Dicionário dos geógrafos brasileiros: Volume 2
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Dicionário dos geógrafos brasileiros - 7Letras
Sumário
Apresentação
O Homem e a Geografia: Alberto Ribeiro Lamego Filho
Cristina Pessanha Mary
Aroldo de Azevedo e a Geografia da hegemonia paulista
Mônica Sampaio Machado
Jorge Paulo Pereira dos Santos
Isabella Belmiro Araujo
Geografia (re) tropical: paisagem tupinizada O Brasil pelos olhos de Aziz Ab’Sáber
Núbia Vieira Cardoso
Carlos Delgado de Carvalho e suas concepções da Geografia moderna no Brasil: das regiões naturais ao espaço das relações internacionais
Eli Alves Penha
Everardo Backheuser e o nascimento da Geopolítica brasileira
André Roberto Martin
Gilmar Mascarenhas: a biografia do drible
Julia Santos Cossermelli de Andrade
O indivíduo, o lugar e o pensamento: João Baptista Ferreira de Mello e a sua inovadora Geografia humanística
Melissa Anjos
Olga Maíra Figueiredo
Ivo Venerotti
João Rua: um pensador na interseção entre ensino e pesquisa em Geografia
Leonardo Freire Marino
Roberto Lobato Corrêa
Pedro P. Geiger
Rogério Haesbaert: uma trajetória dedicada à Geografia
Mônica Sampaio Machado
Rosa Ester Rossini e o pioneirismo nos estudos de gênero na Geografia brasileira
Camila Gomes Alves
Sobre os autores
Texto de orelha
Apresentação
O Dicionário de Geógrafos Brasileiros, volume 2, apresenta resultados de estudos desenvolvidos por pesquisadores do Grupo de Pesquisa Geografia Brasileira: História e Política (GeoBrasil) e por pesquisadores convidados. Aqui estão sendo expostos alguns produtos das atividades da linha de pesquisa voltada à Geografia Histórica, a qual prioriza investigações do campo da ciência geográfica brasileira e da história territorial do país. Nesta publicação está sendo oferecido ao público um material rico e organizado sobre expoentes da Geografia Brasileira, contendo informações biográficas valiosas sobre os mesmos, bem como comentários abalizados sobre suas produções intelectuais e demais contribuições ao desenvolvimento da ciência geográfica por parte desses autores.
Apresentados em ordem alfabética, os geógrafos selecionados para compor este segundo volume legaram grandes contribuições à ciência geográfica brasileira e ao estudo do espaço geográfico do País. São eles: Alberto Ribeiro Lamego; Aroldo de Azevedo; Aziz Nacib Ab’Saber; Carlos Delgado de Carvalho; Everardo Backheuser; Gilmar Mascarenhas; João Baptista Ferreira de Mello; João Rua; Roberto Lobato Corrêa; Rogério Haesbaert e Rosa Ester Rossini. Uma novidade foi inserida neste volume: uma sessão ilustrada, Pedro Geiger em quadrinhos.
Organizado pelos professores doutores Mônica Sampaio Machado e André Roberto Martin, a elaboração e a publicação deste livro só foram possíveis em função do apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), através do Programa Apoio às Universidades Estaduais, 2018.
Desejamos uma proveitosa leitura.
Mônica Machado e André Martin
O Homem e a Geografia: Alberto Ribeiro Lamego Filho
Cristina Pessanha Mary
Este é um capítulo do Dicionário dos Geógrafos Brasileiros, dedicado à apresentação do legado de Alberto Lamego Ribeiro Filho (1896-1985) para a ciência geográfica. Uma contribuição que transcendeu ao seu próprio tempo, quer pela solidez, quer pela permanência de sua obra.
Quando se lê Alberto Ribeiro Lamego Filho, fica a impressão de que a Geografia, a História e a Geologia marcaram encontro na sua escrita. Impossível discernir em que ponto começa uma e quando termina a outra. Esse artigo tem como foco conhecer o processo de construção da Geografia de Lamego, expresso na sua obra capital, O Homem e o Brejo, O Homem e a Restinga, O Homem e a Serra e O Homem e a Guanabara publicada na década de 1940. Não no sentido conferido pela historiografia até agora, a cada momento enquadrando-o como representante de uma determinada tradição,¹ ou mesmo, desqualificando seu texto em razão de algum anacronismo.²
À parte os esforços de eleição de precursor de campo científico, ou mesmo, o caminho inverso, das classificações reducionistas, para compreender a escrita da Geografia, foi preciso tomá-la nas suas relações com dois processos paralelos e complementares, o de modernização da sociedade brasileira implementada a partir do Estado Novo e o de constituição do próprio campo disciplinar da Geografia, sem os quais não se entende a metamorfose
do geólogo em aclamado geógrafo. Lamego, ele próprio, foi produto e produtor de uma certa forma de se fazer ciência no país em determinado período. Produto, na medida em que sua Geografia dialogou com a dos seus predecessores, interagiu com as ideias de seu tempo, estando influenciada pelo seu círculo de sociabilidades e da política. Inovador, quando se percebe a imensa influência do seu pai, um dos maiores historiadores fluminenses da primeira metade do século XIX, sobre sua obra. Vamos a ela.
o homem, vida e obra
Alberto Ribeiro Lamego Filho (1896-1985) nasceu em Campos em 1896, vindo a falecer no Rio de Janeiro em 1985 (TAPAJÓS, 1992, p. 80). Descendente de senhores de engenho em Airisis, Campos e, em São Tomé, Itaboraí, como ele mesmo afiançou (Lamego, 1975, p. 5), completou seus estudos, primário e secundário, na Europa, para onde viajou, entre os anos de 1906 e 1920, acompanhando sua família. Com a Primeira Guerra, todos se deslocaram para Londres, tendo Alberto Lamego Ribeiro Filho ingressado na Royal School of Mines do Imperial College of Science and Technology. Paralelamente, Lamego fez a licenciatura em engenharia na Universidade de Londres (TAPAJÓS, 1992, p. 80).
Em 1920, mesmo ano de sua volta ao Brasil, Lamego foi admitido como geólogo no Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, um órgão ligado ao Ministério da Agricultura. Saiu quatro anos depois para retornar em 1933. Durante dez anos, entre 1951 e 1961, exerceu a função de diretor da Divisão de Geologia e Mineralogia (DGM) do Departamento Nacional de Produção Mineral, hoje Agência Nacional de Mineração.
Essa experiência à frente da DGM e também como pioneiro no Brasil em relação ao uso da fotogeologia em grande escala (Projeto Araguaia, Projeto Alto-Xingu, Brasília), marcou a produção intelectual de Lamego. Ao longo de sua vida profissional, muitos foram os estudos oriundos de trabalhos de campo empreendidos como geólogo. Lamego transitou pela geologia, tanto no viés da pesquisa e prática de campo, quanto em torno de teorias (LAMEGO, 1974, p. 21). Registra-se, ainda, as publicações dos seus relatórios como Diretor da Divisão de Geologia e Mineralogia e outros trabalhos cartográficos, como a Carta Geológica da Cidade do Rio de Janeiro, de 1939; o Mapa Geológico da Zona de Carapebus, no Estado do Rio de Janeiro; o Mapa Geológico do Estado do Rio de Janeiro; o Mapa da Faixa de Restingas no Estado do Rio de Janeiro e o Mapa Geológico do Brasil (LAMEGO, 1974, p. 22).
Na década de 1940, o autor lançou os 4 números da obra que o consagrou como geógrafo. Foram publicadas, em 1946, O Homem e o Brejo e O Homem e a Restinga. Completam o conjunto os seguintes títulos: O Homem e a Guanabara, em 1948 e O Homem e a Serra, de 1950. Na escrita dessa tetralogia, surge, de forma muito nítida, a vinculação do autor com a Geografia, mas também com a História. Dono de uma narrativa excepcional, mesmo sem acreditar, como fazem os ingleses,³ que tal capacidade se constitui como uma dimensão fundamental para se fazer história (SChWARCZ; STARLING, 2019, p. 112), detecta-se na obra de Lamego a intromissão
da História. Provavelmente, uma herança do pai, seu homônimo, Alberto Lamego (1870-1951), um dos principais historiadores fluminenses da primeira metade do século XX.
a história: de pai para filho
Até os dias de hoje, é muito comum aos desavisados fundir o legado dos dois Albertos. O do grande historiador fluminense da primeira metade do XIX com o do famoso geógrafo da década de 1940. Se atribui ao filho as obras escritas pelo pai, como foi o caso de Terra Goitacá, primeiro volume da produção mais importante de Alberto Lamego, publicada em 1913 (FERNANDES, 2006, p. 1).
Muitas são as passagens na tetralogia de Lamego Filho que ilustram, de forma direta, seu domínio dos métodos da história. Buscando evitar anacronismos e procedimentos teleológicos, ele alerta, em O Homem e a Serra: Nada mais falso, adulterado e aberrante das retas normas de um pesquisador, que exumar o passado com o espírito focalizado no presente
(LAMEGO, 1963, p. 301).
Camadas e camadas de tradições históricas empregadas por seu pai se acumulam na obra máxima de Alberto Ribeiro Lamego Filho. Desde normas e métodos impostos pelo processo de afirmação da história como disciplina, como os ideais de objetividade científica, o tratamento das fontes utilizadas, as regras de citação, até a erudição tão ao gosto dos antiquários. Cabe lembrar que Alberto Lamego, o pai, foi um grande colecionador de arte, uma tradição de há muito condenada ao ostracismo, desde os idos dos anos de 1930. Tal interdição, dessa e de outras modalidades de relação com o passado, ligou-se, sobretudo, à canonização de uma forma de representação da história, tomada como única e decorrente do processo de profissionalização daquele ramo do conhecimento. De um lado, houve o divórcio entre a história e a literatura, filosofia e artes, de outro, a desqualificação do modo clássico dos antiquários e de qualquer abordagem pessoal como biografias, relatos, testemunhos ligados à memória. Naquela história, submetida às regras da ciência, da investigação, das normas passaram a ocupar o lugar de honra secundadas pelos ideais de objetividade e da centralidade da escrita como fonte confiável (GUIMARÃES, 2001, p. 1 ).
Boa parte das coleções de Alberto Lamego encontra-se hoje no acervo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), criado em 1962 pelo historiador Sergio Buarque de Holanda. Os quadros ficaram no Museu Antônio Parreiras (FERNANDES, 2006, p. 5). Um outro legado do pai foi a rica biblioteca
, reunida durante sua estada na Europa (1908-1920), uma vasta coleção de documentos e livros raros especialmente sobre a terra fluminense
(FERNANDES, 2006, p. 217).
Nesse mesmo período, procurando diferenciar-se do nome paterno, Alberto Lamego escolheu assinar seu primeiro livro como Lamego Filho; posteriormente passou a utilizar o nome materno – Ribeiro
(FERNANDES, 2006, p. 1). Não por acaso, como se verá, essa alteração no próprio nome coincidiu com o surgimento de um novo Lamego, o Lamego geógrafo.
a geografia a serviço do homem
A unção do geólogo Alberto Lamego Ribeiro Filho, um engenheiro de formação, especialista em minas, como um geógrafo, é inseparável do reconhecimento da própria Geografia como especialidade. No Brasil, até a década de 1930, desde as primeiras incursões portuguesas, incluindo os trabalhos topográficos, ordenados pela metrópole e as descrições dos viajantes no século XIX, a exemplo do príncipe de Wied-Neuwied,⁴ Augusto de Saint Hilaire,⁵ Ferdinand Denis,⁶ sem esquecer a Corografia Brasileira do padre Manoel Aires de Casal,⁷ as vetustas tradições da geografia (história, cartografia e outras) irmanavam-se (MARY, 2010, p. 18). Por vezes, estiveram abrigadas nas Sociedades de Geografia⁸ e Institutos Históricos, outras tantas nas Comissões Geológicas. Mesmo nos cursos universitários recém-criados, a habilitação era dupla. A especialização definitiva ocorreu apenas na década de 1950.
Veríssimo da Costa Pereira (1994, p. 434), em seu artigo sobre a Geografia Brasileira, identificou os vários espaços nos quais a Geografia foi praticada antes do processo de institucionalização e de formação do campo disciplinar daquele conhecimento ocorrido a partir da década de 1930.
No Brasil, ainda no início daquela década, indiferentes às fronteiras disciplinares, engenheiros, geólogos realizavam as tarefas impostas por um país que se modernizava. Nas palavras de Pereira (1994, p. 409), referindo-se aos geólogos, "a imagem e semelhança dos naturalistas do século XIX, se fez, às vezes, muito boa geografia".
Alberto Ribeiro Lamego Filho pertenceu a essa lavra de geólogos mencionada, cada vez mais envolvidos com a geografia, que, na falta de profissionais especializados, muito alargaram a bibliografia daquela disciplina, produzindo estudos de geografia econômica, transportes, comunicações e geografia industrial
(PEREIRA, 1994, p. 408).
Lamego teve carreira de destaque no Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil. Este órgão, criado em 1907 pelo governo federal, dentro de um espírito de reunião e sistematização do conhecimento antes disperso entre os rincões da ciência nacional, correu em auxílio a uma série de iniciativas dos governos, tanto no plano federal como na escala regional. Do serviço geológico vieram as orientações quanto às melhores formas de implementar alterações na superfície, do ponto de vista da geologia estrutural e da estratigrafia, para a comissão de obras contra os efeitos das secas no Nordeste (PEREIRA, 1994, p. 408). Após a Primeira Guerra, cada vez mais, desenvolveu-se, naquele instituto, diretrizes da Geologia Aplicada de caráter nacional, em que os temas econômicos prevaleceram, tais como petróleo, energia, hidráulica, ferro, reconhecimento geográfico de bacias hidrográficas e divulgação de mapas relativos a várias regiões do Brasil.
O encontro da boa geografia
, na expressão de Pereira (1994), realizada por diversos ramos de conhecimento, com a Geografia, de caráter formal começou a ser delineado com a implantação dos primeiros cursos universitários, no Rio de Janeiro (1935) e em São Paulo (1934), mas, também, com criação do Conselho Nacional de Geografia, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1937), da Associação dos Geógrafos Brasileiros (1936), em São Paulo e no Rio de Janeiro (MACHADO, 2009, p. 32).
O IBGE, historicamente, foi organizado em janeiro de 1938, pela junção do Conselho Nacional de Estatística, criado em 1936, oriundo do Instituto Nacional de Estatística, de 1934, com o Conselho Nacional de Geografia, implantado em 1937. Entretanto, oficialmente, a criação do IBGE ficou estabelecida em 29 de maio de 1936, ocasião em que foi regulamentada a profissão de geógrafo (PENHA, 1993, p. 19).
Essa verdadeira engrenagem de órgãos de natureza geográfica, com significativos recursos técnicos e financeiros e incumbência legal de coordenação e execução das políticas públicas do Estado brasileiro, a exemplo do Conselho Nacional de Geografia (CNG) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (PENHA, 1993), esteve atavicamente ligada ao processo de modernização da sociedade brasileira, levada adiante pelo regime instaurado em 1937 (fase conhecida como Estado Novo) e que implantou "um estado autoritário de orientação populista" (CARVALHO, 1995 , p. 29).
O poder central instaurado nesse período, intervencionista, passou a liderar a formação e a implementação de uma política nacional
redefinindo a identidade da nação (CARVALHO, 1995, p. 32). Nesse processo, a centralização estadonovista se constituiu como meio de controle dos regionalismos, de modo a driblar os efeitos da crise na economia e enfrentar as questões sociais. Preconizou-se a atuação racional do Estado como garantia para se obter outro patamar econômico e político para o país (PENHA, 1993).
Ao IBGE e, especialmente, ao Conselho Nacional de Geografia,⁹ coube levantar e sistematizar informações relativas ao quadro territorial, alimentando, assim, a administração pública em sua face jurídica, eleitoral, cultural. Tais instituições definiram ainda os rumos e estratégias para o território nacional. Racionalizando a administração, mensurando e ampliando as riquezas através da construção da infraestrutura de modo a alterar o perfil do país, predominantemente agrícola e rural até então (PENHA, 1993).
Esse animus vigente, por parte das instituições de Geografia de estimular monografias regionais, conhecer e dar a conhecer cada rincão do país, está explícito nas palavras do diretor do IBGE, José Carlos de Macedo Soares,¹⁰ por ocasião da criação da Biblioteca Brasileira, instituída por resolução do CNG em 1941:
Fiel a orientação moderna, de colocar a Geografia a serviço do homem, a Biblioteca deseja fornecer aos geógrafos, e também aos administradores, obras que contribuam para o exato conhecimento e a perfeita compreensão das realidades geográficas brasileiras, base indispensável à resolução dos problemas nacionais (LAMEGO, 1963, p. 13).
Foi nesse contexto, de afirmação e centralização do Estado Novo, que uma Geografia, direcionada para o reconhecimento do espaço nacional, de modo a subsidiar a ação do governo, ganhou contorno científico, dinamizada por um movimento contínuo de iniciativas dedicadas a impulsionar aquela nova especialidade. Tanto por parte das novas instituições, como o IBGE e o CNG, com edição de revistas e boletins de Geografia, como através de agremiações venerandas, tal qual a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro (SGRJ), existente desde o Império, encarregada da reativação dos Congressos de Geografia.
Enquanto o CNG, guiado pela percepção da urgência em se preparar um corpo técnico para enfrentar os desafios do país naquele momento, apressou o divórcio entre a Geografia e a História (ARANHA, 2014) e trouxe uma lavra de geógrafos estrangeiros integrantes do quadro de profissionais que vieram ao Brasil fundar os cursos de Geografia, a primeira fornada de egressos dos cursos recém-criados em São Paulo e no Rio de Janeiro, produziu monografias regionais, marcando, definitivamente, o nascimento de uma Geografia formal brasileira (MOREIRA, 2010, p. 20) .
Uma Geografia formal, vale lembrar, com ALMEIDA (2000, p. 47), mesclada à Geografia francesa do período:
O contexto epistemológico da época era referenciado pela escola francesa de geografia através da influência de Emmanuel de Martonne, Pierre Deffontaines e de Pierre Monbeig, que além de organizadores de cursos nas Universidades de São Paulo e Rio de Janeiro, foram os orientadores metodológicos da primeira geração de geógrafos do Brasil. Este processo se consolida posteriormente, entre 1940 e 1956, com a vinda de Francis Ruellan, professor francês que orientou e treinou dezenas de geógrafos, tanto do CNG, quanto da Universidade. Em 1941 foi adotada uma divisão regional do Brasil, elaborada por Fábio de Macedo Soares Guimarães e colaboradores, que além de servir de base para a divulgação de dados estatísticos, foi também o embrião de uma ideia de planejamento espacial para o governo federal.
No âmbito desse movimento contínuo de retroalimentação entre o Estado, o território e o pensamento dos intelectuais brasileiros e estrangeiros, direta ou indiretamente relacionados às novas instituições de cunho geográfico e estatístico, a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro¹¹ (SGRJ) promoveu duas grandes jornadas científicas, em Florianópolis (1940) e no Distrito Federal (1944), sucessivamente o IX Congresso Brasileiro de Geografia¹² e o X Congresso de Geografia.
Ambos os eventos reuniram figuras representativas do cenário intelectual brasileiro, como personalidades do panorama político-cultural do Estado Novo, funcionários do recém-criado IBGE, além dos geógrafos estrangeiros, como Pierre Monbeig (CARDOSO, 2013, p. 178). Um dos pontos de inovação dos Congressos do período esteve na formulação de teses oficiais para dissertação:
De modo geral, como era de se prever, as teses oficiais confluíam para o desenvolvimento da cultura geográfica do Estado Novo, tanto na escolha dos temas para estudo quanto na busca de subsídios para orientar a formulação de políticas públicas (CARDOSO, 2013, p. 181).
Ora, Alberto Ribeiro Lamego foi o grande vencedor dos prêmios de melhor tese de geografia nas duas jornadas científicas citadas. O primeiro livro da tetralogia sobre o estado do Rio de Janeiro, O Homem e o Brejo escrito em 1939, obteve a primeira colocação no Congresso de Florianópolis em 1940 enquanto o segundo, O Homem e a Restinga, recebeu a medalha de ouro no X Congresso de Geografia no Rio de Janeiro em 1946.¹³
Devido à excelência do trabalho, a obra O Homem e o Brejo foi indicada pelo Conselho Nacional de Geografia (CNG) para ser o primeiro livro publicado na série Biblioteca Brasileira, Setores da Evolução Fluminense, inaugurando a modalidade relativa aos livros da coleção. Toda a tetralogia seguiu o mesmo caminho e os quatro livros foram lançados pelo IBGE ainda na década de 1940.¹⁴
O geólogo, por fim, tornou-se geógrafo.
considerações finais
Como se depreende do exposto até aqui, vê-se que a tetralogia de Alberto Lamego Filho ligou vários fios da política geográfica do Estado Novo. Em uma escala nacional, cumpriu os desígnios da grande pátria, na medida em que produziu conhecimento sobre a Geografia e a História do estado do Rio de Janeiro, uma das peças importantes do tabuleiro nacional. Na escala local, não fez por menos. Sua tetralogia e outros dos seus escritos, ao lado da obra de seu pai e demais intelectuais fluminenses, cumpriram papel semelhante ao exercido em relação ao plano federal, azeitando a máquina política de Ernani do Amaral Peixoto,¹⁵ interventor no estado do Rio, no período compreendido entre 1937 e 1945.
O amaralismo, estruturado na década de 1940, foi um marco na história do estado do Rio de Janeiro. O grupo do interventor, integrado por intelectuais e políticos atuantes em inúmeras agremiações literárias da antiga capital fluminense, agiu visando o soerguimento político e econômico do estado (FERNANDES, 2009, p. 1).
O ideal de recuperação dos tempos áureos do Império, no século XIX, quando a antiga Província do Rio de Janeiro deteve a proeminência política e econômica¹⁶ no Brasil (GOUVEA, 2008, p. 10) foi recorrente entre a elite política fluminense, desde os primórdios da Primeira República. Durante a interventoria de Amaral Peixoto, no entanto, o governo encetou um conjunto de ações investindo na criação da infraestrutura de modo a viabilizar a reestruturação das atividades agrárias. (FERNANDES, 2009, p. 8).
O grupo de intelectuais associados ao amaralismo, com atuação na administração do estado, buscou (re) construir a identidade fluminense. Esta, pensada a partir do pressuposto de vocação
rural do estado, e de valores rurais que tiveram seu apogeu na Velha Província e implementados pelos departamentos de educação e cultura da administração pública (Fernandes 2009, p. 3).
No centro desse processo de valorização identitária do estado do Rio, via resgate das tradições dos municípios fluminenses, buscando ressaltar cada localidade no conjunto do estado, a Geografia de Alberto Lamego Ribeiro Lamego Filho, tão impregnada da História, Geologia, Folclore, teve um papel de destaque.
O geógrafo Lamego serviu à nação, mas, também, a sua pequena pátria. Ainda hoje sua tetralogia se constitui como leitura obrigatória para aqueles que almejam conhecer a geografia e a história do estado do Rio de Janeiro.
Vá e leia!
referências bibliográficas
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FERNANDES, Rui Aniceto. Historiografia e a identidade fluminense: a escrita da história e os usos do passado no Estado do Rio de Janeiro entre as décadas de 1930 e 1950. 2009. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
FERREIRA, Marieta de Moraes. Notas sobre a institucionalização