Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: Diálogos Teóricos Construídos nas Ações Formativas da UFFS
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Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - Zoraia Aguiar Bittencourt
Outubro/2018
PRÉ-ESCOLA
1. EDUCAÇÃO INFANTIL NO PNAIC? PRA QUÊ? ESTRATÉGIAS FORMATIVAS DO EIXO PRÉ-ESCOLA
Flávia Burdzinski de Souza¹
Silvania Regina Pellenz Irgang²
Simone Santos de Albuquerque³
1. Contextos introdutórios da Educação Infantil no PNAIC
A publicação da Portaria nº 826⁴, de 7 de Julho de 2017, do Ministério da Educação, trouxe inquietações e dúvidas sobre a inclusão da Educação Infantil no âmbito das ações formativas do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC. De início acreditamos que esta ruptura na Educação Infantil, através da exclusiva inserção da Pré-escola no PNAIC,incidiria
numa concepção de preparação para o Ensino Fundamental, na qual a Educação Infantil esteve alicerçada por muito tempo, ainda mais pela referência do programa em conceber as crianças como estudantes
e afirmar a responsabilidade dos profissionais da educação no alcance (...) do direito da criança de escrever, ler com fluência e dominar os fundamentos da Matemática no nível recomendável para sua idade
(Brasil, 2017, art. 2º).
O PNAIC, desde sua concepção em 2012, abrangeu em sua organização diversos eixos de atuação, como a formação continuada de professores e gestores; a distribuição de materiais didáticos, literatura e tecnologias educacionais; avaliações sistemáticas e processuais do processo de formação e da aprendizagem infantil; gestão responsável pela mobilização da política e monitoramento de desenvolvimento. Portanto, a inserção da Pré-escola no contexto formativo do programa, nos anos de 2017 e 2018, esteve alicerçada em ações centradas no primeiro eixo, na formação continuada dos profissionais, conforme especifica artigo 16 da Portaria nº 826:
A formação continuada de professores e coordenadores pedagógicos da educação infantil, articuladores da escola e mediadores de aprendizagem utilizará material de formação e apoio à prática docente, com foco na aprendizagem do aluno, obedecidas as diretrizes estabelecidas pelo MEC. (Brasil, 2017, p. 21)
Porém, o Ministério da Educação concedeu liberdade
e autonomia
para que as redes participantes da formação do programa pudessem selecionar e escolher os materiais a serem usados na efetivação da formação. Deste modo, houve a indicação de que a Educação Infantil adotasse o material Leitura e Escrita na Educação Infantil⁵ produzido entre os anos de 2013 e 2015, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), como resultado de um contrato firmado entre a Dicei/SEB/MEC e a UFMG.
Destacamos que a Coleção do Projeto Leitura e Escrita na Educação Infantil foi resultado de um projeto de pesquisa que estava imerso numa Política de Formação de Professores, com princípios e concepções articuladas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2009), e que este material foi desenvolvido a partir de uma ideia, de que:
A complexidade, tanto do processo de formação docente quanto do ensino e da aprendizagem da linguagem escrita, exige uma política de formação sustentada em princípios teóricos e práticos e respaldada por materiais didáticos que façam chegar às professoras as teorias e, ao mesmo tempo, lhes garanta condições e espaços de reflexão sobre suas vidas pessoal e profissional e sobre sua prática cotidiana. (Carta às Professoras. Projeto Leitura e Escrita na Educação Infantil, 2017, p. 5 e 6)
Assim, é importante ressaltar que não foi um material produzido para e nem pelo PNAIC.
A coleção foi produzida a partir de um longo projeto que envolveu equipes de professores pesquisadores de três universidades, foram elas: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), bem como profissionais da Coordenação da Educação Infantil (Coedi) do Ministério da Educação (MEC). Também foram realizados seminários, pesquisas, estudos e debates com professores e estudiosos brasileiros e estrangeiros no decorrer do projeto, os quais contribuíram para a produção do Curso e do Material didático-pedagógico que constituíram a Coleção composta por 8 cadernos, além de um livro de apresentação e outro destinado à formação das famílias.
Também é importante ressaltar o cuidado estético que envolveu a composição das ilustrações e o cuidado com toda a arte produzida no material. Assim, é possível enunciar que todos aqueles professores que tiveram o privilégio
de receber o material impresso foram contemplados com um potente acervo literário-estético e científico que encanta a alma e produz o desejo e o prazer em conhecer.
Portanto, a coleção aborda temáticas que fazem parte do percurso de formação dos professores, sugerido no documento orientador do PNAIC (2017/2018), na qualificação das concepções atuais da Educação Infantil:
Identificação e análise sociopedagógica da turma: criança/família/comunidade e profissionais atuantes na escola, crianças e professor;
– Currículo, proposta pedagógica e organização do trabalho;
– Documentação pedagógica: observação e registro;
– Planejamento e avaliação na Educação Infantil;
– Intervenções pedagógicas no cotidiano da Educação Infantil: espaços, tempos, materiais, agrupamentos e atividades;
– As rotinas e as experiências de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar;
– Culturas infantis: jogos, brinquedos e práticas lúdicas;
– O trabalho pedagógico para expressão e fruição das manifestações estéticas e culturais;
– Construindo bebês e crianças autoras e leitoras;
– Estimulando a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças, em relação ao mundo físico e social, ao tempo e à natureza;
– Conhecimento e campos de experiência. (Brasil, 2017, p. 21)
A formação do PNAIC, no Estado do Rio Grande do Sul, foi realizada por seis instituições federais de Ensino Superior, foram elas: Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS – Campus Erechim), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)e Universidade Federal do Pampa (Unipampa – Campus Jaguarão), sendo o grupo gestor formado por um coordenador estadual de cada universidade, Coordenador da Undime, Coordenador de Gestão (indicado pelo Coordenador Estadual e pelo Coordenador da Undime); e Coordenador de Formação (também indicado pelo Coordenador Estadual e pelo Coordenador da Undime).
No Eixo Pré-escola cada universidade selecionou através de edital público uma formadora estadual e formadores regionais de acordo com o número de professores e coordenadores que formavam a sua rede formativa. Importante destacar que, através da articulação promovida pelo Fórum Gaúcho de Educação Infantil (FGEI), o grupo de professores pesquisadores do Eixo Pré-escola- PNAIC/RS⁶ constituiu uma rede formativa com o objetivo de estabelecer trocas e diálogos em relação ao processo formativo. Após alguns encontros deste grupo, é possível destacar que a decisão das universidades federais de se comprometerem com a formação e a construção de estratégias formativas para o Eixo Pré-escola evidenciou um movimento político importante em torno de uma concepção de Educação Infantil que historicamente a área vem construindo e lutando contra os retrocessos dos últimos tempos.
2. A formação na UFFS: tecendo uma rede formativa para a Educação Infantil
O grupo PNAIC – Eixo Pré-escola/UFFS, ao desenvolver um trabalho inédito na formação de profissionais da Educação Infantil, procurou sempre respeitar as orientações e as temáticas levantadas pelo Documento Orientador, além de estabelecer parceria de troca e de diálogo com outras universidades, como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a fim de afirmar o lugar da Educação Infantil e a luta pelo reconhecimento dos direitos das crianças a uma educação de qualidade, na construção de um currículo mais sensível e perceptivo às infâncias presentes nas escolas infantis.
Deste modo, este texto aborda as ações formativas mantidas ao longo de 100 horas de formação continuada presenciais e a distância, oferecidas diretamente a 62 professores e coordenadores de Pré-escola, pertencentes a 61 municípios de abrangência da 7ª e 15ª Coordenadorias Regionais de Educação do Estado do Rio Grande do Sul. A formação teórico-prática do PNAIC – Pré-escola/UFFS foi desenvolvida por meio de propostas de contação de histórias, brincadeiras cantadas, leituras, palestras, rodas de conversa, seminários, organização de espaços brincantes, seleção de materiais, entre outras ações baseadas no estudo dos cadernos do projeto Leitura e Escrita na Educação Infantil.
Para sistematizar as concepções defendidas como premissas no contexto político de formação no âmbito do grupo PNAIC Pré-escola – UFFS/Erechim, foram tecidas colchas de retalhos pelas participantes, que mostraram de maneira direta o quanto a formação trouxe significado ao ser planejada e registrada em palavras e desenhos.
3. Refletir e tecer...
A produção da Colcha de retalhos: encontros formativos do PNAIC – Pré-escola/UFFS Erechim
estampa em palavras, desenhos e representações aspectos essenciais da formação continuada realizada. Dentre as atividades realizadas, estiveram presentes momentos de dialogar, repensar, ressignificar e resgatar as representações das professoras acerca da docência, da criança, da infância, do currículo, do planejamento, da observação, da documentação pedagógica e da avaliação na Educação Infantil.
No primeiro encontro de formação, as discussões se centraram na premissa da criança como sujeito histórico e de direitos, centro do planejamento educativo (Brasil, 2009); na Pedagogia da Infância como gênese da ação educativa (Malaguzzi, 2001; Pinto; Sarmento, 1997; Kramer, 1999; Rinaldi, 2012) e na organização dos pressupostos de uma nova configuração da docência na Educação Infantil.
Para que essa dimensão tivesse sentido e significado, precisamos revisitar o passado, as memórias individuais e coletivas para que o processo de sensibilização do olhar já iniciasse no primeiro encontro. Foi com essa ideia que solicitamos que cada professora trouxesse uma fotografia de criança e um objeto significativo usado em sua infância. As professoras participantes da formação, nominadas como Formadoras Locais (FL), uma a uma foram trazendo suas histórias para a roda formativa, onde as histórias de infância emendavam-se umas às outras, já que, em sua maioria, eram oriundas de cidades do interior do Rio Grande do Sul tendo o campo como cenário de suas brincadeiras e memórias. A dimensão simbólica dos objetos, e até mesmo das roupas que vestiam nas fotografias, o lugar em que estavam e as lembranças vividas faziam com que as professoras revivessem esse passado como algo envolvido de magia.
As histórias vividas se passavam em meio à natureza, à casa da família, à escola e às dificuldades pelas quais passaram nesse período, mas o riso disfarçava a emoção e, como na colcha de retalhos, uma história foi se entrelaçando à outra. Essa proposta foi realizada pelas três turmas do PNAIC – Eixo Pré-escola da UFFS/Erechim, contabilizando 62 formadoras locais, em média totalizando 21 professoras por turma.
Na roda de conversa, entraram bonecas, ursos, panelas de brinquedo, colheres, cobra de plástico, vestido de bebê, bolsa, tamanco, aviamentos, livro de história, jogo do resta um e mini fotografia dentro de um monóculo antigo de ver fotos, conforme exemplifica a Figura 1. Cada objeto trazia uma história e marcas de infâncias que as representam até hoje. Os vínculos afetivos com as mães, os irmãos, que na época chegavam a doze, quinze, a junção com os filhos e filhas dos vizinhos próximos, dos primos e primas, as brincadeiras solitárias de bonecas, os medos e a segurança de ter o objeto tão próximo a si, a roupa de passeio, de domingo, a colher de cavar no barro, de inventar comidas com os elementos da natureza, enfim, histórias que traziam um enredo de experiências bem conhecidas de algumas infâncias.
Imagem 1. Objetos da infância das professoras.
Fonte: Acervo pessoal das autoras.
O relato das infâncias e das crianças que foram fez diálogo com o material teórico dos cadernos 0, 1, e 2 do material Leitura e Escrita na Educação Infantil. Neste momento, a infância foi reconhecida como um momento histórico, cultural, social vivido em diferentes épocas e momentos da história de cada uma. Mesmo reconhecendo que estamos em outra época, foi possível refletir sobre os espaços e os tempos dados à infância do presente, à(s) infância(s) vivida(s) pelas crianças com as quais trabalham e as oportunidades dadas (ou não) para que esses significados também sejam construídos por elas quando adultas. Chegamos, assim, à dimensão profissional da docência na Educação Infantil e o que moviam elas a se constituírem como professoras
.
E, imbuídas das reflexões e problematizações levantadas no coletivo a partir do material teórico e das experiências vividas e narradas, escreveram uma palavra que representasse a docência na infância. Amor, dedicação, envolvimento, afeto, sensibilidade, inovar, encanto, compromisso, movimento, responsabilidade foram palavras destacadas, conforme exemplifica a Figura 2. Amor
e dedicação
repetiram-se algumas vezes, pois, segundo as participantes, carregam o sentido de realização do trabalho, de se identificarem com a profissão, enquanto outros ainda romantizavam as crianças e a profissão como ofício da mulher sensível e amorosa. No entanto, o grupo sentiu-se à vontade o suficiente para tecer comentários e reflexões importantes sobre tais palavras, fazendo com que algumas coisas fossem revisitadas, os conceitos repensados e a docência ressignificada pela formação continuada.
Imagem 2. Exemplos de palavras tecidas pelas professoras formadoras.
Fonte: Acervo pessoal das autoras.
No segundo encontro de formação, o currículo da Educação Infantil (Brasil, 2009), a relação intrínseca entre observação, documentação pedagógica, planejamento e avaliação (Kramer; Barbosa, 2016) e a organização de espaços e materiais foram objetos de estudo do grupo. Iniciamos esse segundo momento já trazendo uma provocação às professoras com materiais não estruturados, convidando um grupo de professoras a brincarem com esses materiais e outro grupo ficou como observador das ações, das intervenções e dos movimentos criados pelas professoras brincantes. Trazemos para a roda formativa as concepções de currículo da Educação Infantil e relações teórico-práticas com o Caderno 6 do material utilizado. Entramos na discussão das tensões, dos avanços e dos retrocessos que envolvem o currículo e o cotidiano das escolas e salas de Educação Infantil. Foi um debate potente em que as professoras compartilharam as experiências de suas realidades escolares e perceberam o quanto a criança ainda precisa de tempo e de espaço para brincar e brincando, aprender.
Na colcha de retalhos, observamos por meio de desenhos a representação da reflexão sobre outras visões a respeito da organização curricular na Pré-escola (Figura 3). A crítica ao currículo por datas comemorativas ficou clara, mas a dificuldade em romper com esse modelo também apareceu como um desafio coletivo, formativo e qualificado.
Imagem 3. Exemplos de palavras desenhos tecidos.
Fonte: Acervo pessoal das autoras.
Outra reflexão significativa foram os conflitos históricos em relação à preparação da Pré-escola para a alfabetização do Ensino Fundamental. Segundo o discurso produzido, isso já não cabe mais no currículo da Educação Infantil, que compreende a criança como sujeito histórico, de direitos, ser cultural por excelência, protagonista de suas experiências e aprendizagens (Brasil, 2009; Rinaldi, 2012), mas isso só será possível de se efetivar nas escolas quando houver uma formação continuada qualificada, capaz de mobilizar outros modos de projetar o currículo e a docência na Educação Infantil.
De acordo com os relatos das formadoras locais em meio à roda de conversa (Figura 4), o tempo não tem sido aliado da infância. Cada vez mais a criança vem sendo cerceada pela hora do brinquedo, hora do lanche, hora da atividade, hora da história, hora do pátio, hora do inglês, da psicomotricidade, de fazer aquilo que o adulto planejou para a criança executar. Essas foram as principais discussões desse segundo encontro formativo, em que as vozes das professoras foram ouvidas pelos seus pares e juntas contribuíram umas com as outras no processo de reflexão, nos modos de repensar o currículo na Educação Infantil através de suas experiências.
Imagem 4. Momento da roda de conversa das professoras.
Fonte: Acervo pessoal das autoras.
Ler, escrever, brincar e interagir fizeram parte dos temas do último encontro de formação, que foi tecido pelas professoras por meio de representações livres sobre os desafios que ainda precisamos vencer frente à organização pedagógica da Educação Infantil. A proposta inicialmente causou insegurança, não sabiam