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A Economia das Paixões: Literatura, Erotismo e Gratuidade em Georges Bataille
A Economia das Paixões: Literatura, Erotismo e Gratuidade em Georges Bataille
A Economia das Paixões: Literatura, Erotismo e Gratuidade em Georges Bataille
E-book219 páginas3 horas

A Economia das Paixões: Literatura, Erotismo e Gratuidade em Georges Bataille

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Sobre este e-book

A economia das paixões visa abordar a relação entre literatura e desencadeamento das paixões, recompondo a crítica empreendida por Georges Bataille contra o Aproveitada utilmente. Se precisamos mudar o mundo, se temos alguma razão para agir, é preciso que a comuniquemos o menos literariamente possível. A aposta batailliana é diferente do engajamento existencialista francês, encabeçado por Jean-Paul Sartre.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de set. de 2020
ISBN9788547321796
A Economia das Paixões: Literatura, Erotismo e Gratuidade em Georges Bataille

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    A Economia das Paixões - Anderson Barbosa Camilo

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2019 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

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    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    Para Cícera, Auta, João e Francisco (in memoriam).

    Jamais captamos o ser humano – o que ele significa – senão de maneira equivocada: a humanidade se desmente sempre, ela passa de repente da bondade à baixa crueldade, do pudor extremo ao extremo impudor, do aspecto mais fascinante ao mais odioso. Frequentemente, nós falamos do mundo, da humanidade, como se houvesse qualquer unidade: de fato, a humanidade compõe mundos, vizinhos segundo a aparência mas em verdade estranhos, uns aos outros; às vezes mesmo, uma distância incomensurável os separa: assim o mundo da ladroagem está num certo sentido mais longe de um convento de carmelitas do que uma estrela de outra.

    (Georges Bataille, A história do erotismo)

    A vida não é argumento – Ajustamos para nós um mundo em que podemos viver – supondo corpos, linhas, superfícies, causas e efeitos, movimentos e repouso, forma e conteúdo: sem esses artigos de fé, ninguém suportaria hoje viver! Mas isto não significa que eles estejam provados. A vida não é argumento; entre as condições para a vida poderia estar o erro.

    (Friedrich Nietzsche, aforismo 121, A Gaia ciência)

    PREFÁCIO

    A redução do mundo ao círculo das tarefas feitas ou por fazer, a domesticação do desejo e o esquecimento do que a festa é e significa, e também a mistificação de um universo que desconhece tanto a necessidade como a transcendência, que Georges Bataille denunciou em vida, continuam a fazer da sua obra um recurso fundamental para resistir à lógica dos meios para os fins que, sem medida, coopta tudo e todos, impondo até sobre a morte a sua pata de empregado. A sua revisitação comporta, nesse sentido, inclusive sob as formas da problematização, uma forma de recusa imponderável que, tentando circunscrever a economia reduzida das sociedades em que vivemos ao lugar que ocupam na história da economia geral, abre um espaço único de reflexão para o animal que somos e estamos sempre em vias de devir.

    O trabalho de Anderson Barbosa, cuja secreta origem encontra-se na leitura do Nietzsche da Genealogia da moral, quero dizer nas questões existenciais e políticas que o martelo nietzschiano levanta no seu movimento de destruição, parte da constatação dessa crise na qual nos formamos e inevitavelmente nos vemos forçados a pensar. Ao paciente labor de introduzir os conceitos que perpassam a filosofia assistemática de Bataille, encontra-se sempre associada na sua escrita uma vontade de conduzir o pensamento contemporâneo ao horizonte ateológico da nossa condição; à análise dos temas, ao diagnóstico da atualidade; ao saber, à crítica.

    Nesse expediente, não teme apelar a esse objeto cujo sem sentido é mais profundo que o das pedras, e ao qual – como alertava Blanchot – a reflexão não pode consagrar-se sem arriscar a sua própria seriedade. A literatura, de fato, joga um papel fulcral na contraposição da liberdade concebida como projeto à liberdade concebida como desencadeamento das paixões. Consciente de que, se na obra de Bataille se articula uma verdade profunda, ela diz respeito ao olhar crítico lançado sobre a ideologia hegemônica da ação histórica (e as ruínas que deixa ao seu passo), faz questão de elaborar a alternativa batailliana ao existencialismo sartreano – elaboração que implica uma denúncia das limitações intrínsecas de qualquer projeto político que se apresente como candidato para colmar a totalidade das aspirações humanas, e, pelo mesmo, uma afirmação libertária do carácter aberto do nosso destino, das vidas que vivemos, das histórias que contamos.

    Marguerite Duras, que chegou a dizer alguma vez que Bataille – o seu amigo – estava louco, estava convencida, ao mesmo tempo, que chegaria um dia em que falar de Bataille seria possível. E a verdade é que Bataille já não parece estar louco para nós, que acaso lhe devemos parte da nossa precária cordura, da nossa ameaçada lucidez. Também parece ter deixado de ser impossível falar sobre ele, e inclusive com ele, num diálogo cujos efeitos quiçá não sejamos capazes de mesurar.

    O presente livro quer ser uma amostra do que pode estar em jogo nesse desafio que, como não podia ser de outra maneira, acaba necessariamente adotando a forma da transgressão.

    Eduardo Pellejero.

    Natal, 14 de julho de 2018.

    Sumário

    INTRODUÇÃO

    PARTE I

    1

    EROTISMO E DISPÊNDIO NO UNIVERSO DA AÇÃO E DO TRABALHO

    1.1 CIVILIZAÇÃO, EROTISMO E RECUSA À VIOLÊNCIA

    1.2 AS FACES DO DISPÊNDIO E A PRIORIDADE DO EXCESSO SEGUNDO A ECONOMIA GERAL

    2

    EXPERIÊNCIA E INCOMPATIBILIDADES

    2.1 A VIDA SEM MEDIDA NO MUNDO DA AÇÃO

    2.2 INCOMPATIBILIDADES E LITERATURA

    2.3 A TRANSGRESSÃO COMO EXTRAVASAMENTO DO SENTIDO: O ACÉFALO E O DEUS ANIMAL

    PARTE II

    3

    O ESTATUTO DA LITERATURA SOBERANA ENQUANTO LEVIANA INSUBORDINAÇÃO

    3.1 RETORNO À ECONOMIA GERAL

    3.1.1 A literatura é a parte maldita: da economia geral à escrita

    3.2 Escrever é uma prática escatológica

    3.3 A escrita literária como desencadeamento das

    paixões

    3.4 O caso Kafka

    4

    SARTRE E BATAILLE: UM DEBATE POLÊMICO ENTRE COMPROMISSO E GRATUIDADE LITERÁRIA

    4.1 O imperativo ético na escrita literária: Sartre e o engajamento do escritor

    4.2 Gratuidade vs. Compromisso: um debate polêmico entre Sartre e Bataille

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    REFERÊNCIAS

    INTRODUÇÃO

    Em 1957, na obra O erotismo, Bataille anunciava as ruínas da regulamentação normativa das atividades humanas, no intuito de abrir o espaço da existência para a sua plenitude, que os escritos de Nietzsche já denunciaram pelo Sim incondicional do trágico. Nietzsche (2007a, p. 63) afirmava que não há que desconsiderar nada do que existe, nada é dispensável, ou seja, aceitemos de bom grado o que a vida nos oferece – dela somos atuantes e constituintes; quem somos nós para lhe dizer não? –; também digamos que essa afirmação existencial nietzschiana requer uma força grandiosa, excessiva, mas essa força é a própria aceitação do mundo e do homem. A denúncia da regulamentação do existir coloca o ser humano nas vias do excesso, na consideração de que ele é mais do que, por exemplo, a moral e os interesses públicos e políticos afirmam sobre ele. O excesso é a pura afirmação até o impossível.

    A herança nietzschiana, do Sim incondicionalmente dado à existência, traduz a resistência de Georges Bataille em face do estado de coisas em que o homem moderno vive. Um inconformismo perante a reduçãoda humanidade ao mundo das coisas e ao tempo do trabalho, pois o próprio homem se tornou uma das coisas desse mundo, pelo menos no tempo em que trabalhava (BATAILLE, 2013b, p. 72). Um grito de recusa a esse mundo servil que nos reduz a servos e empregados¹.

    Para Bataille, o ser humano é uma abertura em que as possibilidades, anseios e vontades de sua intimidade, assim como os (im)possíveis sentidos do seu ser, podem ser comparados à infinitude do universo. Dessa maneira, o autor assevera uma existência transbordante, que a designa como vida sem medida, sem limites e regramentos, que está para além da atividade produtiva e em meio à desordem. A vida sem nenhuma medida é a afirmação existencial exuberante, é uma vida que conta por si só e que é por si só o sentido de toda a humanidade (BATAILLE, 2012, p. 144). Em nome dessa existência autêntica é que se insere a resistência batailliana à normatividade do útil regida pela lógica do capital no mundo moderno.

    A resistência a esse mundo das coisas, coisificado, assim como a exaltação dos instantes mais intensos do ser humano que compõem autenticamente a existência e que escapam da lei da mercadoria e da normatividade convencional da vida, perpassa a obra de Bataille desde seus escritos das décadas de 1920 e 1930, na colaboração das revistas Documents, Acéphale e Collége de Sociologie, até suas obras teóricas das décadas de 1940 e 1950, tais como O erotismo, A parte maldita, A experiência interior, A literatura e o mal etc. Devemos notar também esse teor em suas obras literárias, tais como História do olho, Madame Edwarda e O azul do céu².

    O que se tem em vista com este livro é oferecer ao público uma chave introdutória para mergulhar nos problemas do erotismo, da gratuidade e da literatura, tratados por Georges Bataille. A mola mestra dessa empreitada é tratar da problemática do ofuscamento da intimidade do homem, da experiência interior, em meio à seriedade do trabalho, na qual impera a lógica dos meios para os fins que, para o autor, é a realidade da produção e da utilidade.

    Georges Bataille trabalha essa problemática de modo bastante variado ao longo de sua obra. Em A parte maldita, de fato, ele se detém na exposição da realidade utilitária, investigando o problema da aquisição e do gasto, do consumo, do dispêndio, em termos e análises econômicas que dizem respeito ao modo como os homens lidam com as riquezas. Já em A experiência interior, o autor trabalha o conceito homônimo, buscando dar o estatuto dessa experiência como uma experiência da pura interioridade humana, ligada aos desejos. Na obra O erotismo, Bataille procura analisar: o lugar do erotismo no caminho que o homem traçou na sua saída da animalidade rumo à civilização; e a posição da sexualidade livre da finalidade de reprodução, sexualidade erótica³, que também é expressão de uma experiência da intimidade, em meio às exigências da realidade do trabalho.

    Vemos nessa pequena explanação a pluralidade de temas que exigem diversos procedimentos de análise para que Bataille desse continuidade às suas propostas de trabalho. Nessa medida, o pensamento batailliano envereda pela antropologia francesa, pela psicanálise, dialoga com a filosofia nietzschiana, com a literatura moderna russa e francesa, passa pela análise de obras de arte, pelo estudo de religiões primitivas⁴ etc.

    Nessa perspectiva, dada tamanha abertura de sua obra, fica difícil encerrá-la numa classificação⁵. Tal abertura se exprime na descentralização dos temas, acarretando a impossibilidade de uma classificação mais rígida, tudo isso traduz o próprio objeto que Georges Bataille trata no decorrer de sua obra: o âmbito da intimidade do homem como aquilo que compõe uma existência autêntica, livre de qualquer limitação. A experiência da intimidade, a existência autêntica, dá-se nos opostos das limitações advindas dos interesses e das obrigações utilitárias da realidade exterior socialmente organizada.

    Em A conjuração sagrada, texto publicado em 1936 na revista Acéphale, Bataille (2005a, p. 22) afirma que a aceitação do fatigante peso das instruções do mundo externo, a submissão a isso, conduziu a uma vida sem atrativos. E em Propositions, texto publicado em 1937 na mesma revista, Bataille (2005b, p. 67) afirma que reduzir a existência ao cumprimento dessas instruções, deixar que a vida se encerre numa função[,] é deixar que a vida se castre.

    O autor é lúcido para a necessidade de trabalhar e comer⁶, ou seja – como afirma num texto de 1957, Carta a René Char sobre as incompatibilidades do escritor –, precisamos agir, mas o problema se resume ao fato de que os homens confundem ação com vida. Desta forma, como suportar que a ação, em formas tão lamentáveis, consiga ‘escamotear’ a vida? (BATAILLE, 2012, p. 284, grifo do autor).

    Essa preocupação levou Bataille a pensar elementos contrapostos que escapam a uma normatividade do discurso e do modo de agir do homem numa sociedade homogeneizadora. É na via dessa problemática que o pensador francês levantará a antinomia entre o universo da ação eficaz do homem no mundo, da atividade prática, e a existência em seu transbordamento, em sua nudez numa plena afirmação de si⁷.

    Seguindo essa perspectiva, a primeira parte deste livro aborda o lugar do erotismo na realidade da atividade prática útil, que caracteriza o mundo do trabalho. É esse mundo que deu forma à vida gregária do homem, que o autor designa como civilização, regida por interditos em nome de um fim, de um interesse maior: a manutenção geral da vida dos homens e do bem comum. O excesso e o dispêndio serão cruciais para a visão crítica de Bataille sobre a origem da civilização e da cultura, fundamentando o pensamento da economia geral, isto é, uma economia a nível universal considerada a partir do ponto de vista do dispêndio.

    Na primeira parte ainda é tratada a questão das incompatibilidades da vida sem medida e da ação sem medida para Bataille, quer dizer, a questão de uma instância presente no ser humano, que responde ao excesso e à dilapidação, e que é incompatível com os interesses da civilização e do mundo do trabalho. A noção de soberania vem à tona na medida em que está ligada a essa instância no sujeito que diz respeito ao gasto improdutivo, e que a literatura é o lugar para o desencadeamento dessa instância. Investigaremos a questão da transgressão não somente pelo viés sociológico e antropológico acerca dos tabus, mas, sobretudo, a partir dos comentários de Foucault. Segundo Foucault (2009), a experiência da transgressão que perpassa pela obra de Bataille é a experiência da sexualidade e da morte de Deus na contemporaneidade.

    A segunda parte deste livro trata diretamente do problema da literatura enquanto atividade insubordinada à lógica dos meios para fins, ou seja, insubordinada à lógica da utilidade que rege o mundo do trabalho. A abordagem é de como se interligam as noções de inutilidade, soberania, morte, transgressão, transbordamento, com a prática da literatura, privilegiando os textos de Bataille acerca da atividade literária, sobretudo A literatura e o mal. Para ampliar a problematização acerca da atividade literária como atividade que escapa ao âmbito da lógica dos meios para os fins, traz-se à tona o debate polêmico entre Georges Bataille e Jean-Paul Sartre sobre a questão da literatura. O problema das incompatibilidades entre uma vida autêntica e plenamente afirmativa, livre de sentido preciso, e uma vida regulamentada

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