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O Insólito e a Desumanização em Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago
O Insólito e a Desumanização em Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago
O Insólito e a Desumanização em Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago
E-book137 páginas1 hora

O Insólito e a Desumanização em Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago

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"O Insólito e a Desumanização em Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago" tem grandes virtudes. Não só por se debruçar sobre a uma das obras mais instigantes do laureado autor português, mas também por fazê-lo com pertinência crítica. Apoiando-se numa sólida bibliografia, Eliane de Alcântara Teixeira constrói um discurso que prima pela originalidade das ideias e por um método crítico de abordagem que serve à clareza e à elucidação do romance. Sem se deixar encantar pela erudição acadêmica, muito em moda por aí e que, as mais das vezes, leva ao beco sem saída ou ao canto de sereia do discurso estéril, ela faz que o livro sirva apenas para aclarar os aspectos mais complexos da obra de Saramago. Com isto, presta um grande serviço à crítica, o que não é pouco, em se tratando de um ensaio universitário. (Do prefácio.)

IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de set. de 2020
ISBN9781393891444
O Insólito e a Desumanização em Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago

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    O Insólito e a Desumanização em Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago - Eliane de Alcântara Teixeira

    Prefácio

    Em 1985, José Saramago publicou talvez seu romance mais instigante, que tem como título Ensaio sobre a Cegueira. Instigante porque o romancista trata com sua proverbial maestria de um tema fundamental de nossos tempos atuais, qual seja, o da desumanização do homem. Contudo, o que chamou a atenção dos leitores, quando o livro veio a público, foi também a forma empregada para mostrar o ser humano abandonado à própria sorte e vítima de sua incapacidade de conviver com o próximo e de se adequar ao mundo circundante. É que Saramago, de modo muito hábil, serviu-se do fantástico, ou melhor, do insólito para criar uma fábula e/ou alegoria dos tempos modernos, ao criar uma situação inusitada em que as pessoas, sem uma explicação plausível, vão sendo vítimas de uma doença, o chamado mal branco, até que quase toda a população esteja cega de vez. E é nessa situação de calamidade pública, em que as pessoas se sentem desamparadas, que o homem, como um animal selvagem, mostra sua faceta mais cruel, ao explorar e massacrar o próximo ou uma faceta mais humanizada, como acontece com algumas das personagens, que se dispõem a ajudar os desvalidos da sorte.

    Ao criar essa distopia delirante, Saramago ombreia-se com outros autores que escolheram o caminho da fantasmagoria, do espantoso, do fantástico, como Orwell, Huxley, Wells, entre outros, para tratar de um mundo no qual o homem se vê abandonado à própria sorte. A alegoria criada, no caso, sempre tem um propósito crítico, o de mostrar o homem desamparado que, chega até, nos casos mais extremos, a perder sua prerrogativa de homem, ao sufocar em si o que há de mais nobre e elevado e entregar-se tão-só a ações para preservar a vida e a sobrevivência cotidiana. Nesse caso, o insólito, que leva à criação de um mundo absurdo, tem a função explícita de não só diagnosticar a crise do homem moderno, mas de também servir a um propósito irônico: cego não é aquele que não vê; cego é aquele que, em realidade, não quer ver, porque ver, em sua essência, implica clarividência e, por extensão, humanidade.

    Estas palavras iniciais acerca do romance de Saramago vêm a propósito do excelente livro de Eliane de Alcântara Teixeira, O Insólito e a Desumanização em Ensaio sobre a Cegueira de Saramago. Concentrando seu estudo nesta obra, a Professora e ensaísta procura detectar como o autor português mostra criticamente o homem moderno, vivendo em meio ao caos de um mundo que o rechaça e que o condena à solidão, por meio de uma alegoria, ou se se quiser, de uma parábola. Nela, as personagens, ao ver da ensaísta, constituem como que figuras arquetípicas, o que serve para dar ao romance um caráter mais universal. Em realidade, elas emblematizam, em sua tipicidade original, o homem frente a uma situação crítica, que o desafia e que o leva a tomar dois caminhos alternativos: um, o do embate, da luta contra as adversidades; o outro, da passividade, da entrega a forças que não pode controlar e que o condenam à mais abjeta alienação.

    A Professora Eliane procura também mostrar que Saramago, para construir essa autêntica distopia no romance, tem como baliza dois grandes eixos temáticos. O primeiro deles é o do insólito e o segundo é o da desumanização, ou seja, ela mostra, ao longo de seu ensaio, como o autor se serve de um clima fantástico, perturbador, para ilustrar o fenômeno do desenraizamento do sujeito, que, massacrado pelo sistema, perde todos seus referenciais e seus traços de humanidade. Daí vem que o livro, em sua primeira parte, proponha-se a analisar o gênero do fantástico, traçando um painel teórico sobre esse tópico, aliás, bastante controvertido, a se aceitarem ou não as teorias, até certo ponto, redutoras de um Todorov, ou as teorias mais abrangentes de uma Bessière, de um José Paulo Paes.

    Na segunda parte, o livro, apoiando-se em Ortega y Gasset, em Anatol Rosenfeld, em Ernst Fischer, envereda pelo tópico do embate entre o homem e o meio social, para tirar daí um retrato bastante amplo de um conflito que leva à aniquilação e à marginalização do sujeito. Desse modo, como ela demonstra muito bem, o mundo criado por Saramago, povoado por cegos, alguns deles tomados pela demência, outros, procurando reagir ao inevitável, por meio da lucidez, torna-se um paradigma de uma realidade muito atual, o que serve para acentuar a ideia de que Ensaio sobre a Cegueira, mais do que uma simples história fantástica, é um poderoso instrumento de combate à alienação humana, sem que, com isso, aos olhos da professora, o autor tenha que partir para o proselitismo.

    Se a qualidade do livro como um todo chama logo a atenção, gostaríamos de ressaltar no conjunto a brilhante análise que a autora faz das relações entre a linguagem verbal e a pictórica, presentes em Esanio sobre a Cegueira. Com efeito, é aí que se encontra o sumo deste ensaio, graças à originalidade da abordagem e à capacidade de identificação das telas e pintores referidos por meio do discurso verbal. Chama a atenção no ensaio, sobretudo, a perspicácia crítica com que a autora trata de uma tela sincrética criada pelos cegos de Saramago. Isolado em sua cegueira e incapazes de dialogar com o mundo, um deles inventa uma tela feita do recorte de várias telas, absolutamente dessemelhantes entre si e que têm como ponto em comum apenas o fato de serem obras pictóricas. Identificando as telas, a partir dos índices fornecidos pelo texto, Eliane de Alcântara Teixeira mostra como Saramago se serve da figura retórica da ekphrasis, para não só descrever objetos de arte plástica, mas também para inserir comentários irônicos, para, no fim, desentranhar um sentido do mundo, mesmo que este mundo redunde num amontoado aparentemente aleatório de peças desirmanadas. Ao ver dela, a grande tela sincrética é um retrato de uma realidade multifacetada, que se torna inapreensível pelo olhar humano e que, por conseguinte, provoca a sensação de caos, confusão. Ou seja, a grande e absurda tela seria uma mimese degradada de um mundo em que as partes, como numa tela medieval, organizam-se por coordenação, ou seja, as partes jamais se coadunam num todo coerente.

    O Insólito e a Desumanização em Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago tem grandes virtudes. Não só por se debruçar sobre a uma das obras mais instigantes do laureado autor português, mas também por fazê-lo com pertinência crítica. Apoiando-se numa sólida bibliografia, Eliane de Alcântara Teixeira constrói um discurso que prima pela originalidade das ideias e por um método crítico de abordagem que serve à clareza e à elucidação do romance. Sem se deixar encantar pela erudição acadêmica, muito em moda por aí e que, as mais das vezes, leva ao beco sem saída ou ao canto de sereia do discurso estéril, ela faz que o livro sirva apenas para aclarar os aspectos mais complexos da obra de Saramago. Com isto, presta um grande serviço à crítica, o que não é pouco, em se tratando de um ensaio universitário.

    Álvaro Cardoso Gomes

    Professor titular da Universidade de São Paulo

    Professor do Mestrado Interdisciplinar da UNISA

    Crítico literário e romancista

    I. Saramago e o Boom da Literatura Portuguesa

    Os últimos vinte anos do século XX têm sido de real importância para a Literatura Portuguesa que, desde a geração neo-realista, tentava reencontrar seu caminho. Depois do marasmo literário provocado pela agitação política, durante o período da Revolução dos Cravos, em que grande parte dos escritores de diferentes tendências voltou-se para a defesa dos ideais revolucionários, através da publicação de artigos e manifestos em jornais, da participação em grupos políticos, etc, surge uma geração de importantes autores, tanto na poesia como na prosa. Esse interregno, em que pouco se produziu, deveu-se talvez a um desvio de função, na medida em que os escritores deixaram de escrever para se dedicar à lide política, como bem observou José Saramago numa entrevista:

    Seria mais exato dizer que houve um decréscimo da produção literária em geral. Compreender-se-á que assim tenha sido, se pensarmos no que representou para todos nós a possibilidade de exercer uma ação política às claras, uma aprendizagem de vida coletiva em moldes totalmente diferentes. Não sobrou então tempo para escrever.[1]

    Passada essa fase, em que a atuação política se sobrepôs à literária propriamente dita, a Literatura Portuguesa voltou a crescer. No que diz respeito à prosa, graças a requintadas técnicas narrativas e à transbordante imaginação criativa, autores do romance contemporâneo, em Portugal, vêm adquirindo projeção internacional. Partindo da assertiva de Álvaro Cardoso Gomes de que

    na década de 80 é que surgirá nova geração de romancistas com vozes próprias e refletindo tendências diversas, dando à ficção portuguesa contemporânea um perfil bem próprio e independente das influências europeias, tanto na exploração de seus temas, quanto nas inovações formais.[2]

    é possível dizer que, dos anos 80 em diante, vemos confirmado o talento de Almeida Faria (cuja estreia se dera já na década de 60) e a revelação de novos escritores como Teolinda Gersão, Lídia Jorge, Lobo Antunes, José Saramago (que, embora estreando em 47 com Terra do Pecado, só foi reconhecido pela crítica

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