saía de um estranho sonho.  Esfregou os olhos com os punhos fechados. Dairon olhava-a, divertindo-se.

    −  Então, vai me contar o que sonhou?

    −  Ah, então... era uma história de navios. De um combate para recuperar as armas de Lythuste. Sabe... um pouco como se devêssemos, você e eu, salvar o Grande Mundo.

    −  Entendo o que quer dizer, mas não somos piratas, Damenndyn, brincou o rapaz.

    −  Vai saber..., respondeu sorrindo a jovem.

    Em um agradável dia do ano de 1368, à sublime hora em que os pássaros cantam o esplendor do sol poente, Damenndyn e Dairon, após terem assistido aos ofícios sagrados do entardecer, faziam seu habitual passeio pelo jardim de salgueiros do orfanato, cujo objetivo era aproveitar os últimos raios do magnífico sol de outono. Ambos frequentavam há alguns anos as aulas de música e de desenho, dedicavam-se intensamente à produção de fascinantes obras artísticas. Todavia, terminadas as aulas, desabalavam classe afora, para sentarem-se à sombra de um velho salgueiro e compor algumas refinadas baladas.

    Agora que está acordada, poderia tocar algo?

    Após aquiescer gentilmente, a jovem aproximou-se de uma pequena harpa de vidro cor de jade e respirou profundamente o doce perfume das flores que os cercavam, crescidas nos pilares do velho mosteiro.

    −  Faria a honra de acompanhar-me com a flauta, Dairon?

    −  Tenha a honra de começar, senhorita! disse ele educadamente, bem baixo, todo radiante.

    Ela fechou docemente os olhos e fez seus longos dedos deslizarem ao longo das cintilantes cordas do instrumento.  Sem esperar qualquer deixa, Dairon levou a flauta aos lábios. Os outros estudantes, sentados sobre a grama macia, encantados pela melancolia e pela delicadeza da melodia extraordinariamente pura que aos poucos elevava-se no ar, escutavam em silêncio absoluto. Parecia que o tempo tinha sido suspenso. Todos tinham lágrimas nos olhos e, assim que a música acabou, aplaudiram.

    −  Vocês têm muito talento, reconheceu timidamente um deles.

    −  Poderiam tocar alguma outra música de vocês? Que coisa mais bonita! entusiasmou-se uma garotinha de dez anos que tinha tranças delicadamente decoradas com flores douradas.

    Damenndyn e Dairon olharam-se, depois ergueram as sobrancelhas, satisfeitos. A jovem então pegou um velho alaúde, cujo entalhe era uma sereia alada, e Dairon foi sentar-se ao seu lado.  E a música foi mais bela ainda. Levados pela atmosfera alegre, os estudantes começaram a bater os pés no ritmo da música, dançaram e também se puseram a cantar, cada qual dando sua pequena contribuição vocal. Risos irromperam, e outros estudantes juntaram-se aos primeiros, abandonando-se eles também ao fulgor das notas que encadeavam-se graciosamente, ecoando pelas velhas pedras do orfanato. Os pássaros, pousados nos galhos acima das cabeças deles, corroboravam a ar alegre daquele lugar dedicado às preces.

    Pouco minutos depois, praticamente todos os estudantes acabariam por tomar parte na festa, dançando alegremente sobre o gramado. Um pouco afastadas, as sacerdotisas sorriam e batiam palmas no ritmo, entoando com suas belas vozes cantos celestiais que mesclavam-se agradavelmente à música dos estudantes. A magia da música estava no auge.

    Depois de mais de uma hora, pararam de cantar, e os estudantes foram convidados a retornar às aulas.

    −  Não estou com vontade de voltar..., resmungou Damenndyn ao pousar seu instrumento.

    −  Você realmente acredita que eu gosto das aulas de filosofia divina do professor Didhit? Gostaria tanto de estar no último ano, para aprender a manejar armas!

    −  Tenha paciência, Dairon.

    −  Eu sei... mas, adoraria ter meios de defender-me. Logo estarei na idade de partir daqui e de ter minha própria família, e quero poder protegê-los devidamente. E você, o que fará assim que sair daqui?

    −  Gostaria de ser camponesa. Ter meu cantinho e poder subsistir, sem depender de ninguém.

    −  Estou surpreso! Eu imaginava que você fosse tentar algo com algum nobre rico ou com algum cavaleiro...

    −  Não mesmo, sorriu a jovem. Queria também tirar um tempo para descobrir o paradeiro dos meus pais.

    Originária de Bludargonth[2], capital do reino de Lythuste, Damenndyn fora encontrada nos fundos do orfanato, enrolada em uma manta de seda branca, aconchegada em um baú de pinho envernizado de cerca de oitenta centímetros de altura. Portanto, crescera entre as sacerdotisas e submetia-se à disciplina imposta por elas, e assim seria até atingir a maturidade, no seu décimo nono aniversário.

    Todas essas limitações deixavam-lhe pouco tempo para expressar suas fantasias e sua alegria de viver. Acordar às oito horas, ofício, café da manhã, em seguida uma sequência de aulas, umas mais entediantes que as outras, que ia até o pôr do sol. Afazeres que somente deixavam-na para baixo.

    Para escapar desse cotidiano monótono, frequentemente escalava o muro sul do orfanato, para comtemplar com um olhar admirado o Mar Temível. As ondas vinham morrer nos rochedos abaixo, o barulho da ressaca e o magnífico voo de algumas criaturas marinhas ajudavam-na a abandonar-se aos seus devaneios. Via-se a bordo de um suntuoso navio, navegando sobre as ondas selvagens em companhia de Dairon. E então imaginava-se descendente de uma incrível linhagem, de nome lendário, portando orgulhosamente as cores do brasão familiar em um manto luxuoso, abençoada pelas fadas da Floresta Submersa, das quais tomara conhecimento em um dos muitos grimórios da biblioteca.

    Lamentavelmente, o retorno à realidade sempre acabava por destruir suas ilusões. Inúmeras dúvidas brotavam-lhe no espírito e lágrimas rapidamente inundavam-lhe os olhos.  Principalmente a misteriosa desaparição dos pais doía-lhe, apesar de jamais tê-los conhecido. Então, melancolicamente, lançou um olhar aos céus e suplicou secretamente à deusa Naira[3] que permitisse a ela encontra-los ainda vivos. Em seguida, agradeceu à deusa por a ter colocado no caminho das sacerdotisas, pois, mesmo que se queixasse frequentemente, amava o orfanato do fundo do coração.  Após tudo, encontrara naquele lugar tudo que sempre desejara: um imenso jardim repleto de flores, um espaço em que  podia distrair-se, mas também uma boa escola, local ideal para desenvolver seus incontestáveis dons para o desenho e a música.

    De qualquer maneira, muro algum poderia resistir a ela: conhecia melhor do que qualquer um os caminhos secretos e as falhas das sentinelas de segurança. Tanto que ela quebrava as regras e sempre escapava para provar uma liberdade ainda maior. No entanto, nunca se aventurava sozinha em lugares distantes, jamais aprofundava-se na floresta. Dairon, seu melhor amigo, acompanhava-a por toda parte.

    O sino tocou. Uma, duas, três vezes...

    −  Eu realmente não gosto dessa aula!

    −  Dairon, já faltamos semana passada. Acabaremos tendo problemas se...

    −  Eu sei..., interrompeu-a bruscamente.

    −  Vamos, coragem! Mais tarde, se você quiser, iremos passear lá fora, sussurrou ela no ouvido dele.

    −  Certo! concluiu Dairon, louco de felicidade, antes de dirigir-se à sala de aula, com alguns pergaminhos debaixo do braço.

    E assim desenrolou-se o dia, como sempre: calmo, sereno, entediante à beça.

    Assim que caiu a noite, tendo todos se recolhido à quietude de seus quartos, Damenndyn esgueirou-se muito silenciosamente até o dormitório dos garotos. Uma longa capa negra cobria seu evidente traje de estudante: uma camisa branca com punhos um pouco largos, um corpete azul-escuro decorado por algumas rendas e uma saia longa, verde e de veludo.

    −  Dairon? sussurrou ela assim que aproximou-se da porta do

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