Trauma, Domínio e Passividade nos Atos de Violência Sexual
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Trauma, Domínio e Passividade nos Atos de Violência Sexual - André Luiz Alexandre do Vale
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO MULTIDISCIPLINARIDADES EM SAÚDE E HUMANIDADES
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, pela herança mais valiosa que poderiam me proporcionar: o espírito aventureiro de me lançar em terras estranhas e desbravar o mundo desconhecido, sem nunca perder as raízes, nem deixar que elas me impedissem de crescer.
À minha avó do coração, pela irremediável preocupação com minhas necessidades (reais ou imaginárias) desde meus três dias de nascido, pelos privilégios e oportunidades concedidos e aproveitados ao longo de toda a vida, pelo exemplo de força e determinação inesgotáveis, pelo acolhimento em sua casa, em sua família e em seu coração.
Aos meus irmãos, por me ensinarem a dividir e compartilhar, e entender que dar e receber exemplo não significa comparar; aos que estão perto e aos que estão longe, compartilhar uma origem e ver os diferentes destinos traçados só me faz admirar a beleza da vida em sua singularidade.
À minha orientadora, Marta Rezende Cardoso, pelo contínuo espaço de troca, pelos necessários puxões de orelha, por estar sempre presente e atenta, por me ensinar a ser crítico e rigoroso e pelos quase 10 anos de ensino-aprendizagem, que se transformaram em amizade e admiração.
À Natália Cidade, como não poderia deixar de ser, essa minha alma gêmea, dupla sertaneja e irmã siamesa nascida de outra mãe, pelo amor incondicional (mesmo quando você quer me bater quando a gente joga buraco); acho que qualquer coisa que eu escrever aqui vai ser pouco. Vou enviar um carro de som em sua homenagem.
À Viviane Dias e à Renata Reis, por estarem sempre presentes, mesmo quando a distância e as dificuldades das rotinas de adulto atrapalham nossos encontros; por todos os especiais do Rei e pizzas de frango com catupiry, desde os recreios do ensino fundamental até quando estivermos velhinhos gagás; e agora com a família crescendo.
A todos os meus amigos incríveis e maravilhosos, que tornam minha vida mais leve e menos ranzinza, vocês são muitos (que bom!) para serem nomeados, mas sabem quem são: cada um mora em um pedacinho bem cultivado do meu coração, dentro de uma jaula trancada para não fugirem.
À equipe fantástica do Projeto Travessia, pela generosidade e pela sensibilidade sem tamanho para navegar nesse oceano em que nos encontramos: Eliane Marcellino, Flavia Strauch, Sonia Verjovsky, Teresa Rocha e Teresa Lopes, nossas capitãs; Aline, Bruno, Marina, Pedro, Renata, Vítor e Yasmin, nossa tripulação; e a todos aqueles que já fizeram travessia conosco e estão sempre presentes em nossa história.
À Ruth Naidin, por me ajudar a lidar com o medo de ser livre para fazer escolhas mais coerentes com meus desejos e me mostrar que as verdades mais duras podem ser ditas sem nunca perder a ternura.
À minha equipe de pesquisa do PPGTP, pelo compartilhamento das inquietações teóricas, mas também das dúvidas, angústias e aflições desse percurso por vezes turbulento, mas sempre rico e proveitoso: Aline, Camila, Diana, Gabriela, Gabrielle, Mariana, Morgana, Ney, Patrícia e Raquel, ao longo desses muitos anos.
Ao CNPq e à Faperj, pelo indispensável financiamento desta pesquisa.
PREFÁCIO
Investigar a questão da violência sexual em Psicanálise, em busca de uma maior apreensão sobre a singularidade da subjetividade de seus autores, os agressores sexuais, é proposta bastante original e pertinente. Trata-se de uma perspectiva de análise bem menos presente na literatura do que aquela dedicada aos aspectos psíquicos envolvidos no funcionamento psíquico de sujeitos que foram vítimas desse tipo de situação. Este vivido, comportando muitas vezes uma dimensão traumática naqueles que a experimentaram na posição passiva, indivíduos violentados em seu corpo sexual em diferentes formas, não deixa também de nos interrogar sobre a possível insistência e sobre destinos também possivelmente funestos da dominância de um excesso traumático no psiquismo daqueles que nessa experiência ocupam a posição ativa, ou seja, nos autores dessa hedionda forma de violência.
Dedicar uma pesquisa a essa problemática sob o ponto de vista dos agressores dos atos de violência sexual, em particular às determinações intrapsíquicas e intersubjetivas implicadas nesse tipo de passagem ao ato, constitui verdadeiro desafio, levando-se em conta, em primeiro lugar, as dificuldades teóricas e clínicas inerentes a tal proposta. Em Trauma, domínio e passividadenos atos de violência sexual, André Luiz Alexandre do Vale enfrenta com notável vigor e rigor esse desafio, tampouco se intimidando frente à necessidade de ultrapassar um sentimento de afastamento, que não raramente ronda esse tema, limitando e até mesmo causando certa interdição a seu estudo e exploração. Como sublinha o autor nas primeiras linhas de seu trabalho: o horror provocado em nós pelos atos de violência sexual tende a desviar nosso olhar para longe
. Ou seja, não é nada incomum, mesmo no campo acadêmico e em diferentes áreas, a tendência a estigmatizar os autores de atos de violência sexual, tidos frequentemente como monstros, desprovidos da condição de sujeitos humanos.
Era preciso ultrapassar o reducionismo de um aprisionamento próprio a essa fuga pelo estigma-em última instância fuga do horror que esse ato criminoso pode nos causar-para realmente avançar no conhecimento dos elementos subjacentes, os quais, internamente, a partir de uma dinâmica, economia e topologia particulares, seriam os móveis desse tipo de ato. Este foi o propósito e o resultado, muito bem-sucedido, aliás, da dissertação de mestrado de André Luiz Vale, realizada no Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Tive o enorme prazer de acompanhar esse percurso, na qualidade de orientadora, tendo agora a alegria de prefaciar este rico material que passa a ser oferecido a um público mais amplo ao ser editado em livro. Nele, o leitor terá o privilégio de acompanhar o passo a passo meticuloso e consistente da teorização do autor em sua procura de conhecer e aprofundar elementos essenciais relativos à determinação psíquica dos atos de agressão, de violência sexual.
André Luiz Vale faz trabalhar
algumas importantes questões implicadas nesse horror, nesse terror, no que assombra, de dentro, o psiquismo dos sujeitos que cometem os atos de violência sexual. Seu espaço egoico é imperativa e compulsivamente transbordado por uma força estranha, acionada por uma espécie de gueto
irrepresentável, um clivado aquém do recalcado, estranho
familiar ao qual o ego não dá conta de responder a não ser passando ao ato. Os eixos centrais dessa análise, compondo o desenho metodológico dessa fértil reflexão, já se veem anunciados no título do livro: trauma, passividade e domínio. Interessante notar o quanto a esfera do poder se encontra concentrada na confluência desses três eixos, poder do sexual, no sentido mais amplo e extremo do termo, do qual apenas o olhar psicanalítico permite verdadeiramente dar conta, remetendo-nos à relação inescapável entre subjetividade, sexualidade e alteridade.
A passagem ao ato na agressão sexual, conforme demonstra o acertado desenvolvimento feito pelo autor do livro, fala do exercício de poder sexual absoluto de um sujeito sobre um objeto dominado. Porém, o que aí se apresenta, se atua, é uma tentativa extrema de dominação da excitação interna – defesa arcaica e violenta diante da irrupção de elementos irrepresentáveis no território egoico, cujas fronteiras foram transbordadas, transgredidas por um excesso pulsional, configuração psíquica própria ao trauma. Do terror da passividade diante do ataque por uma alteridade interna não suscetível de ligação, o sujeito passa, via violência sexual, à posição supostamente ativa do