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Relações luso-brasileiras: imagens e imaginários
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Relações luso-brasileiras: imagens e imaginários
E-book317 páginas4 horas

Relações luso-brasileiras: imagens e imaginários

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Sobre este e-book

Este livro reúne estudos destacados, com abordagem teórica e crítica diversificada, considerando o muito que já se produziu e se continua a produzir sobre imaginário e imagem em diversos domínios e em diálogos inter e multidisciplinares, mas sobretudo preocupados com uma concepção de imaginário social que lança perguntas e formula algumas respostas para os impasses que o mundo luso- brasileiro vem atravessando na contemporaneidade. Buscamos organizá-los em linhas de reflexão que tratam da produção estética atenta à discussão política das relações luso-brasileiras, às imagens de nação, imagens de sujeitos, à invenção, desconstrução e circulação de imaginários, à crítica das culturas de língua portuguesa e às geografias da emoção: paisagens em movimento.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de abr. de 2020
ISBN9786586280180
Relações luso-brasileiras: imagens e imaginários

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    Pré-visualização do livro

    Relações luso-brasileiras - Ida Alves

    © Ida Alves e Gilda Santos (orgs.), 2018

    © Oficina Raquel, 2019

    EDITORES

    Raquel Menezes

    Evelyn Rocha

    Luis Maffei

    CONSELHO EDITORIAL

    Maria de Lourdes Soares

    Rosa Maria Martelo

    Ricardo Pinto de Souza

    Phillip Rothwel

    Gerson Luiz Roani

    REVISÃO

    Aline Erthal

    FOTO DE CAPA

    Ana Comanduli

    CAPA, PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO

    Julio Baptista (jcbaptista@gmail.com)

    PRODUÇÃO DE EBOOK

    S2 Books

    www.oficinaraquel.com

    oficina@oficinaraquel.com

    facebook.com/Editora-Oficina-Raquel

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    Alves, Ida e Santos, Gilda.

    Relações luso-brasileiras imagens e imaginários / Ida Alves e Gilda Santos (orgs.) – Rio de Janeiro : Oficina Raquel, 2019.

    288 p.

    ISBN 978-85-9500-040-7

    1. Literatura portuguesa 2. Ensaio 3. Relações luso-brasileiras

    CDD 869

    APOIO:

    CAPES / RGPL

    Sumário

    Capa

    Folha de rosto

    Créditos

    Apresentação

    Um espaço de encontro e de saberes

    Relações luso-brasileiras: imagens e imaginários

    Acolhida a Luís Filipe Castro Mendes

    Olhares recíprocos entre portugueses e brasileiros: suas construções e reconstruções no tempo

    Imagens e Interpretações

    Imagens do Brasil. Entre Gândavo, Oswald de Andrade e Heródoto

    A composição ‘repentina’ de sermões sacros no Império Português no século XVII

    O salazarismo e a tradição idealizada: imagens em Portugal, reflexos no Brasil

    Trânsito de Imaginários

    Um pensamento meridiano: o Atlântico Sul e as articulaçoes teóricas luso-brasileiras

    O livreiro Antonio Maria Pereira e o comércio de livros para o Brasil

    Pensar Portugal na ficção portuguesa contemporânea

    Imaginários Ficcionais

    Eça de Queiroz entre farpas e farpões

    Cândida Fortes Brandão: uma gaúcha de faca na bota

    Imagens de identidade em Calabar e Raízes do Brasil

    Imagens e Imaginários entrecruzados

    Cândido Portinari entre Mário Pedrosa e Mário Dionísio: mediação de dois percursos estéticos

    Ainda que eu pintasse o incêndio de Roma, continuaria a ser o cozinheiro na cozinha a arrancar penas: figurações do feminino e de Portugal na obra de Paula Rego

    Bandeira e Pavia não se fizeram num dia: do imagismo brasileiro num poeta português

    Circulação de Imaginários

    Da sociedade musical de Beneficência à Escola de Música da UFRJ: presença, atuação e circulação de músicos nas relações luso-brasileiras

    A música é como um mar de deus: Eduardo Lourenço, um retrato inédito

    Colecionadores e Arquivistas: Leila Danziger e Daniel Blaufuks

    Geografias da Emoção

    Carlos de Oliveira e a outra margem do mar

    José Saramago: com Ricardo Reis do Brasil para Portugal

    Apresentação

    Um espaço de encontro e de saberes

    Francisco Gomes da Costa [ 1 ]

    Em nome da Diretoria do Real Gabinete Português de Leitura, pudemos dar as boas-vindas a todos os participantes do 9º Colóquio Internacional do Polo de Pesquisas Luso-Brasileiras, que se realizou de 03 a 05 de setembro de 2018, subordinado ao tema Relações luso-brasileiras: imagens e imaginários. Entre os muitos amigos presentes, saudamos de modo especial o Senhor Ministro da Cultura de Portugal, Doutor Luís Filipe Castro Mendes, por ter aceitado o nosso convite para a conferência de abertura e por tudo o que sempre fez pelo Real Gabinete e pela comunidade luso-brasileira; bem como ao Senhor Embaixador, Doutor Jorge Cabral; ao Senhor Cônsul Geral de Portugal no Rio de Janeiro, Doutor Jaime Van Zeller Leitão; à Dra. Alexandra Pinho, Conselheira Cultural na Embaixada e Diretora do Camões – Centro Cultural Português em Brasília; ao Dr. Rui Vieira Nery, Diretor do Programa de Língua e Cultura Portuguesas da Fundação Calouste Gulbenkian; e ao Professor Doutor Paulo Knauss, diretor do Museu Histórico Nacional, que vieram conhecer de perto a extensão e a qualidade de nossas múltiplas atividades. Foi com muita honra que os recebemos em nossa casa, que é a primeira associação criada pelos portugueses do Brasil, após a Proclamação da Independência em 7 de setembro de 1822, mais precisamente em 1837.

    Estamos certos de que o 9º Colóquio do PPLB, tal como aconteceu com os anteriores, alcançou os resultados almejados pelos membros da comissão organizadora, entre os quais destacamos as Professoras Doutoras Gilda Santos e Ida Alves, que, com dedicação, se empenharam incansavelmente na realização de mais um encontro sobre as relações luso-brasileiras de forma interdisciplinar e interinstitucional, com a participação de mestres e professores universitários brasileiros e portugueses que nos honraram com suas valorosas contribuições, trazendo-nos o encantamento de seus conhecimentos e saberes.

    Um dos resultados mais concretos do colóquio é certamente a publicação deste livro com a reunião de estudos de destaque apresentados no decorrer das mesas plenárias por especialistas referenciais em suas áreas de atuação. Tais estudos demonstram o quanto há ainda a pesquisar e a discutir sobre as relações luso-brasileiras, permitindo a compreensão mais alargada e mais densa das culturas de língua portuguesa. O leitor interessado encontrará aspectos diversos da literatura, da história, da filosofia e outros domínios afins tratados de forma instigante no trânsito constante entre Brasil e Portugal.

    Este livro torna-se, portanto, um convite a que mais pesquisadores e mais interessados nas culturas de língua portuguesa juntem-se ao nosso Polo de Pesquisas Luso-Brasileiras, intensificando o diálogo e desdobrando, de forma exigente, questionamentos a respeito de tudo que nos torna brasileiros e portugueses conscientes de nossos problemas do passado ao presente, mas também de nossa diversidade cultural capaz de construir um futuro de tolerância, solidariedade e partilha.

    Por fim, também queremos registrar os nossos agradecimentos ao Liceu Literário Português pela parceria na realização do 9º Colóquio com a cessão do espaço onde ecoaram dezenas de comunicações selecionadas que também vieram a constituir uma outra publicação, as Atas do Colóquio de 2018, disponíveis online no site do Real Gabinete Português de Leitura; à CAPES, que apoiou efetivamente mais uma vez nosso encontro, possibilitando a vinda de pesquisadores e a edição das atas e deste livro, e, ainda, à AIL (Associação Internacional de Lusitanistas); seu prestimoso apoio e o honroso comparecimento de seu Presidente, Professor Roberto Vecchi, ainda mais alargou o horizonte geográfico do evento.

    Tudo isso só vem comprovar como, juntos, trabalhamos para que nossa casa centenária continue a ser um espaço vital de conhecimento, de investigação e de encontro entre Portugal e Brasil.

    Relações luso-brasileiras: imagens e imaginários

    Ida Alves [ 2 ]

    Desde que foi criado, em 1837, o Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro difunde a cultura portuguesa no Brasil, haja vista o empenho de todas as suas diretorias na ampliação de um acervo bibliográfico primordialmente de temática lusa, o qual, em 1878, segundo inventário datado desse ano, já atingia 47.616 volumes – motivo suficiente para justificar uma nova sede, a atual, inaugurada em 1887. Hoje, contando à volta de 400.000 títulos, e continuamente alimentado pelo privilégio de ser o único depósito legal fora de terras portuguesas, mantém um trabalho permanente de divulgação e transmissão de um patrimônio cultural vasto a ligar Portugal e Brasil.

    A par do propósito de cada vez mais enriquecer sua biblioteca, o Real Gabinete não poderia deixar de perceber as exigências de dinamismo que o século XX impôs a todo o globo. Assim é que a criação de um centro de estudos em sua estrutura orgânica, no ano de 1969, veio desencadear um processo – irreversível – de novo diálogo com seu público-alvo, através da oferta de cursos, ciclos de conferências, exposições, recitais de música e de poesia. Nas últimas décadas, tem buscado cada vez mais unir-se ao trabalho desenvolvido por um conjunto de universidades sediadas no Rio de Janeiro, para ampliar sua atuação em relação ao estudo e divulgação da cultura luso-brasileira. Em abril de 2001, foi criado em suas dependências o Polo de Pesquisa sobre Relações Luso-Brasileiras (PPRLB), hoje Polo de Pesquisas Luso-Brasileiras – PPLB. Eminentemente interinstitucional e multidisciplinar, o PPLB vem se afirmando como espaço aberto à interação de professores e alunos dedicados a estudos sobre as relações luso-brasileiras em diferentes abordagens. Sua coordenação geral está com a Professora Gilda Santos (UFRJ/RGPL), figura de reconhecida importância no fortalecimento dessas relações, especialmente no campo literário e na reflexão interdisciplinar. Ao seu lado, reúnem-se docentes e pesquisadores universitários, de diferentes áreas, sobretudo letras e história, os quais, ao longo dos anos, vêm realizando, no espaço do Real Gabinete Português de Leitura e de suas universidades, isoladamente ou em grupos, diversas atividades de extensão e de pesquisa com esse foco, valorizando o rico acervo do Real Gabinete.

    Entre tantas realizações, podemos destacar a catalogação e digitalização dos manuscritos sob a guarda da instituição, agora disponíveis para consulta online no site do RGPL; O Real em revista (2014-2015), que contou com patrocínio do Programa Petrobras Cultural [ 3 ] para a digitalização de mais de 30.000 páginas de coleções de periódicos portugueses e brasileiros do século XIX (disponíveis em www.orealemrevista.com.br), além de diversas atividades de divulgação (visitas guiadas, seminários, vídeos, exposições, livros); e o Páginas luso-brasileiras em movimento, disponível em http://www.paginasmovimento.com.br/, com patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa – Portugal, base digital de dados literários que possibilita ao usuário a imersão na cultura de língua portuguesa por meio do diálogo das literaturas portuguesa e brasileira, do século XVI ao século XXI, com questões hoje fundamentais a respeito da experiência do espaço e paisagem, vivência ecológica, história e turismo.

    Desde 2001, o PPLB vem organizando colóquios, que já se tornaram uma tradição nas áreas de letras e história, em diálogo com outros domínios, sempre incentivando estudos e divulgação de pesquisas sobre questões luso-brasileiras. Seus anais podem sem consultados no site do Real Gabinete Português de Leitura. Cada colóquio torna-se espaço especial para a troca de saberes, através do intercâmbio entre pesquisadores, docentes e discentes, que vêm de diferentes universidades do Brasil e do exterior, propiciando a atualização de conteúdos e práticas, de reflexão teórica e trabalho crítico. Além disso, contribui para a divulgação de resultados de pesquisa para o público em geral, estabelecendo laços entre a universidade e a sociedade que a cerca.

    O último colóquio, o nono, ocorreu de 03 a 05 de setembro de 2018, sob o tema relações luso-brasileiras: imagens e imaginários. Foram convidados especialistas brasileiros e estrangeiros das áreas envolvidas com currículo sedimentado e comprovada contribuição investigativa. Seu maior interesse foi motivar os participantes a pensarem como se configuraram imaginários em torno das ideias de brasilidade e portugalidade e como tais ideias se cruzaram para constituírem modos de estar na cultura de língua portuguesa. O tema, necessariamente amplo e diversificado, provocou a discussão de práticas e processos simbólicos, ideológicos e pragmáticos sobre Portugal e Brasil, em suas múltiplas relações ao longo dos séculos. Seja no campo da literatura ou artes em geral, história, filosofia, sociologia e outras campos de saber, os investigadores puderam pensar configurações imagéticas e imaginários sociais que vêm, no passado ou contemporaneamente, marcando as culturas portuguesa e brasileira. Por isso, as linhas de abordagem buscaram possibilitar um leque aberto de opções de reflexão sob diversos aspectos que unem ou separam essas duas culturas com tantos pontos em comum a partir da língua portuguesa.

    Neste livro, reúnem-se estudos destacados, com abordagem teórica e crítica diversificada, considerando o muito que já se produziu e se continua a produzir sobre imaginário e imagem em diversos domínios e em diálogos inter e multidisciplinares, mas sobretudo preocupados com uma concepção de imaginário social que lança perguntas e formula algumas respostas para os impasses que o mundo luso-brasileiro vem atravessando na contemporaneidade. Buscamos organizá-los em linhas de reflexão que tratam da produção estética atenta à discussão política das relações luso-brasileiras, às imagens de nação, imagens de sujeitos, à invenção, desconstrução e circulação de imaginários, à crítica das culturas de língua portuguesa e às geografias da emoção: paisagens em movimento. São estudos de pesquisadores reconhecidos em suas áreas de docência e de reflexão, que contribuem certamente para repensarmos a imaginação social, no campo luso-brasileiro, ao longo de cinco séculos, ressoando o que diz Bronislaw Baczko, em seu verbete sobre "Imaginação social na Enciclopédia Einaudi [ 4 ]:

    O imaginário social é, deste modo, uma das forças reguladoras da vida coletiva. As referências simbólicas não se limitam a indicar os indivíduos que pertencem à mesma sociedade, mas definem também de forma mais ou menos precisa os meios inteligíveis das suas relações com ela, com as divisões internas e as instituições sociais, etc. [...] O imaginário social é, pois, uma peça efetiva e eficaz do dispositivo de controle da vida coletiva e, em especial, do exercício da autoridade e do poder. Ao mesmo tempo, ele torna-se o lugar e o objeto dos conflitos sociais.

    Cabe ainda registrar que, no dia da abertura do 9º Colóquio, houve dois minutos de silêncio: o primeiro pelo incêndio da véspera que destruiu o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, com perda irreparável de peças da memória nacional e do conhecimento universal; o segundo, pelo falecimento da Professora Doutora Ofélia Paiva Monteiro, professora catedrática aposentada da Faculdade de Letras de Coimbra, onde, ao longo de décadas, exerceu o magistério e realizou trabalho notável sobre estudos comparados, com grande destaque para suas pesquisas sobre vida e obra de Almeida Garrett, com inúmeras publicações incontornáveis nesse campo de investigação. Duas perdas com fortes ligações luso-brasileiras.

    Por fim, desejamos agradecer à CAPES o apoio para a realização do Colóquio com a publicação on line das atas [ 5 ], no site do Real Gabinete Português de Leitura, e para a edição deste livro com seus diferentes trajetos de reflexão sobre imagens e imaginários a ligar Brasil e Portugal.

    Acolhida a Luís Filipe Castro Mendes

    Gilda Santos [ 6 ]

    Sobre sua brilhante carreira diplomática, não faltam dados objetivos na web e a maioria dos presentes conhece seus passos. Sobre suas funções à frente do Ministério da Cultura, desde abril de 2016, são igualmente sabidas as várias medidas que tomou, procurando driblar com maestria a eterna falta de verbas de que padecem as áreas culturais mundo afora.

    Detenho-me então no recordar o Cônsul-Geral no Rio de Janeiro, que, de 1998 a 2001, aqui atuou proficuamente em prol das relações luso-brasileiras. Nessa atuação excedeu largamente o que o cargo lhe pedia e foi incansável em iniciativas que tornassem mais sólidos os diálogos possíveis entre os dois países. Eis porque sempre entenderemos que voltar ao Rio será sempre voltar a um lugar todo seu, onde não faltarão braços abertos a recebê-lo.

    Particularmente em relação ao Real Gabinete Português de Leitura, é preciso enfatizar seu cuidado atento, seu olhar de poeta, não deixando jamais de prestigiar tudo que aqui se promovia. E o mesmo se pode dizer quanto ao trabalho desenvolvido nas universidades do Rio pelos professores/pesquisadores de cultura portuguesa. Dizer-lhe obrigado sempre foi pouco, mas tentamos.

    E nós, do hoje Polo de Pesquisas Luso-Brasileiras, devemos-lhe um agradecimento suplementar: ele e sua esposa, então Consulesa Margarida Barahona, participaram, no dia 24 de abril de 2001, da primeira reunião, absolutamente informal e despretensiosa, que lançou a semente deste Polo. Eis porque sempre o consideraremos como nosso patrono. E melhor patrono não haverá.

    Deixou saudades enormes e amigos incontáveis quando, ao findar de sua missão, daqui partiu. E a nossa alegria é saber que, pela sua faceta de poeta, também nos declarou essa amizade recíproca:

    AMIGOS NO RIO DE JANEIRO

    Dos amigos falamos com leveza.

    Não cabem muitas vezes num poema

    tão cheio de si próprio,

    de sílabas sonantes,

    de som e de fúria contidos

    e negados,

    de sentimentos despercebidos

    e truncados.

    São leves demais,

    nítidos demais

    para um poema.

    (Os dias inventados. Lisboa: Gótica, 2001, p. 29)

    Então, querido amigo, bem-vindo seja, mais uma vez e sempre, a esta sua casa.

    Olhares recíprocos entre portugueses e brasileiros: suas construções e reconstruções no tempo

    [ 7 ]

    Luís Filipe Castro Mendes [ 8 ]

    É sempre comovidamente que regresso aqui e é com uma profunda e íntima alegria que agradeço o vosso convite para inaugurar estas jornadas.

    Olharmos uns para os outros. Olharmo-nos como portugueses nos olhares brasileiros. Olhar-vos como brasileiros nos olhares portugueses. E compreender que para vivermos esta longa história de encontros e de partilhas, de enfrentamentos e de ausências, temos que tomar como ponto de partida isto: que só podemos reconhecermo-nos e identificarmo-nos uns aos outros com autenticidade se começarmos por demarcar as nossas diferenças e distâncias.

    Qualquer relação entre os seres passa pela diferenciação. Partilhamos com mais intensidade e brilho esta língua portuguesa que nos é comum quanto mais soubermos aprender e saborear as diferenças nas nossas falas, nos nossos usos diversos e tão afins desta nossa língua, que tanto vai roçar na canção de Caetano enquanto língua de Camões como se expande e transfigura em tempos e espaços na torrencial prosa de Guimarães Rosa ou se multiplica em interrogações no universo de Fernando Pessoa. De diferenças somos feitos e na diferença nos orgulhamos.

    Por isso morarmos juntos nesta língua requer a sabedoria de povos habituados a fazer de tantas léguas a nos separar, tanto mar o próprio caminho da nossa implantação no mundo. O mar deu-nos a distância, mas levou-nos à viagem. Parecendo condenar-nos ao isolamento, acabou por nos fazer errantes, peregrinos e sempre curiosos e inquietos de entender o que nos é alheio.

    Bichos da terra tão pequenos, chegámos aqui para trocar toucas de lã por fios de pedra com seres humanos que logo reconhecemos nessa comum humanidade que permitiu aos nossos marinheiros dançar e folgar com eles e examinar-lhes sem rebuço as partes vergonhosas. E Pêro Vaz de Caminha regista esse primeiro encontro com a mesma curiosidade desprovida de ideias feitas com que Fernão Mendes Pinto se deslumbra na sua Peregrinação com o requinte e a organização da civilização chinesa.

    Curiosos de viver com os outros, obrigados ao mar pela escassez da terra, vivemos não obstante a nossa história com a mesma carga de dor, violência e crueldade que todos os processos civilizacionais atravessaram. Walter Benjamin dizia que todos os monumentos de cultura são ao mesmo tempo monumentos de barbárie. Era bom que parássemos para refletir sobre esta afirmação. Vivemos tempos em que o maniqueísmo das fórmulas morais se veio sobrepor ao pensamento histórico dialético e em que é mais difícil para nós compreender que a barbárie dos tráficos de escravos ou a violência das explorações coloniais possam ter conduzido e gerado encontros e misturas de gentes e costumes, sínteses de civilizações e fórmulas de convívio, nascidas por certo na barbárie de um mundo violento e desigual, mas que nos apontam na sua mesma heterogeneidade para um mundo que seja capaz de derrubar os muros e os preconceitos entre as diferentes identidades que o constituem. Marx falava da violência como da parteira da História. A violência de que nascemos e de que nascem as civilizações deve levar-nos a negar a força e a grandeza de tudo aquilo que brota destes encontros e destas misturas, destas agonias e destas sínteses?

    Por isso houve, sim, descobertas e de descobertas devem ser chamadas. Mas essas descobertas foram recíprocas. Nós descobríamos as pedrinhas dos ameríndios como eles descobriam as nossas toucas de lã. E no outro extremo da viagem de Caminha, nós descobríamos o melhor caminho para negociar com o Samorim de Calicute, sem passar pelos intermediários turcos, ao mesmo tempo que o Samorim descobria novos parceiros comerciais, com quem concorrer, disputar ou fazer aliança. Precisamos também de descolonizar a nossa visão do passado. Precisamos de descolonizar as descobertas, como disse o nosso Primeiro Ministro António Costa. E precisamos de viver os nossos passados como factos e não como motivos demagógicos e anacrónicos de glória ou de culpa, de ufanismo ou de irrisão.

    Mas hoje, aqui e agora, é com o Brasil que falamos. E é de olhares recíprocos e palavras partilhadas que tratamos. Deixem-me então em primeiro lugar prestar a homenagem devida por Portugal, por todos os portugueses, e pela nossa cultura comum, a este monumento de civilização que é o Real Gabinete Português de Leitura.

    Após a independência do Brasil os portugueses continuaram a vir procurar aqui as condições de vida e de trabalho que a nossa terra não lhes proporcionava. Daí o crescimento de uma comunidade luso-brasileira que orgulha os nossos dois países pela grandeza do seu trabalho e pela riqueza das suas realizações. Foi com esta comunidade, e permitam-me a divagação pessoal, que eu e minha mulher tivemos a honra e a alegria de conviver e privar durante os cinco felizes anos que aqui passei como cônsul-geral de Portugal no Rio de Janeiro. E, prosseguindo nesta memória pessoal, mas agora também na minha qualidade institucional, não poderia deixar de evocar com elevado apreço e comovida saudade a memória um amigo, que foi a grande força inspiradora e impulsionadora nos últimos anos desta instituição, de toda a sua riquíssima memória e da promessa viva do seu futuro: falo do nosso saudoso António Gomes da Costa, que abraço aqui na pessoa do seu irmão Francisco, digno sucessor, à altura da obra criada.

    Vários gabinetes de leitura criados em diversas cidades do Brasil mostram a intensa atividade cultural que a comunidade luso-brasileira desenvolve e cria. E, se este Real Gabinete do Rio de Janeiro constitui a emblemática joia da coroa dessa rede de instituições culturais espalhada por diversos estados do Brasil, queria anunciar-vos que, estabelecido que foi um acordo que permite ao Estado Português, através do Instituto Camões, cooperar agora mais eficaz e ativamente com as entidades associativas na gestão deste Real Gabinete Português de Leitura, estamos a preparar agora, em coordenação com a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, um trabalho de cooperação com diversos outros gabinetes portugueses de leitura, noutros lugares do Brasil, por forma a com eles estabelecermos um trabalho de melhor identificação dos seus acervos.

    Mas se o Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro atingiu este patamar de excelência e reconhecimento, que o tornou instituição-bandeira nas relações entre Portugal e o Brasil, isso ficou a dever-se por certo à dedicação e empenhamento das estruturas associativas da comunidade portuguesa, que tive já oportunidade de destacar, mas deve também e muito à ação conduzida permanentemente e desde há muitos anos pelo Polo de Pesquisas Luso-Brasileiras, de que inauguramos hoje o 9º Colóquio, e que tem dezenas de anos de trabalho por detrás; e permitam-me, uma vez mais não só a título institucional mas também como testemunho sentido e pessoal, que distinga aqui a figura de Gilda Santos, incansável militante desta nossa causa de levar a encontrarem-se os nossos olhares

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