O Insólito e a Desumanização em Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago
()
Sobre este e-book
"O Insólito e a Desumanização em Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago" tem grandes virtudes. Não só por se debruçar sobre a uma das obras mais instigantes do laureado autor português, mas também por fazê-lo com pertinência crítica. Apoiando-se numa sólida bibliografia, Eliane de Alcântara Teixeira constrói um discurso que prima pela originalidade das ideias e por um método crítico de abordagem que serve à clareza e à elucidação do romance. Sem se deixar encantar pela erudição acadêmica, muito em moda por aí e que, as mais das vezes, leva ao beco sem saída ou ao canto de sereia do discurso estéril, ela faz que o livro sirva apenas para aclarar os aspectos mais complexos da obra de Saramago. Com isto, presta um grande serviço à crítica, o que não é pouco, em se tratando de um ensaio universitário. (Do prefácio.)
Relacionado a O Insólito e a Desumanização em Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago
Ebooks relacionados
O Que Choram os Mortos Nota: 5 de 5 estrelas5/5Machado & Shakespeare: Intertextualidades Nota: 0 de 5 estrelas0 notasGraciliano Ramos: uma narrativa social como reflexão Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Cortiço: Com ilustrações, glossário e biografia Nota: 0 de 5 estrelas0 notasLiteratura, Pão e Poesia: História de um Povo Lindo e Inteligente Nota: 0 de 5 estrelas0 notasJosé Saramago entre a história e a ficção: uma saga de portugueses Nota: 0 de 5 estrelas0 notasVitória Nota: 4 de 5 estrelas4/5O espírito da prosa: Uma autobiografia literária Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAs cidades mortas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEUGÉNIE GRANDET - Balzac Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPor que eu escrevo & outros textos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMadame Bovary Nota: 0 de 5 estrelas0 notasWerther Nota: 4 de 5 estrelas4/5A Sra. Dalloway Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAmar, verbo intransitivo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasBox O melhor das irmãs Brontë Nota: 0 de 5 estrelas0 notasLucíola Nota: 0 de 5 estrelas0 notasHistorias Sem Data Nota: 5 de 5 estrelas5/5A natureza das coisas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasVersos de amor e morte Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDom Quixote Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA correspondência de Fradique Mendes Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEnsaio sobre a Cegueira de José Saramago (Análise do livro): Análise completa e resumo pormenorizado do trabalho Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Morte de Olivier Bécaille Nota: 4 de 5 estrelas4/5Contos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCarta do Achamento do Brasil Nota: 4 de 5 estrelas4/5Os bruzundangas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasHamlet Nota: 0 de 5 estrelas0 notasÉdipo Rei Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPoemasetal De Amor, Talvez Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Crítica Literária para você
Coisa de menina?: Uma conversa sobre gênero, sexualidade, maternidade e feminismo Nota: 4 de 5 estrelas4/5Olhos d'água Nota: 5 de 5 estrelas5/5O mínimo que você precisa fazer para ser um completo idiota Nota: 2 de 5 estrelas2/5Para Ler Grande Sertão: Veredas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasHécate - A deusa das bruxas: Origens, mitos, lendas e rituais da antiga deusa das encruzilhadas Nota: 5 de 5 estrelas5/5História concisa da Literatura Brasileira Nota: 5 de 5 estrelas5/5A Literatura Portuguesa Nota: 3 de 5 estrelas3/5Cansei de ser gay Nota: 2 de 5 estrelas2/5Comentário Bíblico - Profeta Isaías Nota: 0 de 5 estrelas0 notasOs Lusíadas (Anotado): Edição Especial de 450 Anos de Publicação Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA formação da leitura no Brasil Nota: 0 de 5 estrelas0 notasUm soco na alma: Relatos e análises sobre violência psicológica Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSobre a arte poética Nota: 5 de 5 estrelas5/5O Jesus Histórico Nota: 0 de 5 estrelas0 notasRomeu e Julieta Nota: 4 de 5 estrelas4/5Literatura: ontem, hoje, amanhã Nota: 0 de 5 estrelas0 notasHistória da Literatura Brasileira - Vol. III: Desvairismo e Tendências Contemporâneas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasFelicidade distraída Nota: 5 de 5 estrelas5/5A Literatura Brasileira Através dos Textos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAulas de literatura russa: de Púchkin a Gorenstein Nota: 0 de 5 estrelas0 notasFernando Pessoa - O Espelho e a Esfinge Nota: 5 de 5 estrelas5/5O tempo é um rio que corre Nota: 4 de 5 estrelas4/5A arte do romance Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPerformance, recepção, leitura Nota: 5 de 5 estrelas5/5Introdução à História da Língua e Cultura Portuguesas Nota: 5 de 5 estrelas5/5Palavras Soltas ao Vento: Crônicas, Contos e Memórias Nota: 4 de 5 estrelas4/5Escrita não criativa e autoria: Curadoria nas práticas literárias do século XXI Nota: 4 de 5 estrelas4/5Atrás do pensamento: A filosofia de Clarice Lispector Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNão me pergunte jamais Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Avaliações de O Insólito e a Desumanização em Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago
0 avaliação0 avaliação
Pré-visualização do livro
O Insólito e a Desumanização em Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago - Eliane de Alcântara Teixeira
Prefácio
Em 1985, José Saramago publicou talvez seu romance mais instigante, que tem como título Ensaio sobre a Cegueira. Instigante porque o romancista trata com sua proverbial maestria de um tema fundamental de nossos tempos atuais, qual seja, o da desumanização do homem. Contudo, o que chamou a atenção dos leitores, quando o livro veio a público, foi também a forma empregada para mostrar o ser humano abandonado à própria sorte e vítima de sua incapacidade de conviver com o próximo e de se adequar ao mundo circundante. É que Saramago, de modo muito hábil, serviu-se do fantástico, ou melhor, do insólito para criar uma fábula e/ou alegoria dos tempos modernos, ao criar uma situação inusitada em que as pessoas, sem uma explicação plausível, vão sendo vítimas de uma doença, o chamado mal branco
, até que quase toda a população esteja cega de vez. E é nessa situação de calamidade pública, em que as pessoas se sentem desamparadas, que o homem, como um animal selvagem, mostra sua faceta mais cruel, ao explorar e massacrar o próximo ou uma faceta mais humanizada, como acontece com algumas das personagens, que se dispõem a ajudar os desvalidos da sorte.
Ao criar essa distopia delirante, Saramago ombreia-se com outros autores que escolheram o caminho da fantasmagoria, do espantoso, do fantástico, como Orwell, Huxley, Wells, entre outros, para tratar de um mundo no qual o homem se vê abandonado à própria sorte. A alegoria criada, no caso, sempre tem um propósito crítico, o de mostrar o homem desamparado que, chega até, nos casos mais extremos, a perder sua prerrogativa de homem, ao sufocar em si o que há de mais nobre e elevado e entregar-se tão-só a ações para preservar a vida e a sobrevivência cotidiana. Nesse caso, o insólito, que leva à criação de um mundo absurdo, tem a função explícita de não só diagnosticar a crise do homem moderno, mas de também servir a um propósito irônico: cego não é aquele que não vê; cego é aquele que, em realidade, não quer ver, porque ver, em sua essência, implica clarividência e, por extensão, humanidade.
Estas palavras iniciais acerca do romance de Saramago vêm a propósito do excelente livro de Eliane de Alcântara Teixeira, O Insólito e a Desumanização em Ensaio sobre a Cegueira de Saramago. Concentrando seu estudo nesta obra, a Professora e ensaísta procura detectar como o autor português mostra criticamente o homem moderno, vivendo em meio ao caos de um mundo que o rechaça e que o condena à solidão, por meio de uma alegoria, ou se se quiser, de uma parábola. Nela, as personagens, ao ver da ensaísta, constituem como que figuras arquetípicas, o que serve para dar ao romance um caráter mais universal. Em realidade, elas emblematizam, em sua tipicidade original, o homem frente a uma situação crítica, que o desafia e que o leva a tomar dois caminhos alternativos: um, o do embate, da luta contra as adversidades; o outro, da passividade, da entrega a forças que não pode controlar e que o condenam à mais abjeta alienação.
A Professora Eliane procura também mostrar que Saramago, para construir essa autêntica distopia no romance, tem como baliza dois grandes eixos temáticos. O primeiro deles é o do insólito e o segundo é o da desumanização, ou seja, ela mostra, ao longo de seu ensaio, como o autor se serve de um clima fantástico, perturbador, para ilustrar o fenômeno do desenraizamento do sujeito, que, massacrado pelo sistema, perde todos seus referenciais e seus traços de humanidade. Daí vem que o livro, em sua primeira parte, proponha-se a analisar o gênero do fantástico, traçando um painel teórico sobre esse tópico, aliás, bastante controvertido, a se aceitarem ou não as teorias, até certo ponto, redutoras de um Todorov, ou as teorias mais abrangentes de uma Bessière, de um José Paulo Paes.
Na segunda parte, o livro, apoiando-se em Ortega y Gasset, em Anatol Rosenfeld, em Ernst Fischer, envereda pelo tópico do embate entre o homem e o meio social, para tirar daí um retrato bastante amplo de um conflito que leva à aniquilação e à marginalização do sujeito. Desse modo, como ela demonstra muito bem, o mundo criado por Saramago, povoado por cegos, alguns deles tomados pela demência, outros, procurando reagir ao inevitável, por meio da lucidez, torna-se um paradigma de uma realidade muito atual, o que serve para acentuar a ideia de que Ensaio sobre a Cegueira, mais do que uma simples história fantástica, é um poderoso instrumento de combate à alienação humana, sem que, com isso, aos olhos da professora, o autor tenha que partir para o proselitismo.
Se a qualidade do livro como um todo chama logo a atenção, gostaríamos de ressaltar no conjunto a brilhante análise que a autora faz das relações entre a linguagem verbal e a pictórica, presentes em Esanio sobre a Cegueira. Com efeito, é aí que se encontra o sumo deste ensaio, graças à originalidade da abordagem e à capacidade de identificação das telas e pintores referidos por meio do discurso verbal. Chama a atenção no ensaio, sobretudo, a perspicácia crítica com que a autora trata de uma tela sincrética criada pelos cegos de Saramago. Isolado em sua cegueira e incapazes de dialogar com o mundo, um deles inventa uma tela feita do recorte de várias telas, absolutamente dessemelhantes entre si e que têm como ponto em comum apenas o fato de serem obras pictóricas. Identificando as telas, a partir dos índices fornecidos pelo texto, Eliane de Alcântara Teixeira mostra como Saramago se serve da figura retórica da ekphrasis, para não só descrever objetos de arte plástica, mas também para inserir comentários irônicos, para, no fim, desentranhar um sentido do mundo, mesmo que este mundo redunde num amontoado aparentemente aleatório de peças desirmanadas. Ao ver dela, a grande tela sincrética é um retrato de uma realidade multifacetada, que se torna inapreensível pelo olhar humano e que, por conseguinte, provoca a sensação de caos, confusão. Ou seja, a grande e absurda tela seria uma mimese degradada de um mundo em que as partes, como numa tela medieval, organizam-se por coordenação, ou seja, as partes jamais se coadunam num todo coerente.
O Insólito e a Desumanização em Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago tem grandes virtudes. Não só por se debruçar sobre a uma das obras mais instigantes do laureado autor português, mas também por fazê-lo com pertinência crítica. Apoiando-se numa sólida bibliografia, Eliane de Alcântara Teixeira constrói um discurso que prima pela originalidade das ideias e por um método crítico de abordagem que serve à clareza e à elucidação do romance. Sem se deixar encantar pela erudição acadêmica, muito em moda por aí e que, as mais das vezes, leva ao beco sem saída ou ao canto de sereia do discurso estéril, ela faz que o livro sirva apenas para aclarar os aspectos mais complexos da obra de Saramago. Com isto, presta um grande serviço à crítica, o que não é pouco, em se tratando de um ensaio universitário.
Álvaro Cardoso Gomes
Professor titular da Universidade de São Paulo
Professor do Mestrado Interdisciplinar da UNISA
Crítico literário e romancista
I. Saramago e o Boom da Literatura Portuguesa
Os últimos vinte anos do século XX têm sido de real importância para a Literatura Portuguesa que, desde a geração neo-realista, tentava reencontrar seu caminho. Depois do marasmo literário provocado pela agitação política, durante o período da Revolução dos Cravos, em que grande parte dos escritores de diferentes tendências voltou-se para a defesa dos ideais revolucionários, através da publicação de artigos e manifestos em jornais, da participação em grupos políticos, etc, surge uma geração de importantes autores, tanto na poesia como na prosa. Esse interregno, em que pouco se produziu, deveu-se talvez a um desvio de função, na medida em que os escritores deixaram de escrever para se dedicar à lide política, como bem observou José Saramago numa entrevista:
Seria mais exato dizer que houve um decréscimo da produção literária em geral. Compreender-se-á que assim tenha sido, se pensarmos no que representou para todos nós a possibilidade de exercer uma ação política às claras, uma aprendizagem de vida coletiva em moldes totalmente diferentes. Não sobrou então tempo para escrever.[1]
Passada essa fase, em que a atuação política se sobrepôs à literária propriamente dita, a Literatura Portuguesa voltou a crescer. No que diz respeito à prosa, graças a requintadas técnicas narrativas e à transbordante imaginação criativa, autores do romance contemporâneo, em Portugal, vêm adquirindo projeção internacional. Partindo da assertiva de Álvaro Cardoso Gomes de que
na década de 80 é que surgirá nova geração de romancistas com vozes próprias e refletindo tendências diversas, dando à ficção portuguesa contemporânea um perfil bem próprio e independente das influências europeias, tanto na exploração de seus temas, quanto nas inovações formais.[2]
é possível dizer que, dos anos 80 em diante, vemos confirmado o talento de Almeida Faria (cuja estreia se dera já na década de 60) e a revelação de novos escritores como Teolinda Gersão, Lídia Jorge, Lobo Antunes, José Saramago (que, embora estreando em 47 com Terra do Pecado, só foi reconhecido pela crítica