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Grafias da cidade na poesia contemporânea (Brasil-Portugal)
Grafias da cidade na poesia contemporânea (Brasil-Portugal)
Grafias da cidade na poesia contemporânea (Brasil-Portugal)
E-book234 páginas2 horas

Grafias da cidade na poesia contemporânea (Brasil-Portugal)

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Sobre este e-book

A cidade, como a poesia, é palco desafiador que proporciona incontáveis reflexões e questionamentos. Pensando nisso, Ida Alves e Marleide Anchieta reúnem, neste livro, diversos ensaios de jovens pesquisadores que se propõem a discutir cidade e poesia de forma acentuada e comprometida, tendo como base os versos luso-afro-brasileiros de importantes nomes da poesia de nosso tempo, percorrendo múltiplos espaços urbanos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento19 de mar. de 2020
ISBN9788565505680
Grafias da cidade na poesia contemporânea (Brasil-Portugal)

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    Pré-visualização do livro

    Grafias da cidade na poesia contemporânea (Brasil-Portugal) - Ida Alves

    © Ida Alves e Marleide Anchieta (orgs.), 2015

    © Oficina Raquel, 2015

    CONSELHO EDITORIAL

    Maria de Lourdes Soares (UFRJ)

    Rosa Maria Martelo (Universidade do Porto)

    Ricardo Pinto de Souza (UFRJ)

    Phillip Rothwell (Rutgers University)

    Gerson Luiz Roani (Universidade Federal de Viçosa)

    EDITORES

    Raquel Menezes e Luis Maffei

    CAPA

    Marcel Lopes

    PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO

    Julio Baptista

    jcbaptista@gmail.com

    REVISÃO

    Fernanda Paixão

    PRODUÇÃO DE EBOOK

    S2 Books

    www.oficinaraquel.com

    oficina@oficinaraquel.com

    facebook.com/Editora-Oficina-Raquel

    Alves, Ida e Anchieta, Marleide

    Grafias da cidade na poesia portuguesa contemporânea. Oficina Raquel, 2015.

    212 p. ; 14 x 21 cm

    ISBN: 978-85-65505-73-4

    1. Ensaios brasileiros I. Poesia Portuguesa

    CDD 869.4

    Sumário

    Capa

    Folha de rosto

    Créditos

    Apresentação

    A cidade na poesia portuguesa contemporânea

    Ruy Belo e João Miguel Fernandes Jorge: cidades de volumes e arestas

    Um supermercado em Lisboa: Dizer A Nudez dos Códigos de Barras

    Sem lugar na cidade — Percepção urbana em Este Mundo, Sem Abrigo, de Jorge Gomes Miranda

    Dois tópicos para um estudo acerca da questão urbana na poesia de António Franco Alexandre: encontros e desencontros em le tiers exclu, fantasia política

    Eu tenho a rua inteira/Cravada entre as costelas — A cidade como alastramento na poesia de Rui Pires Cabral

    Diálogos urbanos

    Suposições enxadrísticas: Pedaços da paisagem aqui dentro em André Queiroz e Joaquim Manuel Magalhães

    A percepção da cidade em Cesário Verde e Nuno Ramos

    O Que (Se) Dirá Desta(s) Cidade(s)? Diálogos urbanos entre a poesia contemporânea do Brasil e de Portugal

    Bernardo Soares e Eduardo White: o desassossego do olhar

    Cartografias Urbanas: Uma leitura da cidade em Manuel de Freitas e Paulo Leminski

    Apresentação

    Em O problema da habitação, livro de 1962, o português Ruy Belo já nos alertava: Não há tempo ou lugar onde habitar. O poeta, naquele momento, sinalizava os sintomas de uma relação desconcertante entre homem e espaço-tempo citadino que, cada vez mais, se consolidava e se configurava através da palavra poética. Na mesma esteira, a jovem portuguesa Filipa Leal, ao experimentar o desabrigo urbano apontado por Ruy Belo, sintetiza — Não há na cidade um lugar/ com lugar —, registrando a força semântica da perda, seja do ponto de vista geográfico — ponto desabitado e incerto de ruas —, seja por um viés humano — de gente sem voz sem gente. É com o signo da negatividade, da falta, de ocupações provisórias que a cidade tem se materializado na poesia contemporânea, especialmente no Brasil e em Portugal. Desse modo, a experiência citadina, conforme pontua o brasileiro Paulo Leminski, vem produzindo uma faísca de uma nova poesia.

    Com base na problematização dessas perspectivas, os estudos aqui reunidos discutem poéticas que nos levam a refletir acerca da paisagem urbana e de seus efeitos para a vida na contemporaneidade. Tais discussões surgiram em 2011, durante reuniões de gra­duandos (bolsistas de Iniciação Científica), mestrandos e doutorandos orientados por Ida Alves, na Universidade Federal Flu­mi­nense. Instigados pela referida professora e interessados em mobilizar seus repertórios de leitura, tanto no âmbito literário quanto no teórico-crítico, e entrecruzar discursos poéticos em língua portuguesa, os jovens pesquisadores buscavam compreender a paisagem, especificamente a citadina, enquanto estrutura significativa a construir e, de certa forma, a alterar nossa percepção espaciotemporal. Nos seus encontros de estudo, realizaram análises de poemas, sobretudo modernos e contemporâneos, em que se lia a cidade com suas grafias díspares, inter-relacionais e intertextuais, sua forma de expressar as tensões do tempo e os questionamentos do lugar da poesia nesse contexto.

    Inseridos no grupo de pesquisa (UFF-CNPq) Estudos de Paisagem nas Literaturas de Língua Portuguesa, coordenado pelas professoras Ida Alves (UFF) e Márcia Manir Feitosa (UFMA), esses pesquisadores, que participam ativamente de eventos e de publicações acerca dos estudos paisagísticos, propõem diálogos, conforme se pode observar nos ensaios deste livro, procurando valorizar as diferentes abordagens a respeito de nosso objeto de inquirição. Numa dinâmica intelectiva e afetiva, eles se unem constantemente para pensar seus trajetos de investigação e as questões que movimentam as literaturas e as culturas de língua portuguesa.

    Remetendo-nos mais uma vez a Ruy Belo, nessas reuniões, transformaram os textos poéticos em sala de convívio, ou nas palavras do português Manuel Gusmão, num espaço de experimentação verbal dos afectos. Converteram encontros amigáveis e reflexivos em ensaios de um livro a tanto tempo almejado e que desejamos compartilhar com todos aqueles interessados em desenvolver leituras críticas e dialogantes sobre a presença urbana no discurso poético.

    Para melhor divulgar estes trabalhos e organizar nossa proposta, projetamos estes ensaios e os estruturamos em duas partes. Na primeira, intitulada A cidade na poesia portuguesa contemporânea, Aline Erthal, Ana Beatriz A. Penna, Julio Cesar Cattapan, Paulo Ricardo Braz e Tamy de Macedo Pimenta discutem a configuração de uma percepção urbana pautada na perda, nas impossibilidades de pertencimento, no embate existencial e nas complexas relações mercadológicas que se inscrevem no Portugal contemporâneo. Já em Diálogos urbanos, André Ramos, Leonardo Santos, Marleide Anchieta, Paulo Tostes e Rosimar Araújo, apostando nas relações entre diferentes vozes da poesia em língua portuguesa, apresentam-nos estudos comparativos entre poetas portugueses e brasileiros — um deles também de vertente africana — que, embora sinalizem suas particularidades urbanas, esboçam grafias possíveis de corpos urbanos textuais (d)este mundo sem abrigo.

    Ida Alves e Marleide Anchieta

    A cidade na poesia portuguesa contemporânea

    Ruy Belo e João Miguel Fernandes Jorge: cidades de volumes e arestas

    Aline Duque Erthal (UFF/Capes) [ 1 ]

    Desde a segunda metade do século XX, em diversas áreas do conhecimento, como arquitetura, geografia, antropologia, sociologia, história da arte e filosofia, tem-se observado a retomada de um interesse reflexivo sobre a paisagem. Na literatura, o conceito (tradicionalmente considerado mero cenário para uma ação ou imagem metafórica para estados de espírito e acontecimentos individuais e coletivos) voltou à baila problematizado como estrutura fundamental para questionamentos da relação entre homem, linguagem e mundo, tomados como espaços abertos uns aos outros, com trocas constantes entre si. Para essa abordagem renovada da paisagem, contribui determinantemente uma teoria da percepção atualizada a partir da fenomenologia hermenêutica, compreendendo o texto literário como trânsito de olhares e corporeidade significativa. Nesse campo, um dos mais ativos pesquisadores é Michel Collot, para quem a paisagem "se investe de significações ligadas à existência e ao inconsciente do sujeito que percebe" (Collot: 2012, p. 11). Essa organização perceptiva é, portanto, também simbólica.

    Em âmbito português, duas organizações paisagísticas atravessam com particular recorrência a poesia: a marítima (praia, mar, areia, barco, vento, dunas) e a urbana. Revestidas de novos significados, surgem como uma experiência em que sujeito e objeto são inseparáveis, não somente porque o objeto espacial é constituído pelo sujeito, mas também porque o sujeito, por sua vez, encontra-se englobado pelo espaço (Collot: 2012, p. 13). Neste artigo, vou me deter no ambiente citadino [ 2 ] para verificar a relação estabelecida entre os sujeitos poéticos e uma paisagem que passou por aceleradas mudanças (a urbanização e os consequentes impactos sociais, a construção de vias que interligam as diferentes regiões do país), alterando definitivamente a percepção espaçotemporal e subjetiva do português. "Experiencia-se o estranhamento e o desencontro frente à realidade das cidades transformadas velozmente, com consequentes e fundas perdas de memória espacial e afetiva para o sujeito que as vivencia" (Alves: 2010, p. 208) [ 3 ].

    Vamos, por ora, nos concentrar em dois nomes cruciais na trajetória poética de Portugal no pós-60: João Miguel Fernandes Jorge [ 4 ] e Ruy Belo [ 5 ]. Os poetas dialogam entre si em muitos aspectos. Ambos se dedicam a experimentar os limites prosa/poesia (com discursividade [ 6 ] jamais frouxa, sempre tensa), poesia/outras artes (com écfrases e diálogos mais ou menos diretos com pinturas, instalações, cinema), da metrificação (ora rígida, ora flexível; oscilando entre versos longuíssimos ou de uma só palavra). Sua produção é marcada pelo intenso cruzamento de textos (de sua própria autoria, com versos retomados em poemas diversos, e com textos de outros, como Camões, Fernando Pessoa, Bíblia) e um permanente exercício metapoético, com a desnudação reflexiva, investigativa (e, muitas vezes, irônica) dos processos de produção textual. Sobretudo, os dois poetas debruçam-se com especial atenção sobre a relação com a matéria da linguagem, explorando as múltiplas possibilidades do significante — resultando disso ricas aliterações, paronomásias, assonâncias, anagramas. [ 7 ]

    Além de semelhanças formais, RB e JMFJ partilham uma ligação da espacialidade com o fazer poesia que transcende a esfera temática ou rítmica. A experimentação da paisagem (relação concreta do sujeito com ela) configura o escrever de RB e JMFJ, dois poetas que fazem do estar no mundo sua estética e sua ética. As coisas poéticas têm a ver com processos físicos, prega JMFJ, que completa: não são metafísica, por isso tenho de ater-me, por pouco que saiba, ao sítio do mundo que me foi dado (Jorge: 1981, p. 11). A experiência é sempre imprescindível ao poeta, mesmo que só seja para dela se evadir através da arte, afirma RB (Belo: 2002, p. 59), para adiante acrescentar: O poeta, embora culto e senhor da sua técnica, parte da realidade ou — como disseram os clássicos e nós podemos voltar a dizer — imita a natureza (Belo: 2002, p. 60). Experiências, sensações, vivências dão forma a esse escrever, constituem a matéria-emoção [ 8 ] que é o poema. A paisagem

    n’est pas seulement vu, mais perçu par les autres sens, dont l’intervention ne fait que confirmer et enrichir la dimension subjective de cest espace, senti de multiples façons et, par conséquent, aussi, ressenti. Toutes sortes de valeurs affectives, impressions, émotions, sentiments, s’investissent dans le paysage, qui devient de la sorte intérieur autant qu’extérieur. [ 9 ] (Collot: 2011, p. 28-29)

    Ruas, praças, galerias de arte, restaurantes: os sujeitos de RB e JMFJ deslocam-se pelo espaço urbano. Vivenciam situações do cotidiano da cidade — fala-se na timidez que na loja nos assalta de pedir o troco (Belo: 2009, p. 114); em saltos que se prendem nas calçadas (Belo: 2009, p. 141); em uma brusca frase do corredor do metro: ‘Quantos / negros mataste?’ (Jorge: 1987a, p. 67). Possuem corpos apresentados em toda a sua concretude — muitas vezes decrépita ou repulsiva: eles escarram (Jorge: 2000, p. 76; Belo: 2009, p. 130), vestem casacos rotos, trazem barbas por fazer.

    Por meio dos sentidos, esses corpos experimentam o mundo — o frio da manhã, o trânsito / da avenida, as vozes que tanto comoviam (Jorge: 2000, p. 57); Quase tão agradável como no inverno introduzir os pés frios na cama / e ouvir pela manhã o resfolegar do caterpillar número 6 / e acordar os funcionários do sindicato em frente (Belo: 2009, p. 141). Mundo que, como os sujeitos, tem assinalada sua pertença a uma materialidade sensível, e muitas vezes também se mostra degradado: O cheiro do café, a cafeteira de metal usado, / a minha chávena era branca e tinha a asa / levemente ferida (Jorge: 2000, p. 56); Das casas das melhores famílias da cidade / sobe ao cair da tarde o complexo perfume / das orações transpirações dejectos (Belo: 2009, 142). Lençóis e jornais velhos, degraus de madeira apodrecida, sabonetes gastos, objetos empoeirados compõem cenários roídos pelo tempo.

    Verso após verso, indivíduos não apenas circulam e coletam impressões pela cidade: sujeitos e espaço sentem-se mutuamente. Olham-se, modificam-se, envelhecem; passam e morrem [ 10 ] em um processo materialmente sensível. Em JMFJ e RB, a paisagem não é mero cenário, tema, metáfora; e a subjetividade não apenas ressoa ecos do mundo exterior. Mas sim, apoiando-nos nas palavras de Michel Collot, "unit étroitement une image du monde, une image du moi, et une construction de mots" [ 11 ] (Collot: 1997b, p. 192). O sujeito

    pertence ao número das coisas, é uma delas, está preso na textura do mundo, e a sua coesão é a de uma coisa. Mas, posto que vê e se move, ele mantém as coisas em círculo à sua volta, elas são um seu anexo ou prolongamento, estão incrustadas na sua carne, fazem parte da sua definição plena, e o mundo é feito do mesmo estofo do corpo. (Merleau-Ponty: 2002, p. 21)

    A subjetividade é tecida na relação com o mundo [ 12 ] — e o mundo é constituído na relação com a subjetividade. Paisagem, sujeito, corpo e escrita se interpenetram, co-movem (em movimento mútuo e agitação de sentimentos). Abrem-se à alteridade e se constroem com ela. Vamos observar em dois poemas como se dá esse enovelamento.

    Ao longo de suas dezenas de versos, Meditação anciã (Belo: 2009, p. 716) traça o percurso do dia/percurso da vida, começando de manhã, com a imagem de uma infância já longínqua, e terminando com a noite, numa prefiguração da morte. Imbricam-se tempo do mundo e tempo do sujeito, e não só: o mundo (e é inevitável lembrarmo-nos mais uma vez de Collot) [ 13 ] se faz carne e afetividade; e o corpo e a subjetividade, por sua vez, tornam-se paisagem. [ 14 ] Logo no início do poema, o sujeito inscreve-se corporalmente em um tempo e um local (me sento, esta manhã, aqui), e o dístico "sentado penso/ me sento aqui me sinto abre o fluxo entre materialidade, intelecção e sensação. Soa outro verso: ser de algum modo em mim a vida o que é / sensação movimento consciência" (Belo: 2009, p. 718). Os versos manejam múltiplos significados de sentir: perceber por meio dos sentidos, experimentar; deixar-se impressionar por; pressagiar; ter ou tomar consciência (de) [uma impressão íntima, um estado espiritual, uma condição física] [ 15 ]:

    Seria outra manhã esta manhã

    se sentado num banco eu que sentado penso

    se eu que aqui me sento aqui me sinto

    mais à margem da vida do que à beira da avenida

    a não sentisse tão sensivelmente eu

    abrir como uma flor e ser o espaço

    que há nesse regaço tutelar do céu

    Segue o poema, e a imbricação sujeito/paisagem torna-se cada vez mais estreita. Coisa/eu, rosto/paisagem intercambiam-se e desenham um deslocamento vertical comum, em queda permanente. Modificam-se e são reversíveis (Sem mim jamais o sol seria este sol / nem outro sol qualquer sendo este mesmo; Fui este sol intenso neste outono de madrid / sobre as crianças todas que são donas deste espaço / da manhã do domingo aqui nesta cidade). Outros fragmentos:

    Cada árvore cai em cada folha

    e assim se multiplica essa queda

    da vida vertical do tão vibrante verão

    (...)

    Fui alvo do outono perdi folhas

    e sobre esta cabeça choveu tanto

    e vergou tanto ao vento este meu tronco

    (...)

    As árvores ao vento os cabelos ao vento

    as folhas verdes os cabelos loiros

    folhas sombrias tristes quase humanas

    cabelos naturais quase minerais

    tudo deve visivelmente a vida ao vento

    As árvores são humanas, o sujeito é tronco, o outono atravessa-os e os desbasta. A treva erra nos olhos, aqui fora mas também no coração. É abolida a distância entre coisa e eu. Há um esmagamento da perspectiva — essa telescopagem dos planos (expressões usadas por Nelson Brissac Peixoto em seu livro Paisagens urbanas) —, interpenetração de camadas, formando uma única geografia, um único rosto. O poema Casa de chá em Vila Real (Jorge: 2000, p. 19) traz pontos de contato com o texto beliano:

    Numa manhã de junho sentado à mesa de uma

    casa de chá em Vila Real tive um sonho que

    me espantou e as imaginações na minha cama,

    em S. Gonçalo, no Marão,

    e as visões em minha cabeça turvaram.

    Por mim se fez este balcão pelo

    qual foram introduzidos à minha presença os

    frades, domínicos da Sé, ali defronte.

    (...)

    Crescia uma árvore que quase chegava ao céu.

    Vinha da margem do Corgo, passava a

    cidade, chegava bem alto.

    (...)

    Ao lado crescia aquela árvore

    cuja altura era grande dentro e fora da

    minha cabeça.

    Vendo as aves do céu fazerem morada

    nos ramos, os frades acharam sombra

    sob as traves de madeira da sua igreja e

    cantavam derrubai a árvore cortai-lhe os

    ramos sacudi as folhas.

    A única coisa a fazer era beber o chá e

    esperar pelo virar da avenida.

    Como em Meditação anciã, nos primeiros versos o sujeito assinala sua presença em um local e tempo. A posição do corpo é a mesma: ele está sentado, como quem espera. O registro desse estar concreto é logo tensionado, porém, por um fluxo onírico que cruza espaços (casa de chá na cidade de Vila Real/cama em

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