Onde foram parar os intelectuais?
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Onde foram parar os intelectuais? - Enzo Traverso
[N.T.]
Do nascimento ao eclipse dos intelectuais
O termo «intelectual» está tão banalizado hoje em dia que não se sabe mais exatamente a que se refere. Na sua opinião, como se pode definir um intelectual?
Há cerca de dez anos, uma foto da agência France-Presse causou escândalo no mundo todo. Ela retrata o renomado professor de literatura comparada da Universidade Columbia de Nova York, Edward Saïd, atirando pedras contra um posto de controle israelense na fronteira com o Líbano. Foi tirada no verão de 2000. Esse gesto espontâneo de protesto nada tinha de heroico, mas representava uma postura.
Você tem razão, o termo «intelectual» está banalizado. Todos o empregam a torto e a direito, e com frequência ele assume sentidos diferentes. Não vou começar esta conversa enumerando as possíveis definições – que são múltiplas –, nem fazendo uma tipologia dos intelectuais. Voltaremos ao assunto mais adiante. Se mencionei a foto de Saïd atirando pedras – poderia ter evocado George Orwell com um fuzil pendurado no ombro durante a Guerra Civil Espanhola ou Marc Bloch na Resistência francesa– é porque, na história do século XX, a noção de intelectual é indissociável do engajamento político.
Edward Saïd e Theodor W. Adorno, que eram musicólogos sofisticados, dedicaram textos muito interessantes ao contraponto e à dissonância, uma escrita musical e uma forma estética fundadas mais sobre o contraste do que sobre a harmonia tonal.¹ Elas me parecem metáforas excelentes para definir o papel do intelectual. O intelectual questiona o poder, contesta o discurso dominante, provoca a discórdia, introduz um ponto de vista crítico. Não apenas em sua obra, como fizeram Saïd e Adorno em seus escritos sobre literatura e música, mas também no espaço público. Com frequência, ele também paga um preço por suas escolhas.
De um ponto de vista histórico, a figura do intelectual aparece mesmo com o caso Dreyfus, ou esse é um estereótipo que deve ser criticado?
Geralmente, relacionamos o aparecimento dos intelectuais ao caso Dreyfus por causa da dimensão ética e política deste. O caso Dreyfus colocou em questão a República, a justiça, os direitos humanos, o antissemitismo: podemos mesmo considerá-lo, simbolicamente, como um momento fundador. Também podemos, é claro, buscar precursores: os «filósofos», os homens de letras do Iluminismo, eram intelectuais. Veja a defesa de Jean Calas por Voltaire, em nome da luta contra o fanatismo e a intolerância; ou a campanha de Cesare Beccaria, na Itália, contra a pena de morte; ou o debate em torno da emancipação dos judeus conduzido pelo padre Grégoire em Paris e por Christian Wilhelm von Dohm em Berlim; ou a criação das associações contra a escravidão em vários países europeus. Todas essas pessoas já são intelectuais. Mas a transformação do adjetivo «intelectual» em substantivo se opera no fim do século XIX. O primeiro a empregá-lo em sua acepção atual é, sem dúvida, Georges Clemenceau, em 23 de janeiro de 1898, em seu jornal L’Aurore (A aurora), aludindo a uma petição em defesa do capitão Dreyfus.² Zola, o autor de J’accuse!, torna-se o paradigma do intelectual. Em seguida, o termo é usado de modo pejorativo pelos detratores de Dreyfus na Ação Francesa e, sobretudo, por Maurice Barrès, que já tinha abordado o assunto em seu romance Les Déracinés (1897; Os desenraizados).
Para eles, o intelectual é o espelho da decadência, uma das grandes obsessões do reacionarismo europeu na virada do século XX. O intelectual leva uma vida exclusivamente cerebral, desprovida de qualquer elo orgânico com a natureza. Ele fica enclausurado em um mundo artificial, feito de valores abstratos, onde tudo é quantificado e calculado, onde tudo se torna feio, mecânico, antipoético. O intelectual encarna uma modernidade anônima e impessoal, não tem raízes e não representa o espírito ou o gênio de uma nação. É um espírito «cosmopolita», incapaz de compreender a cultura de um povo enraizado em um território. Ele luta por princípios abstratos: a justiça, a igualdade, a liberdade, os direitos humanos. Quer fazer triunfar a verdade, defende valores universais.
A propósito, então, o que explica que o termo «intelectual» tenha se popularizado precisamente em nossa época, e não durante o Iluminismo? Isso traduz uma mudança social?
A função ética e política dos homens de letras do Iluminismo era comparável àquela do intelectual dreyfusiano. Entre esses dois períodos, porém, há uma diferença notável: o filósofo do século XVIII se posiciona tendo a corte como referência; a burguesia instruída e a aristocracia são quase que seus únicos interlocutores. O intelectual do século XX atua em uma sociedade muito mais articulada, com classes antagônicas, em um campo político dividido entre direita e esquerda. Seu status social mudou com o advento da modernidade: as sociedades europeias conheceram a industrialização e a urbanização, e testemunharam o surgimento de um espaço público no sentido moderno da expressão. Em suma, assistiram ao nascimento da sociedade de massa, o que significa também o aparecimento da imprensa, da mídia, da edição. É claro que os jornais já existiam no século XVIII, mas nos anos 1890 a imprensa virou uma indústria, com tiragens expressivas. O jornalista é um novo «tipo social» que ajuda a formar a opinião. O mercado é, naquele momento, um vetor de emancipação dos intelectuais. Permite que vivam de sua pluma, graças à venda de seus escritos, e não mais às custas do príncipe a quem serviam de conselheiros: no fim do século XIX, os intelectuais formam um grupo social que conquistou sua autonomia.
Mas esse mercado, graças ao qual os intelectuais se tornam autônomos e que lhes permite melhor se fazerem ouvir, não constitui, desde seus primórdios, uma fonte de alienação? Os primeiros intelectuais podem ser objetivos se precisam vender suas ideias ao leitorado?
No século XIX, no princípio da sociedade de massa, o mercado pôde desempenhar um papel emancipador. É preciso retomar aqui a noção de espaço público, para a qual Jürgen Habermas deu uma definição clássica: trata-se de um lugar intermediário entre a sociedade civil e o Estado, entre a esfera do privado e das trocas econômicas e a das instituições. Dito de outro modo, a crítica cava seu espaço entre o campo da produção e o da decisão. A burguesia europeia do século XVIII é uma classe em formação que começa a ter acesso à cultura e encontra um lugar aberto, não hierárquico e não delimitado pela lei, no qual é possível exercer uma função crítica da razão.³ Isso demanda classes sociais que leiam e se informem (burgueses, funcionários públicos, profissionais liberais), assim como jornalistas que façam o trabalho de disseminar a informação – mas também de analisar e interpretar o noticiário e de orientar as opiniões. A isso vêm se juntar figuras oriundas das margens, à